Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0004222-45.2016.4.03.6106

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: JAIR FERNANDES FELIPPELLI, ROGERIO CARLOS DE MELO, ANTONIO ANGELO NETO

Advogado do(a) APELANTE: LUCAS VALDASTRI FELIPPELLI - SP361160-A
Advogado do(a) APELANTE: SILVIO CARLOS ALVES DOS SANTOS - SP233033-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0004222-45.2016.4.03.6106

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: JAIR FERNANDES FELIPPELLI, ROGERIO CARLOS DE MELO

Advogado do(a) APELANTE: LUCAS VALDASTRI FELIPPELLI - SP361160-A

APELADO: ANTONIO ANGELO NETO, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

Advogado do(a) APELADO: SILVIO CARLOS ALVES DOS SANTOS - SP233033-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:

 

Trata-se de recurso de Apelação interposto pelas Defesas de JAIR FERNANDES FELIPPELLI, nascido em 11.11.1963, ROGÉRIO CARLOS DE MELO, nascido em 02.01.1971, e ANTÔNIO ANGELO NETO, nascido em 06.02.1961, em face da r. sentença proferida pelo Exmo. Juiz Federal Adenir Pereira da Silva (1ª Vara Federal de São José do Rio Preto/SP - ID 165852081, págs. 212/233), publicada em 30.09.2019 (ID 165852081 págs. 234), que julgou PROCEDENTE o pedido formulado pela r. denúncia e CONDENOU cada um dos corréus à pena corporal de 02 (dois) anos e 02 (dois) meses de reclusão, em regime inicial ABERTO, bem como ao pagamento de 21 (vinte e um) dias-multa, cada qual fixado no valor unitário de 01/03 (um terço) do salário-mínimo vigente na data dos fatos, corrigido monetariamente na data do pagamento, pela prática do crime previsto no artigo 171, § 3º, do Código Penal. Restaram substituídas as penas privativas de liberdade por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade, pelo período de duração da pena substituída, e prestação pecuniária no valor de 10 (dez) salários-mínimos, em benefício de entidade beneficente.  

 

Consta da r. denúncia, em síntese, que (ID 165854435 págs. 11/18):

 

“(...)

I – DAS IMPUTAÇÕES

ROGÉRIO CARLOS DE MELO e JAIR FERNANDES FELIPPELLI, na qualidade de sócios e administradores da empresa JR DOMINIUM ADMINISTRADORA DE BENS E CRÉDITOS LTDA., em 25/11/2011, agindo em conjunto e com unidade de propósitos com ANTÔNIO ANGELO NETO, predispondo de vontade livre e consciente, obtiveram vantagem ilícita, em prejuízo do erário, induzindo a União em erro mediante fraude, na medida em que, após prestaram informações falsas em 7 (sete) Declarações de Débitos e Créditos (DCTFs), relativas aos períodos de apuração de março de 2010 a setembro de 2011, deixaram de recolher o montante devido em face de IRPJ e CSLL, obtendo, por meio de tais declarações falsas, o status de regular pagadora de impostos para a JR DOMINIUM, bem como mantendo a disponibilidade do numerário que, após o autolançamento, pertencia à União.

Ademais, nos autos da execução fiscal n. 0011059- 19.2011.401.3400, ajuizada em 15 de fevereiro de 2011, em trâmite na Justiça Federal do Distrito Federal, o acusado ANTÔNIO ANGELO NETO fez uso de documento falso, qual seja, laudo econômico constando informações ideologicamente falsas (documento particular), o qual dava conta de uma suposta atualização monetária manifestamente forjada.

Por fim, ROGÉRIO CARLOS DE MELO e JAIR FERNANDES FELIPPELLI, na qualidade de sócios e administradores da empresa JR DOMINIUM ADMINISTRADORA DE BENS E CRÉDITOS LTDA., agindo conjuntamente e com unidade de propósitos com ANTÔNIO ANGELO NETO, em 25/11/2011, com vontade livre e consciente, prestaram informações falsas em 07 (sete) Declarações de Débitos e Créditos (DCTF's) relativas aos períodos de apuração de março/2010, junho/2010, setembro/2010, dezembro/ 2010, março/2011, junho/2011 e setembro/2011, com o fito de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante, consistente na plena exigibilidade dos créditos tributários declarados e de adiar o pagamento de dois tributos federais distintos, quais sejam, IRPJ e CSLL.

II – DOS FATOS TÍPICOS

Com efeito, ANTÔNIO ANGELO NETO, em 15 de fevereiro de 2011, ajuizou, em nome da empresa JR DOMINIUM ADMINISTRADORA DE BENS E CRÉDITOS LTDA., a ação de execução de título extrajudicial n. 0011059-19.2011.401.3400 em face da União (Fazenda Nacional), alegando que esta era possuidora da Apólice n° 5004, emitida em 1915 pela Prefeitura do Distrito Federal, à época a cidade do Rio de Janeiro, no valor nominal de 20 libras, a qual corresponderia à quantia atualizada de R$ 15.231.814,90 (quinze milhões, duzentos e trinta e um mil, oitocentos e catorze reais e noventa centavos) (fls. 04/36 do arquivo intitulado Peças processuais 11059- 1920114013400- 18, dentro da pasta Ações Judiciais, que consta no CD encartado à fl. 285).

Foram protocolizados diversos pedidos de emenda à inicial para inclusão de um grande número de empresas no polo ativo da ação, alegando-se a transferência de parte dos direitos oriundos do título extrajudicial (fls. 62/63, 76/77, 117/118, 134/140 do arquivo acima mencionado).

Deve-se levar em conta que foi acostado aos autos um laudo de atualização monetária, firmado pela empresa “MFN Consultoria” manifestadamente falso, já que a atualização monetária levada a efeito em seu bojo revela-se absurda, fora de qualquer padrão técnico aceitável (fls. 212/2015 dos autos principais do IPL).

Conforme a Informação Técnica n° 17/2015, referente ao exame realizado no laudo acima mencionado, não é permitida a conversão em reais de valores em libras esterlinas (fls. 207/ 211):

“O que está apresentado nos documentos de consultorias financeiras é a atualização monetária de um valor em moeda estrangeira convertidos para moeda nacional da época, com incidência de diversos parâmetros, ao longo do um grande período, ou seja, com grande hiato temporal. Porém, isso vai de encontro à atualização real da dívida, que deve ser paga em moeda estrangeira, com juros semestrais. Portanto, por tratar-se de uma atualização monetária que não encontra fundamento nos pagamentos realizados do título informado não há o que se aprofundar. Isso porque, ao converter um valor em libra para moeda nacional e aplicar parâmetros, mesmo oficiais, alteram-se os fundamentos dos pagamentos do empréstimo evidenciado no título. ”

O próximo passo do estratagema criminoso era relacionado à atitude da pessoa jurídica de confessar à Receita Federal o débito fiscal por meio de DCTFs, sendo estas elaboradas conforme orientação dos gestores da empresa, constituindo-se, portanto, o crédito tributário por meio do autolançamento e, imediatamente após, informar que o pagamento se daria pela figura da conversão em renda, a ser feita quando da procedência da ação de execução proposta.

Assim, nas Declarações de Débitos e Créditos (DCTFs) concernentes ao período de apuração de março/2010, junho/2010, setembro/2010, dezembro/2010, março/2011, junho/2011 e setembro/2011, encaminhadas por Olívio Zandorlin Filho, contador da JR DOMINIUM, remetidas eletronicamente no dia 25/11/2011, foram declarados os débitos concernentes ao Imposto de Renda Pessoa Jurídica — IRPJ e à Contribuição Social sobre Lucro Líquido — CSLL, conforme as tabelas abaixo:

Vide tabela (ID 165854435 pág. 15).

Apesar de declarados e, assim, confessados os créditos tributários em questão, foi informada a existência de causa suspensiva da exigibilidade que atingia a totalidade dos tributos acima elencados, sendo indicado, como fundamento jurídico, o número do processo “0011059-19.2011.401.3400”.

Foi consignado, ainda, para cada tributo e período de apuração, a extinção por meio do depósito integral do débito. No entanto, somente após a abertura do processo administrativo n° 16000.000005/2012-14 foram realizados depósitos judiciais referentes aos tributos devidos, mas no insignificante valor de R$ 15,00 (quinze reais), montante bastante inferior à importância devida.

É de se ressaltar que, malgrado se alegasse que os débitos confessados estavam com sua exigibilidade suspensa, tal fato não correspondia à verdade, já que havia apenas o ajuizamento de uma ação de execução em que qualquer providência jurisdicional foi solicitada e veementemente negada, como bem ressaltado na representação fiscal:

“Nesse sentido, o contribuinte, ao inserir em DOTE informação inverídica de que os débitos estariam suspensos pela ação judicial n° 0011059-19.2011.401.3400, acreditava na inoperância geral de todos os órgãos envolvidos no presente caso. Em outras palavras, ao arrepio da lei, sem amparo em decisão judicial, e contrariando a jurisprudência administrativa, a empresa informou, indevidamente, em sua DOTE, que os débitos estariam com a exigibilidade suspensa por força da ação acima citada e de depósitos judiciais dos montantes integrais, que, na realidade, não tinham sido efetuados até a data da abertura do processo administrativo, conforme se vislumbra às fls. 23-24. Somente em 13.03.2012 e em 23.05.2012 foram realizados depósitos judiciais de IRPJ e CSLL, mas apenas no valor de R$ 15,00 cada um...” (ff. 02 do ap I, vol I).

De fato, tais títulos, para além de qualquer dúvida, estão prescritos e, mesmo que não estivessem, só poderiam ser resgatados no exterior, sendo a tentativa de validá-los pela seara jurisdicional mera atitude inescrupulosa de se locupletar à custa do erário. Não é outro o entendimento da Secretaria do Tesouro Nacional:

“.... Por terem sido emitidos no exterior e vendidos para investidores não domiciliados no País, o resgate se dá exclusivamente no exterior e na moeda de emissão, mediante apresentação da cártula aos agentes pagadores autorizados pelo Governo do Brasil, a quem compete também atestar e autenticidade e validade de tais títulos. Não há possibilidade legal de resgate em moeda nacional.

Quanto a documentação encaminhada através do vosso Oficio, trata-se de Título “Empréstimo 1904 - Prefeitura do

Distrito Federal - 5%”. Esclarecemos que o mesmo foi chamado para resgate em 2002, sendo atingido pela regra da prescrição conforme legislação vigente e em acordo com a Lei Inglesa. ’ (cf. 223/224).

Por seu turno, os acusados gestores da JR DOMINIUM tampouco desconheciam a ilicitude de suas condutas, já que, inclusive, venderam a outras empresas supostos créditos em face do fisco.

Por fim, consigne-se que, após cumprirem toda a trajetória criminosa a que se propuseram, os acusados, de fato, causaram prejuízo ao erário de R$ 212.542,93 (duzentos e doze mil, quinhentos e quarenta e dois reais e noventa e três centavos).

(...). ”

 

A r. denúncia foi recebida em 15.12.2016 (ID 165854435 págs. 19/24).  

 

A Defesa de JAIR FERNANDES FELIPPELLI apresentou razões de Apelação (ID 165852081 págs. 269/281), pleiteando, em síntese: i) a ausência de comprovação dos elementos para configuração do crime de estelionato; iii) aplicação dos princípios in dubio pro reo, Presunção de Inocência e Intervenção Mínima; iv) existência de erro de tipo; v) e afastamento da continuidade delitiva. 

 

A Defesa de ROGÉRIO CARLOS DE MELO apresentou razões de Apelação (ID 165852081 págs. 282/292), pleiteando, em síntese: i) a absolvição por ocorrência de crime impossível; ii) ausência de elementos para configuração do crime de estelionato; iii) e o afastamento da continuidade delitiva.

 

Igualmente inconformada, a Defesa de ANTÔNIO ANGELO NETO, apresentou razões de Apelação (ID 165852425 págs. 36/91), pleiteando, em síntese: i) a absolvição pelo reconhecimento da atipicidade dos fatos; ii) a desclassificação para crime de natureza tributária (artigo 2º, I, da Lei 8.137/90) e reconhecimento de sua atipicidade ou crime tentado; iii) redução da pena com base no artigo 29, § 1º, do CP; iv) reconhecimento do crime impossível; v) e reconhecimento de nulidade da r. sentença, por ausência de fundamentação, no ponto que que fixou os valores do dia-multa e prestação pecuniária acima do mínimo legal.

 

Contrarrazões pelo Ministério Público Federal (ID 165852081 págs. 299/306).

 

 As Defesas de JAIR FERNANDES FELIPPELLI e de ROGÉRIO CARLOS DE MELO requerem a propositura de Acordo de Não Persecução Penal (ID. 165852425, págs. 92/93 e 100).

 

A Procuradoria Regional da República ofertou parecer (ID 165852425 págs. 17/28 e 107/119) manifestando-se pelo desprovimento das Apelações Defensivas.

 

É o relatório.

 

À revisão.

 

 

 

 


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APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0004222-45.2016.4.03.6106

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: JAIR FERNANDES FELIPPELLI, ROGERIO CARLOS DE MELO, ANTONIO ANGELO NETO

Advogado do(a) APELANTE: LUCAS VALDASTRI FELIPPELLI - SP361160-A
Advogado do(a) APELANTE: SILVIO CARLOS ALVES DOS SANTOS - SP233033-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

 

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V O T O

 

 

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: 

 

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O DELITO DE ESTELIONATO  

 

O art. 171, parágrafo 3º, do Código Penal, assim dispõe: 

 

Art. 171: Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: 

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa. 

(...) 

§ 3º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência. 

 

Trata-se de uma modalidade especial de estelionato, praticado contra entidades de direito público ou institutos de economia popular, assistência social ou beneficência (tais como a Caixa Econômica Federal e o INSS, por exemplo), de modo que é maior a reprovabilidade da conduta, já que tais entes prestam serviços fundamentais à sociedade, razão pela qual a lei prevê, para essa hipótese, uma causa especial de aumento de pena a ser considerada na terceira fase da dosimetria da pena. 

 

Para a caracterização do crime de estelionato, devem estar presentes três requisitos fundamentais, quais sejam: I) o emprego de meio fraudulento, de que são exemplos o artifício (recurso engenhoso/artístico) e o ardil (astúcia, manha ou sutileza), ambos espécie do gênero fraude; II) o induzimento ou manutenção da vítima em erro; III) a obtenção, em prejuízo alheio, de vantagem ilícita (economicamente apreciável), sem o que não se há de falar em consumação deste delito. 

 

A respeito do primeiro requisito (emprego de meio fraudulento), é relevante mencionar que, ontologicamente, não se há de falar em distinção entre fraude penal e fraude civil, já que não há diferenças estruturais entre estas. Com efeito, não existe diferença entre a fraude civil e a fraude penal. Só há uma fraude. Trata-se de uma questão de qualidade ou grau, determinado pelas circunstâncias da situação concreta. Elas é que determinam se o ato do agente não passou de apenas um mau negócio ou se neles estão presentes os requisitos do estelionato, caso em que o fato será punível penalmente (TJRS, AP. Crim. 70013151618, 7ª Câm. Crim., Rel Sylvio Baptista Neto, j. 22.12.2005). 

 

É possível que haja um comportamento ilícito e, todavia, circunscrito à esfera civil. Assim, por força dos princípios da intervenção mínima e da fragmentariedade, é necessário, para a caracterização do crime de estelionato, que o agente tenha o dolo como fim especial de agir, sendo imprescindível a consciência, a vontade de enganar, ludibriar, com objetivo de obter vantagem ilícita em detrimento da vítima. É a presença do dolo que distinguirá uma conduta penalmente relevante daquela situação em que, por exemplo, o agente age com boa-fé, sem a intenção de enganar, mas, por motivos diversos, acaba por cometer um ilícito civil. Atente-se que se, por um lado, não se pode adentrar a consciência do indivíduo, por outro, é possível aferir a presença do elemento anímico a partir de fatores externos, ou seja, dos detalhes e circunstâncias que envolvem os fatos. Além disso, é indispensável, para a caracterização do delito de estelionato, que se identifique a ocorrência de ação dolosa pré-ordenada (antecedente), pois, se, em dado caso, se constatar que o dolo é posterior (subsequens), ou seja, surgiu apenas depois da obtenção/entrega da vantagem, não se haverá de falar em estelionato, mas sim no crime de apropriação indébita que, aliás, sequer exige a ocorrência de fraude para sua caracterização. 

 

Por oportuno, cabe mencionar, também, que o estelionato não se confunde com o furto mediante fraude, pois, nesta última hipótese, a fraude é utilizada como meio de burlar a vigilância da vítima que, por desatenção, não percebe que a coisa lhe está sendo subtraída, enquanto que, na hipótese de estelionato, a fraude é utilizada para se obter o consentimento viciado da vítima que, iludida, entrega voluntariamente o bem ao agente. 

 

Válida, nesse passo, a menção ao seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça: 

 

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PENAL E PROCESSO PENAL. FRAUDE ELETRÔNICA NA INTERNET. TRANSFERÊNCIA DE NUMERÁRIO DE CONTA DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. FURTO MEDIANTE FRAUDE QUE NÃO SE CONFUNDE COM ESTELIONATO. CONSUMAÇÃO. SUBTRAÇÃO DO BEM. APLICAÇÃO DO ART. 70 DO CPP. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL PARANAENSE.  

1. O furto mediante fraude não se confunde com o estelionato. A distinção se faz primordialmente com a análise do elemento comum da fraude que, no furto, é utilizada pelo agente com o fim de burlar a vigilância da vítima que, desatenta, tem seu bem subtraído, sem que se aperceba; no estelionato, a fraude é usada como meio de obter o consentimento da vítima que, iludida, entrega voluntariamente o bem ao agente.  

2. Hipótese em que o agente se valeu de fraude eletrônica para a retirada de mais de dois mil e quinhentos reais de conta bancária, por meio da 'Internet Banking' da Caixa Econômica Federal, o que ocorreu, por certo, sem qualquer tipo de consentimento da vítima, o Banco. A fraude, de fato, foi usada para burlar o sistema de proteção e de vigilância do Banco sobre os valores mantidos sob sua guarda. Configuração do crime de furto qualificado por fraude, e não estelionato.  

3. O dinheiro, bem de expressão máxima da idéia de valor econômico, hodiernamente, como se sabe, circula em boa parte no chamado 'mundo virtual' da informática. Esses valores recebidos e transferidos por meio da manipulação de dados digitais não são tangíveis, mas nem por isso deixaram de ser dinheiro. O bem, ainda que de forma virtual, circula como qualquer outra coisa, com valor econômico evidente. De fato, a informação digital e o bem material correspondente estão intrínseca e inseparavelmente ligados, se confundem. Esses registros contidos em banco de dados não possuem existência autônoma, desvinculada do bem que representam, por isso são passíveis de movimentação, com a troca de titularidade. Assim, em consonância com a melhor doutrina, é possível o crime de furto por meio do sistema informático. 

4. A consumação do crime de furto ocorre no momento em que o bem é subtraído da vítima, saindo de sua esfera de disponibilidade. No caso em apreço, o desapossamento que gerou o prejuízo, embora tenha se efetivado em sistema digital de dados, ocorreu em conta-corrente da Agência Campo Mourão/PR, que se localiza na cidade de mesmo nome. Aplicação do art. 70 do Código de Processo Penal.  

5. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal de Campo Mourão - SJ/PR. 

(STJ, Terceira Seção, Conflito de Competência n.º 67343 2006.01.66153-0, Rel. Laurita Vaz, DJ de 11.12.2007, pág. 170) 

 

Ademais, ainda tratando da fraude como elemento central do delito de estelionato, é importante falar sobre a frequente hipótese em que a falsidade documental é o meio empregado para se obter êxito na empreitada criminosa. Neste caso, em observância ao princípio da consunção, deve prevalecer o entendimento de que o crime-meio (falsidade documental) deverá ser absorvido pelo crime-fim (estelionato), desde que, depois da utilização do documento falso para obtenção de vantagem ilícita, não reste qualquer potencialidade ofensiva, nos termos da súmula n.º 17 do Superior Tribunal de Justiça, in verbis

 

“Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido”. 

 

A respeito do segundo requisito (induzimento ou manutenção da vítima em erro), é relevante mencionar que o erro é a consequência provocada pela fraude e que, em se constatando que a fraude não foi suficientemente hábil para provocar ou manter em erro a vítima (fraude grosseira), deverá haver, em princípio, o reconhecimento da hipótese de crime impossível, por absoluta ineficácia do meio ou absoluta impropriedade do objeto (inteligência do art. 17 do CP). 

 

Já a respeito do terceiro requisito (obtenção, em prejuízo alheio, de vantagem ilícita), cabe consignar que, em sendo o estelionato um crime material e de dano, sua consumação se dará com a efetiva obtenção da vantagem, isto é, a partir do momento em que a coisa passar da esfera de disponibilidade da vítima para a do infrator (ou de terceiro). 

 

Além disso, não se deve perder de vista que a vantagem obtida pelo agente deve ser ilícita, ou seja, contrária ao ordenamento, uma vez que, se a vantagem for devida, ficará descaracterizado o delito de estelionato, podendo haver, por exemplo, a desclassificação para o delito de exercício arbitrário das próprias razões, nos termos do artigo 345 do CP. 

 

DO REQUERIMENTO DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA

 

Requer o réu JAIR FERNANDES FELIPPELLI a aplicação do princípio da intervenção mínima, em síntese, sob a afirmação de que o restabelecimento da ordem jurídica violada pode se dar mediante a inscrição do débito em dívida ativa da União.

 

Nesse contexto, cumpre salientar, por oportuno, que o princípio da intervenção mínima do Direito Penal deve ser aplicado ao lado do postulado da ultima ratio no sentido de que o Direito Penal não pode ser a primeira opção prevista no ordenamento jurídico como forma de debelar uma situação concreta (daí porque sua necessidade de intervenção mínima e no contexto da última fronteira para restabelecer a paz social). Em outras palavras, entende-se que o Direito Penal não deve interferir em demasia na vida do indivíduo para tolher sua autonomia ou sua liberdade na justa medida em que determinados fatos ou determinada situação ensejam a incidência de outros ramos do Direito (que se mostram aptos a afastar a crise que se instaurou) - na falta de solução adequada à lide instaurada na sociedade (não resolvida, portanto, pela atuação dos demais segmentos do Direito), tem cabimento ser chamado à baila o legislador pátrio a fim de que a conduta não pacificada seja tipificada como delito por meio da edição de uma lei penal incriminadora.

 

A propósito, destaque-se que o Estado de Direito necessariamente exige a presença de um Direito Penal fragmentário, ou seja, mínimo no sentido de que não incrimine qualquer conduta no plano dos fatos e dos acontecimentos da vida (princípio da intervenção mínima), sob o pálio do conceito de que a tipificação de ações / omissões deve ocorrer quando os demais ramos da Ciência Jurídica não foram o bastante para restabelecer a harmonia social (postulado da ultima ratio), conforme já restou consignado pelo C. Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do HC 107638 (Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 13/09/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-187 DIVULG 28-09-2011 PUBLIC 29-09-2011): “A existência de um Estado Democrático de Direito passa, necessariamente, por uma busca constante de um direito penal mínimo, fragmentário, subsidiário, capaz de intervir apenas e tão-somente naquelas situações em que outros ramos do direito não foram aptos a propiciar a pacificação social. Sem prejuízo do exposto, ainda de acordo com o C. Supremo Tribunal Federal, o Direito Penal constitui a ultima ratio legis quanto às condutas humanas, por isso que deve incidir somente quando indispensável para a manutenção da ordem jurídica, posto inexistir norma jurídica para controlar e sancionar ações que violem expectativas normativas de maior intensidade” (INQ 3674, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 07/03/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-209 DIVULG 14-09-2017 PUBLIC 15-09-2017).

 

Importante salientar que o C. Superior Tribunal de Justiça faz coro ao entendimento de que o Direito Penal não deve ser chamado a regular toda e qualquer situação da vida real (sob pena, inclusive, de haver a banalização de condutas incriminadas sem a presença de efetivo potencial lesivo a bem jurídico relevante, culminando, assim, no descrédito do Direito Penal), conforme pode ser inferido do excerto que segue: “de acordo com o princípio da intervenção mínima, o direito penal não deve interferir em demasia na vida em sociedade, devendo ser utilizado somente quando os demais ramos do direito não forem suficientes para proteger os bens de maior importância” (HC 215.522/RS, Rel. Min. GURGEL DE FARIA, QUINTA TURMA, julgado em 20/10/2015, DJe 10/11/2015).

 

Desta feita, mostra-se extremamente relevante e necessária a intervenção do Direito Penal a incriminar condutas que tenham como alvedrio a obtenção de vantagem ilícita, em prejuízo alheio, por meio da perpetração de ardil, não apenas porque há um desfalque patrimonial, mas, principalmente, a fim de manter a higidez do sistema que cerca entidade de direito público ou instituto de economia popular, de assistência social ou de beneficência.

 

Portanto, entende-se correta a incidência do Direito Penal para tutelar as máculas ao bem jurídico do crime de estelionato, principalmente quando levado a efeito em prejuízo do patrimônio público nos moldes da causa de aumento de pena insculpida no § 3º do art. 171 do Código Penal, não bastando a possibilidade de o ordenamento jurídico prever a necessidade de reparação do erário nas esferas cível e administrativa, sem que possa ser alegada violação aos postulados da mínima intervenção do Direito Penal e da incidência de tal ramo do Direito como ultima ratio.

 

Por todo o exposto, impossível a aplicação do princípio da intervenção mínima, motivo pelo qual se mostra de rigor refutar tal pretensão tecida pelo acusado.

 

DO REQUERIMENTO DE DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO DE ESTELIONATO PARA O DELITO DO ARTIGO 2º, INCISO I, DA LEI N.º 8.137/1990

 

Requer a Defesa de ANTÔNIO ÂNGELO NETO a desclassificação para o delito do artigo 2º, inciso I, da Lei n.º 8.137/1990, e consequente reconhecimento de atipicidade da conduta ou, subsidiariamente, crime tentado.

 

Contudo, sem razão o pleito Defensivo.

 

A desclassificação requerida pela Defesa intenta a capitulação de crime contra a Ordem Tributária. Todavia, nos termos da análise dos elementos constitutivos acima dissecados, verifica-se a perfeita subsunção das condutas imputadas ao réu ao modelo abstrato tipificado pela lei penal ao delito de estelionato majorado (artigo 171, § 3º, do CP).

 

Dispõe o artigo 2º, inciso I, da Lei n.º 8.137/1990:

 

Art. 2° Constitui crime da mesma natureza:                 

I - fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo;

 

O emprego de artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento para a obtenção de vantagem ilícita em prejuízo alheio, constitui emprego de estelionato, ao passo que a sonegação de tributo mediante a omissão de informações ou declaração inverídica às autoridades fazendárias consubstanciaria delito contra a Ordem Tributária. No caso dos autos não há a ocorrência de supressão indevida de tributos, caraterizadora do delito previsto no artigo 2º, inciso I, da Lei n.º 8.137/1990, porquanto, nos termos da Súmula 436 do C. STJ (“A entrega de declaração pelo contribuinte reconhecendo débito fiscal constitui o crédito tributário, dispensada qualquer outra providência por parte do fisco”), as entregas das DCTF’s representam confissão de dívida, e dessa forma constituem o crédito tributário.

 

Confira-se:

 

PENAL. PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. DECLARAÇÕES FALSAS EM DECLARAÇÕES FALSAS DE DÉBITO E CRÉDITOS (DCTFs). DENÚNCIA QUE IMPUTA O COMETIMENTO DOS CRIMES DESCRITOS NOS ARTIGOS 171,§3º E 299, AMBOS DO CÓDIGO PENAL, MEDIANTE O CONCURSO DE AGENTES, O CONCURSO MATERIAL E A CONTINUIDADE DELITIVA. DECISÃO QUE PROCEDEU À EMENDA DO LIBELO TIPIFICANDO A CONDUTA NO ARTIGO 1º, INCISO I, DA LEI Nº 8.137/90 E REJEITANDO A PEÇA ACUSATÓRIA. CONFISSÃO DA DÍVIDA. CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. AUSENTE O INTENTO DE SONEGAR. RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO.

1. Cabe ao Ministério Público a opinião do delito e, por via reflexa, a definição jurídica dos fatos narrados e capitulados na denúncia, resultando prematura, nesta fase processual, a emenda do libelo procedida pelo magistrado de 1º grau.

2. Constitui crime de estelionato o emprego de artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento eleito pelo agente para a obtenção de vantagem ilícita, em prejuízo alheio ao passo que consubstancia o delito definido no artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90 a sonegação de tributos, mediante omissão de informação ou apresentação de declaração espúria às autoridades fazendárias.

3. No caso, os acusados teriam prestado informações falsas em 05 (cinco) Declarações de Débitos e Créditos (DCTFs), mantendo a União em erro no que se refere ao pagamento dos tributos devidos.

4. Não houve indevida supressão de tributos capaz de caracterizar crime contra a ordem tributária. Isso porque a entrega da DCTF constitui confissão da dívida e, corolário, constitui o crédito tributário (Súmula nº 436 do Superior Tribunal de Justiça).

5. O meio fraudulento empregado objetivou - até que a fiscalização tributária detectasse a fraude - a obtenção de certidões negativas de débito a fim de que a empresa pudesse participar de licitações ou obter empréstimos, criando-se fato impeditivo ao pagamento do tributo devido, conduta que se subsome ao delito de estelionato qualificado.

6. A denúncia narrou, de forma detalhada, o ardil empregado e a utilização do documento falso.

7. Recurso em sentido estrito a que se dá provimento para receber a denúncia oferecida contra os recorridos.

(TRF3, RSE 0008269-04.2014.403.6106, Rel. Desembargador Federal Paulo Fontes, DJe 04/06/2018) - grifei

 

Nesse caso, há a imputação de que a apresentação de informações falsas nas DCTF’s, mantendo-se a União em erro em relação ao pagamento de tributos devidos, não ocasionou indevida supressão tributária, mas, até a detecção da fraude pela Receita Federal, teria ocasionado vantagens indevidas constantes das prerrogativas da empresa em gozar do status de regular pagadora, quando na verdade não o mereceria.

 

 DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL - ANPP

 

As Defesas de JAIR FERNANDES FELIPPELLI e de ROGÉRIO CARLOS DE MELO, após a apresentação de suas razões recursais, requerem a propositura de Acordo de Não Persecução Penal (ID. 165852425, págs. 92/93 e 100).

 

Defeso fazer incidir nesta relação processual penal o instituto trazido a lume pelo artigo 28-A do Código de Processo Penal (incluído por força da edição da Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019).

 

A Lei nº 13.964/2019, comumente denominada de "Pacote Anticrime", introduziu o art. 28-A no Código de Processo Penal com a finalidade de prever o instituto do Acordo de Não Persecução Penal – ANPP, in verbis:

 

Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente: I - reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo; II - renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime; III - prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); IV - pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou V - cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada. § 1º Para aferição da pena mínima cominada ao delito a que se refere o caput deste artigo, serão consideradas as causas de aumento e diminuição aplicáveis ao caso concreto. § 2º O disposto no caput deste artigo não se aplica nas seguintes hipóteses: I - se for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais, nos termos da lei; II - se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas; III - ter sido o agente beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo; e IV - nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor. § 3º O acordo de não persecução penal será formalizado por escrito e será firmado pelo membro do Ministério Público, pelo investigado e por seu defensor. § 4º Para a homologação do acordo de não persecução penal, será realizada audiência na qual o juiz deverá verificar a sua voluntariedade, por meio da oitiva do investigado na presença do seu defensor, e sua legalidade. § 5º Se o juiz considerar inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições dispostas no acordo de não persecução penal, devolverá os autos ao Ministério Público para que seja reformulada a proposta de acordo, com concordância do investigado e seu defensor. § 6º Homologado judicialmente o acordo de não persecução penal, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para que inicie sua execução perante o juízo de execução penal. § 7º O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais ou quando não for realizada a adequação a que se refere o § 5º deste artigo. § 8º Recusada a homologação, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para a análise da necessidade de complementação das investigações ou o oferecimento da denúncia. § 9º A vítima será intimada da homologação do acordo de não persecução penal e de seu descumprimento. § 10. Descumpridas quaisquer das condições estipuladas no acordo de não persecução penal, o Ministério Público deverá comunicar ao juízo, para fins de sua rescisão e posterior oferecimento de denúncia. § 11. O descumprimento do acordo de não persecução penal pelo investigado também poderá ser utilizado pelo Ministério Público como justificativa para o eventual não oferecimento de suspensão condicional do processo. § 12. A celebração e o cumprimento do acordo de não persecução penal não constarão de certidão de antecedentes criminais, exceto para os fins previstos no inciso III do § 2º deste artigo. § 13. Cumprido integralmente o acordo de não persecução penal, o juízo competente decretará a extinção de punibilidade. § 14. No caso de recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo de não persecução penal, o investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior, na forma do art. 28 deste Código - destaques nossos.

 

Tendo como base a dicção legal, verifica-se que o instituto do Acordo de Não Persecução Penal – ANPP tem pertinência em ser invocado antes do oferecimento da denúncia ou da queixa, tendo em vista o art. 28-A, caput, do Código de Processo Penal, afirmar que o expediente somente será apresentado acaso não seja hipótese de arquivamento do Inquérito Policial, demonstrando claramente a intenção do legislador de sua incidência antes de iniciada a persecução penal. Nesse diapasão, o § 8º do mesmo comando legal dispõe que, recusada a homologação do Acordo, o magistrado devolverá os autos ao Ministério Público para que este analise a viabilidade de complementação das investigações ou ofereça denúncia. Desta feita, é notória a premissa de que o Acordo de Não Persecução Penal - ANPP foi criado para situações em que não tenham sido ainda recebidas as iniciais acusatórias.

 

Corroborando o posicionamento ora sustentado, mostra-se possível verificar que o Projeto de Lei nº 882/2019, que deu origem ao Acordo de Não Persecução Penal – ANPP, apresentado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, regulava uma modalidade de acordo aos investigados para fins de não persecução penal, qual seja, o ANPP, e outra aos acusados para fins de impedir a continuidade da persecução penal. A propósito, essa última modalidade (art. 395-A) retratava a importação do denominado plea bargain à justiça pátria, porém, não restou aprovada pelo legislador. A propósito, em documento datado de 31 de janeiro de 2019, da lavra do então Senhor Ministro da Justiça, extrai-se a justificativa da proposta de inserção do art. 395-A: aumenta as hipóteses e disciplina a prática de acordos que poderão ser requeridos pelo Ministério Público ou pelo querelante e o acusado, assistido por seu defensor. A situação aqui é diferente da justificada para o art. 28-A, porque pressupõe a existência de denúncia já recebida. No mérito, valem os argumentos lá mencionados, ressaltando-se que, homologada a concordância, a pena será aplicada de pronto (in http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Projetos/ExpMotiv/MJ/2019/14.htm) – destaque nosso.

 

Além disso, observe-se que a redação da regra do Acordo de Não Persecução Penal – ANPP encontra uma similitude incrível com a da transação penal, sabidamente ofertada antes do início da ação penal (art. 76 da Lei nº 9.099/95): Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta – destaque nosso. Outrossim, não pode passar desapercebido que o Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais do Ministério Público editou o Enunciado nº 20, estabelecendo que cabe acordo de não persecução penal para fatos ocorridos antes da vigência da Lei nº 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia (destaque nosso).

 

Desta feita, não há pertinência em se requerer a aplicação de instituto que foi concebido para evitar-se a instauração de persecução penal, qual seja, o Acordo de Não Persecução Penal – ANPP, em relação processual penal em que, inclusive, já foi confirmado o édito penal condenatório exarado por magistrado singular. Confira-se, a propósito, r. decisão monocrática da lavra do Eminente Ministro Reynaldo Soares da Fonseca e, portanto, oriunda do C. Superior Tribunal de Justiça, por meio da qual se afirmou que, embora não seja propriamente uma novidade, porquanto já prevista como política criminal na Resolução n. 181/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público (alterada pela Resolução n. 183/2018 do CNMP), o acordo de não persecução penal inaugura nova realidade no âmbito da persecução criminal. Em síntese, consiste em um negócio jurídico pré-processual entre o Ministério Público e o investigado, juntamente com seu defensor, como alternativa à propositura de ação penal para certos tipos de crimes, principalmente no momento presente, em que se faz necessária a otimização dos recursos públicos (STJ: Habeas Corpus nº 584843 - SP, j. 24.06.2020 - destaque nosso).

 

Como se não bastasse a transcrição realizada anteriormente, calha destacar que tanto o C. Supremo Tribunal Federal como o C. Superior Tribunal de Justiça pacificaram posicionamento segundo o qual o Acordo de Não Persecução Penal – ANPP somente é cabível na fase de investigação criminal ou até o recebimento da denúncia – nesse sentido:

 

Direito penal e processual penal. Agravo regimental em habeas corpus. Acordo de não persecução penal (art. 28-A do CPP). Retroatividade até o recebimento da denúncia. 1. A Lei nº 13.964/2019, no ponto em que institui o acordo de não persecução penal (ANPP), é considerada lei penal de natureza híbrida, admitindo conformação entre a retroatividade penal benéfica e o tempus regit actum. 2. O ANPP se esgota na etapa pré-processual, sobretudo porque a consequência da sua recusa, sua não homologação ou seu descumprimento é inaugurar a fase de oferecimento e de recebimento da denúncia. 3. O recebimento da denúncia encerra a etapa pré-processual, devendo ser considerados válidos os atos praticados em conformidade com a lei então vigente. Dessa forma, a retroatividade penal benéfica incide para permitir que o ANPP seja viabilizado a fatos anteriores à Lei nº 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia. 4. Na hipótese concreta, ao tempo da entrada em vigor da Lei nº 13.964/2019, havia sentença penal condenatória e sua confirmação em sede recursal, o que inviabiliza restaurar fase da persecução penal já encerrada para admitir-se o ANPP. 5. Agravo regimental a que se nega provimento com a fixação da seguinte tese: ‘o acordo de não persecução penal (ANPP) aplica-se a fatos ocorridos antes da Lei nº 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia’ (STF, HC 191464 AgR, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 11/11/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-280  DIVULG 25-11-2020  PUBLIC 26-11-2020) – destaque nosso.

 

PROCESSO PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. APLICAÇÃO DO ART. 28-A DO CPP. IMPOSSIBILIDADE. PECULIARIDADE DO CASO. RECONHECIMENTO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS. 1. Segundo o § 1º do art. 28-A do Código de Processo Penal, para aferição da pena mínima cominada ao delito a que se refere o caput deste artigo, serão consideradas as causas de aumento e diminuição aplicáveis ao caso concreto. 2. Para serem consideradas as causas de aumento e diminuição, para aplicação do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), essas devem estar descritas na denúncia, que, no presente caso, inocorreu, não sendo possível considerar, no cálculo da pena mínima cominada ao crime imputado ao acusado, a causa de diminuição reconhecida apenas quando do julgamento do recurso especial. No caso do delito de tráfico, far-se-á necessário o curso da ação penal, em regra, para aferir os requisitos previstos no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, o que obsta a aplicação do benefício, que decorre, inclusive do tratamento constitucional e da lei que são rigorosos na repressão contra o tráfico de drogas, crime grave, que assola o país, merecendo um maior rigor estatal. 3. Mostra-se incompatível com o propósito do instituto do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) quando já recebida a denúncia e já encerrada a prestação jurisdicional na instância ordinária, com a condenação do acusado, cuja causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei de drogas fora reconhecida somente neste STJ, com a manutenção da condenação. 4. Embargos de declaração rejeitados (STJ, EDcl no AgRg no AgRg no AREsp 1635787/SP, Rel. Min. REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 04/08/2020, DJe 13/08/2020) – destaque nosso.

 

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ESTELIONATO TENTADO. CONVERSÃO DO JULGAMENTO EM DILIGÊNCIA. INOVAÇÃO RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO. I - Os embargos declaratórios não constituem recurso de revisão, sendo inadmissíveis se a decisão embargada não padecer dos vícios que autorizariam a sua oposição (obscuridade, contradição e omissão). Na espécie, à conta de omissão no v. acórdão, pretende o embargante a rediscussão, sob nova roupagem, da matéria já apreciada. II - Ademais, da simples leitura do art. 28-A do CPP, se verifica a ausência dos requisitos para a sua aplicação, porquanto o embargante, em momento algum, confessou formal e circunstancialmente a prática de infração penal, pressuposto básico para a possibilidade de oferecimento de acordo de não persecução penal, instituto criado para ser proposto, caso o Ministério Público assim o entender, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, na fase de investigação criminal ou até o recebimento da denúncia e não, como no presente, em que há condenação confirmada por Tribunal de segundo grau. Embargos de declaração rejeitados (STJ, Embargos de Declaração no Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 1.668.298/SP, Rel. Min. Félix Fisher, 5ª Turma, j. 26.05.2020) – destaque nosso.

 

Portanto, não fazem jus os Apelantes ao ANPP, tendo em vista que o feito já se encontra sentenciado, razão pela qual ficam afastados os pleitos Defensivos nesse sentido formulados após a apresentação de suas razões recursais.

 

DA ANÁLISE DO CASO CONCRETO 

 

Consta dos autos que os corréus JAIR FERNANDES FELIPPELLI, ROGÉRIO CARLOS DE MELO e ANTÔNIO ANGELO NETO foram condenados às penas de 02 (dois) anos e 02 (dois) meses de reclusão, em regime inicial ABERTO, bem como ao pagamento de 21 (vinte e um) dias-multa, cada qual fixado no valor unitário de 01/03 (um terço) do salário-mínimo vigente na data dos fatos, corrigido monetariamente na data do pagamento, pela prática do crime previsto no artigo 171, § 3º, do Código Penal, em continuidade delitiva.

 

Narra a denúncia, em síntese, que os corréus JAIR FERNANDES FELIPPELLI e ROGÉRIO CARLOS DE MELO, na condição de representantes legais da empresa JR DOMINIUM ADMINISTRADORA DE BENS E CRÉDITOS LTDA., contrataram o corréu ANTONIO ANGELO NETO, este advogado, para ajuizar ação de execução de título extrajudicial, em face da União (ação n.º 0011059- 19.2011.401.3400, ajuizada em 15 de fevereiro de 2011), com base na Apólice n.º 5004, emitida em 1915 pela Prefeitura do Rio de Janeiro (à época Distrito Federal) e, após a propositura da demanda, os dois primeiros acusados apresentaram, em 25.11.2011, 07 (sete) Declarações de Débitos e Créditos (DCTF’s) relativas ao períodos de apuração referentes a março/2010, junho/2010, setembro/2010, dezembro/2010, março/2011, junho/2011 e setembro/2011, perante a Receita Federal do Brasil confessando a existência de dívida tributária referente a IRPJ e CSLL, e informando a suspensão da exigibilidade mediante o depósito judicial do montante integral na referida ação de execução de título judicial em face da União (ID 165854435 págs. 11/18). Não obstante a conduta dos dois primeiros acusados perante a Receita Federal, a exordial acusatória narra que carecem os autos n.º 0011059-19.2011.401.3400 de decisão judicial determinando a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, bem como de depósito judicial do montante integral dos valores informados, mas apenas constam depósitos dos valores irrisórios de R$ 15,00 (quinze reais) para cada um dos tributos declarados e devidos e, dessa forma, sendo inferiores ao montante apurado de R$ 212.254,93 (duzentos e doze mil, duzentos e cinquenta e quatro reais e noventa e três centavos).

 

Por oportuno, cumpre transcrever trecho da r. sentença que contextualiza a situação trazida nos presentes autos (ID. 165852081, págs. 212/233):

 

“(...) Antes de adentrar na análise dos crimes imputados aos acusados, entendo relevante esclarecer algumas questões.

Sabe-se que o contribuinte, ao preencher a declaração (DCTF), apura os elementos da obrigação tributária, tais como fato gerador, alíquota, base de cálculo e sujeito passivo, e confessa ser devedor do fisco do valor líquido por ele quantificado.

Mais: além dos elementos da obrigação tributária, a DCTF deve conter outras informações da obrigação tributária, tais como o esclarecimento que os créditos já foram pagos, se são objeto de compensação ou se são sujeitos de alguma das causas suspensivas da exigibilidade do crédito previstas no artigo 151 do Código Tribunal Nacional, nestes termos:

Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:

I - moratória;

II - o depósito do seu montante integral;

III - as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo;

IV - a concessão de medida liminar em mandado de segurança.

V - a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial; (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)

VI - o parcelamento. (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)

Pois bem. Quanto ao depósito do tributo, o texto da Súmula 112 do STJ não deixa dúvida no sentido de que o depósito tem que ser em dinheiro, de modo que a ele não equivale o oferecimento de caução ou outra forma qualquer de garantia. Além disso, para que tenha o efeito de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, o depósito tem de corresponder àquilo que o fisco exige do contribuinte, ou seja, tem de ser suficiente para garantir o crédito tributário, acautelando os interesses da Fazenda Pública.

Entretanto, a legislação dispensa a instauração do complexo processo administrativo para a inscrição da dívida ativa e a consequente execução quando o sujeito passivo apresenta a declaração de valores que entende serem devidos, equiparando-a à confissão de dívida.

Sobre o assunto, convém citar o teor da Súmula 436 do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

A entrega de declaração pelo contribuinte reconhecendo débito fiscal constitui o crédito tributário, dispensada qualquer outra providência por parte do fisco.

De forma que, no caso de lançamento por homologação, a entrega da DCTF ou outro documento equivalente constitui definitivamente o crédito tributário, que passa a ser exigível independentemente de prévia notificação ou da instauração de procedimento administrativo fiscal. Com a declaração prestada pelo contribuinte ao sujeito ativo da obrigação tributária, pode a autoridade fiscal, sem outras formalidades, inscrever o débito em dívida ativa e exigir o seu pagamento, inclusive na via judicial. Nesse sentido, confira-se ainda: STJ - AgRg no AREsp 109.200/SC, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 23/04/2012.

Para o caso em questão, que envolve tentativa de suspensão de débitos tributários federais declarados na Declaração de Débitos e Créditos Federais (DCTF), sob o argumento de que eles estariam com a exigibilidade suspensa em virtude de depósito judicial realizado no bojo de ação judicial de execução de título da dívida pública externa, emitido no início do século passado, foi criada a cartilha "Prevenção à Fraude Tributária com Títulos Públicos Antigos", elaborada em conjunto pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, Secretaria do Tesouro Nacional, Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e Ministério Público da União.

Consoante tal documento:

O endividamento externo da República teve início ainda no século XIX, mediante empréstimos tomados em instituições financeiras privadas, ou realizados por meio de lançamento de títulos no mercado internacional. Esses títulos foram emitidos, em sua maioria, na primeira metade do século XX, em moeda estrangeira, sob a forma cartular e no exterior, sobretudo na Inglaterra, na França e nos Estados Unidos.

Sumariamente, o ente público brasileiro, beneficiário final do empréstimo, recebia o valor do banco estrangeiro. O banco estrangeiro então emitia títulos lastreados no crédito que tinha junto ao ente brasileiro e vendia esses títulos no exterior. Assim, o ente público brasileiro pagava ao banco emissor estrangeiro, que, por sua vez, pagava aos portadores dos títulos quando estes se apresentassem.

Por isso, esses títulos eram, para todos os efeitos, direitos estrangeiros, sujeitos às leis do país em que foram emitidos, não sendo afetados pelas leis brasileiras, principalmente com relação a juros e correção monetária, não sendo possível o seu resgate em moeda nacional. Veja que o art. 13 do Decreto-lei nº 6.019, de 1943, não deixa dúvidas a respeito dessa regra: "Os empréstimos emitidos em libras e dólares serão pagos nas respectivas moedas de curso legal".

A reestruturação da dívida iniciada anos antes pelo Governo Federal culminou com a edição, em 23 de novembro de 1943, do Decreto-lei nº 6.019, acima citado. Este Decreto fixou normas definitivas para o pagamento e serviço dos empréstimos externos realizados em libras e dólares pelos Governos da União, Estados e Municípios, Instituto do Café do Estado de São Paulo e Banco do Estado de São Paulo, e abrangeu todas as dívidas decorrentes de empréstimos externos realizados em libras ou dólares por esses entes, provenientes de emissões de títulos no exterior.

Os títulos emitidos em dólar americano foram todos chamados para resgate no exterior, tendo a última chamada sido realizada entre 1968 e 1979, em cumprimento aos planos estabelecidos pelo Decreto-lei nº 6.019, de 1943.

Com relação aos títulos emitidos em libras, tem-se que a esmagadora maioria já foi resgatada no exterior, restando pouquíssimos ainda em circulação, que deverão ser apresentados nos respectivos bancos pagadores no exterior.

(Disponível em: file:///C:/Users/npadilha/Dowloads/Cartilha%20Fraudes%20Títulos%20RFB%20PGFN%20STN%20MPU.pdf - fls. 8/9, Acesso em: /19 )

(...)”

 

Atento à análise da materialidade e autoria delitivas, o juízo de origem fundamentou a r. sentença nos seguintes termos (ID. 165852081, págs. 212/233): 

 

“(...) 

A situação sob análise pode ser resumida da seguinte forma: os coacusados ROGÉRIO CARLOS DE MELO e JAIR FERNANDES, na condição de representantes da empresa JR DOMINIUM ADMINISTRADORA DE BENS E CRÉDITOS LTDA., contrataram o coacusado e advogado ANTÔNIO ÂNGELO NETO para representar, judicialmente, a referida empresa, por meio do ajuizamento de ação de execução de título extrajudicial, cujo objeto era a Apólice nº 5004, emitida em 1915 pela Prefeitura do Rio de Janeiro (antigo Distrito Federal), que, após propositura da referida demanda, os dois primeiros acusados apresentaram 07 (sete) Declarações de Débitos e Créditos (DCTFs) relativas aos períodos de apuração de março/2010, junho/2010, setembro/2010, dezembro/2010, março/2011, junho/2011 e setembro/2011, confessando a existência de dívida tributária (IRPJ e CSLL) e informando, contudo, que a exigibilidade estaria suspensa diante do depósito judicial do montante integral feito no bojo da mencionada ação de execução de título extrajudicial.

Consoante apurado nos autos, não houve decisão judicial de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, nem tampouco depósito judicial do montante integral, mas, em vez disso, realização de depósitos no valor de R$ 15,00 (quinze reais) para cada um dos tributos devidos, montante, assim, muito inferior à importância devida e apurada de R$ 212.254,93 (duzentos e doze mil, quinhentos e quarenta e dois reais e noventa e três centavos). (...)

Feita essa contextualização, passo a analisar, em conjunto os crimes de estelionato e falsidade ideológica/material.

A materialidade do delito restou comprovada pela sentença proferida na Ação de Execução Fiscal [que comprovou que os créditos estavam prescritos] (fls. 17/21), DCTFs (fls. 22/26), Consultas aos depósitos efetuados (fls. 27/30), Dados do certificado digital usado para assinar digitalmente as declarações (fls. 31/43), Consulta relativa aos supostos depósitos dos valores integrais da dívida (fls. 44/45), Parecer contábil feito pela Consultoria Financeira acerca do valor atual do título pertencente à empresa JR Dominium (fls. 46/54), Contrato de Cessão de Direitos Creditórios (fls. 55/56), Sentença proferida em Ação de Execução também promovida pela JR Dominium, na qual foi condenada por litigância de má-fé pelo uso de documento público falso (fls. 65/72), Ofício da Receita Federal do Brasil à Procuradoria da Fazenda Nacional, informando que estava fiscalizando a empresa cedente de títulos públicos prescritos e as empresas cessionárias desses títulos (fls. 124/125), Informação Técnica nº 17/2015 -UTEC/DPF/POR/SP (fls. 207/211), Ofícios da Secretaria do Tesouro Nacional (fls. 223/224 e 225/226), os quais demonstram que os acusados ajuizaram ação de execução de título extrajudicial (os 2 primeiros na condição de representantes da empresa autora daquela ação e o último como advogado), utilizando título da dívida pública externa prescrito, com a finalidade de obter a suspensão da exigibilidade dos créditos tributários confessados por meio de declarações falsas à Receita Federal do Brasil.

Ao contrário do que propõe a acusação, entendo que, embora o Parecer Contábil (fls. 46/54) confeccionado com o fim a atualizar a dívida inscrita no título questionado tenha se valido de técnica equivocada (pois converteu as 20 libras em real, aplicando, em seguida, juros e correção monetária desde a emissão do título), o que acarretou um valor atualizado não condizente com a realidade, o fato é que se utilizou de índices oficiais de correção/atualização e, sob tal prisma, não pode ser considerado fraudulento.

Eventual impugnação ao método de atualização do título deveria ter sido (se não foi) objeto de impugnação na ação de execução.

A fraude não está insculpida no Parecer Contábil utilizado na Ação de Execução de Título Extrajudicial, mas, sim, nas declarações feitas à Receita Federal do Brasil, em especial no tocante à informação de que a exigibilidade do crédito tributário estaria suspensa por decisão judicial que, conforme documentação acostada aos autos, nunca existiu, bem como naquela referente ao depósito do montante integral da dívida, dado inverídico, posto que houve depósito nos valores ínfimos de R$ 15,00 para cada dívida confessada que, individualmente, superavam R$ 15.000,00 e, conjuntamente, ultrapassavam R$ 200.000,00.

Nesse contexto, aplicando o entendimento da Súmula 17 do STJ (Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido.), entendo que as falsidades inscritas nas Declarações de Débitos e Créditos (DCTFs) foram apenas um meio para o cometimento do crime de estelionato, razão pela qual restam por ele absorvidas. Assim, todos os acusados devem responder apenas pelo crime de estelionato, cujos elementos passo a analisar.

Conquanto neguem a obtenção da vantagem indevida, resta evidente que a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, ainda que por curto período de tempo, permitiu que o dinheiro devido em impostos permanecesse nos cofres da empresa JR Dominium e à disposição dela. Ademais, com a suspensão da dívida, a empresa estava habilitada a requerer certidões negativas de débito ou positivas com efeitos de negativas, ganhando, assim, o status de boa pagadora.

Ademais, embora neguem terem recebido valores pela cessão do direito ao crédito constante no título da dívida pública externa, levando-se em conta que a empresa JR Dominium foi constituída com o fim único de comercializar esses créditos e tendo em vista o montante de tributos que deixaram de recolher (mais de R$ 200 mil), chego à conclusão de que a empresa faturou muito em poucos meses com o esquema criminoso.

Em relação ao coacusado Antônio Ângelo Neto, de acordo com as declarações feitas pelos demais coacusados em seus interrogatórios judiciais, tratava-se de advogado contratado pela empresa JR Dominium. Resta evidente que ao ser contratado para ajuizar ação de execução de título extrajudicial de título (sic), SABIDAMENTE PRESCRITO, em prol da empresa dos demais coacusados, recebeu seus honorários contratuais, conforme declarado por ele no interrogatório judicial. Nesse ponto, ressalto que existe uma linha muito tênue entre o direito de ação e a utilização da máquina judiciária para fins escusos. No presente caso, o advogado participou de toda a estratagema delituosa, de modo que, ao prestar serviços jurídicos e se beneficiar financeiramente deles, obteve, sim, vantagem econômica indevida. Ademais, a lei é clara a referir que a vantagem indevida pode ser obtida em proveito de terceiros, de modo que, ainda que não tivesse recebido honorários contratuais para representar judicialmente a empresa JR Dominium, atuou com a finalidade de proporcionar a ela a obtenção de vantagem indevida.

No tocante ao prejuízo alheio, verifico sua ocorrência em duas situações distintas: primeiro, no valor confessado e não pago que, segundo dados da Receita Federal do Brasil, somam a quantia de R$ 212.254,93. Apesar de os acusados sustentarem que esse valor pode ser cobrado por meio de ação de execução fiscal, o fato é que ainda não houve pagamento (ao menos não há notícia nos autos), de modo que o dinheiro que deveria estar à disposição do Poder Público para realização de investimentos, pagamento de funcionários etc., encontra-se, indevidamente, em poder da empresa de que são sócios os acusados Jair e Rogério.

Quanto à indução e manutenção em erro da Receita Federal do Brasil, órgão da União Federal, consoante exposto acima, se deu pelo fato de que ao receber declarações falsas a respeito de decisão judicial e de depósito do montante integral devido, suspendeu a exigibilidade do crédito tributário da empresa Jr Dominium, permitindo, ainda que por pouco tempo, que referida empresa gozasse do status de boa pagadora, sendo, no entanto, devedora de tributos federais. (...)

Assim, torna-se claro que a Receita Federal do Brasil não conseguiria averiguar, automaticamente, a autenticidade das informações constantes, tendo procedido a essa conferência após tomar conhecimento das fraudes cometidas com o fim de compensação/quitação de tributos, conforme se observa no Ofício de fls. 124/125.(...)

Indiscutível, portanto, a materialidade do delito de estelionato, razão pela qual passo a exame da autoria.

Os coacusados ROGÉRIO CARLOS DE MELO e JAIR FERNANDES FELIPPELLI eram sócios e representantes da JR Dominium, empresa diretamente beneficiada pelo esquema delituoso ora apurado. Ambos admitiram que deram autorização para que o contador da empresa emitisse as declarações contendo informações falsas sobre suspensão da exigibilidade do crédito tributário e depósito do montante integral. (...)

Diante de tais informações, concluo que a empresa foi criada por seus sócios com o fim específico de praticar a fraude ora em debate. Aliás, analisando a qualificação dos referidos acusados, verifico que nenhum deles possuía formação em direito ou contabilidade (Jair Felippelli fez curso técnico de contabilidade, mas declarou que nunca exerceu a atividade nem contribuiu para o Conselho - fls. 152, 154, 157, 160 e 578), de modo que, para praticarem o delito, precisavam obrigatoriamente da integração de outros profissionais ao seu intento criminoso. Nesse ponto, verifico a importância do coacusado e advogado Antônio Ângelo Neto que pôs em prática a estratagema criminosa, dando o pontapé inicial à execução do delito, por meio da propositura de ações de execução de título extrajudicial.

Diga-se que não prospera a alegação da defesa de Antônio Ângelo Neto de que substabeleceu os poderes a ele outorgados pelos demais coacusados antes da emissão das DCTFs, tendo em vista que o mencionado substabelecimento foi feito com reserva de iguais poderes, tanto que houve requerimento no sentido de que as publicações continuassem a ser feitas em seu nome e passassem a incluir também o novo patrono (fls. 351/352).

Saliento que o fato de as declarações não terem sido emitidas, direta e pessoalmente, pelos coacusados não exclui deles a responsabilidade pelo ato, tendo em vista que a declaração foi feita a seu mando e com seu conhecimento e consentimento.

Indubitável a autoria, analiso o dolo.

Conquanto soubessem que as ações de execução das apólices da dívida pública externa estivessem sendo julgadas improcedentes e/ou extintas sem resolução do mérito, os coacusados Rogério Carlos de Melo e Jair Fernandes Felippelli constituíram a empresa JR Dominium com o fim único de perpetrar a fraude ora apurada, pois, conforme exposto acima, seu objeto social era a prestação de assessoria tributária para terceiras pessoas físicas e jurídicas, fazendo-lhes também a cessão onerosa de supostos direitos creditórios, fundados em apólices da dívida pública externa.

Não apenas buscavam a suspensão da exigibilidade da sua dívida tributária, como também "vendiam a ideia" para outras empresas. Admitiram que as declarações foram remetidas à Receita Federal do Brasil por contador da empresa, mediante orientação dada por eles quanto ao preenchimento.

Vou além. Há notícia nos autos de, ao menos, outras duas ações de Execução de Título Extrajudicial ajuizadas pela empresa JR Dominium com a mesma intenção (fls. 73/79 e 83/85), utilizando-se do mesmo modus operandi.

Em uma das ações houve condenação por litigância de má-fé, em razão do uso de documento público adulterado (Ofício do Tesouro Nacional - fls. 78/79).

Inafastável a vontade de induzir em erro a Receita Federal do Brasil, dissimulando a situação da dívida tributária, com o fim de causar prejuízo aos cofres públicos ao mesmo passo em que obtinham vantagem ilícita.

O mesmo se diga em relação ao coacusado e advogado Antônio Ângelo Neto, pessoa bem instruída e com conhecimentos técnicos acerca do instituto da prescrição, resgate de títulos públicos, compensação tributária etc. Embora não haja cópia da petição inicial da Ação de Execução de Título Extrajudicial, o que impossibilita o conhecimento sobre os argumentos de fato e de direito nela inscritos, ponderando sobre a sentença prolatada naquela ação (fls. 65/71), verifico que o magistrado deixou claro que o título era imprestável para garantia da execução ou para compensação tributária:

Ademais, forte na evidente prescrição da exigibilidade desses títulos, a jurisprudência dos tribunais tem-se definido no sentido de afirmar a imprestabilidade deles para todos os efeitos, seja para a garantia de execução, seja para compensação tributária.

Assim o coacusado Antônio Ângelo Neto não poderia alegar desconhecimento quanto à impossibilidade jurídica de seu pedido.

Nesse sentido, a Ação de Execução já era proposta com destino ao fracasso, mas isso não importava, desde que a mera propositura possibilitasse a obtenção de um número de processo que seria inserido nas DCTFs.

Os acusados, sabedores das limitações do sistema da Receita Federal do Brasil, confiavam que a fraude não seria descoberta, por isso, abertamente, confessavam a dívida.

 Mais: tentavam dar a impressão de que ela estaria garantida por depósito do montante integral, que, na verdade, não passava de R$ 15,00 por dívida confessada. Há, igualmente, prova oral a corroborar. (...)

Do exposto, entendo restar claramente demonstrado o dolo dos acusados de obterem, para si e para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo da União Federal, que foi induzida e mantida em erro, em decorrência da inserção de informações falsas nas DCTFs.

Enfim, diante das provas coligidas aos autos, entendo estarem devidamente comprovadas a materialidade, a autoria e o dolo, merecendo os acusados serem condenados pelo crime a eles imputado.

Enfatizo, mais uma vez, que o direito de ação é amplo e que o sistema processual vigente no Brasil se aprimora a cada dia com o fim de evitar as aventuras judiciais, sem, contudo, impedir a dinamicidade do ordenamento jurídico. Portanto, o que se pune não é a criação ou defesa de uma tese jurídica no bojo de uma ação judicial, mas a propositura desta ação, com a movimentação de toda a máquina judiciária para o fim de subsidiar a transmissão de declarações falsas à União Federal, objetivando o status de bom pagador e ludibriando o sistema.

Analisando a documentação de fls. 31/34, verifico que todas as DCTFs foram emitidas na mesma data com diferença de minutos entre uma transmissão e outra, de modo que, diferente do que pretende a acusação, entendo se tratar de crimes praticados em continuidade delitiva.

Saliento, ainda que as informações falsas foram prestadas à Receita Federal do Brasil, órgão da União Federal, razão pela qual incide a causa de aumento de pena prevista no 3º do artigo 171 do Código Penal.  (...)”

DA MATERIALIDADE, DA AUTORIA E DA PRESENÇA DOS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO DELITO DE ESTELIONATO MAJORADO  

 

As Defesas de JAIR FERNANDES FELIPPELLI e de ROGÉRIO CARLOS DE MELO invocam a ausência de comprovação dos elementos necessários à configuração do delito de estelionato majorado. A Defesa de ANTÔNIO ANGELO NETO requer o reconhecimento da atipicidade dos fatos.

 

A materialidade delitiva restou sobejamente comprovada, conforme documentos acostados aos autos: 

 

i) extratos das DCTF’s emitidos pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (ID. 165852431, págs. 124/163);

 

ii) Consultas/extratos aos depósitos efetuados (ID. 165852430, págs. 30/33);

 

iii) Informações do certificado digital utilizado nas assinaturas digitais das declarações (ID. 165852430, págs. 34/46);

 

iv) Consultas/extratos relativos aos supostos depósitos dos valores integrais das dívidas (ID. 165852430, págs. 47/48);

 

v) Contrato de cessão de direitos creditórios (ID. 165852430, págs. 58/59);

 

vi) Sentença proferida na ação de execução promovida pela empresa JR DOMINIUM ADMINISTRADORA DE BENS E CRÉDITOS LTDA., com reconhecimento da prescrição da pretensão executória e extinta a execução, nos termos dos artigos 269, inciso IV, c.c. 598 e 795, todos do Código de Processo Civil (ID. 165852430, págs. 20/24);

 

vii) Ofício da Receita Federal do Brasil, remetido à Procuradoria da Fazenda Nacional, informando que fiscalizara a empresa cedente de títulos públicos prescritos e as cessionárias dos títulos (ID. 165852430, págs. 127/128);

 

viii) Informação Técnica n.º 17/2015 – UTEC/DPF/POR/SP – constante de exames que objetivaram dar informação a respeito dos títulos públicos emitidos por ente público federativo e avaliar suas atualizações (ID. 165854390, págs. 83/87);

 

ix) Ofícios da Secretaria do Tesouro Nacional (ID. 165854390, págs. 99/104), dando conta de que não há a possibilidade legal de resgate dos referidos títulos em moeda nacional, visto que foram chamados para resgate em 2002, sendo atingidos pela regra da prescrição, conforme legislação vigente e em acordo com a Lei Inglesa, bem ainda que não há que se falar em atualização e/ou correção monetária dos valores, em razão do que estabelecido nas condições gerais dos títulos e no Decreto-Lei n.º 6.019/1943;

 

x) Representação Fiscal para Fins Penais n.º 16000.00006/2014-21, da Delegacia da Receita Federal em São José do Rio Preto-SP (ID. 165852431, págs. 04/16).

 

Passa-se ao exame da prova oral coligida, confrontada a análise direta desta prova produzida em audiência de instrução e julgamento, através das mídias digitais em que foram gravadas, com o correspondente registro realizado na sentença, motivo pelo qual transcreve-se o respectivo excerto da fundamentação dor. decisum (ID. 165852081, págs. 212/233): 

 

“(...)  Analisando as declarações prestadas por eles perante a autoridade policial, observo que a empresa ‘realizou o comércio com terceiras pessoas físicas e jurídicas de cessões de supostos direitos creditórios, fundados em apólices da dívida pública externa brasileiras entre os anos de 2010 e 2012; que as mencionadas cessões feitas pela empresa JR DOMINIUM para terceiros tinha por finalidade a compensação de dívidas fiscais’ (fls. 152/153) e que o objeto social da empresa JR Dominium era ‘prestação de assessoria tributária para terceiras pessoas físicas e jurídicas, fazendo-lhes também a cessão onerosa de supostos direitos creditórios, fundados em apólices da dívida pública externa. Que a referida cessão onerosa consistia na introdução no polo ativo numa ação de execução de título extrajudicial da empresa JR DOMÍNIO das empresas cessionárias, ação promovida contra a União Federal para se obter a quitação de débitos fiscais com os valores das apólices levadas à execução.’ (fls. 157/158). (...)

A testemunha de acusação Marcos Vinícius Vernucci de Alvarenga Campos relatou, em suma, que a empresa dos acusados conseguiu suspender a exigibilidade do crédito tributário ao informar o depósito do montante integral da dívida e fornecer o número de uma ação de execução de título da dívida pública ajuizada na Justiça Federal do Distrito Federal; o título foi considerado prescrito pela Justiça e, ainda, que não fosse, tal manobra não é possível, pois não havia trânsito em julgado de decisão que mencionasse expressamente a possibilidade de compensação de tributos. Esclareceu que a conversão de depósito em renda só é possível a partir de uma ação de natureza tributária e desde que o depósito seja feito em relação ao montante integral. Assim que a DCTF é transmitida com a informação sobre o depósito do montante integral, a cobrança administrativa é suspensa. A capacidade de reação dos órgãos públicos é mais lenta que as fraudes cometidas. Nem todos os casos são possíveis de ser detectados, diante do grande volume de trabalho da Receita Federal do Brasil. Se for detectado um problema pela Receita Federal do Brasil, o caso terá que passar por uma auditoria interna. Não é possível compensação tributária com base apenas nas informações prestadas na DCTF, devendo ser feita por meio de um processo ou PERDCOMP; de todo modo é vedada a compensação tributária com títulos públicos. Quando a auditoria é feita não se analisa a regularidade do imposto declarado, mas apenas a regularidade da forma como foi informada a suspensão da exigibilidade. Enquanto há suspensão não é possível dar início aos atos de execução, como inscrição em dívida ativa. Se a suspensão for indevida, ela é desconsiderada, procedendo-se à cobrança. Todas os débitos da JR Dominium estão inscritos em dívida ativa. Para prestar declarações não é necessário habilitação na Receita Federal do Brasil, mas apenas certificado digital. No momento em que foram prestadas as informações nas DCTFs, a Receita Federal do Brasil não poderia ter indeferido a suspensão, pois, vigora o princípio da boa-fé, não podendo a mesma impedir que alguém preste declaração. E, por fim, disse que só é possível analisar a regularidade em momento posterior.

A testemunha Bene Silvio de Paula Tomaz declarou, em suma, que não conhece nada que desabone a conduta do coacusado Antônio Ângelo Neto. Esclareceu que, ao se requerer uma compensação tributária, é possível emitir imediatamente uma CND. No entanto, a confirmação depende de homologação da Receita Federal do Brasil. E, que apesar de o sistema exigir nome de contador e CRC, qualquer pessoa pode fazer o pedido. Já abriu uma empresa para o coacusado Antônio Ângelo Neto e trabalharam juntos em uma construtora.

A testemunha Alan Siqueira Garbes Luciano contou, em resumo, que trabalhou na empresa JR Dominium por um ano e meio como estagiário de direito (vaga aberta pelo CIEE). Saiu da empresa quando ocupava o cargo de auxiliar administrativo. Começou a trabalhar no ano de 2010. O coacusado Antônio Ângelo Neto era prestador de serviços jurídicos à empresa. O coacusado Antônio Ângelo Neto deu início à ação de execução de título extrajudicial em Brasília e ficou à frente da ação por 4 ou 5 meses, depois substabeleceu para Eugênio Luciano Pravato. Não se recorda se seu nome constava na procuração como estagiário. Não sabe se o coacusado Antônio Ângelo Neto promoveu o preenchimento de guias. Acredita que a ação de execução está em fase recursal. O coacusado Antônio Ângelo Neto não comentou com ele se teve proveito econômico com a propositura da ação de execução. Não conhece nada que desabone a conduta do coacusado Antônio Ângelo Neto, sendo um profissional correto. O depoente assinou a petição inicial da ação de execução junto com os advogados. Depois que saiu da empresa não teve mais participação alguma no processo. O coacusado Antônio Ângelo Neto saiu da empresa na mesma época que ele. Nunca viajou para Brasília para cuidar da ação de execução. Não foi ele quem fez o protocolo da ação. No tempo em que ficou na empresa, assinou a maioria das petições como estagiário.

A testemunha Eugênio Luciano Pravato relatou, em síntese, que conhece a denúncia e o processo e entende que se baseiam em fantasias, pois o próprio Ministério Público reconhece que ainda há títulos não pagos e que estão sendo pagos, já que orçamentados na LDO de 2012 para pagamento até 2035. O depoente é um estudioso desses títulos da dívida pública há mais de 15 anos. Conheceu o coacusado Antônio Ângelo Neto cerca de 30 dias antes de ele se desligar da empresa. O coacusado Antônio Ângelo Neto prestava serviços esporádicos para a empresa. O coacusado substabeleceu para o depoente, o qual encontra-se à frente da ação de execução de título extrajudicial até hoje. Os títulos foram emitidos por Estados e Municípios, mas o Governo Federal os reconheceu em um momento de crise (1943) e transformou essa dívida externa em dívida interna. Reafirmou a autenticidade do título e do laudo econômico, salientando que não há uma alegação sequer de falsidade do laudo no bojo da ação de execução de título extrajudicial. Garantiu que eventual discussão sobre o valor deve ser feita dentro daquela ação. Nem o depoente nem o coacusado Antônio Ângelo Neto eram empregados da empresa JR Dominium, mas meros prestadores de serviços. Depois de substabelecer, o coacusado Antônio Ângelo Neto não praticou mais nenhum ato processual. As empresas cessionárias de partes do direito sobre o título estavam cientes que a causa poderia não ser exitosa. Em 2002, o Governo Federal reconheceu que os títulos são imprescritíveis. O STF decidiu em 2004 que a Justiça Federal do Brasil seria competente para analisar a questão sobre esses títulos, sem necessidade de ajuizar ação no exterior, já que o devedor é o Governo Brasileiro. Os bancos estão recebendo pelos títulos. Não foi o coacusado Antônio Ângelo Neto, nem tampouco ele que preencheram as DCTFs, pois isso não é atribuição de advogado. Esclareceu que a inserção de informações nas declarações não tinha a finalidade de fraudar a arrecadação de tributos, pois no Direito Tributário não existe quitação de tributo, mas apenas o pagamento mediante posterior homologação. Para compensar créditos e débitos é necessária a declaração acompanhada do PERDCOMP. Não houve impugnação ao laudo na ação de execução de título extrajudicial, tendo a União, inclusive, perdido o prazo para tanto. O coacusado Antônio Ângelo Neto não teve nenhuma vantagem com a propositura da ação de execução. A Receita Federal do Brasil não lavrou auto de infração e não se recorda da existência de processo administrativo de apuração dos fatos.

Durante interrogatório judicial, o coacusado Jair Fernandes Felippelli declarou, em suma, que cedeu os créditos sobre o título da dívida pública a terceiros. No entanto, só receberá o dinheiro da transação quando a ação de execução for julgada procedente. Disse que é sócio da empresa JR Dominium desde a sua constituição em 2009 ou 2010. Contou que a empresa foi constituída com o fim de comercializar os títulos antigos da dívida pública externa. Os funcionários da empresa se limitavam ao advogado, o assistente e a secretária, já que o contador era externo. Desde a constituição da empresa, adquiriram 3 títulos, um dos quais foi extraviado dentro da Justiça Federal de Brasília. O contador da empresa, à época, era Olívio Zanforlim Filho, o qual foi o responsável pelo preenchimento das DCTFs. A declaração de cada dívida era enviada dentro do prazo. Conhece o advogado Paulo Roberto Brunetti, mas nunca teve contato com ele. Quando comprou os títulos, eles já vinham acompanhados do laudo pericial e financeiro. Comprou o título pela internet e pelo valor de R$12.500,00. As empresas cessionárias do título pagariam uma porcentagem (18 a 25%) sobre o deságio do valor que elas fossem utilizar, mas não chegaram a fazê-lo, assim só pagaram pelas despesas decorrentes da propositura da ação (viagens do advogado, custas etc.). Relatou que o pagamento da dívida representada pelo título está "orçamentado" pela União e, por isso, acreditava que a União honraria com a dívida.

Por seu turno, em seu interrogatório judicial, o coacusado Rogério Carlos de Melo contou, em síntese, que acredita não ter cometido crime, pois a ação de execução continua em andamento. Constituiu uma empresa com o coacusado Jair em 2010 para prestar serviços de consultoria empresarial. Os negócios feitos com as empresas eram formalizados por meio de contratos e contabilizados. Os funcionários da empresa eram, no Departamento Jurídico, o Dr. Antônio Ângelo Neto e, depois, o Dr. Luciano Pravato, o estagiário Alan, que hoje é advogado, e algumas secretárias. O contador da empresa era o Sr. Olívio. Acredita que as DCTFs tenham sido enviadas todas no mês correto. A empresa JR Dominium, atualmente, só existe formalmente, mas não de fato. O título já foi apresentado aos coacusados acompanhados de laudo pericial. Não conhece, pessoalmente, Paulo Roberto Brunetti. Não conhece Paulo Roberto Carrasco Santana.

Por fim, o coacusado Antônio Ângelo Neto relatou, em resumo, em seu interrogatório judicial, que conheceu os coacusados há cerca de 9 anos (2 anos antes do ajuizamento da ação de execução), por intermédio de clientes e de seu irmão Marcelo. Assim que os coacusados abriram a empresa, convidaram ele para prestar serviços a ela. Ele recebia honorários por serviços prestados. Não havia pagamento fixo. Substabeleceu os poderes a ele outorgados ao advogado Eugênio Luciano Pravato com reservas de poderes, pois acreditava no êxito da demanda. Recebeu dos demais coacusados a petição inicial já minutada e fez apenas algumas modificações; estudou o caso com outros colegas de profissão, entrou no site do Tesouro Nacional e viu que o pagamento estava "orçamentado". Não prestava mais serviços à empresa quando as DCTFs foram emitidas. Foi apresentado ao contador da empresa, mas não se recorda do nome dele. Prestava serviços também na área tributária e contratual. Seguiu os trâmites legais ao entrar com a ação e sabia que apesar de ser temerária, a única consequência seria a improcedência dos pedidos. Ao responder o questionamento da acusação, disse que a cartilha sobre a fraude foi criada após a propositura da ação de execução. (...)”

 

Pois bem.

 

Autoria delitiva está comprovada nos autos em relação aos corréus JAIR FERNANDES FELIPPELLI e ROGÉRIO CARLOS DE MELO, havendo dúvidas sobre a efetiva participação do corréu ANTÔNIO ANGELO NETO, como se descreverá adiante. A conduta dolosa dos dois primeiros réus, no intuito de obterem indevida vantagem em prejuízo dos cofres públicos, mediante o emprego de fraude, também restou suficientemente comprovada, dessa forma perfectibilizando os elementos constitutivos do delito de estelionato majorado (artigo 171, § 3º, do Código Penal). 

 

Os acusados JAIR FERNANDES FELIPPELLI e ROGÉRIO CARLOS DE MELO eram sócios e representantes legais da empresa JR Dominium Administradora de Bens e Créditos Ltda., esta tendo por objeto social a prestação de assessoria tributária para terceiras pessoas físicas e jurídicas, fazendo-lhes também a cessão onerosa de supostos direitos creditórios fundados em apólices da dívida pública externa, sendo beneficiados pela prática delituosa ora analisada.

 

A testemunha de acusação Marcos Vinícius Vernucci de Alvarenga Campos, em síntese, informou que os acusados obtiveram êxito em suspender a exigibilidade do crédito tributário ao informarem que haviam realizado o depósito do montante integral da dívida e fornecerem a numeração da ação de execução de título de dívida pública ajuizada perante a Justiça Federal do Distrito Federal, complementando, a testemunha, que não havia trânsito em julgado de decisão que autorizasse a possibilidade de compensação dos créditos tributários. A testemunha esclareceu que, com a transmissão da DCTF contendo a informação de depósito do montante integral dos valores, a cobrança administrativa é suspensa, sendo que a capacidade de reação dos Órgãos Públicos é lenta em relação às fraudes cometidas, e nem todos os casos são possíveis de serem detectados em razão do elevado volume de trabalho da Receita Federal do Brasil. O caso passa a ser auditado internamente apenas quando há a identificação de algum problema. A testemunha seguiu informando que a auditoria não tem por objetivo analisar a regularidade do imposto declarado, mas a veracidade da forma com que informada a suspensão da exigibilidade, sendo que quando há referida suspensão, ficam impossibilitados os atos de execução, como por exemplo inscrição do débito em dívida ativa. Concluiu dizendo que, no momento em que apresentadas as informações das DCTF’s, a Receita Federal não pode indeferir a suspensão da exigibilidade do tributo, pois vigora o princípio da boa-fé, sendo que a regularidade das informações somente é possível ser analisada em momento posterior.

 

Perante o contraditório, o acusado JAIR FERNANDES FELIPPELLI informou que a empresa JR DOMINIUM foi constituída com o fim de comercializar os títulos antigos da dívida pública externa. À época, o contador da empresa era Olívio Zanforlim Filho, o qual foi o responsável pelo preenchimento das DCTF’s. O corréu ROGÉRIO CARLOS DE MELO, em interrogatório judicial, esclareceu que a empresa JR DOMINIUM fora constituída, juntamente com o corréu JAIR FERNANDES, em 2010, com o fim de prestar serviços de consultoria empresarial, e que os negócios realizados com as empresas clientes eram formalizados por meio de contratos e contabilizados. Informou que eram funcionários da sociedade, no Departamento Jurídico, o coacusado ANTÔNIO ÂNGELO NETO, e sucedido por Luciano Pravato, o estagiário, e algumas secretárias.

 

A despeito do quanto aduzido pelas Defesas destes dois corréus, verificam-se regularmente presentes os elementos constitutivos do delito de estelionato. A fraude está presente nas declarações prestadas à Receita Federal do Brasil, esta induzida e mantida em erro, propriamente em razão das informações inverídicas fornecidas pelos acusados JAIR e ROGÉRIO, de que a exigibilidade do crédito tributário estaria suspensa por determinação judicial, que não existiu, bem como pela afirmação de realização do depósito (caução) integral da dívida declarada, quando na realidade houveram depósitos infinitamente inferiores aos devidos, de R$ 15,00 (quinze reais) por dívida confessada. Os sócios, em seus interrogatórios, admitiram que determinaram ao contador da empresa JR DOMINIUM, a emissão das DCTF’s na forma como realizadas, contendo informações acerca da suspensão de exigibilidade do crédito tributário e dos depósitos do montante integral.

 

Conforme esclareceu a testemunha de acusação Marcos Vinícius Vernucci de Alvarenga Campos, bem como destacado pelo r. juízo de origem (ID. 165852081, pág. 223) ao colacionar jurisprudência do C. STJ, a Receita Federal do Brasil, no ato das declarações, não identifica eventual falsidade das informações, mas apenas a existência do processo judicial informado:

 

“(...) Colaciono abaixo trecho de ementa de acórdão proferido em Conflito de Competência, no qual o STJ, em caso análogo, mas referente à fase investigativa, salienta que o sistema da Receita Federal do Brasil não é capaz de confirmar imediatamente a veracidade das informações contidas nas declarações, mas, tão somente, a existência do processo informado:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. INQUÉRITO POLICIAL. JUSTIÇA FEDERAL X JUSTIÇA ESTADUAL. VENDA DE TÍTULOS DA DÍVIDA PÚBLICA PRESCRITOS OU JÁ RESGATADOS, SOB A ILUSÃO DE QUE AINDA SE PRESTARIAM PARA COMPENSAR DÉBITOS TRIBUTÁRIOS. ESTELIONATO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.1. Situação em que foram vendidos a empresa privada títulos do Tesouro Nacional (referentes à dívida externa) que alegadamente poderiam ser utilizados para promover o pagamento de obrigações tributárias junto à Receita Federal do Brasil, mas que se revelaram imprestáveis para o pagamento ou compensação de tributos, porque já haviam sido resgatados. Concomitantemente, o investigado oferecia à empresa vítima seus serviços como advogado para ajuizar, perante a Justiça Federal do Distrito Federal, ação de execução de título extrajudicial, pleiteando tanto o reconhecimento dos créditos como a compensação de débitos fiscais com os ativos. Embora mais de 100 (cem) ações tenham sido julgadas improcedentes, o investigado informava, em Declarações de Débitos e Créditos Tributários Federais - DCTFs a existência de crédito tributário reconhecido em decisão judicial. Como o sistema da Receita só confere automaticamente se o número do processo é válido, sem criticar se há ou não decisão judicial ou mesmo se o valor do depósito judicial corresponde ao montante integral do débito, o contribuinte mesmo prestando informação falsa consegue suspender a exigibilidade dos seus tributos e, com isso, emitir a certidão negativa.  [..]

(CC 158960/SP, Min. Rel. REYNALDO SOARES DA FONSECA, Terceira Seção, Julgado em 27/06/2018, Fonte: DJe 01/08/2018) (...)”

 

A indução e manutenção em erro da União Federal, através da Receita Federal do Brasil, se deu pelo fato de ter sido suspensa a exigibilidade do crédito tributário em face da empresa JR DOMINIUM, na medida em que recebera declarações inverídicas acerca de decisão judicial e suposto depósito integral do montante do valor declarado. A vantagem indevida provém da suspensão de exigibilidade do crédito tributário, bem como da conduta correspondente a possibilitar à empresa a manutenção do status de regular pagadora de tributos federais, com a obtenção de certidões negativas de débitos, e beneficiando-se das prerrogativas legais decorrentes (como participar de licitações, contratar com o poder público, obter empréstimos, etc). A suspensão da exigibilidade do crédito tributário manteve nos cofres particulares da empresa, disponíveis para suas operações, valores que deveriam ter sido repassados aos cofres públicos, mediante o recolhimento de impostos, e necessários à manutenção do Estado e de suas medidas públicas (sociais ou assistenciais, por exemplo), e assim causando prejuízos ao erário.

 

Nesse ponto, merece destaque a afirmação contida na r. sentença de primeiro grau (ID 165852081, págs. 222/223):

 

“(...) No tocante ao prejuízo alheio, verifico sua ocorrência em duas situações distintas: primeiro, no valor confessado e não pago que, segundo dados da Receita Federal do Brasil, somam a quantia de R$ 212.254,93. Apesar de os acusados sustentarem que esse valor pode ser cobrado por meio de ação de execução fiscal, o fato é que ainda não houve pagamento (ao menos não há notícia nos autos), de modo que o dinheiro que deveria estar à disposição do Poder Público para realização de investimentos, pagamento de funcionários etc., encontra-se, indevidamente, em poder da empresa de que são sócios os acusados Jair e Rogério. (...)”

 

Resta, portanto, superado o argumento de ocorrência de erro de tipo formulado pela defesa de JAIR FERNANDES FELIPPELLI, já que tinha plena consciência de que não havia decisão na ação de execução de título extrajudicial (a sentença decidiu pela prescrição dos créditos tributários, e o feito aguarda julgamento em grau de recurso) que possibilitasse a suspensão da exigibilidade do crédito tributário e que não havia depositado o montante integral em juízo mas, mesmo assim, tais informações constaram nas DCTFs da empresa.

 

De igual modo está superada a alegação de crime impossível formulada pela defesa de ROGÉRIO CARLOS DE MELO pois a empresa de sua titularidade conseguiu suspender, por um período, a exigibilidade do crédito tributário, proporcionando a ela os benefícios anteriormente mencionados, sendo que o Poder Judiciário foi por ele usado para conferir aparência de legalidade ao seu pleito.

 

Devidamente demonstradas materialidade e autoria delitivas, bem como o elemento subjetivo dos corréus ROGÉRIO CARLOS DE MELO e JAIR FERNANDES FELIPPELLI na prática do delito previsto no artigo 171, § 3º, do Código Penal, ficam também superados os requerimentos de aplicação dos princípios in dubio pro reo e da presunção de inocência. 

 

DA AUTORIA DELITIVA EM RELAÇÃO AO RÉU ANTÔNIO ANGELO NETO

 

Antônio Ângelo Neto relatou, em resumo, em seu interrogatório judicial, que conheceu os coacusados há cerca de 9 anos (2 anos antes do ajuizamento da ação de execução), por intermédio de clientes e de seu irmão Marcelo. Assim que os coacusados abriram a empresa, o convidaram para prestar serviços. Recebia honorários por serviços prestados. Não havia pagamento fixo. Substabeleceu os poderes a ele outorgados ao advogado Eugênio Luciano Pravato com reservas de poderes, pois acreditava no êxito da demanda. Recebeu dos demais coacusados a petição inicial já minutada e fez apenas algumas modificações. Estudou o caso com outros colegas de profissão, acessou o site do Tesouro Nacional e viu que o pagamento estava "orçamentado". Afirmou ainda que não prestava mais serviços à empresa quando as DCTFs foram emitidas. Foi apresentado ao contador da empresa, mas não se recorda do nome dele. Prestava serviços também na área tributária e contratual. Seguiu os trâmites legais ao ajuizar a ação e sabia que apesar de ser temerária, a única consequência seria a improcedência dos pedidos. Ao responder ao questionamento da acusação, disse que a cartilha sobre a fraude foi criada após a propositura da ação de execução.

 

A prova produzida não comprovou adequadamente que o ajuizamento da ação de execução de título extrajudicial n. 0011059-19.2011.401.3400 em face da União (Fazenda Nacional) em 15.02.2011 pelo réu ANTÔNIO ANGELO NETO teve a única finalidade de, meses depois (25.11.2011), auxiliar os representantes legais da  empresa JR DOMINIUM ADMINISTRADORA DE BENS E CRÉDITOS LTDA a prestarem informações falsas em 07 (sete) Declarações de Débitos e Créditos (DCTF's) relativas aos períodos de apuração de março/2010, junho/2010, setembro/2010, dezembro/ 2010, março/2011, junho/2011 e setembro/2011.

 

Ainda que o réu tenha substabelecido os poderes, o fez com reservas, sendo certo que o acervo probatório também não foi capaz de demonstrar a sua participação na apresentação das aludidas DCTF’s.

 

Observe-se que em seu interrogatório judicial ponderou que a cartilha "Prevenção à Fraude Tributária com Títulos Públicos Antigos", elaborada em conjunto pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, Secretaria do Tesouro Nacional, Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e Ministério Público da União, teria sido elaborada posteriormente ao ajuizamento da ação.

 

Fato é que o acesso ao Site do Tesouro Nacional Transparente permite inferir que tal cartilha passou a constar a partir do ano de 2012 (disponível em: https://www.tesourotransparente.gov.br/publicacoes/prevencao-a-fraude-tributaria-com-titulos-publicos-antigos/2018/26 - acessado em 28.10.2022).

 

Por todo o exposto,  não há como atrelar a conduta do advogado no ajuizamento da ação à indevida utilização posterior pelos correús para fins de burla à Receita Federal, de modo que, havendo dúvida, a absolvição deve se dar com fundamento no artigo 386, inciso VII, do CPP.

 

DA DOSIMETRIA DA PENA  

 

O cálculo da pena deve atentar aos critérios dispostos no artigo 68 do Código Penal, de modo que, na primeira etapa da dosimetria, observando as diretrizes do artigo 59 do Código Penal, o magistrado deve atentar à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, e estabelecer a quantidade de pena aplicável, dentro de uma discricionariedade juridicamente vinculada, a partir de uma análise individualizada e simultânea de todas as circunstâncias judiciais. 

 

Na segunda fase de fixação da pena, o juiz deve considerar as agravantes e atenuantes, previstas nos artigos 61 a 66, todos do Código Penal. 

 

Finalmente, na terceira etapa, incidem as causas de diminuição e de aumento da pena. 

 

DA DOSIMETRIA DA PENA NO CASO CONCRETO 

 

O r. juízo a quo efetuou a dosimetria das penas dos corréus nos seguintes termos (ID 152010135 – fls. 55/61): 

 

“(...)

 

III – DISPOSITIVO

 POSTO ISSO, julgo procedente a denúncia oferecida contra ROGÉRIO CARLOS DE MELO, JAIR FERNANDES FELIPPELLI e ANTÔNIO ÂNGELO NETO como incurso apenas nas penas previstas no artigo 171, 3º, do Código Penal. Passo, então, a dosar a pena a ser-lhes aplicada, em estrita observância ao disposto nos artigos 59 e 68, caput, do Código Penal, e artigo 387, incisos I a VI, do Código de Processo Penal. 1. ROGÉRIO CARLOS DE MELO Analisando as diretrizes do artigo 59 do Código Penal, denoto que o réu agiu com atitude consciente e premeditada, demonstrando regular reprovabilidade em sua conduta; não há notícia nos autos sobre a existência maus antecedentes criminais; poucos elementos foram coletados a respeito de sua conduta social e personalidade; o motivo do delito se constituiu pelo desejo de obtenção de vantagem econômica fácil, a qual já é punida pela própria tipicidade e previsão de delito, de acordo com a própria objetividade jurídica dos crimes contra o patrimônio; as circunstâncias do crime se encontram relatadas no processo; não há que se perquirir sobre o comportamento da vítima que, em última análise é o próprio Estado, razão pela qual fixo a pena-base privativa de liberdade em 1 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa. Inexistem agravantes e atenuantes ou causas de diminuição de pena, mas incide a causa de aumento de pena prevista no 3º do artigo 171 do Código Penal, consoante exposto acima, de modo que exaspero a pena em 1/3 (um terço), resultando em 1 (um) no e 4 (quatro) meses de reclusão e 13 dias-multa. Encerrada a análise do sistema trifásico de aplicação da pena, passo à apreciação do concurso de crimes. Sendo admissível ao caso a regra prevista no artigo 71 do Código Penal (crime continuado), à vista da existência concreta da prática de 7 (sete) crimes idênticos (relativas aos períodos de apuração de março/2010, junho/2010, setembro/2010, dezembro/2010, março/2011, junho/2011 e setembro/2011), aplico somente uma das penas, aumentada do critério ideal de 2/3 (dois terços). Torno, assim, definitiva a pena privativa de liberdade em em 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão e 21 (vinte e um) dias-multa. Fixo o dia-multa em 1/3 (um terço) do salário mínimo, vigente ao tempo do fato delituoso (2011- data da transmissão das DCTFs), observado o disposto nos artigos 49 e 60 do Código Penal. O regime inicial de cumprimento da pena será o aberto (art. 33, 2º, "c", e 3º do CP). Considerando a pena privativa de liberdade imposta ao réu bem como seus antecedentes e que a medida seja suficiente para a reeducação, substituo-a por duas penas restritivas de direitos (CP, art. 44, 2º, 2ª parte), quais sejam, prestação de serviço à comunidade, em local a ser indicado pelo Juízo da Execução, com a mesma duração da pena privativa de liberdade substituída (CP, artigo 43, IV e artigo 46 cumulado com artigo 55), e prestação pecuniária no importe de 10 (dez) salários mínimos, na época do fato, que serão revertidos em benefício de uma entidade beneficente.2. JAIR FERNANDES FELIPPELLI Analisando as diretrizes do artigo 59 do Código Penal, denoto que o réu agiu com atitude consciente e premeditada, demonstrando regular reprovabilidade em sua conduta; não há notícia nos autos sobre a existência maus antecedentes criminais; poucos elementos foram coletados a respeito de sua conduta social e personalidade; o motivo do delito se constituiu pelo desejo de obtenção de vantagem econômica fácil, a qual já é punida pela própria tipicidade e previsão de delito, de acordo com a própria objetividade jurídica dos crimes contra o patrimônio; as circunstâncias do crime se encontram relatadas no processo; não há que se perquirir sobre o comportamento da vítima que, em última análise é o próprio Estado, razão pela qual fixo a pena-base privativa de liberdade em 1 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa. Inexistem agravantes e atenuantes ou causas de diminuição de pena, mas incide a causa de aumento de pena prevista no 3º do artigo 171 do Código Penal, consoante exposto acima, de modo que exaspero a pena em 1/3 (um terço), resultando em 1 (um) no e 4 (quatro) meses de reclusão e 13 dias-multa. Encerrada a análise do sistema trifásico de aplicação da pena, passo à apreciação do concurso de crimes. Sendo admissível ao caso a regra prevista no artigo 71 do Código Penal (crime continuado), à vista da existência concreta da prática de 7 (sete) crimes idênticos (relativas aos períodos de apuração de março/2010, junho/2010, setembro/2010, dezembro/2010, março/2011, junho/2011 e setembro/2011), aplico somente uma das penas, aumentada do critério ideal de 2/3 (dois terços). Torno, assim, definitiva a pena privativa de liberdade em 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão e 21 (vinte e um) dias-multa. Fixo o dia-multa em 1/3 (um terço) do salário mínimo, vigente ao tempo do fato delituoso (2011 - data da transmissão das DCTFs), observado o disposto nos artigos 49 e 60 do Código Penal. O regime inicial de cumprimento da pena será o aberto (art. 33, 2º, "c", e 3º do CP). Considerando a pena privativa de liberdade imposta ao réu bem como seus antecedentes e que a medida seja suficiente para a reeducação, substituo-a por duas penas restritivas de direitos (CP, art. 44, 2º, 2ª parte), quais sejam, prestação de serviço à comunidade, em local a ser indicado pelo Juízo da Execução, com a mesma duração da pena privativa de liberdade substituída (CP, artigo 43, IV e artigo 46 cumulado com artigo 55) e prestação pecuniária no importe de 10 (dez) salários mínimos, na época do fato, que serão revertidos em benefício de uma entidade beneficente. (...)”

 

DO REQUERIMENTO DE AFASTAMENTO DA CONTINUIDADE DELITIVA

 

As Defesas de JAIR FERNANDES FELIPPELLI e de ROGÉRIO CARLOS DE MELO requerem o afastamento da continuidade delitiva.

 

Para a caracterização do crime continuado, o agente deve, mediante mais de uma ação ou omissão, praticar dois ou mais crimes, os quais devem, necessariamente, ser da mesma espécie, bem como deve o primeiro delito determinar o(s) subsequente(s), ou seja, ser a causa dos outros crimes, observadas as condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes. Conforme já se expôs, foi o que ocorreu na hipótese dos autos, já que as DCTF’s foram emitidas na mesma data e em sequência de transmissões (apenas com diferenças de minutos entre elas). 

 

O artigo 71, caput, do Código Penal assim dispõem: 

 

Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços. 

 

Quanto à fração de pena a ser aumentada, é sabido que o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que deve ser considerado o seguinte parâmetro objetivo, conforme o número de infrações penais praticadas: a) 1/6 de aumento quando forem praticadas duas infrações; b) 1/5 para três; c) 1/4 para quatro; 1/3 para cinco; 1/2 para seis; 2/3 para sete ou mais ilícitos: 

 

PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. ROUBOS MAJORADOS. DOSIMETRIA. CONTINUIDADE DELITIVA. TRÊS CONDUTAS PRATICADAS. AUMENTO DE 1/5 CABÍVEL. FLAGRANTE ILEGALIDADE EVIDENCIADA. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 

(...) 

3. A exasperação da pena do crime de maior pena, realizado em continuidade delitiva, será determinada, basicamente, pelo número de infrações penais cometidas, parâmetro este que especificará no caso concreto a fração de aumento, dentro do intervalo legal de 1/6 a 2/3. Nesse diapasão, esta Corte Superior de Justiça possui o entendimento consolidado de que, em se tratando de aumento de pena referente à continuidade delitiva, aplica-se a fração de aumento de 1/6 pela prática de 2 infrações; 1/5, para 3 infrações; 1/4 para 4 infrações; 1/3 para 5 infrações; 1/2 para 6 infrações e 2/3 para 7 ou mais infrações. 

(...) 

(STJ, Quinta Turma, HC 201701721003, Rel. Ribeiro Dantas, DJe de 11.10.2017) 

 

Considerando que cada declaração configurou um delito autônomo, e tendo em vista que a fixação do aumento da pena em razão da continuidade delitiva deve ser proporcional à quantidade de ações perpetradas ou ao período de tempo pelo qual estas se prolongaram (in casu, 07 Declarações de Débito e Crédito falsas), conclui-se que deve ser mantida a exasperação em  em 2/3 (dois terços). 

 

Resultaria, pois, na reprimenda de 02 (dois) anos, 02 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão que, contudo, à mingua de recurso da Acusação, fica mantida a pena estabelecida na r. sentença de origem, de 02 (dois) anos e 02 (dois) meses de reclusão. 

 

No que diz respeito à pena de multa, cabe consignar que o entendimento sedimentado por esta E. 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região é no sentido de que não se deve aplicar a regra prevista no art. 72 do Código Penal à hipótese de crime continuado que, por ficção jurídica e razões de política criminal, consiste em crime único (e não em concurso de crimes). Nesse sentido, vale citar: 

 

DIREITO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ROUBO MAJORADO. ART. 157, §2º, INCISO II, CP. CRIME CONTINUADO. ART. 71, CP. MATERIALIDADE E AUTORIA DOS DELITOS. DEMONSTRAÇÃO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE FURTO. INCABÍVEL. READEQUAÇÃO DA PENA DE MULTA DE OFÍCIO. PROPORCIONALIDADE E SISTEMA TRIFÁSICO. INAPLICABILIDADE DO ART. 72, CP. PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. APELOS DEFENSIVOS NÃO PROVIDOS.  

1. Acusados que praticaram dois crimes de roubo na mesma data, em circunstâncias semelhantes de modo, tempo e lugar, e em estreito lapso temporal, contra funcionários da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Caracterização da figura do crime continuado 

2. Autoria, materialidade e dolo dos dois crimes de roubo majorado demonstrados.  

3. Incabível a desclassificação para o crime de furto ante o uso comprovado de simulação de porte de arma pelos acusados, o que constitui meio executório do delito de roubo.  

4. A fixação da pena de multa deve guardar proporcionalidade com a pena privativa de liberdade e observar o sistema trifásico da dosimetria da pena. Redução de ofício. 

5. O artigo 72, do Código Penal disciplina somente a estipulação da pena de multa na hipótese de concurso de crimes, quando as penas pecuniárias devem ser aplicadas distinta e integralmente, sendo inaplicável às hipóteses de crime continuado, como é o caso dos autos. Afastada a aplicação e unificada a pena pecuniária nos termos do artigo 71, do Código Penal.  

6. Impossível o reconhecimento da participação de menor importância para o réu Laércio de Oliveira Lobo, haja vista que o acusado agiu em coautoria, fundada no princípio de divisão de tarefas. Desse modo, cada autor colabora, por alguma forma, para o mesmo fim, sendo que os coautores respondem pelo todo, não se exigindo a participação de cada agente em todos os atos executórios. Caracteriza-se a denominada coautoria funcional, em que cada um dos autores é responsável concorrente pelo êxito do delito. 

7. Apelos defensivos não providos. 

(TRF3, Décima Primeira Turma, ACR 00084806420134036119, Rel. José Lunardelli, e-DJF3 Judicial 1de 07.06.2016) 

 

DO PECULATO - CONDUTA TÍPICA - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. DA DOSIMETRIA.  

I. O artigo 312, §1°, do Código Penal - CP, considera delituosa a conduta do "funcionário público" que se apossa, tomando como se fosse seu, bem que, em razão de sua condição funcional, tem acesso.  

II. Na hipótese dos autos, ficou comprovado que o apelante se apropriou de algumas correspondências contendo cartões bancários a que teve acesso em razão da sua condição de carteiro (empregado público da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - EBCT, logo "funcionário público" por equiparação, na forma do artigo 327, §1°, do CP), o que impõe a sua condenação.  

III. Considerando que a pena-base e a intermediária foram fixadas no mínimo legal; que a sentença apelada fixou, na terceira fase da dosimetria, uma fração menor do que a usualmente aplicada por esta corte e pelo C. STJ, considerando o número de delitos praticados em continuidade delitiva; e que a acusação não se insurgiu, neste particular, mantenho a pena corporal fixada na decisão recorrida.  

IV.A pena de multa foi fixada em 70 dias-multa, ao fundamento de que ela 'deve ser aplicada distinta e integralmente no concurso de crimes', na forma do artigo 72, do CP. Conforme se extrai da jurisprudência desta C. Turma, o artigo 72 aplica-se no caso de concurso de crimes, mas não na hipótese de crime continuado, o qual, por razões de política criminal é considerado como um único delito. Reduzida a pena de multa para 13 (treze) dias-multa, fixando-a de forma proporcional à pena corporal estabelecida na sentença.  

V.O regime inicial de cumprimento da pena foi adequadamente fixado no aberto, nos termos do artigo 33, §2º, alínea c, do Código Penal.  

VI. Presentes os requisitos do artigo 44, §2º, correta a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, consistentes numa pena pecuniária e numa de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas. 

VII. A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas deverá ser especificada pelo Juízo das Execuções, que deve atender aos critérios estabelecidos no art. 149, §1º, da Lei de Execução Penal, que estabelece o limite de duração de 08 (oito) horas semanais e sua realização aos sábados, domingos e feriados, ou em dias úteis, de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho, nos horários estabelecidos pelo Juiz, ressaltando que a sua duração deve ser igual à pena corporal substituída.  

VIII. A prestação pecuniária deve ser fixada num valor entre 1 (um) e 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos (artigo 45, §1°, do CP), ponderando-se (i) o caráter de reprovação e de prevenção do crime (artigo 59, do CP); e (ii) que a pena aplicada deve observar o princípio da proporcionalidade (inclusive em relação à pena substituída) e a situação econômica do réu. E o MM Juízo da execução pode, no curso desta, promover ao parcelamento da prestação pecuniária, adequando-a a realidade econômica demonstrada pelo réu. Inserindo tais noções na análise dos autos e considerando, ainda, (i) a pena privativa de liberdade fixada nesta decisão; (ii) o valor do dia-multa - que deve refletir a situação econômica do réu - foi fixado no mínimo legal, sem que o Ministério Público tenha contra isso se insurgido; conclui-se que a fixação da pena pecuniária em 3 (três) salários mínimos é de ser considerada razoável e proporcional, afigurando-se a fixação da prestação pecuniária levada a efeito na sentença (12 salários-mínimos), excessiva, inexequível e incompatível com o valor unitário do dia-multa fixado. 

(TRF3, Décima Primeira Turma, ACR 00012017920134036134, Rel. Cecilia Mello, e-DJF3 Judicial 1 de 24.03.2017) 

 

Assim, em se constatando a ocorrência de continuidade delitiva, a exasperação da pena de multa deve seguir os mesmos moldes aplicados à pena privativa de liberdade.  

 

Dessa forma, diante da pena privativa de liberdade ter sido majorada em 2/3, dada a incidência da continuidade delitiva, deve a pena de multa ser mantida em  21 (vinte e um) dias-multa. 

 

Ausentes demais recursos das partes em face da dosimetria da pena, e não sendo verificadas quaisquer ilegalidades, ficam mantidas as penas dos acusados na forma como determinada pelo magistrado sentenciante, em 02 (dois) anos e 02 (dois) meses de reclusão, em regime inicial ABERTO, acrescida do pagamento de 21 (vinte e um) dias-multa, cada qual fixado no valor unitário de 01/03 (um terço) do salário-mínimo vigente na data dos fatos, corrigido monetariamente na data do pagamento

 

PENA DEFINITIVA 

 

Penas definitivas mantidas em 02 (dois) anos e 02 (dois) meses de reclusão, em regime inicial ABERTO, acrescida do pagamento de 21 (vinte e um) dias-multa, cada qual fixado no valor unitário de 01/03 (um terço) do salário-mínimo vigente na data dos fatos, corrigido monetariamente na data do pagamento. Substituídas as penas corporais por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade, pelo período de duração da pena substituída, e prestação pecuniária no valor de 10 (dez) salários-mínimos, em benefício de entidade beneficente. 

 

DISPOSITIVO 

 

Diante do exposto, voto por DAR PROVIMENTO à Apelação da Defesa de ANTÔNIO ÂNGELO NETO para absolvê-lo com fundamento no artigo 386, inciso VII, do CPP, e NEGAR PROVIMENTO às Apelações de JAIR FERNANDES FELIPPELLI e ROGÉRIO CARLOS DE MELO, nos termos do relatório e voto, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.  

 

É o voto.  

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0004222-45.2016.4.03.6106

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: JAIR FERNANDES FELIPPELLI, ROGERIO CARLOS DE MELO, ANTONIO ANGELO NETO

Advogado do(a) APELANTE: LUCAS VALDASTRI FELIPPELLI - SP361160-A
Advogado do(a) APELANTE: SILVIO CARLOS ALVES DOS SANTOS - SP233033-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Consoante minudente relatório, ao qual me reporto para fins descritivos, o presente feito cuida de apelação interposta pelas defesas de ANTONIO ANGELO NETO, JAIR FERNANDES FELIPPELLI e ROGÉRIO CARLOS DE MELO em face da r. sentença de primeiro grau, no bojo da qual os ora recorrentes foram condenados pela prática do crime do art. 171, §3º, do Código Penal.

Pedi vista dos autos para melhor refletir sobre a adequação típica das condutas narradas no presente feito.

Consta da (ID 165854435 pp. 11/18) – grifos meus:

“(...)

I – DAS IMPUTAÇÕES

ROGÉRIO CARLOS DE MELO e JAIR FERNANDES FELIPPELLI, na qualidade de sócios e administradores da empresa JR DOMINIUM ADMINISTRADORA DE BENS E CRÉDITOS LTDA., em 25/11/2011, agindo em conjunto e com unidade de propósitos com ANTÔNIO ANGELO NETO, predispondo de vontade livre e consciente, obtiveram vantagem ilícita, em prejuízo do erário, induzindo a União em erro mediante fraude, na medida em que, após prestaram informações falsas em 7 (sete) Declarações de Débitos e Créditos (DCTFs), relativas aos períodos de apuração de março de 2010 a setembro de 2011, deixaram de recolher o montante devido em face de IRPJ e CSLL, obtendo, por meio de tais declarações falsas, o status de regular pagadora de impostos para a JR DOMINIUM, bem como mantendo a disponibilidade do numerário que, após o autolançamento, pertencia à União.

Ademais, nos autos da execução fiscal n. 0011059-19.2011.401.3400, ajuizada em 15 de fevereiro de 2011, em trâmite na Justiça Federal do Distrito Federal, o acusado ANTÔNIO ANGELO NETO fez uso de documento falso, qual seja, laudo econômico constando informações ideologicamente falsas (documento particular), o qual dava conta de uma suposta atualização monetária manifestamente forjada.

Por fim, ROGÉRIO CARLOS DE MELO e JAIR FERNANDES FELIPPELLI, na qualidade de sócios e administradores da empresa JR DOMINIUM ADMINISTRADORA DE BENS E CRÉDITOS LTDA., agindo conjuntamente e com unidade de propósitos com ANTÔNIO ANGELO NETO, em 25/11/2011, com vontade livre e consciente, prestaram informações falsas em 07 (sete) Declarações de Débitos e Créditos (DCTF's) relativas aos períodos de apuração de março/2010, junho/2010, setembro/2010, dezembro/ 2010, março/2011, junho/2011 e setembro/2011, com o fito de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante, consistente na plena exigibilidade dos créditos tributários declarados e de adiar o pagamento de dois tributos federais distintos, quais sejam, IRPJ e CSLL.

 

II – DOS FATOS TÍPICOS

Com efeito, ANTÔNIO ANGELO NETO, em 15 de fevereiro de 2011, ajuizou, em nome da empresa JR DOMINIUM ADMINISTRADORA DE BENS E CRÉDITOS LTDA., a ação de execução de título extrajudicial n. 0011059-19.2011.401.3400 em face da União (Fazenda Nacional), alegando que esta era possuidora da Apólice n° 5004, emitida em 1915 pela Prefeitura do Distrito Federal, à época a cidade do Rio de Janeiro, no valor nominal de 20 libras, a qual corresponderia à quantia atualizada de R$ 15.231.814,90 (quinze milhões, duzentos e trinta e um mil, oitocentos e catorze reais e noventa centavos) (fls. 04/36 do arquivo intitulado Peças processuais 11059- 1920114013400- 18, dentro da pasta Ações Judiciais, que consta no CD encartado à fl. 285).

Foram protocolizados diversos pedidos de emenda à inicial para inclusão de um grande número de empresas no polo ativo da ação, alegando-se a transferência de parte dos direitos oriundos do título extrajudicial (fls. 62/63, 76/77, 117/118, 134/140 do arquivo acima mencionado).

Deve-se levar em conta que foi acostado aos autos um laudo de atualização monetária, firmado pela empresa “MFN Consultoria” manifestadamente falso, já que a atualização monetária levada a efeito em seu bojo revela-se absurda, fora de qualquer padrão técnico aceitável (fls. 212/2015 dos autos principais do IPL).

 [...]

O próximo passo do estratagema criminoso era relacionado à atitude da pessoa jurídica de confessar à Receita Federal o débito fiscal por meio de DCTFs, sendo estas elaboradas conforme orientação dos gestores da empresa, constituindo-se, portanto, o crédito tributário por meio do autolançamento e, imediatamente após, informar que o pagamento se daria pela figura da conversão em renda, a ser feita quando da procedência da ação de execução proposta.

Assim, nas Declarações de Débitos e Créditos (DCTFs) concernentes ao período de apuração de março/2010, junho/2010, setembro/2010, dezembro/2010, março/2011, junho/2011 e setembro/2011, encaminhadas por Olívio Zandorlin Filho, contador da JR DOMINIUM, remetidas eletronicamente no dia 25/11/2011, foram declarados os débitos concernentes ao Imposto de Renda Pessoa Jurídica — IRPJ e à Contribuição Social sobre Lucro Líquido — CSLL, conforme as tabelas abaixo:

[...]

Apesar de declarados e, assim, confessados os créditos tributários em questão, foi informada a existência de causa suspensiva da exigibilidade que atingia a totalidade dos tributos acima elencados, sendo indicado, como fundamento jurídico, o número do processo “0011059-19.2011.401.3400”.

Foi consignado, ainda, para cada tributo e período de apuração, a extinção por meio do depósito integral do débito. No entanto, somente após a abertura do processo administrativo n° 16000.000005/2012-14 foram realizados depósitos judiciais referentes aos tributos devidos, mas no insignificante valor de R$ 15,00 (quinze reais), montante bastante inferior à importância devida.

É de se ressaltar que, malgrado se alegasse que os débitos confessados estavam com sua exigibilidade suspensa, tal fato não correspondia à verdade, já que havia apenas o ajuizamento de uma ação de execução em que qualquer providência jurisdicional foi solicitada e veementemente negada, como bem ressaltado na representação fiscal:

[...]

Por seu turno, os acusados gestores da JR DOMINIUM tampouco desconheciam a ilicitude de suas condutas, já que, inclusive, venderam a outras empresas supostos créditos em face do fisco.

Por fim, consigne-se que, após cumprirem toda a trajetória criminosa a que se propuseram, os acusados, de fato, causaram prejuízo ao erário de R$ 212.542,93 (duzentos e doze mil, quinhentos e quarenta e dois reais e noventa e três centavos).

[...]”

 

Anote-se, de saída, que, embora a denúncia tenha imputado aos réus a prática do crime do art. 299 do Código Penal por sete vezes (para cada DCTF) e do art. 304 c.c. o art. 299, ambos do mesmo Estatuto Repressivo, para o réu ANTONIO ANGELO NETO (pela apresentação de laudo econômico falso em ação de execução de título extrajudicial), a sentença, contra a qual não se insurgiu a acusação, condenou os acusados apenas pelo crime do art. 171, §3º, do Código Penal, por entender que os crimes de falso se exauriam no estelionato (Súmula nº 17 do C. STJ).

Delineados os limites da atuação desta Corte, peço vênia ao e. Relator para divergir de seu judicioso voto e desclassificar os fatos para o crime do art. 2º, I, da Lei nº 8.137/90, pelos fundamentos a seguir expostos.

 

EMENDATIO LIBELLI

No caso dos autos, o Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra ANTÔNIO, JAIR e ROGÉRIO imputando-lhes da prática do crime do art. 171, §3º, do Código Penal, porque teriam, em conjunto, induzido a União em erro ao prestarem informação falsa em sete DCTFs da empresa JR DOMINIUM ADMINISTRADORA DE BENS E CRÉDITOS LTDA. e, mediante tal expediente, deixarem de recolher o Imposto de Renda Pessoa Jurídica e a Contribuição Social sobre Lucro Líquido devidos no período de março/2010 a setembro/2011.

Consta, ainda, da denúncia, que os tributos foram confessados e constituídos nas referidas DCTFs e que a informação falsa consistiria na alegação de que a exigibilidade de tais exações estaria suspensa por força de ação judicial (autos nº 0011059-19.2011.403.3400).

Como é cediço, a capitulação jurídica contida na denúncia é sempre provisória, cabendo ao julgador, no momento da prolação da sentença, verificar a adequação dos fatos comprovados na instrução penal ao tipo indicado na inicial acusatória, sendo perfeitamente válida sua readequação (emendatio libelli), respeitados os limites impostos pela norma processual penal.

Além disso, não há qualquer óbice ao poder do Tribunal em aplicar aludido instituto, nos termos do artigo 617 do Código de Processo Penal. A propósito, colaciono os seguintes precedentes:

"AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. INOBSERVÂNCIA DO ART. 1.021, § 1º, DO CPC/2015. ART. 155 DO CPP. MATERIALIDADE E AUTORIA CONFIRMADA POR DIVERSOS ELEMENTOS DE PROVA, INCLUSIVE PRODUZIDOS SOB O CRIVO DO CONTRADITÓRIO. PALAVRA DA VÍTIMA CORROBORADA POR OUTRAS PROVAS. SÚMULA 7 DO STJ. DECISÃO MOTIVADA SUFICIENTEMENTE. ALEGAÇÃO DE QUE O TRIBUNAL A QUO EXTRAPOLOU A DEVOLUTIVIDADE DO RECURSAL. AUSÊNCIA DE MUTATIO LIBELLI. OCORRÊNCIA DE EMENDATIO LIBELLI. NÃO ACRÉSCIMO DE FATO NOVO À IMPUTAÇÃO PENAL. NOVO ENQUADRAMENTO AOS FATOS EM ANÁLISE. CORREÇÃO DE ATECNIA DA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO AO RÉU. AFASTAMENTO DA DUPLA MAJORAÇÃO PREJUDICADO. AGRAVO REGIMENTAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA EXTENSÃO, IMPROVIDO.

[...]

4. Art. 384 do CPP. Alegação de que o Tribunal a quo extrapolou a devolutividade do recursal. Inocorrência.

4.1. Na hipótese em foco, não há se falar em mutatio libelli; mas, sim, em emendatio libelli. A Corte paulista não acresceu fato novo a imputação penal, o que implicaria em mutatio libelli. Em verdade, o Tribunal de origem deu novo enquadramento aos fatos em análise, de modo a afastar a aplicação do concurso formal impróprio e fazer incidir o concurso material.

4.2. Nos termos do art. 383, do Código de Processo Penal, emendatio libelli consiste na atribuição de definição jurídica diversa ao arcabouço fático descrito na inicial acusatória, ainda que isso implique agravamento da situação jurídica do réu, mantendo-se, contudo, intocada a correlação fática entre acusação e sentença, afinal, o réu defende-se dos fatos no processo penal. O momento adequado à realização da emendatio libelli pelo órgão jurisdicional é o momento de proferir sentença, haja vista que o Parquet é o titular da ação penal, a quem se atribui o poder-dever da capitulação jurídica do fato imputado. Como corolário da devolutividade recursal vertical ampla, inerente à apelação, desde que a matéria tenha sido devolvida em extensão, plenamente possível ao Tribunal realizar emendatio libelli para a correta aplicação da hipótese de incidência, desde que dentro da matéria devolvida e não implique reformatio in pejus, caso haja recurso exclusivo da defesa.

4.3. O Tribunal de origem verificou a existência de mais de uma ação para a consecução dos delitos, motivo pelo qual afastou a atecnia da sentença que aplicou o concurso formal impróprio. Nota-se não ter ocorrido nenhum prejuízo para o réu, pois a regra do concurso formal impróprio aplicada na sentença é a mesma do concurso material.

4.4. Prejudicada a alegação de que a jurisprudência do STJ rechaça a dupla majoração pela incidência da continuidade delitiva e do concurso formal, haja vista que o aresto recorrido assentou existir concurso material.

5. Agravo regimental parcialmente conhecido e, nesta extensão, improvido."

(STJ, 5ª Turma, AgRg nos EDcl no AREsp 1364914 / SP, Relator(a) Ministro RIBEIRO DANTAS (1181), DJe 19/12/2018);

 

"PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. VIAS DE FATO. EMENDATIO LIBELLI EM SEGUNDO GRAU JURISDICIONAL. POSSIBILIDADE. AMEAÇA. ATIPICIDADE. SITUAÇÃO DE CONTENDA ENTRE AUTOR E VÍTIMA. IRRELEVÂNCIA. CRIME FORMAL. CONSUMAÇÃO. IDONEIDADE INTIMIDATIVA DA AÇÃO. TEMOR DE CONCRETIZAÇÃO. DESNECESSIDADE. ORDEM DENEGADA.

1. A emendatio libelli pode ser aplicada em segundo grau, desde que nos limites do art. 617 do Código de Processo Penal, que proíbe a reformatio in pejus. Precedentes.

2. Na espécie, a Corte local, em recurso interposto pelo Ministério Público, houve por bem recapitular os fatos descritos na exordial incoativa como contravenção penal de vias de fato, em detrimento da imputação por lesão corporal, não havendo falar em mutatio libelli.

3. O fato de a conduta delitiva ter sido perpetrada em circunstância de entrevero/contenda entre autor e vítima não possui o condão de afastar a tipicidade formal ou material do crime de ameaça. Ao contrário, segundo as regras de experiência comum, delitos dessa estirpe tendem a acontecer justamente em eventos de discussão, desentendimento, desavença ou disputa entre os indivíduos.

4. O crime de ameaça é formal, consumando-se com o resultado da ameaça, ou seja, com a intimidação sofrida pelo sujeito passivo ou simplesmente com a idoneidade intimidativa da ação, sendo desnecessário o efetivo temor de concretização.

5. Ordem denegada."

(STJ, 6ª Turma, HC 437730 / DF, Relator(a) Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (1131), DJe 01/08/2018).

 

É o que se verifica na hipótese.

Com efeito, a conduta imputada aos réus está descrita no art. 2º, I, da Lei nº 8.137/90, que dispõe:

"Art. 2° Constitui crime da mesma natureza:

I - fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo;" - grifei

 

Incide, no caso, o princípio da especialidade, já que a norma penal prevista no art. 171, §3º, do Código Penal, trata de qualquer vantagem indevida, ao passo que a lei penal especial (art. 2º, I, da Lei nº 8.137/90) cuida especificamente das situações em que a fraude empregada tem por finalidade a obtenção da vantagem indevida de isenção do pagamento de tributo.

Com efeito, a fraude, nos termos da denúncia, teria se dado com o fim de eximir os acusados do devido pagamento dos tributos confessados, mediante a prestação de informação falsa acerca da suspensão da exigibilidade das exações, com base em ação judicial.

Assim, a imputação contida na denúncia refere-se à fraude subsequente ao lançamento, tendente a eximir o contribuinte do pagamento dos tributos devidos, conduta que se amolda, com precisão, ao tipo previsto no art. 2º, I, da Lei nº 8.137/90.

Acerca do tema, trago à colação precedentes deste E. Tribunal:

“PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. DECLARAÇÕES FALSAS DE DÉBITO E CRÉDITOS (DCTFs). APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS FALSOS COMO MEIO DE EMPREGAR FRAUDE PARA SE EXIMIR DO PAGAMENTO DE DÉBITO TRIBUTÁRIO. EMENDATIO LIBELLI. ART. 383 DO CPP. TIPIFICAÇÃO NOS CRIMES DOS ARTIGOS 1º, I, E 2º, I, DA LEI 8.137/1990. DESCLASSIFICAÇÃO. SÚMULA 436 DO STJ. CRIME DO ARTIGO 2º, I, DA LEI 8.137/1990 DE NATUREZA FORMAL. FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL AFASTADA. MATERIALIDADE. AUTORIA. DOLO. CONTINUIDADE DELITIVA. AFASTADA. PARCIAL PROVIMENTO E NÃO PROVIMENTO.

1. Cabe, num primeiro momento, abordar a polêmica sobre a tipificação das condutas em questão, se seria estelionato ou crime tributário. Na espécie, trata-se de crime tributário, pois verifica-se que, conforme art. 71 da Lei 4.502/64, sobretudo do seu inciso II, a sonegação dá-se também quando viciado o conhecimento da autoridade fiscal sobre as “condições pessoais do contribuinte”, capazes de afetar a “obrigação tributária principal ou o crédito tributário”, de maneira que é possível manter o conceito de sonegação em casos como o presente, em que a fraude dá-se não na constituição em si do crédito tributário, mas na informação falsa sobre a inexigibilidade, capaz de afetá-lo.

2. Desta feita, as condutas narradas não se enquadram como crime de estelionato, à medida que a finalidade pretendida pela inserção das declarações falsas era, exclusivamente, vantagem fiscal, aplicando-se, ao caso, pelo princípio da especialidade, o disposto no artigo 1º, inciso I, da Lei 8.137/90 e procedendo-se a emendatio libelli.

3. As condutas consistentes prestação de informações falsas em 8 (oito) Declarações de Débitos e Créditos (DCTFs) relativas aos períodos de apuração de abril de 2011 a novembro de 2011, em que continham informações falsas sobre um suposto pagamento que extinguiria os créditos tributários declarados, assim adiando o pagamento de cinco tributos federais distintos, quais sejam, IRPJ, CSLL, IPI, PIS e COFINS, tipificam-se no crime do artigo 1º, inciso I, da Lei 8.137/1990.

4. Enquanto que a conduta relativa ao uso de pareceres supostamente emitidos pela Delegacia da Receita Federal do Brasil em Brasília/DF reconhecendo um pseudo direito creditório no valor de R$ 3.990.000,00, e um laudo de avaliação judicial realizado no imóvel rural, denominado Serra da Onça nº 12, no município de Avelino Lopes/PI, no valor acima citado, oriundo do Cartório único de Notas e Registros da Comarca de Parnaguá no Estado do Piauí com o objetivo de obter compensação tributária simulando a existência de créditos em face da União, se enquadra no crime do artigo 2º, inciso I, da Lei 8.137/1990. Com relação à referida conduta, verifica-se que não se trata apenas do uso de documento falso, mas sim o emprego de meio fraudulento, consistente na utilização de documentos falsos, para a obtenção da compensação tributária, com a finalidade de eximir-se do pagamento do tributo.

4. Não se diga que falta, no presente caso, a constituição definitiva do crédito tributário pelo órgão fiscal, pois a entrega da DCTF pelo contribuinte, de acordo com a Súmula 436 do STJ, é capaz por si só de constituir o crédito. Ademais, vale ressaltar que, no presente caso, entretanto, consta da denúncia que foi apurado que a empresa deixou de pagar a quantia de R$ 3.484.343,68 (três milhões, quatrocentos e oitenta e quatro mil, trezentos e quarenta e três reais e sessenta e oito centavos) em valores de tributos constituídos, relativos a COFINS, CSLL, IPI, IRPJ e PIS, conforme procedimento administrativo 16007.000078/2011-65.

5. Da mesma forma, verifica-se que a entrega de documentos falsos consistentes em pareceres da Receita Federal reconhecendo um crédito tributário inexistente, no valor de R$ 3.990.000,00 (três milhões, novecentos e noventa mil reais), com o objetivo de obtenção de compensação tributária, tem natureza formal e prescinde da constituição definitiva do crédito tributário.

6. A materialidade do delito e autoria restaram amplamente comprovadas.

7. Dosimetria da pena. Continuidade delitiva afastada.

8. Recurso do MPF não provido. Recursos defensivos parcialmente providos.”

(TRF 3ª Região, 5ª Turma, ApCrim 0002522-34.2016.4.03.6106, Relator(a) Desembargador Federal PAULO GUSTAVO GUEDES FONTES, Data da Publicação/Fonte: 21/10/2022);

 

“PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. DESCLASSIFICAÇÃO. ART. 2º, I, DA LEI Nº 8.137/90. EMENDATIO LIBELLI. ART. 617 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. POSSIBILIDADE. PRESCRIÇÃO PELA PENA MÁXIMA ABSTRATAMENTE COMINADA AO DELITO. APELO DEFENSIVO PROVIDO.

1. A capitulação jurídica contida na denúncia é sempre provisória, cabendo ao julgador, no momento da prolação da sentença, verificar a adequação dos fatos comprovados na instrução penal ao tipo indicado na inicial acusatória, sendo perfeitamente válida sua readequação (emendatio libelli), respeitados os limites impostos pela norma processual penal. Além disso, não há qualquer óbice ao poder do Tribunal em aplicar aludido instituto, nos termos do artigo 617 do Código de Processo Penal.

2. Caso concreto em que não houve supressão ou redução de tributos, por meio de ato fraudulento, já que as exações foram declaradas e constituídas integralmente pela contribuinte. A fraude, nos termos da denúncia, teria se dado com o fim não de suprimir ou reduzir o tributo, mas de eximir a contribuinte do seu devido pagamento, mediante a prestação de informação falsa acerca da existência de créditos com aptidão para a compensação tributária.

2.1. Imputação contida na denúncia que se refere, exclusivamente, à fraude subsequente ao lançamento, tendente a eximir o contribuinte do pagamento dos tributos devidos, conduta que se amolda, com precisão, ao tipo previsto no art. 2º, I, c.c. o art. 12, I, ambos da Lei nº 8.137/90.

3. Em razão da desclassificação operada, verifica-se, de ofício, a prescrição da pretensão punitiva estatal.

4. Apelo defensivo provido.”

(TRF 3ª Região, 11ª Turma, ApCrim 0000917-07.2018.4.03.6131, minha relatoria, v.u., Publicação/Fonte Intimação via sistema DATA: 06/10/2022).

 

Firme em tais fundamentos e com base no art. 617 do Código de Processo Penal, desclassifico a conduta descrita na denúncia para o crime do art. 2º, I, da Lei nº 8.137/90.

 

PRESCRIÇÃO

No caso concreto, a pretensão punitiva estatal foi fulminada prescrição, tendo em vista que a pena máxima abstratamente cominada ao delito (dois anos de detenção) atrai um prazo prescricional de quatro anos, nos termos do art. 109, V, do Código Penal.

Referido intervalo restou integralmente superado entre a data dos fatos, em 25/11/2011, e a do recebimento da denúncia, em 15/12/2016.

Declaro, portanto, extinta a punibilidade dos réus, pela prescrição, com fundamento no art. 107, IV, do Código Penal.

 

DISPOSITIVO

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao apelo da defesa de ANTONIO ANGELO NETO para desclassificar a conduta descrita na denúncia para o crime do art. 2º, I, da Lei nº 8.137/90; e, por conseguinte, DECLARO EXTINTA A PUNIBILIDADE dos réus ANTONIO ANGELO NETO, JAIR FERNANDES FELIPPELLI e ROGÉRIO CARLOS DE MELO pela prescrição, com fundamento nos artigos 107, IV, e 109, V, ambos do Código Penal; por conseguinte, JULGO PREJUDICADO o apelo defensivo dos corréus.

É o voto.

 

 


E M E N T A

 

 

DIREITO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ESTELIONATO MAJORADO. ART. 171, § 3º, DO CÓDIGO PENAL. DECLARAÇÕES DE DÉBITOS E CRÉDITOS FALSEADAS PERANTE A RECEITA FEDERAL. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOLO CONFIGURADO. ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO DELITO DE ESTELIONATO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. INDEFERIMENTO.  DOSIMETRIA DA PENA. CONTINUIDADE DELITIVA. OCORRÊNCIA. APELAÇÃO DA DEFESA DE UM CORRÉU PROVIDA. APELAÇÕES DAS DEFESAS DOS DEMAIS CORRÉUS NÃO PROVIDAS.  

- Sobejamente comprovadas materialidade e autoria delitivas, bem como o elemento subjetivo do tipo penal. Restou comprovado que os corréus JAIR FERNANDES FELIPPELLI e ROGÉRIO CARLOS DE MELO, na condição de representantes legais da empresa JR DOMINIUM ADMINISTRADORA DE BENS E CRÉDITOS LTDA., contrataram o corréu ANTONIO ANGELO NETO, este advogado, para ajuizar ação de execução de título extrajudicial, em face da União (ação n.º 0011059- 19.2011.401.3400, ajuizada em 15 de fevereiro de 2011), com base na Apólice n.º 5004, emitida em 1915 pela Prefeitura do Rio de Janeiro (à época Distrito Federal) e, após a propositura da demanda, os dois primeiros acusados apresentaram, em 25.11.2011, 07 (sete) Declarações de Débitos e Créditos (DCTF’s) relativas ao períodos de apuração referentes a março/2010, junho/2010, setembro/2010, dezembro/2010, março/2011, junho/2011 e setembro/2011, perante a Receita Federal do Brasil confessando a existência de dívida tributária referente a IRPJ e CSLL, e informando a suspensão da exigibilidade mediante o depósito judicial do montante integral na referida ação de execução de título judicial em face da União.

- Presentes os elementos constitutivos do delito de estelionato majorado. A fraude está presente nas declarações prestadas à Receita Federal do Brasil, esta induzida e mantida em erro, propriamente em razão das informações inverídicas fornecidas pelos acusados JAIR e ROGÉRIO, de que a exigibilidade do crédito tributário estaria suspensa por determinação judicial, que não existiu, bem como pela afirmação de realização do depósito (caução) integral da dívida declarada, quando na realidade houveram depósitos infinitamente inferiores aos devidos, de R$ 15,00 (quinze reais) por dívida confessada. Os sócios, em seus interrogatórios, admitiram que determinaram ao contador da empresa JR DOMINIUM, a emissão das DCTF’s na forma como realizadas, contendo informações acerca da suspensão de exigibilidade do crédito tributário e dos depósitos do montante integral. A indução e manutenção em erro da União Federal, através da Receita Federal do Brasil, se deu pelo fato de ter sido suspensa a exigibilidade do crédito tributário em face da empresa JR DOMINIUM, na medida em que recebera declarações inverídicas acerca de decisão judicial e suposto depósito integral do montante do valor declarado. A vantagem indevida provém da suspensão de exigibilidade do crédito tributário, bem como da conduta correspondente a possibilitar à empresa a manutenção do status de regular pagadora de tributos federais, com a obtenção de certidões negativas de débitos, e beneficiando-se das prerrogativas legais decorrentes (como participar de licitações, contratar com o poder público, obter empréstimos, etc). A suspensão da exigibilidade do crédito tributário manteve nos cofres particulares da empresa, disponíveis para suas operações, valores que deveriam ter sido repassados aos cofres públicos, mediante o recolhimento de impostos, e necessários à manutenção do Estado e de suas medidas públicas (sociais ou assistenciais, por exemplo), e assim causando prejuízos ao erário.

- O emprego de artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento para a obtenção de vantagem ilícita em prejuízo alheio, constitui emprego de estelionato, ao passo que a sonegação de tributo mediante a omissão de informações ou declaração inverídica às autoridades fazendárias consubstanciaria delito contra a Ordem Tributária. No caso dos autos não há a ocorrência de supressão indevida de tributos, caraterizadora do delito previsto no artigo 2º, inciso I, da Lei n.º 8.137/1990, porquanto, nos termos da Súmula 436 do E. STJ (“A entrega de declaração pelo contribuinte reconhecendo débito fiscal constitui o crédito tributário, dispensada qualquer outra providência por parte do fisco”), as entregas das DCTF’s representam confissão de dívida, e dessa forma constituem o crédito tributário.

- A prova produzida, contudo, não comprovou adequadamente que o ajuizamento da ação de execução de título extrajudicial n. 0011059-19.2011.401.3400 em face da União (Fazenda Nacional) em 15.02.2011 pelo réu ANTÔNIO ANGELO NETO teve a única finalidade de, meses depois (25.11.2011), auxiliar os representantes legais da  empresa JR DOMINIUM ADMINISTRADORA DE BENS E CRÉDITOS LTDA a prestarem informações falsas em 07 (sete) Declarações de Débitos e Créditos (DCTF's). Ainda que o réu tenha substabelecido os poderes, o fez com reservas, sendo certo que o acervo probatório também não foi capaz de demonstrar a sua participação na apresentação das aludidas DCTF’s. Observe-se que em seu interrogatório judicial ponderou que a cartilha "Prevenção à Fraude Tributária com Títulos Públicos Antigos", elaborada em conjunto pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, Secretaria do Tesouro Nacional, Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e Ministério Público da União, teria sido elaborada posteriormente ao ajuizamento da ação. Fato é que o acesso ao Site do Tesouro Nacional Transparente permite inferir que tal cartilha passou a constar a partir do ano de 2012. Por todo o exposto, não há como atrelar a conduta do advogado no ajuizamento da ação à indevida utilização posterior pelos correús para fins de burla à Receita Federal, de modo que havendo dúvida, a absolvição deve se dar com fundamento no artigo 386, inciso VII, do CPP.

- Dosimetria da Pena. Insurgência apenas em relação ao crime continuado. Para a caracterização do crime continuado, o agente deve, mediante mais de uma ação ou omissão, praticar dois ou mais crimes, os quais devem, necessariamente, ser da mesma espécie, bem como deve o primeiro delito determinar o(s) subsequente(s), ou seja, ser a causa dos outros crimes, observadas as condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes. Foi o que ocorreu na hipótese dos autos, já que as DCTF’s foram emitidas na mesma data e em sequência de transmissões (apenas com diferenças de minutos entre elas). 

- Penas definitivas mantidas em 02 (dois) anos e 02 (dois) meses de reclusão, em regime inicial ABERTO, acrescida do pagamento de 21 (vinte e um) dias-multa, arbitrados no valor unitário de 01/03 (um terço) do salário-mínimo vigente na data dos fatos, corrigido monetariamente na data do pagamento. Substituídas as penas corporais por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade, pelo período de duração da pena substituída, e prestação pecuniária no valor de 10 (dez) salários-mínimos, em benefício de entidade beneficente.

- Apelação da Defesa de ANTONIO ANGELO NETO a que se dá provimento.

- Apelações das Defesas de JAIR FERNANDES FELIPPELLI, ROGÉRIO CARLOS DE MELO a que se negam provimento. 

 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, Prosseguindo o julgamento, após o voto-vista do DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI, a Décima Primeira Turma, por maioria, decidiu DAR PROVIMENTO à Apelação da Defesa de ANTÔNIO ÂNGELO NETO para absolvê-lo com fundamento no artigo 386, inciso VII, do CPP, e NEGAR PROVIMENTO às Apelações de JAIR FERNANDES FELIPPELLI e ROGÉRIO CARLOS DE MELO, nos termos do voto do Relator, acompanhado pelo DES. FED. NINO TOLDO, vencido o DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI que DAVA PROVIMENTO ao apelo da defesa de ANTONIO ANGELO NETO para desclassificar a conduta descrita na denúncia para o crime do art. 2º, I, da Lei nº 8.137/90; e, por conseguinte, DECLARAVA EXTINTA A PUNIBILIDADE dos réus ANTONIO ANGELO NETO, JAIR FERNANDES FELIPPELLI e ROGÉRIO CARLOS DE MELO pela prescrição, com fundamento nos artigos 107, IV, e 109, V, ambos do Código Penal; por conseguinte, JULGAVA PREJUDICADO o apelo defensivo dos corréus., nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.