Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5000797-83.2019.4.03.6181

RELATOR: Gab. 17 - DES. FED. MAURICIO KATO

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, IRANI FILOMENA TEODORO

Advogados do(a) APELANTE: ALEXANDRE OLIVEIRA MACIEL - SP187030-A, ARIEL DE CASTRO ALVES - SP177955-A, FRANCISCO LUCIO FRANCA - SP103660-A

APELADO: IRANI FILOMENA TEODORO, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

Advogados do(a) APELADO: ALEXANDRE OLIVEIRA MACIEL - SP187030-A, ARIEL DE CASTRO ALVES - SP177955-A, FRANCISCO LUCIO FRANCA - SP103660-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5000797-83.2019.4.03.6181

RELATOR: Gab. 17 - DES. FED. MAURICIO KATO

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, IRANI FILOMENA TEODORO

Advogados do(a) APELANTE: FRANCISCO LUCIO FRANCA - SP103660-A, ARIEL DE CASTRO ALVES - SP177955-A, ALEXANDRE OLIVEIRA MACIEL - SP187030-A

APELADO: IRANI FILOMENA TEODORO, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

Advogados do(a) APELADO: FRANCISCO LUCIO FRANCA - SP103660-A, ARIEL DE CASTRO ALVES - SP177955-A, ALEXANDRE OLIVEIRA MACIEL - SP187030-A

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R E L A T Ó R I O

 Trata-se de apelações criminais interpostas pelo Ministério Público Federal e pela defesa de Irani Filomena Teodoro em face da sentença (id. 163281723) que a condenou às penas de 2 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto e pagamento de 10 (dez) dias-multa, cada um equivalente a 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos pela prática do crime previsto no artigo 313-A do Código Penal.

Em suas razões recursais (id.163281726), a acusação aduz e requer o recrudescimento da pena-base com fundamento nas consequências do crime, porque a ré teria causado prejuízo vultoso (R$ 258.540,12 (quinhentos e cinquenta e oito mil quinhentos e quarenta reais e doze centavos) aos cofres do Instituto Nacional do Seguro Social, assim como a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito consistente em prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos.

Em sua apelação (id. 168008888), a defesa sustenta a falta de justa causa para a ação penal, bem como pugna pela absolvição da ré por reputar insuficientes a prova da materialidade, da autoria e do dolo. Subsidiariamente, requer a absolvição imprópria.

A defesa apresentou contrarrazões (id. 16328173), o Ministério Público Federal oficiante no 1º grau, embora devidamente intimado, deixou de apresentar contrarrazões recursais (id. 168205673) que foram ofertadas pela Procuradoria Regional da República (id. 173712297).

É o relatório.

À revisão, nos termos regimentais.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5000797-83.2019.4.03.6181

RELATOR: Gab. 17 - DES. FED. MAURICIO KATO

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, IRANI FILOMENA TEODORO

Advogados do(a) APELANTE: FRANCISCO LUCIO FRANCA - SP103660-A, ARIEL DE CASTRO ALVES - SP177955-A, ALEXANDRE OLIVEIRA MACIEL - SP187030-A

APELADO: IRANI FILOMENA TEODORO, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

Advogados do(a) APELADO: FRANCISCO LUCIO FRANCA - SP103660-A, ARIEL DE CASTRO ALVES - SP177955-A, ALEXANDRE OLIVEIRA MACIEL - SP187030-A

OUTROS PARTICIPANTES:

  

 

V O T O

 

De início, destaco que o feito foi relacionado para julgamento na sessão realizada em 07/11/2022 e adiado por indicação deste relator a pedido da Procuradoria Regional da República (id. 266051383).

Em seu parecer, a Procuradoria Regional da República manifesta-se pelo provimento do recurso da acusação e desprovimento do recurso da defesa (id. 267841607).

Pois bem, consta dos autos que  Irani Filomena Teodoro foi denunciada pela prática do crime do artigo 313-A do Código Penal pois, na qualidade de servidora autorizada do INSS, inseriu dados falsos e alterou dados verdadeiros nos sistemas informatizados e bancos de dados da referida autarquia federal, com o fim de conceder fraudulentamente o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição NB 42/157.825.289-7 em favor de Evanildo Alves dos Santos, de quem recebera contraprestação em pecúnia pela fraude.

Narra a denúncia que Irani Filomena, então técnica do seguro social lotada na Agência de Previdência Social Água Branca, em São Paulo/SP, habilitou, em 03 de novembro de 2011, o requerimento de Evanildo Alves dos Santos e iniciou seu processamento nos sistemas da Previdência Social, inserindo no sistema PRISMA vínculo empregatício fictício com a empresa Lojicred Promotora de Vendas S/A, no período de 28.06.1974 a 12.06.1976.

Além disso, foi considerado indevido o cômputo dos períodos de 01.07.1985 e 30.06.1987, 01.07.1988 a 31.07.1988 e 1º.04.1989 a 31.03.1994 como contribuição na categoria de autônomo, diante do confronto com os períodos registrados no CNIS. Por fim, houve falta de atualização do tempo de trabalho na empresa Viação Santa Brígida LTDA até a DER (data de entrada do requerimento), o que resultou na ausência da contagem de tempo de contribuição do período de 1º.10.2011 a 03.11.2011, e a consequente retroação indevida da DIP (data de início do pagamento) de 03.11.2011 para 1º.10.2011.

Após regular instrução processual, sobreveio sentença que condenou a ré Irani Filomena Teodoro às penas de 2 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto e pagamento de 10 (dez) dias-multa, cada um equivalente a 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos pela prática do crime previsto no artigo 313-A do Código Penal.

Aqui, a sentença deve ser, de ofício, anulada, ficando prejudicado o exame dos recursos interpostos pela defesa e pela acusação.

materialidade, a autoria e o dolo do crime estão apoiadas nos seguintes elementos de convicção: procedimento de reconstituição do processo concessório da aposentadoria por tempo de contribuição NB 42/157.825.289-7 e processo administrativo disciplinar nº 35664.000106/2017-31, no qual a autarquia previdenciária apurou o modo de agir e a responsabilidade da ora apelante, punindo-lhe com a cassação de sua aposentadoria por ter concedido fraudulentamente diversos benefícios previdenciários.

A reconstituição do processo administrativo concessório do benefício NB 42/157.825.289-7, cujo interessado era Evanildo Alves dos Santos, revelou que a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição considerou vínculo empregatício com a empresa Lojicred Promotora de Vendas S/A, no período de 28.06.1974 a 12.06.1976, e o tempo de contribuição como autônomo nos períodos de 01.07.1985 a 30.06.1987, 01.07.1988 a 31.07/1988 e 01.04.1989 a 31.03.1994. Entretanto, todos esses dados se revelaram falsos por não corresponderem à base de dados do CNIS ou porque não foram anotados em CTPS (id. 163280764 a 163280772).

A integral reconstituição daqueles autos evidenciou, também, que o benefício foi habilitado sem a formalização de autos físicos, sem prévio agendamento eletrônico de atendimento e com retroação indevida da data de início do benefício. Verificou-se, outrossim, que todos as informações falsas foram inseridas por meio do sistema PRISMA, que admitia alterações em sua base de dados sem exigir homologação por outro agente público.  Apurou-se, por fim, que Irani Filomena Teodoro atuou do protocolo ao despacho concessório do benefício que, inclusive, foram executados no mesmo dia.

A concessão do NB 42/157.825.289-7 não foi a única com características idiossincráticas, porque a acusada teria concedido outros benefícios com o mesmo modo de agir, o que ensejou a instauração do procedimento administrativo disciplinar nº 35664.000106/2017-31 no qual a comissão processante apurou as fraudes praticadas na concessão de aproximadamente (quarenta) benefícios, reconheceu a responsabilidade da acusada em todos os casos e decidiu por cassar de sua aposentadoria (id. 163280776 a 163280781).

A autoria e o dolo emergem, ainda, das provas coletadas em instrução probatória.

Em suas declarações, Tatiani Gamas da Silva Moreira, servidora responsável pela reconstituição dos autos relacionados ao NB 42/157.825.289-7, explicou que foi lotada na APS Água Branca com a específica incumbência de analisar todos os processos de benefícios concedidos por Irani, porque não conseguiram localizar os respectivos autos de procedimento concessório, cujos indícios de fraude eram semelhantes. Explanou que, à época, chegou uma denúncia à agência que listava 15 (quinze) números de processos, todos sobre aposentadoria por tempo de contribuição, gerados sem agendamento prévio, sem formalização dos autos em meio físico e todos com majoração irregular de tempo de comum/especial e, além disso, diversos segurados foram à agência para solicitar cópias de seus processos, que tampouco foram localizados. Segundo a testemunha, o ponto em comum em todos esses processos era a matrícula concessora, pertencente à então servidora Irani Filomena Teodoro. Disse que fez um monitoramento à época e descobriu 4000 (quatro mil) processos em todas as espécies, entre 2005 e 2015, cuja entrada no sistema e o despacho concessório se deram no mesmo dia, todos vinculados à matrícula de Irani, situação não usual tendo em vista a alta demanda na agência. Especificamente quanto aos processos de aposentadoria por tempo de contribuição, chegaram ao número de 1873 (mil oitocentos e setenta e três) processos, e a grande maioria, do ano de 2011 em diante, não foram localizados nos arquivos da Previdência Social. Ante esses números e com base na denúncia anônima, que indicava nomes de servidores e de terceiros envolvidos, a testemunha e sua equipe fizeram pesquisas e chegaram ao montante de 51 (cinquenta e um) processos, ouviram por volta de 40 (quarenta) segurados e verificaram situações em comum, isto é, nenhum dos segurados compareceu pessoalmente à agência para requerer aposentadoria, mas entregaram seus documentos pessoais a terceiros, que levariam a documentação uma advogada do INSS, responsável por conceder o benefício. Dessas apurações, 96% dos benefícios triados foram cessados por falta de tempo de contribuição/fraude e todos, sem exceção, não foram objeto de agendamento prévio, não foram formalizados em autos físicos, com inclusão/majoração/conversão indevida de tempo de contribuição. Arguida, respondeu que todos esses processos foram reconstituídos. A respeito da situação de Evanildo Lopes dos Santos, explicou que seu caso envolveu a fraude padrão ante a inclusão fictícia de vínculos de emprego e de recolhimentos na qualidade de autônomo, que o próprio segurado reconheceu como inverídicos. Asseverou que Irani Filomena Teodoro era técnica do seguro social e uma de suas atribuições era conceder benefícios previdenciários. À defesa, respondeu que o acesso proporcionado pela senha atribuída aos técnicos de seguro social é definido pelo respectivo gestor. Esclareceu que a concessão de benefícios se dá por meio de dois sistemas, o CNIS, no qual é possível alterar os dados cadastrais do segurado e os períodos de vínculo para, depois, exportar essas informações ao PRISMA, que é o programa utilizado para conceder benefícios e gerar os pagamentos aos segurados. A respeito da base de dados do sistema CNIS, pontuo que era possível introduzir qualquer alteração da data de julho/1994 em diante, condicionada a homologação de outro servidor. Sobre os dados do PRISMA, explicou que qualquer servidor com acesso poderia fazer alterações de julho/1994 para trás, sem que o sistema exigisse ato homologatório de outro agente público. Nos benefícios auditados, a testemunha descobriu que as alterações fraudulentas foram todas posteriores a julho de 1994, ou seja, todas efetuadas exclusivamente via PRISMA. Indagada a respeito do prazo de validade da senha de acesso aos sistemas da previdência social, esclareceu que expiravam em 45 (quarenta e cinco) dias, de modo que deveriam ser renovadas antes desse período ou, vencido o prazo, seria necessário solicitar o reenvio de senha ao gestor, que não tem contato com as senhas enviadas aos servidores, porque o sistema manda uma chave de acesso diretamente ao e-mail do servidor interessado. A testemunha afirmou que trabalha no INSS desde 2004 e que nunca ouviu falar em problemas relacionados a extravio/vazamento de senhas e que os casos relacionados a acessos de estranhos foram ocasionados por entrega voluntária da senha de servidores a terceiros. A respeito do trâmite dos processos físicos, a depoente explicou que encerrada a concessão do benefício, o servidor tem que juntar o processo, encaderná-lo, numerá-lo, autenticar a documentação juntada ou lavrar um despacho de conferência, rubricar as folhas e elaborar um relatório final sobre a concessão/indeferimento para então efetuar seu cadastramento (espécie do benefício, número, nome do servidor), para então arquivar os autos na própria agência, onde permanecem pelo período de 1 (um) ano. Superado esse prazo, uma empresa terceirizada recolhe as caixas com os processos, um funcionário vincula no sistema um lote de processos a uma determinada caixa, que é levada ao arquivo geral na Baixada do Glicério. Indagada pela defesa, respondeu que há casos de extravio de processos. Ao juízo, respondeu que nunca teve contato pessoal com a ré, que todos as fraudes se deram na APS Água Branca e que os processos são arquivados em ordem sequencial, de sorte que a ausência de diversos autos físicos abriu um buraco no arquivo. A respeito da dependência química da ré, respondeu que um dos segurados contou que a acusada rescendia a bebida alcoólica quando o atendeu, e que a gerente da agência narrou já ter encontrado uma garrafa de bebida no armário usado por Irani, que inclusive foi afastada em algumas ocasiões, entre 2005 e 2015, em virtude do alcoolismo. Por fim, disse ter checado o ponto eletrônico e pôde constatar que as fraudes coincidiram com os períodos de atividade da acusada, sem qualquer registro de concessões fraudulentas coincidentes com suas férias ou afastamentos por licença (id. 163281686). 

Segundo a testemunha Evanildo Lopes dos Santos, beneficiário da fraude relacionada ao NB 42/157.825.289-7, trabalhou com um homem chamado Rocha, cuja aposentação teria se dado com o auxílio de uma advogada chamada Irani. Por oferta desse colega de trabalho, o depoente decidiu contratar os serviços de Irani e, um mês depois, sobreveio sua jubilação. A testemunha esclareceu que seu benefício foi suspenso por suspeita de fraude, motivo pelo qual foi chamado a comparecer em agência do INSS, ocasião em que entregou cópias de todos os seus documentos aos servidores da autarquia. O depoente disse que, questionado pelos servidores do INSS a respeito de seus vínculos trabalhistas, reconheceu que havia registros em empresas nas quais nunca trabalhou. Arguido pela defesa, disse nunca ter se encontrado pessoalmente com Irani porque Rocha recebeu e levou a documentação da testemunha para a advogada, a quem tampouco outorgou poderes via procuração. Esclareceu jamais ter trabalhado na empresa Lojicred, mas que recolheu dois carnês na categoria autônomo. Indagado, respondeu que pagou 2 (dois) salários pelos serviços contratados, um para Rocha e outro para Irani, e que nunca preencheu requerimento de aposentadoria (id. 163281687).

De acordo com a testemunha Silvia Helena da Silva, que presidiu o procedimento administrativo disciplinar nº 35664.000106/2017-31, diversos segurados compareceram à APS Água Branca em busca de atualizações sobre a tramitação de seus pedidos de aposentadoria, ocasião na qual os servidores perceberam que vários processos não foram formalizados em autos físicos e que muitos benefícios foram concedidos por meio do sistema PRISMA, com fundamento em informações previdenciárias que não constavam/discrepavam no CNIS. A depoente afirmou que foram concedidos aproximadamente 2000 (dois mil) benefícios fraudulentos, mas o objeto do procedimento administrativo disciplinar correspondia a 41 (quarenta e um) deles, todos concedidos por Irani Filomena Teodoro, que em todos esses casos promoveu a inserção de vínculos inexistentes para que o segurado atingisse o tempo de contribuição exigido em lei para se aposentar. A depoente teve contato pessoal com a ré e afirmou que ela lhe pareceu constrangida, pois cônscia que estava sendo julgada e porquê. A respeito do alcoolismo da acusada, respondeu que isso chegou a ser mencionado em seu interrogatório, mas sem juntada de provas na instrução do processo disciplinar. Afirmou que a ré foi avaliada por junta médica, que atestou sua imputabilidade para responder pelas fraudes e ao processo. Indagada pela defesa, esclareceu que a senha outorgada aos técnicos do INSS, quando incumbidos de conceder benefícios, proporciona acesso a todas as fases do respectivo procedimento, motivo pelo qual a ré dispunha de tal acessibilidade. Asseverou que as senhas são pessoais e intransferíveis, de modo que ninguém além do titular pode utilizá-la. Ao juízo, respondeu que o processo para concessão de benefício, objeto desta ação penal, nunca existiu em suporte físico porque as concessões foram inseridas diretamente no sistema, isto é, a ré se limitava a conceder o benefício por meio do PRISMA sem promover o compartilhamento das informações com os demais sistemas, a fim de evitar que detectassem as irregularidades que praticava (id. 163281714 a 163281716).

Interrogada em juízo, a ré negou a prática do crime. Respondeu que ingressou no INSS em 2004 e que sempre esteve lotada na APS Água Branca. Começou trabalhando com a distribuição de senhas, depois foi para o atendimento ao público e, na sequência, passou a trabalhar com requerimento e concessão de benefícios previdenciários. Refuta que tenha concedido benefícios sem respaldo nos dados existentes no CNIS, porque absolutamente impossível. Explicou que, na época, o pedido de benefício era cadastrado no CADPF, que é uma parte do CNIS, e que somente o gerente da agência ou superior poderiam manusear esse sistema. Não se recorda de ter concedido benefícios de forma fraudulenta. Arguida, respondeu que costumava anotar sua senha num pedaço de papel que ficava depositado numa gaveta destrancada. Acredita que sua senha tenha sido utilizada por terceiros para praticar as fraudes. Relatou que tem problemas com álcool desde 2011, que desconhece o segurado Evanildo, não se recordando de ter concedido sua aposentadoria. Sobre o nível de acesso de sua senha, respondeu que não dispunha de acesso a todas as fases do procedimento concessório.

A defesa requer decisão absolutória imprópria com fundamento no resultado do incidente de insanidade mental nº 5002105-57.2019.4.03.6181, cujo laudo instrui o presente feito (id. 163281707).

O juízo sentenciante, todavia, reconheceu a imputabilidade da ré com base em exame de sanidade mental efetuado por junta médica oficial do INSS, que a examinou por ocasião do procedimento administrativo disciplinar nº 35664.000106/2017-31 (id. 163281632 – fls. 19 e 23).

Em verdade, nenhuma das soluções propostas solucionaria adequadamente o caso. Com efeito, vê-se que os exames médicos revelaram um estado, que como só é passageiro e não um aspecto perene da mente da acusada. Noutras palavras, os laudos estamparam uma condição rebus sic stantibus, isto é, expuseram e descreveram o quadro clínico existente no exato momento das respectivas avaliações médicas.

Anoto, por oportuno, que elementos de convicção não podem ser valorados de maneira compartimentalizada, porque sua fiel interpretação tem como pressuposto o constante intercâmbio entre o conteúdo das provas, que se sujeitam à recíproca influência dos respectivos texto e contexto, a fim de se projetar à unidade de sentido.

Fixadas essas premissas, verifico que por ocasião dos exames realizados pela junta médica, a ré exibiu atestado do Dr. Rafael Dias Cardoso, médico psiquiatra que a acompanha há anos, cujo teor transcrevo (id. 163281632 – fls. 26):

Paciente: Irani Filomena Teodoro

Atesto, para os devidos fins, que paciente acima está em seguimento psiquiátrico comigo desde junho de 2016, por CID10 F10.2, F32.1 e F43.2. Atualmente, já fez uso de fluoxetina, paroxetina e clorpromazina, sem efeito terapêutico. Por conta dos sintomas depressivos e ansiosos apresentados atualmente, introduzido venlafaxina 75mg/dia e diazepam 40mg/dia. Apresenta crises de choro, dificuldade para dormir, desânimo, desesperança, crises de angústia, falta de ar e pensamentos de morte. Acredito que prognóstico terapêutico da paciente seja bom. Proposta terapêutica futura é chegar em 300mg/dia de venlafaxina e iniciar psicoterapia de grupo para manutenção de abstinência ao álcool. Por conta dos sintomas apresentados, solicito afastamento laboral por 120 dias a partir de hoje.

O profissional em questão indicou, ainda, a internação da ré para tratamento psiquiátrico, por risco de suicídio, e atestou que seu transtorno mental não limitava sua plena capacidade de entendimento ao menos desde junho de 2016 (id. 163281657 - fls. 01/03).

Por ocasião dos exames promovidos pela junta, a ré nomeou como assistente técnico Dr. Roberto Moscatello, médico psiquiatra cujo parecer, de 21 de novembro de 2017, apontou (id. 163280779 – fls. 61/67):

 [...] do ponto de vista psiquiátrico-forense, pode-se concluir que atualmente a servidora não reúne condições mentais de acompanhar as apurações desenvolvidas no Processo Administrativo Disciplinar ou de ser interrogada em razão de seu envolvimento nos fatos tratados no PAD. Entre os anos de 2008 e até o corrente ano, a servidora não reunia plena capacidade de entender a licitude ou ilicitude de seus atos ...”

Com base nos exames clínicos, conclui-se que a ré padece de transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso nocivo de álcool, com episódios depressivos moderados e transtornos de adaptação, pairando dúvida a respeito do eventual comprometimento de suas faculdades de entendimento e de autodeterminação.

Para dirimir a incerteza, a junta médica do INSS, realizada em 19.10.2017, respondeu a dois quesitos sobre o tema:

l. atualmente a servidora reúne condições psíquico/mentais de acompanhar as apurações desenvolvidas no processo administrativo disciplinar, bem como de ser interrogada em razão de seu envolvimento nos fatos tratados no PAD? Sim 

2. Entre os anos de 2008 até o corrente ano, a servidora reunia plena capacidade para entender a licitude ou ilicitude de seus atos? Sim.

Todavia, em sede de instrução processual penal, sobreveio o laudo do incidente de insanidade mental, cujas conclusões da perita judicial transcrevo (id. 163281707 – fls. 8/9):  

O que ocorre com a ré? [...]

Ao exame psiquiátrico atual encontramos uma pessoa muito nervosa (ansiosa) com depressão de moderada a grave parcialmente controlada com a Paroxetina. Ela terá prejuízos para responder pelos atos atribuídos a ela. O tratamento da dependência da autora para ter alguma chance de sucesso é a internação prolongada de seis meses a um ano para quebrar o ciclo da dependência. Este ciclo se auto alimenta com a dependência: o indivíduo ingere a droga psicoativa, sente prazer e alívio e quando o efeito passa sente-se mal necessitando fazer uso novamente. Somente com um afastamento prolongado da substância psicoativa e tratamento multiprofissional é que há possibilidade de a ré alcançar a abstinência senão ela vai evoluir para um quadro de sequelas definitivas do etilismo. Tanto a depressão como a ansiedade da autora são subjacentes ao etilismo e necessitam de tratamento. Seu problema maior para fazer frente ao interrogatório é a amnésia subsequente ao uso diário de álcool no serviço como técnica do INSS. A autora não tem histórico prévio de processo criminal, seu extrato bancário prova que não usufruiu de benesses financeiras ilícitas e há indícios de que tenha sido usada por quadrilha que frauda o INSS. Do ponto de vista da insanidade mental, a ré é capaz de entender o caráter ilícito dos atos praticados, mas não é capaz de reconhecer que os praticou nem é capaz de se autodeterminar de acordo com esse entendimento por ser portadora de etilismo crônico. Com base nos elementos e fatos expostos e analisados, conclui-se: a ré é capaz de entender o caráter ilícito dos fatos, mas não é capaz de reconhecer que os praticou nem de se autodeterminar de acordo com o entendimento da ilicitude pelo quadro de dependência de álcool.

Deveras, os laudos se complementam.

O laudo da junta médica limitou-se à resposta dos dois quesitos, que não diziam respeito à capacidade de autodeterminação da ré, mas que autoriza a presunção de que ela preservava as capacidades de entendimento e de autodeterminação ao menos até o dia 19.10.2017, porque a defesa não produziu prova em sentido diverso.

Já a perícia judicial, de 21.11.2019, examinou o duplo aspecto da imputabilidade e concluiu que, apesar de ainda entender a ilicitude de seus atos, a ré não se lembra de tê-los praticado, tampouco conseguiria se portar de acordo com o entendimento da ilicitude.

Em suma, a ré, malgrado as afecções de que padece, preservava suas faculdades íntegras até a data do exame pela junta médica, em 19.10.2017. Todavia, o processo de erosão e comprometimento de sua mente se agravou com o vagar do tempo, de modo que em 21.11.2019 a acusada evoluiu para um quadro amnésico e deixou de gozar da capacidade de autodeterminação.

Logo, não há falar em decisão absolutória imprópria porque não há provas de que a ré era inteiramente inimputável à época dos fatos e tampouco em condenação na medida em que sofre de doença que lhe privou da autodeterminação.

Reconhecida a imputabilidade da ré ao tempo dos fatos e diante de superveniência de doença mental que reduziu drasticamente o seu discernimento, tornando-a incapaz de responder ao processo, de rigor a suspensão do feito até o restabelecimento de sua saúde mental, nos termos do artigo 152 do Código de Processo Penal.

Note-se que esta 5ª Turma, no julgamento da apelação criminal no bojo dos autos nº 0007126-02.2019.4.03.6181, reconheceu a incapacidade superveniente de Irani Filomena Teodoro. Diante disso e tendo em vista que a ré já estava acometida da doença mental no momento da prolação da sentença ora recorrida, ela não poderia ser submetida a julgamento, motivo pelo qual a decisão de 1º grau deve ser anulada, ficando prejudicado o exame dos recursos interpostos.

Ante o exposto, de ofício, anulo a sentença, em razão do reconhecimento da incapacidade superveniente de Irani Filomena Teodoro, determino o retorno do feito à vara de origem, devendo permanecer suspenso, com fundamento no artigo 152 do Código de Processo Penal até o restabelecimento da ré e julgo prejudicados os recursos do Ministério Público Federal e da defesa.

É o voto.



E M E N T A

 

 

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. PECULATO ELETRÔNICO. ARTIGO 313-A DO CÓDIGO PENAL. ABSOLVIÇÃO IMPRÓPRIA. ARTIGO 26 DO CÓDIGO PENAL. MATERIALIDADE. AUTORIA. DOLO. IMPUTABILIDADE. INCAPACIDADE SUPERVENIENTE. SUSPENSÃO DO PROCESSO. ARTIGO 152 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. SENTENÇA ANULADA.

1. O conjunto probatório deve ser interpretado e valorado em unidade de sentindo, sem prejuízo ao livre convencimento motivado.

2. A absolvição imprópria reclama prova da inimputabilidade do réu ao tempo dos fatos, cujo ônus recai sobre a defesa.

3. A superveniência de doença mental significa prejuízo à capacidade de entendimento ou de autodeterminação, impondo-se a suspensão do processo até que o réu se restabeleça.

4. Recurso da acusação e da defesa prejudicados. De ofício, sentença anulada.

 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quinta Turma, por unanimidade, decidiu, de ofício, anular a sentença, em razão do reconhecimento da incapacidade superveniente de Irani Filomena Teodoro, determinar o retorno do feito à vara de origem, devendo permanecer suspenso, com fundamento no artigo 152 do Código de Processo Penal até o restabelecimento da ré e julgar prejudicados os recursos do Ministério Público Federal e da defesa, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.