APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003531-97.2018.4.03.6130
RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
APELANTE: LINDEMBERG MAGALHAES DIAS, MARIA APARECIDA ANTUNES MAGALHAES DIAS
Advogado do(a) APELANTE: JOSE PASCHOAL FILHO - SP87723-A
APELADO: ROSA AUADA HALLAL, UNIÃO FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003531-97.2018.4.03.6130 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: LINDEMBERG MAGALHAES DIAS, MARIA APARECIDA ANTUNES MAGALHAES DIAS Advogado do(a) APELANTE: JOSE PASCHOAL FILHO - SP87723-A APELADO: ROSA AUADA HALLAL, UNIÃO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: RELATÓRIO O Exmo. Desembargador Federal Carlos Francisco (Relator): Trata-se de embargos de declaração opostos pela União, e ainda por Lindemberg Magalhães Dias e Maria Aparecida Antunes Magalhães Dias, e ainda por em face de acórdão deste colegiado. Em síntese, as partes afirmam que o julgado incidiu em omissão. Por isso, pedem que seja sanado o problema que indicam. Apresentadas contrarrazões, os autos vieram conclusos. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003531-97.2018.4.03.6130 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: LINDEMBERG MAGALHAES DIAS, MARIA APARECIDA ANTUNES MAGALHAES DIAS Advogado do(a) APELANTE: JOSE PASCHOAL FILHO - SP87723-A APELADO: ROSA AUADA HALLAL, UNIÃO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O Exmo. Desembargador Federal Carlos Francisco (Relator): Nos termos do art. 1.022 do CPC/2015, os embargos de declaração podem ser opostos contra qualquer decisão judicial para esclarecer obscuridade, eliminar contradição, suprir omissão de ponto ou questão, e corrigir erro material. E, conforme dispõe o art. 1.025 do mesmo CPC/2015, consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade. Embora essa via recursal seja importante para a correção da prestação jurisdicional, os embargos de declaração não servem para rediscutir o que já foi objeto de pronunciamento judicial coerente e suficiente na decisão recorrida. Os efeitos infringentes somente são cabíveis se o julgado tiver falha (em tema de direito ou de fato) que implique em alteração do julgado, e não quando desagradar o litigante. Por força do art. 1.026, §§2º e 3º, do CPC/2015, se os embargos forem manifestamente protelatórios, o embargante deve ser condenado a pagar ao embargado multa não excedente a 2% sobre o valor atualizado da causa (elevada a até 10% no caso de reiteração), e a interposição de qualquer recurso ficará condicionada ao depósito prévio do valor da multa (à exceção da Fazenda Pública e do beneficiário de gratuidade da justiça, que a recolherão ao final). E a celeridade e a lealdade impõem a inadmissibilidade de novos embargos de declaração se os 2 anteriores forem considerados protelatórios. No caso dos autos, a União sustenta que o julgado incidiu em omissão ao desconsiderar a peculiaridade do denominado Sítio Mutinga e sua natureza de bem público, legitimando o ente público para integrar a ação, além de justificar o recurso para fins de prequestionamento. Por sua vez, Lindemberg Magalhães Dias e Maria Aparecida Antunes Magalhães Dias sustentam que a decisão embargada foi omissa ao não inverter o ônus sucumbencial ou majorar a verba honorária. No que concerne às alegações da União, a decisão recorrida tem o seguinte conteúdo: “(...) Entendo, contudo, que não assiste razão à União quanto à afirmação de que o bem usucapiendo se reveste de natureza pública, de modo a justificar seu interesse no deslinde da lide e, por consequência, a competência do juízo federal para sua apreciação. Analisando primeiramente a natureza do bem em questão, é verdade que o mesmo se situa em área de extinto aldeamento indígena localizado no bairro de Pinheiros-SP/Capital e Barueri/SP, conforme certificado pela Secretaria do Patrimônio da União – Gerência Regional em São Paulo. No entanto, os mencionados territórios de Pinheiros e Barueri não vêm sendo usados como aldeamentos indígenas há várias décadas, além do que atualmente parte deles está absorvida por áreas urbanas, inclusive residenciais. Ponderando os interesses indígenas e pluralistas com o legítimo direito à moradia e à propriedade (nessas circunstâncias já consolidadas pelo tempo), a orientação jurídica é no sentido da inexistência de área pública, não subsistindo interesse da União Federal na ação de usucapião em apreço. A jurisprudência de nossos Tribunais é uníssona no sentido de que os imóveis situados em extinto aldeamento indígena, como o objeto da ação de usucapião subjacente, não se revestem de natureza pública. O E. STJ, ao julgar o RESP 140561, 3ª Turma, Rel. Min. Nilson Naves, v.u., DJ 21.06.99, pág. 150, decidiu que “para os efeitos do artigo 20, XI, da CF/88, não se pode considerar terra tradicionalmente ocupada por indígenas aquela que, há mais de um século, já não registra traço de cultura autóctone”. Neste mesmo sentido, nesta E. Corte, a Apelação Cível 410437, 2ª Turma, Rel. Des. Fed. Sylvia Steiner, v.u., DJ. 08.05.02, pág. 555, entendendo que “Os terrenos de antigos aldeamentos indígenas não podem mais ser considerados bens da União Federal, se sobre tais terras já existem cidades, bairros e vilas” e do AG 24951, 5ª Turma, Rel. Des. Fed. Fábio Prieto, v.u., DJ. 26.03.02, pág. 365, no sentido de que “A norma constitucional (artigo 20, inciso XI, da Constituição Federal de 1988) reserva como bens da União, as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, ou seja, a permanência vetusta, histórica, prolongada no tempo, o que não ocorre no caso concreto. Ausência de índios no que – por isso sem atualidade – se denomina aldeamento indígena de São Miguel Paulista e Guarulhos. (...) Não se trata de bem da União, não existindo portanto, interesse a justificar a intervenção da Justiça Federal.” A propósito dos aldeamentos situados em Guarulhos /SP e São Miguel Paulista/ SP- Capital, foi editada a Súmula Administrativa nº 04, de 05/04/2000, com redação alterada por ato de 19/07/2004, e objeto da consolidação publicada no DOU de 07/02/2018, pela AGU, que enuncia: “Salvo para defender o seu domínio sobre imóveis que estejam afetados ao uso público federal, a União não reivindicará o domínio de terras situadas dentro dos perímetros dos antigos aldeamentos indígenas de São Miguel e de Guarulhos, localizados no Estado de São Paulo, e desistirá de reivindicações que tenham como objeto referido domínio” Sobre os supostos aldeamentos em Pinheiros e Barueri, é verdade que o Decreto-Lei 9.760/46 (expedido no crepúsculo da Carta de 1937), previa, em seu art. 1º, alíneas "h" e "j", que se incluem entre os bens imóveis da União os terrenos dos extintos aldeamentos de índios e das colônias militares, que não tenham passado, legalmente, para o domínio dos Estados, Municípios ou particulares, bem como os que foram do domínio da Coroa. O art. 200 desse mesmo DL 9.760/46 previa que os bens da União não poderiam ser usucapidos (regra que encontra reflexo na ordem constitucional de 1988, art. 183, § 3º, e 191, parágrafo único). Convém lembrar que a Carta de 1937 dava ampla capacitação normativa ao Poder Executivo (refletida no art. 73, segundo o qual o Presidente da República era a autoridade suprema do Estado Novo). Disso decorre que as regras constitucionais relativas ao processo legislativo não foram substancialmente aplicadas (pelas características do regime político implantado), tendo em vista que a ordem constitucional confiou as funções Constituintes de reforma ao Executivo (autorizado a editar leis constitucionais, consoante o art. 174, § 4º), bem como atribuições para a edição de decretos-leis (arts. 12 a 14, ainda que com certas restrições, que desapareciam na ampla competência para produção desses atos, constante do art. 180, aplicável até que o Parlamento se reunisse). Por tudo isso, a orientação dominante nesta E.Corte indica que esse mencionado Decreto-Lei ou tratava de matéria constitucional (sendo ab-rogado pela Constituição de 1946), ou versava sobre tema infraconstitucional, motivo pelo qual não teria sido recepcionado pela ordem constitucional superveniente. Nesse sentido, 96030510068/SP, 2ª Turma, DJ de 25/06/1997, pág. 48232, Rel. Des. Célio Benevides, v.u, no qual restou assentado que "as terras situadas nos antigos aldeamentos indígenas de São Miguel e Guarulhos e Pinheiros e Barueri não pertencem à União Federal. O Decreto-Lei n.9.760-46, invocado pela União Federal, ou assumiu a natureza de Emenda Constitucional à Carta de 1937 e foi revogada pela Constituição de 1946 ou, como norma inferior, não foi recebido pela nova ordem." Por sua vez, no AG 163214 (Processo 200203000385445/SP), 2ª Turma, DJU de 15/04/2003, pág. 407, Rel. Des. Federal Aricê Amaral, por unanimidade, afirmou-se que "as áreas de terrenos localizados na região do antigo aldeamento indígena de Pinheiros - Barueri não se incluem entre os bens de titularidade da União Federal, eis que o Decreto-Lei nº 9760/46, não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1946. Precedentes desta Corte de Justiça e do Colendo Supremo Tribunal Federal. No caso, acresce considerar que a documentação do SPU não traz elementos com objetividade suficiente a comprovar o domínio em questão." Nesse sentido, manifestou-se o Emin. Ministro Marco Aurélio, ao apreciar, como relator, o RE 219.983-3 SP, 2ª Turma, v.u, DJ de 17/09/1999: “Pouco antes da entrada em vigor da Carta de 1946 foi editado o Decreto-Lei nº 9760/1946, evocado pela União. Por força de emenda constitucional, em face do regime de exceção vivido, acabou sendo alijado do cenário político pela Carta de 1946, isso no que veio a emprestar novo tratamento aos bens públicos de domínio da União(...). Conclui-se, assim, que a regra definidora do domínio dos incisos I e XI do artigo 20 da Constituição de 1988, considerando a regência seqüencial da matéria sob o prisma constitucional não alberga situações como a dos autos, em que, em tempos memoráveis as terras foram ocupadas por indígenas. Conclusão diversa implicaria, por exemplo, asseverar que a totalidade do Rio de Janeiro consubstancia terras da União, o que seria um verdadeiro despropósito.” Em relação à MP nº. 2.180/2001, invocada pela União, e cujos efeitos se prolongam por força do art. 2º da Emenda Constitucional nº 32/2001, é certo que seu art. 17, ao determinar que a União não mais reivindicasse o domínio de terras originárias de aldeamentos indígenas extintos anteriormente a 24 de fevereiro de 1891, abarcou hipóteses a serem excepcionadas, conforme se observa da redação do mencionado dispositivo: Art. 17. A União não reivindicará o domínio de terras originárias de aldeamentos indígenas extintos anteriormente a 24 de fevereiro de 1891, ou confiscadas aos Jesuítas até aquela data, e desistirá de reivindicações que tenham como objeto referido domínio, salvo das áreas: I - afetadas a uso público comum e a uso especial da Administração Federal direta e indireta, inclusive as reservadas; II - cedidas pela União, ou por esta submetidas ao regime enfitêutico; III - identificadas, como de domínio da União, em ato jurídico específico, administrativo ou judicial. Parágrafo único. A Secretaria do Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, no prazo de cento e vinte dias, indicará à Advocacia-Geral da União as áreas ou imóveis objeto da ressalva de que tratam os incisos I a III do caput. No entanto, não há como incluir o imóvel sob disputa na conformação prevista no inciso II, como quer fazer crer a União. Note-se que o parágrafo único exigiu que a Secretaria do Patrimônio da União indicasse, no prazo de 120 dias, as áreas ou imóveis que se adequariam às ressalvas previstas nos incisos I a III, do mencionado dispositivo, providência sobre cujo atendimento, passados vinte anos, não se tem notícia, ao menos em relação à área sob litígio. Assim, alegações dando conta da existência de ações esparsas que visavam revigorar aforamentos antes existentes na região, verificadas há mais de meio século, são insuficientes para suprir tal omissão de modo a conferir ao imóvel a natureza de bem público. Ademais, esta E. Corte, em reiteradas oportunidades vem se pronunciando pela ausência de interesse da União em relação a imóveis localizados na área correspondente ao denominado Sítio Mutinga: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE USUCAPIÃO. INTERESSE DA UNIÃO. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS A INDICAR A PROPRIEDADE LEGÍTIMA DA UNIÃO SOBRE A ÁREA EM DISCUSSÃO. REMESSA DO FEITO À JUSTIÇA ESTADUAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO IMPROVIDO. - A discussão instalada nos autos diz respeito à ação de usucapião que tem como objeto imóvel que a União alega ser de sua propriedade, localizado dentro do perímetro do Sítio Mutinga. - O dissenso acerca da existência de interesse da União em ação de usucapião que tem como objeto área inserta no denominado Sítio Mutinga já foi enfrentada por esta Corte. Ao debater o tema, restou pacificado o entendimento de que a União não detém interesse nas ações de usucapião envolvendo imóveis situados em antigos aldeamentos indígenas (TRF 3ª Região, Quinta Turma, AI 492724, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, e-DJF3 28/06/2013). - Tenho que a discussão inserta nestes autos se amolda ao precedente desta Corte. Com efeito, extrai-se da peça inaugural da ação de origem que o imóvel usucapiendo se encontra registrado em nome de particulares. Ainda que assim não fosse, observo que a agravante não apresentou a mencionada "documentação expedida pelo seu Serviço de Patrimônio" que comprovaria que a área em questão é de propriedade da União. - Agravo de instrumento a que se nega provimento. (AI 0007109-84.2016.4.03.0000. RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY, TRF3 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:25/10/2016) AGRAVO DE INSTRUMENTO. USUCAPIÃO. INTERVENÇÃO DA UNIÃO NO FEITO. ALEGAÇÃO DE DOMÍNIO. NÃO COMPROVAÇÃO. ILEGITIMIDADE RECONHECIDA. 1. A decisão de primeira instância está lastreada na análise do conjunto probatório carreado aos autos principais, estando devidamente fundamentada. Diante disso, e tendo em vista que a ora agravante não logrou demonstrar com provas concretas o desacerto dessa decisão, mantidos seus fundamentos. 2. Mostra-se inconteste o registro do imóvel usucapiendo no Cartório de Registro de Imóveis de Osasco em nome de particulares (matrícula n.º 12.122 do 2º Cartório de Registro de Imóveis de Osasco - fls. 59/60). Uma vez que inexiste presunção juris tantum de domínio do Estado, e que no direito brasileiro o registro do título translativo no Registro de Imóveis gera presunção relativa do direito real de propriedade, cabe a ele o ônus da prova de que as terras são públicas, pois como tal não se presumem. 3. Outrossim, como salientou o d. magistrado, é fato que "...a simples alegação do órgão da União no sentido de que o terreno em passado distante foi aldeamento indígena não é suficiente para demonstrar a propriedade do imóvel em questão e, por consequência, o seu interesse no feito." (fl. 346v, fl. 326v dos autos principais). 4. Por outro lado, nota-se que a Informação n.º 231/CI/2010 dá conta de que aforamento foi concedido em 1768, regularmente transferido em 1833 (fls. 206/207, 189/190 dos autos principais) e declarado caduco nos autos do Proc. n.º 1.702/942 (fl. 217, fl. 200 dos autos principais), a despeito do relato da União de que a área foi aforada e vem sendo objeto de ações que visam revigorar os aforamentos. 5. Ademais, de fato a agravante alega que a área objeto da presente ação se insere dentro do perímetro do Sítio Mutinga que não se confunde com os extintos aldeamentos indígenas de Pinheiros e Barueri. A despeito disso, conforme dispõe a Informação n.º 231/CI/2010, "O lote usucapiendo se insere na área do Sítio Mutinga, pertencente ao Extinto Aldeamento Pinheiros-Barueri e originalmente aforada pela União" (fl. 206, fl. 189 dos autos principais). 6. Diante disso, reiterados os fundamentos do Juízo a quo: "...a inexistência de interesse da União em ações de usucapião de imóvel supostamente no interior de perímetro de extinto aldeamento indígena ficou assente em jurisprudência reiterada de nossos Tribunais, ensejando a aplicação dos princípios da economia, da celeridade e da razoabilidade para, excluída do processo, reconhecer a competência da Justiça do Estado." (fl. 348, fl. 328 dos autos principais). 7. Havendo registro formal do imóvel (fls. 46/48) em nome de particulares, estabelece-se a presunção juris tantum de domínio por parte daquele em nome de quem se realiza o registro. Compete à União, pois, provar seu interesse no feito não com alegações genéricas, mas com provas aptas a desconstituir tal presunção legal. Não pode a União ingressar no feito com base em interesses hipotéticos e sem embasamento sólido, mormente quando tais interesses são contrapostos a ocupações antigas e escrituras oficiais, dotadas de presunção relativa de veracidade e legitimidade. Nesse sentido, o parecer do Ministério Público Federal (fl. 358). Orientação expressa emanada pelo E. STF, assentada na Súmula nº 650. 8. Aldeamentos de há muito extintos, sem terem suas terras utilizadas ou protegidas (fática ou juridicamente) pela União, não obedecem a nenhum critério legal para serem enquadrados, nem ao menos em tese, como bens do ente federal. Precedentes desta E. Corte em casos análogos. 9. A alegação de que essa área possui a peculiaridade (em relação ao restante do antigo Aldeamento Pinheiros-Barueri) de ter sido objeto de aforamento igualmente deve ser rejeitada. Deveras, conforme entendimento jurisprudencial já assentado, e por força de disposição legal expressa (Código Civil, art. 2.038, caput), é vedada a constituição de novas enfiteuses. No caso dos autos, porém, não restou demonstrada a existência de enfiteuse. 9.1. Do compulsar dos autos nota-se que não consta da matrícula do imóvel (fls. 46/48) a inscrição desse direito real sobre imóvel usucapiendo, e também não há outra espécie de documento ou anotação registral que ateste que o imóvel em questão é objeto de enfiteuse. No entanto, por força do princípio da publicidade, aplicável a todos os direitos reais, nos termos inequívocos do art. 1227 do Código Civil e do art. 676 do Código Civil de 1916 (este ainda vigente no que toca ao regime jurídico da enfiteuse), seria necessária a inscrição desse direito real para seu reconhecimento. 9.2. Documentos esparsos, sem a devida coordenação lógica e cronológica, e emitidos unilateralmente por órgãos da União há mais de cinco décadas não têm o condão de elidir a fé pública e a presunção de veracidade e legitimidade da escritura pública do imóvel. Não se contesta aqui que os atos administrativos unilaterais possuem, igualmente, presunção de veracidade e legitimidade. Contudo, no confronto entre atos igualmente dotados de fé pública e presunção de veracidade, deve-se ponderar qual é o ato mais coeso e consentâneo com o conjunto probatório carreado nos autos. A inércia da União por décadas em relação a seus supostos direitos sobre a área somente vem a reforçar a dubiedade dos documentos aqui trazidos. Outrossim, o princípio da proteção da confiança deve prevalecer em situações como a analisada, visto que relações econômicas e familiares se estabeleceram por muitas décadas escudadas em informações públicas (e dotadas de fé pública) repassadas pelo Estado brasileiro, mediante os dados das matrículas dos Cartórios de Registros de Imóveis, matrículas estas dotadas de publicidade e aptas - nos termos do próprio ordenamento jurídico - a dar a estabilidade e a segurança inerentes ao regime jurídico dos direitos reais. Foi com base nessas informações públicas que se assentaram referidas relações e se estabilizaram cadeias dominiais reconhecidas em documentos públicos atestados por oficiais de registro de imóveis. Não se pode, com base em documentos esparsos que apenas trazem indícios de aforamento longínquo (por exemplo, a declaração de caducidade de aforamento, emitida em 1943 - fl.217), considerar o ente federal como apto a intervir no processo principal. 10. Agravo de instrumento conhecido e não provido. (AI 0029699-60.2013.4.03.0000. RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, TRF3 - DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 21/08/2014) CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. USUCAPIÃO. EXTINTO ALDEAMENTO INDÍGENA. INTERESSE DA UNIÃO. INEXISTÊNCIA. RETORNO DOS AUTOS À JUSTIÇA ESTADUAL. 1. Trata-se de agravo de instrumento interposto pela União contra a decisão de fls. 173/174v., proferida em ação de usucapião, que declarou inexistente o interesse da recorrente em intervir no feito, razão pela qual a excluiu do feito e determinou o retorno dos autos à Justiça Estadual. 2. A agravante afirma que o imóvel estaria localizado no Sítio Mutinga, que pertenceria ao extinto aldeamento Pinheiros/Barueri. No entanto, a situação jurídica do imóvel não se confundiria com a dos demais imóveis do extinto aldeamento, pois estaria sujeita ao regime de aforamento (fls. 75/76). Junta aos autos informação da Secretaria de Patrimônio nesse sentido, aduzindo que o aforamento remontaria ao ano de 1.768 (fls. 81/82). 3. A jurisprudência dos Tribunais Superiores é no sentido de que a União não detém interesse nas ações de usucapião envolvendo imóveis situados em extintos aldeamentos indígenas. Por outro lado, como ponderou o MM. Juiz a quo na decisão recorrida, 'a área objeto da presente ação encontra-se registrada no Primeiro Cartório de Registro de Imóveis de Osasco, SP, em nome de particulares (fls. 24), contrariando a argumentação genérica da União de que o terreno ainda lhe pertence por fazer parte do chamado Sítio Mutinga" (fl. 173v.). 4. Agravo de instrumento não provido. (AI 0034490-09.2012.4.03.0000. RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL ANDRÉ NEKATSCHALOW, TRF3 - QUINTA TURMA - 1A. SEÇÃO, e-DJF3 Judicial 1 DATA:28/06/2013) AGRAVO DE INSTRUMENTO. AGRAVO INTERNO. USUCAPIÃO. INTERVENÇÃO DA UNIÃO. 1 - Encontrando-se a área objeto da demanda registrada no 16º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, SP, em nome de particulares, o que contrapõe frontalmente a argumentação genérica da União de que o lote lhe pertence, nem tendo sido trazidos aos autos quaisquer documentos expedidos pela sua Gerência de Patrimônio em São Paulo, que comprovariam seu domínio, a jurisprudência desta Egrégia Corte é firme no sentido da União não possuir interesse nos feitos relativos à propriedade de área que se situa no perímetro do Sítio Mutinga. 2 - Agravo de instrumento desprovido. Agravo interno desprovido. (AI 0007509-98.2016.4.03.0000, RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA RIBEIRO, TRF3 - SEGUNDA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:01/12/2016) Nos termos do art. 109, I da Constituição Federal, há competência da Justiça Federal nas causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes. No caso dos autos, devido ao fato de o bem em litígio não possuir natureza pública relacionada com aldeamento indígena ou outro pertinente à área federal, o desinteresse da União no feito mostra-se patente, razão pela qual a competência para a apreciação da matéria resta deslocada para o Juízo Estadual. Ante ao exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso para reconhecer a ausência de interesse jurídico que justifique a presença da União no presente feito, e assim, anular a sentença recorrida a fim de o julgamento ocorra perante a Justiça Estadual. (...)” (destaquei) Coleciono acórdãos também desta c.Corte, recentes, sobre o mesmo Sítio Mutinga, justamente por se tratar de antigo e extinto aldeamento indígena: Reconheço julgado em outro sentido desta c.2ª Turma, do qual participei, mas não permite a alteração do julgamento lançado nestes autos em vista da revisão de posicionamento, notadamente em sede de embargos de declaração (TRF 3ª Região, 2ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5006213-19.2017.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal LUIZ PAULO COTRIM GUIMARAES, julgado em 29/06/2021, Intimação via sistema DATA: 05/07/2021). Em vista disso, constato que o acórdão recorrido tem fundamentação completa e regular para a lide posta nos autos. Ademais, o órgão julgador deve solucionar as questões relevantes e imprescindíveis para a resolução da controvérsia, não sendo obrigado a rebater (um a um) todos os argumentos trazidos pelas partes quando abrangidos pelas razões adotadas no pronunciamento judicial. A esse respeito, exemplifico com os seguintes julgados do E.STJ: AgInt nos EDcl no AREsp 1.290.119/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 30/08/2019; AgInt no REsp 1.675.749/RJ, Rel. Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 23/08/2019; REsp 1.817.010/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 20/08/2019; AgInt no AREsp 1.227.864/RJ, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 20/11/2018; e AREsp 1535259/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 07/11/2019, DJe 22/11/2019. No que concerne à não inversão do ônus sucumbencial, entendo que devem ser acolhidos em parte os embargos oferecidos por Lindemberg Magalhães Dias e Maria Aparecida Antunes Magalhães Dias. Sobre o tema, ainda que a decisão embargada tenha anulado a sentença recorrida, é fato que o ingresso da União no feito se deu ainda na Justiça Estadual, sem indicação dos autores nesse sentindo, sobrevindo discussão acerca da legitimidade do ente público para figurar no polo passivo. Ao final, restou reconhecida por esta Justiça Federal a ausência de interesse jurídico que justifique a presença da União no feito, malgrado a resistência por ela oferecida, anulando-se a sentença para que o julgamento ocorra perante a Justiça Estadual. À luz do primado da causalidade, e considerando que a União não figurará no polo passivo da ação durante a tramitação do feito no juízo Estadual, de rigor a fixação de verba honorária em favor do patrono da parte autora. Considerada a tese firmada pelo STJ para o Tema 1.076, que trata da definição do alcance da norma inserta no § 8º, do artigo 85, do CPC, pela qual será admitida a fixação de honorários por equidade quando o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável, fixo a referida verba por apreciação equitativa em R$ 5.000,00. Descabida, por fim, a majoração pretendida pela embargante, por se tratar de sentença reformada em sede recursal, hipótese não contemplada pelo art. 85, §11, do CPC. Ante o exposto, rejeito os embargos de declaração da União, e acolho em parte os embargos Lindemberg Magalhães Dias e Maria Aparecida Antunes Magalhães Dias. É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. INTERESSE DA UNIÃO. INOCORRÊNCIA. DOMÍNIO FEDERAL SOBRE O IMÓVEL USUCAPIENDO NÃO DEMONSTRADO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. APELAÇÃO PROVIDA. SENTENÇA ANULADA. 1. Recurso de apelação em que se pretende a reforma da sentença que reconheceu a propriedade da União sobre a área em que está inserida o lote usucapiendo, denominada Sítio Mutinga. 2. O dissenso acerca da existência de interesse da União em ação de usucapião que tem como objeto área inserta no denominado Sítio Mutinga já foi reiteradamente enfrentada por esta Corte. Ao debater o tema, restou pacificado o entendimento de que a União não detém interesse nas ações envolvendo imóveis situados em antigos aldeamentos indígenas. Precedentes. 3. A controvérsia nos autos se amolda aos precedentes desta Corte, inclusive quanto à inexistência de prova de submissão da área do Sítio Mutinga ao regime de aforamento. Com efeito, extrai-se da inicial que o imóvel em questão está registrado no 1º Ofício de Registro de Imóveis de Osasco-SP desde 19/09/1967, em nome de particular. Embora o registro seja posterior ao alegado aforamento, não consta na matrícula qualquer indicação de que o bem estivesse gravado por enfiteuse. Ademais, os documentos juntados pelo ente federal não fazem qualquer correlação entre a área que teria sido aforada em 1768 e aquela objeto da presente demanda. 4. Não demonstrado o domínio da União na área cuja usucapião se pretende, impõe-se o retorno dos autos à Justiça Estadual, a quem compete processar e julgar o presente feito, e a consequente nulidade da sentença proferida pelo juízo absolutamente incompetente. 5. Apelação provida.
(TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000350-46.2018.4.03.6144, Rel. Desembargador Federal WILSON ZAUHY FILHO, julgado em 23/07/2021, Intimação via sistema DATA: 29/07/2021)
PROCESSO CIVIL. COMPETÊNCIA. INTERESSE UNIÃO. ANTIGOS ALDEAMENTOS INDÍGENAS, USUCAPIÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.
1. A orientação do Superior Tribunal de Justiça e desta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da Terceira Região, firmou-se pela inexistência de interesse da União nas ações envolvendo terras de antigos aldeamentos indígenas.
2. Agravo de instrumento não provido.
(TRF 3ª Região, 1ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5008239-53.2018.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal HELIO EGYDIO DE MATOS NOGUEIRA, julgado em 12/08/2019, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 26/08/2019)
EMENTA
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PROCESSO CIVIL. SÍTIO MUTINGA. ALDEAMENTO INDÍGENA EXTINTO. AUSÊNCIA DE INTERESSE DE ENTE FEDERAL. COMPETÊNCIA DO JUÍZO ESTADUAL. OMISSÃO EM RELAÇÃO À VERBA HONORÁRIA RECONHECIDA.
- Nos termos do art. 1.022 do CPC/2015, os embargos de declaração podem ser opostos contra qualquer decisão judicial para esclarecer obscuridade, eliminar contradição, suprir omissão de ponto ou questão, e corrigir erro material. E, conforme dispõe o art. 1.025 do mesmo CPC/2015, consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade.
- Embora essa via recursal seja importante para a correção da prestação jurisdicional, os embargos de declaração não servem para rediscutir o que já foi objeto de pronunciamento judicial coerente e suficiente na decisão recorrida. Os efeitos infringentes somente são cabíveis se o julgado tiver falha (em tema de direito ou de fato) que implique em alteração do julgado, e não quando desagradar o litigante.
- Em relação aos embargos oferecidos pela União, o acórdão recorrido tem fundamentação completa e regular para a lide posta nos autos. Ademais, o órgão julgador deve solucionar as questões relevantes e imprescindíveis para a resolução da controvérsia, não sendo obrigado a rebater (um a um) todos os argumentos trazidos pelas partes quando abrangidos pelas razões adotadas no pronunciamento judicial. Precedentes.
- No que concerne aos embargos de Lindemberg Magalhães Dias e Maria Aparecida Antunes Magalhães Dias, devem ser acolhidos em parte, para que sejam fixados honorários em seu favor, haja vista a resistência da União à sua exclusão do polo passivo, reconhecida em sede recursal, com a determinação de remessa dos autos à Justiça Estadual
- Embargos de declaração da União rejeitados, e embargos de declaração de Lindemberg Magalhães Dias e Maria Aparecida Antunes Magalhães Dias acolhidos em parte para fixar a verba honorária em R$ 5.000,00.