APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002049-08.2012.4.03.6100
RELATOR: Gab. 20 - DES. FED. MAIRAN MAIA
APELANTE: ANATEL - AGENCIA NACIONAL DE TELECOMUNICACOES
Advogado do(a) APELANTE: ELENI FATIMA CARILLO BATTAGIN - SP127599-A
APELADO: VOITEL LTDA
Advogado do(a) APELADO: MARCOS PAULO PASSONI - SP173372-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002049-08.2012.4.03.6100 RELATOR: Gab. 20 - DES. FED. MAIRAN MAIA APELANTE: ANATEL - AGENCIA NACIONAL DE TELECOMUNICACOES Advogado do(a) APELANTE: ELENI FATIMA CARILLO BATTAGIN - SP127599-A APELADO: VOITEL LTDA Advogado do(a) APELADO: MARCOS PAULO PASSONI - SP173372-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Cuida-se de ação anulatória ajuizada por VOITEL LTDA em face de ANATEL, por meio da qual se pretende o reconhecimento de nulidade de auto de infração administrativo (007RJ20050121) De acordo com a inicial, imputou-se à autora infração consistente, em síntese, em operação de sistema que se confunde com o Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC) sem devida outorga, a infringir os artigos 131, 183, parágrafo único, e 184 da LGT. Aduz-se indevida a imputação, porquanto baseada em prova obtida ilicitamente (quebra de sigilo de dados telefônicos), bem assim diante da não observância do princípio do contraditório. A sentença julgou procedente o pedido. Reconheceu a ocorrência de violação de dados resguardados por sigilo constitucional (art. 5º, XII), sem ordem judicial, e declarou a nulidade do auto de infração lavrado. Honorários advocatícios arbitrados em 10% sobre o valor da causa, atualizado. Em apelação, a ANATEL requereu a reforma da sentença. Prequestionou dispositivos constitucionais e legais. Com contrarrazões de apelação, os autos foram remetidos a esta Corte. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002049-08.2012.4.03.6100 RELATOR: Gab. 20 - DES. FED. MAIRAN MAIA APELANTE: ANATEL - AGENCIA NACIONAL DE TELECOMUNICACOES Advogado do(a) APELANTE: ELENI FATIMA CARILLO BATTAGIN - SP127599-A APELADO: VOITEL LTDA Advogado do(a) APELADO: MARCOS PAULO PASSONI - SP173372-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A parte autora, empresa autorizada à prestação de serviços de comunicação multimídia (SCM), foi autuada por operar serviço que se confunde com o Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC) sem outorga da ANATEL, em ofensa aos dispositivos da Lei nº 9.472/97 (Lei Geral de Telecomunicações). Pretende desconstituir a infração que lhe foi imposta e, para tanto, sustenta ilegalidade da quebra de sigilo de dados telefônicos efetuada pela ANATEL, ausência de participação da empresa autora na produção de provas, em ofensa ao princípio do contraditório, ampla defesa e devido processo legal e, por fim, ter a ANATEL ilegalmente se valido de denúncia anônima para apuração das irregularidades. A parte autora, empresa VOITEL LTDA., possui autorização concedida pela ANATEL para prestação de serviços de comunicação multimídia (Termo PVST/SPV nº 044/2005), cuja característica consiste na oferta de capacidade de transmissão e recepção de informações multimídia de quaisquer meios idôneos para telecomunicações a assinantes. Trata-se de serviço de telecomunicação específico prestado de forma subsidiária com oferta de capacidade de transmissão, emissão e recepção de informações multimídia. Por seu turno, o serviço telefônico fixo comutado é o serviço de telecomunicação, o qual, por meio de transmissão de voz, destina-se à comunicação entre pontos fixos determinados, valendo-se de processo de telefonia. A parte autora foi autuada por, indevidamente, sem outorga legal, prestar serviço que se confunde com a prestação de serviço de telefonia fixa comutada. A empresa foi fiscalizada em atendimento a solicitação do serviço de fiscalização (SSF, de 15/10/2009 a 06/11/2009). Após constatação das irregularidades, foi oficiada pela ANATEL (OFÍCIO N°2090/2009-ERO2FS-ERO2-ANATEL) a cessar de modo voluntário a prática indevida, tendo negado o cometimento de qualquer irregularidade e mantido a prestação do serviço de telefonia. Diante disso, a ANATEL procedeu à interrupção do serviço irregular (Auto de Infração n°0006TJ20050121 e Termo de Interrupção de Serviço n° 0007RJ2005121) e instaurou Procedimento para Apuração de Descumprimento de Obrigações (PADO n°535080145222009, de13/11/2009), por infração ao disposto no artigo 131 da Lei nº 9.472/97 (LGT), bem como aos artigos 183, parágrafo único, e 184 do mesmo diploma legal. A empresa recorreu nas instâncias administrativas e teve seus recursos negados em todas as esferas. É a síntese dos fatos. A exploração direta ou mediante autorização, permissão ou concessão do serviço de telecomunicação foi assegurada constitucionalmente à União Federal, nos termos do art. 21, XI, e art. 22, IV, dispositivos constitucionais que também previram a criação de órgão regulador. A ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações), autarquia especial instituída peço art. 8º da Lei nº 9.472/97 (LGT), tem função institucional de editar normas disciplinadoras da prestação de serviços de telecomunicações. Destaco: Art. 19. À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade e especialmente: VIII- administrar o espectro de radiofreqüências e o uso de órbitas, expedindo as respectivas normas; Assim, é certo exigir a lei autorização prévia da ANATEL para a exploração do serviço no regime privado, exigência esta reafirmada no caput do art. 131 da lei em comento, que trata da autorização de Serviços de Telecomunicações: "Art.131. A exploração de serviço no regime privado dependerá de prévia autorização da Agência, que acarretará direito de uso das radiofreqüências necessárias". A atribuição fiscalizatória conferida à ANATEL encontra suporte no art. 1º, parágrafo único, da LGT e regimentos internos. A fiscalização havida após denúncia destina-se a apurar irregularidades quanto à prestação de serviços por empresa não outorgada, sendo legítima, após a diligência investigativa a instauração do Procedimento para Apuração de Descumprimento de Obrigações – PADO. As provas acostadas aos autos demonstram terem sido adotadas todas as medidas legais, tendo, tanto a fiscalização, quanto o processo administrativo subsequente, observado o devido processo legal, o contraditório administrativo e assegurada a ampla defesa. Com efeito, a empresa autora acompanhou a fiscalização, tendo-lhe sido oportunizada a cessação voluntária da prática irregular, bem como a interposição de recursos na esfera administrativa após instauração do PADO. Em todas as instâncias os recursos interpostos tiveram negada a pretensão desconstitutiva, mantida a multa imposta e cessada a atividade indevida. Diante disso, não se há falar em ofensa ao devido processo legal, contraditório e ampla defesa. Da mesma forma não prospera a alegação de estar a atividade fiscalizatória indevidamente lastreada em denúncia anônima. Para que se inicie a investigação e apuração de eventual prática irregular quanto à prestação de serviços de telecomunicação é valida e legítima a denúncia. Veja-se que os serviços de telecomunicação têm índole constitucional e a proteção do interesse público deve ser assegurada. No tocante às prerrogativas outorgadas à ANATEL, agência reguladora, destaco dispositivos legais: Art. 9° A Agência atuará como autoridade administrativa independente, assegurando-se-lhe, nos termos desta Lei, as prerrogativas necessárias ao exercício adequado de sua competência. Novamente trago dispositivos do art. 19 da Lei nº 9.472/97: Art.19... ... IV - expedir normas quanto à outorga, prestação e fruição dos serviços de telecomunicações no regime público; V - editar atos de outorga e extinção de direito de exploração do serviço no regime público; VI - celebrar e gerenciar contratos de concessão e fiscalizar a prestação do serviço no regime público, aplicando sanções e realizando intervenções; ... X - expedir normas sobre prestação de serviços de telecomunicações no regime privado; XI - expedir e extinguir autorização para prestação de serviço no regime privado, fiscalizando e aplicando sanções; .... XV - realizar busca e apreensão de bens no âmbito de sua competência; ... XVIII - reprimir infrações dos direitos dos usuários; Consigne-se que os atos administrativos são dotados de presunção de legitimidade e legalidade. Assim, até prova em sentido contrário, todo ato administrativo é praticado com estrita observância aos princípios regentes da Administração Pública. Por conseguinte, para que se declare a ilegitimidade de um ato administrativo, incumbe ao administrado o ônus de provar os fatos constitutivos de seu direito, inocorrente à espécie. Por fim, a alegação de ofensa ao sigilo telefônico sem ordem judicial não merece acolhida, porquanto fiscalização constitui atividade ex vi legis, possuindo a respectiva autoridade administrativa, no caso a ANATEL, não apenas o dever de sigilo quanto aos dados a que tem acesso, como também atribuição legal de apurar e punir práticas ilegais. Outrossim, muito embora a hipótese versada nestes autos não se confunda com o sigilo de comunicações telefônicas assegurado no art. 5º, XII da Constituição Federal, para o qual há necessidade de ordem judicial, ainda assim é predominante o entendimento de não ser absoluto o sigilo constitucional em face do interesse público. Trago decisão de minha relatoria: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - EXCEPCIONAL ACOLHIMENTO COM EFEITOS INFRINGENTES - POSSIBILIDADE - OMISSÃO - PRESENTE - LEI Nº 12.850/2013, SUPERVENIENTE, NÃO LEVADA EM CONSIDERAÇÃO NO JULGAMENTO DO FEITO. 1. Os embargos de declaração visam ao saneamento da decisão, mediante a correção de obscuridade, contradição, omissão ou erro material (art. 1.022 do CPC). No entanto, doutrina e jurisprudência admitem a atribuição de efeitos infringentes aos embargos de declaração em hipóteses excepcionais, em que, sanada obscuridade, contradição ou omissão, seja modificada a decisão embargada. 2. Omissões no acórdão, no atinente às funções desempenhadas pelo Ministério Público e Polícias Judiciárias, à luz das disposições do art. 15, da Lei nº 12.850/2013, Lei de Organizações Criminosas, por visar o feito a investigação de organizações criminosas em presídios. 3. Pretensão deduzida nos embargos que prospera, à luz do art. 933 do CPC/2015, visto não ter sido levada em consideração, para deslinde do feito, a superveniência da Lei nº 12.850/2013 que, à luz do art. 5º, XII da Constituição Federal, permite que informações cadastrais de investigados sejam acessadas livremente por Polícias Judiciárias e pelo Ministério Público, nos termos do art. 15. 4. O dispositivo em questão não padece de inconstitucionalidade, porquanto o sigilo previsto no art. 5º da Constituição Federal não é absoluto, sendo certo que as liberdades públicas estabelecidas no artigo 5º da Constituição Federal de 1988 devem ser interpretadas à luz do princípio da razoabilidade, não preponderando em face do interesse público. 5. Os dados relativos à identificação do usuário do aparelho celular referem-se tão-somente à sua identificação e endereço, não sendo, portanto, dados sensíveis do indivíduo, aos quais se possa impor a obrigação de sigilo por parte da prestadora em face de requisição formulada pelo Parquet, e, em especial, quando a conduta imputada ao usuário do aparelho celular estiver sendo objeto de apuração em inquérito civil ou criminal. 6. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos modificativos, para, em relação ao mérito, dar parcial provimento à apelação do Ministério Público Federal e à remessa oficial e julgar procedente em parte o pedido deduzido na inicial. (TRF 3ª Região, TERCEIRA TURMA, ApReeNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 1318775 - 0012332-22.2005.4.03.6105, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL MAIRAN MAIA, julgado em 16/05/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:23/05/2018 ) Ante o exposto, dou provimento à apelação, com inversão dos ônus sucumbenciais. É como voto.
I. -implementar,em sua esfera de atribuições, a política nacional de telecomunicações;
(..)
IX-editar atos de outorga e extinção do direito de uso de radiofreqüência e de órbita, fiscalizando e aplicando sanções;
X-expedir normas sobre prestação de serviços de telecomunicações no regime privado;
XI-expedir e extinguir autorização para prestação de serviço no regime privado, fiscalizando e aplicando sanções;
XII-expedir normas e padrões a serem cumpridos pelas prestadoras de serviços de telecomunicações quanto aos equipamentos que utilizarem;
XIII-expedir ou reconhecer a certificação de produtos, observados os padrões e normas por ela estabelecidos;
XIV-expedir normas e padrões que assegurem a compatibilidade, a operação integrada e a interconexão entre as redes, abrangendo inclusive os equipamentos terminais;
§1°. Autorização de serviço de telecomunicações é o ato administrativo vinculado que faculta a exploração, no regime privado, de modalidade de serviço de telecomunicações, quando preenchidas as condições objetivas e subjetivas necessárias.
E M E N T A
DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE CONHECIMENTO. DESCONSTITUIÇÃO DE AUTO DE INFRAÇÃO E IMPOSIÇÃO DE PENALIDADE. ANATEL. FISCALIZAÇÃO E APURAÇÃO DE IRREGULARIDADES. DEVIDO PROCESSO LEGAL, AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO ADMINISTRATIVO ASSEGURADOS. DENÚNCIA VÁLIDA. AUSÊNCIA DE OFENSA A SIGILO DE TELECOMUNICAÇÕES. APELAÇÃO PROVIDA. INVERSÃO DOS ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA.
1. Autuação de empresa autorizada à prestação de serviços de comunicação multimídia (SCM), por operar serviço que se confunde com o Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC) sem outorga da ANATEL, em ofensa a dispositivos da Lei nº 9.472/97 (Lei Geral de Telecomunicações).
2. Atribuição fiscalizatória conferida à ANATEL encontra suporte no art. 1º, parágrafo único, da LGT e regimentos internos.
3. Conjunto probatório que demonstra observância irrestrita, tanto na condução fiscalizatória quanto durante a tramitação do processo administrativo subsequente, do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório administrativo.
4. Denúncia válida e legítima de molde a assegurar a possibilidade de investigação de práticas indevidas, tendo em conta que os serviços de telecomunicação têm índole constitucional e a proteção do interesse público deve ser assegurada.
5. Alegação de ofensa ao sigilo telefônico sem ordem judicial que não merece acolhida, porquanto a fiscalização constitui atividade ex vi legis, possuindo a respectiva autoridade administrativa, no caso a ANATEL, não apenas o dever de sigilo quanto aos dados a que tem acesso, como também atribuição legal de apurar e punir práticas ilegais.
6. Apelação provida. Inversão dos ônus de sucumbência.