APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5033888-48.2021.4.03.6100
RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA
APELANTE: WALTER NEI NASCIMENTO
Advogados do(a) APELANTE: ARNALDO TEBECHERANE HADDAD - SP207911-A, ARNALDO TEBECHERANE HADDAD FILHO - SP283325-A
APELADO: CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SAO PAULO
Advogados do(a) APELADO: ADRIANA TEIXEIRA DA TRINDADE FERREIRA - SP152714-A, OLGA CODORNIZ CAMPELLO CARNEIRO - SP86795-A, TOMAS TENSHIN SATAKA BUGARIN - SP332339-A
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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5033888-48.2021.4.03.6100 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA APELANTE: WALTER NEI NASCIMENTO Advogados do(a) APELANTE: ARNALDO TEBECHERANE HADDAD - SP207911-A, ARNALDO TEBECHERANE HADDAD FILHO - SP283325-A Advogados do(a) APELADO: ADRIANA TEIXEIRA DA TRINDADE FERREIRA - SP152714-A, OLGA CODORNIZ CAMPELLO CARNEIRO - SP86795-A, TOMAS TENSHIN SATAKA BUGARIN - SP332339-A R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação à sentença que, em ação ordinária, negou o pedido de cancelamento definitivo de inscrição no Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo por razão de doença mental, ante a pendência de sindicância para apuração de infrações ético-disciplinares, fixados honorários advocatícios em R$ 5.203,07, equivalente ao mínimo previsto na tabela de honorários da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção São Paulo de 2022, nos termos do artigo 85, §§ 2º e 8º, CPC. Alegou-se, em suma, que: (1) não há previsão legal para negativa do cancelamento do registro quando o médico assim o requer, dado que o impedimento de cancelamento de inscrição do médico que responde a procedimento administrativo consta apenas de portaria do conselho, que não equivale à lei; (2) há ofensa ao princípio da razoabilidade, pois a punição máxima prevista na sindicância é, justamente, o cancelamento do registro de médico; (3) na hipótese de desprovimento do pedido, deve-se reduzir o valor da condenação em sucumbência; e (4) faz jus ao benefício da gratuidade da justiça. Houve contrarrazões. É o relatório.
APELADO: CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SAO PAULO
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5033888-48.2021.4.03.6100 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA APELANTE: WALTER NEI NASCIMENTO Advogados do(a) APELANTE: ARNALDO TEBECHERANE HADDAD - SP207911-A, ARNALDO TEBECHERANE HADDAD FILHO - SP283325-A Advogados do(a) APELADO: ADRIANA TEIXEIRA DA TRINDADE FERREIRA - SP152714-A, OLGA CODORNIZ CAMPELLO CARNEIRO - SP86795-A, TOMAS TENSHIN SATAKA BUGARIN - SP332339-A V O T O Senhores Desembargadores, cumpre destacar que, ao promover o registro profissional no conselho respectivo, o médico se submete às respectivas normas regulamentares, editadas pelo Conselho Federal de Medicina e pelo Conselho Regional que exerce controle legal sobre a inscrição. No caso, a atuação dos Conselhos Federal e Regionais encontra respaldo na Lei 3.268/1957, que prevê: "Art. 5º São atribuições do Conselho Federal: a) organizar o seu regimento interno; b) aprovar os regimentos internos organizados pelos Conselhos Regionais; c) eleger o presidente e o secretário geral do Conselho; d) votar e alterar o Código de Deontologia Médica, ouvidos os Conselhos Regionais; [...] Art. 15. São atribuições dos Conselhos Regionais: a) deliberar sobre a inscrição e cancelamento no quadro do Conselho; b) manter um registro dos médicos, legalmente habilitados, com exercício na respectiva Região; c) fiscalizar o exercício da profissão de médico; d) conhecer, apreciar e decidir os assuntos atinentes à ética profissional, impondo as penalidades que couberem; [...]" A propósito do tema discutido, dispôs o Código de Ética Médica (Resolução CFM 2.217/2018), no Capítulo XIV, sobre “Disposições Gerais” que: “É vedado ao médico: I - O médico portador de doença incapacitante para o exercício profissional, apurada pelo Conselho Regional de Medicina em procedimento administrativo com perícia médica, terá seu registro suspenso enquanto perdurar sua incapacidade. II - Os médicos que cometerem faltas graves previstas neste Código e cuja continuidade do exercício profissional constitua risco de danos irreparáveis ao paciente ou à sociedade poderão ter o exercício profissional suspenso mediante procedimento administrativo específico.” O “Manual de Procedimentos Administrativos – Pessoa Física”, editado pelo CFM, por sua vez, prevê que “Se o médico responde a uma ou mais sindicâncias ou PEP, ele não poderá solicitar transferência para outra jurisdição (CANCELAMENTO), [...]”, bem como que: “Cancelamento de inscrição principal Por motivo particular (aposentadoria, viagem ao exterior, mudança de ramo de atividade laborativa e/ou doença incapacitante) Procedimentos [...] VI. O CRM de origem, para dar seguimento à solicitação de cancelamento, deverá validar a solicitação, verificando a regularidade da inscrição e observando se não possui pendências: [...] 2. Judicantes: médicos que estejam respondendo a sindicâncias, processos éticos e administrativos ou cumprindo interdição cautelar não poderão ter a inscrição cancelada sem a regularização dessa condição; [...]” Em consonância, a Portaria CREMESP 01, de 12/01/1999, dispôs que “2. O cancelamento não poderá ser concedido a médico que estiver respondendo a Expediente-denúncia ou Processo Ético-Profissional”. Não se verifica, pois, ilegalidade na Portaria CREMESP 01/1999, que encontra respaldo não apenas em atos normativos do Conselho Federal de Medicina como ainda na Lei 3.268/1957. Tampouco se verifica ofensa à razoabilidade, como alegado, pois o pedido de cancelamento da inscrição, ainda que motivado por doença incapacitante, não afasta o interesse da Administração Pública em prosseguir no processamento de sindicância e procedimento ético-disciplinar instaurados em face do apelante. Observa-se, neste sentido, que a sanção mais grave e severa, na via administrativa, é a de “cassação do exercício profissional” (artigo 22, “e”, da Lei 3.268/1957), que difere, substancialmente, do “cancelamento de inscrição” a pedido do profissional (artigo 15, “a”, da Lei 3.268/1957), tendo este evidente caráter voluntário e não sancionatório-disciplinar. É nítida a distinção quanto à natureza jurídica e respectivos efeitos, tanto que o cancelamento permite ao profissional, por iniciativa e interesse próprio, reinscrição e reativação do registro profissional, como expressamente garante o Manual de Procedimentos Administrativos, editado pelo Conselho Federal de Medicina, prescrevendo que, em tal situação, "o próprio médico solicita o cancelamento da inscrição e retorna requerendo sua reativação”. No caso de sanção disciplinar de “cassação do exercício profissional” tal reversibilidade não se admite, sendo definitiva a exclusão dos quadros do conselho profissional a impedir o exercício regular da medicina, vedada inclusive a “reabilitação profissional” decorridos oito anos da aplicação da penalidade, conforme previsto no artigo 126, do Código de Processo Ético-Profissional no âmbito do Conselho Federal de Medicina e Conselhos Regionais de Medicina. Tal viés denota que, não obstante a negativa do apelado, na verdade, o pedido de cancelamento do registro profissional pretende, para além de formalizar a situação de não exercício da profissão por doença incapacitante, afastar as medidas relacionadas à apuração de supostas infrações ético-disciplinar pendentes, inclusive da própria interdição cautelar imposta – como bem observou a sentença, a propósito, “o autor, que alegou ter descoberto doenças mentais em 2017, somente requereu o cancelamento de sua inscrição profissional em 2021, quando já havia múltiplas sindicâncias contra si em curso” -, sem porém, discutir qualquer fato, impedimento ou ilegalidade no que concerne aos processos ético-disciplinares e sindicâncias, que se encontram sob crivo administrativo. Sucede que o tratamento legal conferido às condutas sujeitas à sanção de cassação do registro profissional - lembrando que, no caso, não se discute nada a respeito da matéria de fundo, sujeita à apreciação administrativa e não devolvida por esta ação, sobretudo pelas razões de apelação – evidencia que não é compatível com o regime legal admitir que possa o profissional eximir-se da apuração dos fatos que lhe são imputados e de eventual responsabilidade ético-disciplinar através da formulação de requerimento de cancelamento da inscrição. A argumentação de que o apelante, em razão de doença neurológica degenerativa, já não mais exerce a profissão, sinaliza a percepção de que eventuais sanções disciplinares aplicáveis não produziriam efeitos práticos e concretos na atualidade, o que, porém, não configura razão jurídica para afirmar que seja ilegal ou abusiva tal aplicação, na medida em que, reitere-se, nada do que se refere aos fatos apurados administrativamente nos expedientes junto ao CREMESP foi objeto de qualquer discussão judicial e devolução recursal para que se pudesse cogitar da formulação de qualquer juízo de nulidade ou ilegalidade. Logo, revela-se improcedente o pedido, devendo ser mantida a sentença proferida pelo Juízo de origem. A verba sucumbencial fixada em sentença atende norma expressa prevista no artigo 85, §§ 8º e 8º-A, CPC, não se verificando qualquer excesso a justificar a redução pleiteada. Os honorários advocatícios, considerado o trabalho adicional em grau recursal e os critérios do artigo 85, §§ 2º a 6º, 8º e 11, CPC, especialmente grau de zelo do profissional, lugar da prestação do serviço, natureza e importância da causa e tempo exigido de atuação nesta fase do processo, devem ser majorados, pela atuação nesta instância, em 10% (dez por cento) sobre o valor fixado na sentença, suspensa a execução pela concessão dos benefícios da justiça gratuita, ora deferida no exame das alegações deduzidas e da declaração de pobreza acostada aos autos, à luz da legislação específica. Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação, apenas para conceder a gratuidade da justiça. É como voto.
APELADO: CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SAO PAULO
E M E N T A
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA. PROCESSO ÉTICO-PROFISSIONAL EM CURSO. PEDIDO DE CANCELAMENTO DA INSCRIÇÃO. IMPEDIMENTO. GRATUIDADE DE JUSTIÇA CONCEDIDA.
1. Ao promover o registro profissional no conselho respectivo, o médico submete-se às respectivas normas regulamentares, editadas pelo Conselho Federal de Medicina e pelo Conselho Regional que exerce jurisdição sobre a sua inscrição. No caso, a atuação dos Conselhos Federal e Regionais encontra respaldo nos artigos 5º e 15 da Lei 3.268/1957.
2. O “Manual de Procedimentos Administrativos – Pessoa Física”, editado pelo CFM, prevê que “médicos que estejam respondendo a sindicâncias, processos éticos e administrativos ou cumprindo interdição cautelar não poderão ter a inscrição cancelada sem a regularização dessa condição”. Em consonância, a Portaria CREMESP 01, de 12/01/1999, dispôs que “2. O cancelamento não poderá ser concedido a médico que estiver respondendo a Expediente-denúncia ou Processo Ético-Profissional”.
3. Não se verifica, pois, ilegalidade na Portaria CREMESP 01/1999, que tem respaldo não apenas nos atos normativos do Conselho Federal de Medicina como ainda na Lei 3.268/1957, sem que se cogite, por sua vez, de ofensa à razoabilidade, pois o pedido de cancelamento da inscrição, ainda que motivado por doença incapacitante, não afasta o interesse público em prosseguir no processamento de sindicância e procedimento ético-disciplinar instaurados em face do apelante.
4. Observa-se, neste sentido, que a sanção mais grave e severa, na via administrativa, é a de “cassação do exercício profissional” (artigo 22, “e”, da Lei 3.268/1957), que difere, substancialmente, do “cancelamento de inscrição” a pedido do profissional (artigo 15, “a”, da Lei 3.268/1957), tendo este evidente caráter voluntário e não sancionatório-disciplinar. É nítida a distinção quanto à natureza jurídica e respectivos efeitos, tanto que o cancelamento permite ao profissional, por iniciativa e interesse próprio, reinscrição e reativação do registro profissional, como expressamente garante o Manual de Procedimentos Administrativos, editado pelo Conselho Federal de Medicina, prescrevendo que, em tal situação, "o próprio médico solicita o cancelamento da inscrição e retorna requerendo sua reativação”.
5. No caso de sanção disciplinar de “cassação do exercício profissional” tal reversibilidade não se admite, sendo definitiva a exclusão dos quadros do conselho profissional a impedir o exercício regular da medicina, vedada inclusive a “reabilitação profissional" decorridos oito anos da aplicação da penalidade, conforme previsto no artigo 126 do Código de Processo Ético-Profissional no âmbito do Conselho Federal de Medicina e Conselhos Regionais de Medicina.
6. Tal viés denota que, não obstante a negativa do apelado, na verdade, o pedido de cancelamento do registro profissional pretende, para além de formalizar a situação de não exercício da profissão por doença incapacitante, afastar as medidas relacionadas à apuração de supostas infrações ético-disciplinar pendentes, inclusive da própria interdição cautelar imposta – como bem observou a sentença, a propósito, “o autor, que alegou ter descoberto doenças mentais em 2017, somente requereu o cancelamento de sua inscrição profissional em 2021, quando já havia múltiplas sindicâncias contra si em curso” -, sem porém, discutir qualquer fato, impedimento ou ilegalidade no que concerne aos processos ético-disciplinares e sindicâncias, que se encontram sob crivo administrativo.
7. Sucede que o tratamento legal conferido às condutas sujeitas à sanção de cassação do registro profissional - lembrando que, no caso, não se discute nada a respeito da matéria de fundo, sujeita à apreciação administrativa e não devolvida por esta ação, sobretudo pelas razões de apelação – evidencia que não é compatível com o regime legal admitir que possa o profissional eximir-se da apuração dos fatos que lhe são imputados e de eventual responsabilidade ético-disciplinar através da formulação de requerimento de cancelamento da inscrição.
8. A argumentação de que o apelante, em razão de doença neurológica degenerativa, já não mais exerce a profissão, sinaliza a percepção de que eventuais sanções disciplinares aplicáveis não produziriam efeitos práticos e concretos na atualidade, o que, porém, não configura razão jurídica para afirmar que seja ilegal ou abusiva tal aplicação, na medida em que, reitere-se, nada do que se refere aos fatos apurados administrativamente nos expedientes junto ao CREMESP foi objeto de qualquer discussão judicial e devolução recursal para que se pudesse cogitar da formulação de qualquer juízo de nulidade ou ilegalidade.
9. A verba sucumbencial fixada em sentença atende norma expressa prevista no artigo 85, §§ 8º e 8º-A, CPC, não se verificando qualquer excesso a justificar a redução pleiteada. Fixada verba honorária pelo trabalho adicional em grau recursal, em observância ao comando e critérios do artigo 85, §§ 2º, 8º e 11, do Código de Processo Civil, suspensa a execução pela concessão dos benefícios da justiça gratuita, ora deferida.
10. Apelação parcialmente provida.