
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001927-62.2016.4.03.6000
RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
APELADO: MARCIO JOSE MICHATOSKI, JOAO BATISTA PRAZER DOS SANTOS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001927-62.2016.4.03.6000 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP APELADO: MARCIO JOSE MICHATOSKI, JOAO BATISTA PRAZER DOS SANTOS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O A JUÍZA FEDERAL CONVOCADA MONICA BONAVINA: Trata-se de ação penal movida pelo Ministério Público Federal em face de MÁRCIO JOSÉ MICHATOSKI, nascido em 16.08.1978, e JOÃO BATISTA PRAZER DOS SANTOS, nascido em 07.07.1982, pela prática do crime descrito no artigo 15 da Lei n.º 7.802/1989, e, em face de MÁRCIO JOSÉ MICHATOSKI, também pela prática dos delitos do artigo 183 da Lei n.º 9.472/1997 e artigos 304 c.c. 297, caput, ambos do Código Penal. Narra a denúncia (ID 263795266 – fls. 02/07), recebida na data de 07.05.2019 (ID 263795266 – fls. 10/12): 1. TRANSPORTE DE AGROTÓXICOS (Art. 15 da Lei n° 7.802/89) Em 23 de fevereiro de 2016, por volta das 08h30, na BR 163, KM 476, no Auto Posto América, localizado no Município de Campo Grande/MS, MÁRCIO JOSÉ MICHATOSKI foi preso em flagrante importando e transportando, consciente e voluntariamente, com o apoio consciente, voluntário e indispensável do ‘batedor’ JOÃO BATISTA PRAZER DOS SANTOS, grande quantidade de agrotóxicos de origem estrangeira em descumprimento às exigências estabelecidas na legislação pertinente. No dia e local mencionado, policiais rodoviários federais, em fiscalização de rotina, abordaram o caminhão Volvo, modelo NL 12 360, placas KDA 2847, acoplado ao reboque SR/Noma, modelo SR3E27 CG, de placas aparentes AFM 6623 conduzido por MARCIO JOSÉ, e constataram que estava carregado com fertilizante mineral (adubo) armazenado em Big Bag, que acobertava grande quantidade de agrotóxico de origem estrangeira. Segundo o laudo de química forense das fls. 183/206, foram identificados os produtos Strike, composto de tiametoxam e lambdacialotrina substância classificada como extremamente tóxica para o homem e altamente perigosa para o ambiente, e Solution composto de tiametoxam, classificado como medianamente tóxico ao homem e perigoso ao meio ambiente, ambos com origem chinesa. Não obstante, após análise química, foi confirmada a falsificação do Strike, que apresentava em sua composição apenas tiametoxam. Também foi identificado o produto Protec, de indústria paraguaia, cujo ingrediente ativo deveria ser composto de benzoato de emamectina, substância não autorizado no país, mas que os exames comprovaram tratar-se de talco caracterizando também a falsificação do produto. Também foram encontradas algumas embalagens que não apresentavam rótulo ou inscrições impressas que permitissem indicar qual produto comercial se trata, o que por si só implica que tal não pode ser comercializado, importado e utilizado em território nacional, pois não atende as exigências legais vigentes de rotulagem. Tais produtos, após análise pericial, foram identificados como sulfato de amônio. Ao ser questionado, MÁRCIO confessou aos policiais que foi contratado por uma pessoa de alcunha ‘Torto’, para realizar o transporte da carga de agrotóxicos do Município de Sete Quedas/MS a Sonora/MT, pelo que receberia o valor de RS 5.000,00 (cinco mil reais). (...) MÁRCIO JOSÉ disse, ainda, que conheceu o contratante ‘Torto' por meio da pessoa de JOÃO, com quem trabalhou no ano de 2014 na transportadora Rumo Certo e que, na ocasião, atuava como ‘batedor’ da carga. Informou também que se comunicava com "Torto' através do número (67) 9839-3147' e com JOÃO, através dos números (67) 9837-9217, (45) 9969-5303 e (67) 9923-8986. (...). Ouvido à fl. 364, MÁRCIO reconheceu as fotos de JOÃO das fls. 291, como o batedor da carga. (...) Assim agindo, MÁRCIO JOSÉ MICHATOSKI e JOÃO BATISTA PRAZER DOS SANTOS incidiram no 15 da Lei 7.802/89 (...) 2. ATIVIDADE CLANDESTINA DE TELECOMUNICAÇÃO (ART. 183 DA LEI 9.472/97) No mesmo contexto delituoso, MÁRCIO JOSÉ MICHATOSKI foi flagrado também desenvolvendo, consciente voluntariamente e clandestinamente, atividade de telecomunicação, ao fazer uso de rádio comunicador sem autorização. O laudo dos veículos, às fls. 142/149, constatou que o caminhão Volvo, de placas KDA 2847, possuía um radiocomunicador da marca MIDLAND, modelo 1001Z, número de série T084015771. Conforme laudo pericial n° 0335/201(3 (fls. 136/191), o aparelho estava em regular estado de conservação e com vestígios de uso. No momento em que se procedeu a energização na tensão elétrica apropriada, o transceptor colocou-se em funcionamento imediatamente. O laudo pericial atestou ainda que foi constatada a transmissão de sinais radioelétricos em MHZ, na frequência central de 27,065MHZ e potência de pico de 4 watts, que podem causar interferência prejudicial em canais de comunicação. Desse modo, MÁRCIO JOSÉ MICHATOSKI também incidiu no artigo 183 da Lei 9.472/97: 3. USO DE DOCUMENTO PÚBLICO FALSO (art. 304 c/c art. 297, caput, ambos do CP) No mesmo contexto delituoso, MÁRCIO JOSÉ MICHATOSKI, agindo de forma livre e consciente fez uso de documento público materialmente falso, consistente na Carteira Nacional de Habilitação n° 02045214951, perante policiais rodoviários federais Ao ser indagado, o denunciado disse que sua carteira de habilitação estava suspensa, motivo que o levou a comprar, pelo valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), em Anápolis/GO, a CNH apresentada. Interrogado pela autoridade policial (fls. 07/08), MÁRCIO ratificou as informações dadas no momento da abordagem, acrescentando que adquiriu o documento em dezembro de 2015, uma vez que sua CNH estava suspensa por ter sido flagrado dirigindo embriagado. Por intermédio do exame pericial (fls. 72/76), restou comprovado o suporte autêntico do documento adulterado mediante remoção parcial dos impressos originais e preenchido com dados inidôneos através de impressora jato de tinta. Conclui-se que, assim agindo MÁRCIO JOSÉ MICHATOSKI incorreu no crime de uso) de documento púbico falso, tipificado no art. 304, c/c art 297, caput, ambos do Código Penal. Sentença de parcial provimento da pretensão estatal (ID 263795716), proferida pelo Exmo. Juiz Federal Luiz Augusto Iamassaki Fiorentini, da 5ª Vara Federal de Campo Grande/MS, na data de 16.03.2022 para, após proceder a emendatio libelli: DECLINAR DA COMPETÊNCIA para processar e julgar o suposto cometimento do delito de transporte de agrotóxicos (art. 15 da Lei n.º 7.802/89), em favor de uma das Varas Criminais do Juízo de Direito da Comarca de Campo Grande; ABSOLVER o réu MÁRCIO JOSÉ MICHATOSKI da acusação relativa ao delito do art. 70 da Lei 4.117/62, com fundamento no art. 386, VII (não existir prova suficiente para a condenação), do Código de Processo Penal; e CONDENAR o réu MÁRCIO JOSÉ MICHATOSKI pela prática da conduta descrita no art. 304 c.c o art. 297 do Código Penal, à pena de 2 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, cada qual no valor unitário de 1/30 do salário-mínimo vigente na data dos fatos, em regime inicial ABERTO. Pena privativa de liberdade substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes na prestação de serviços à comunidade ou entidade pública indicada pelo juízo da execução, e outra de prestação pecuniária, no valor de R$ 1.200,00 (um mil e duzentos reais), devidamente corrigido na fase de execução, em favor da União. Apelação interposta pelo Ministério Público Federal (ID 263795721), requerendo a reforma da sentença para reconhecer a competência da Justiça Federal para julgar o crime do artigo 15 da Lei n.º 7.802/1989; o afastamento da emendatio libelli e a condenação do réu MÁRICIO JOSÉ MICHATOSKI pela prática do delito do artigo 183 da Lei n.º 9.472/1997. Por fim, quanto à dosimetria da pena do crime do artigo 304 c.c.297, pleiteia a exasperação da pena-base, afastamento da atenuante da confissão e majoração da pena de multa. Contrarrazões apresentadas conjuntamente pelos réus MÁRCIO JOSÉ MICHATOSKI e JOÃO BATISTA PRAZER DOS SANTOS (ID 263795723). Nesta instância, a Procuradoria Regional da República da 3ª Região emitiu parecer (ID 266013723) pelo parcial provimento do Apelo da acusação, para reconhecer a competência da Justiça Federal para processar e julgar o crime previsto no artigo 15 da Lei nº. 7.802/89, com a consequente condenação dos réus MÁRCIO JOSÉ MICHATOSKI e JOÃO BATISTA PRAZER DOS SANTOS; tipificar o crime contra as telecomunicações no artigo 183 da Lei nº. 9.472/97, contudo, com a manutenção da absolvição do réu MÁRCIO JOSÉ MICHATOSKI, em relação a tal delito, com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal. É o relatório. À revisão.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001927-62.2016.4.03.6000 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP APELADO: MARCIO JOSE MICHATOSKI, JOAO BATISTA PRAZER DOS SANTOS OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A JUÍZA FEDERAL CONVOCADA MONICA BONAVINA: Aos réus MÁRCIO JOSÉ MICHATOSKI e JOÃO BATISTA PRAZER DOS SANTOS foi imputada a prática do crime descrito no artigo 15 da Lei n.º 7.802/1989, in verbis: Lei n.º 7.802/1.989 Art. 15. Aquele que produzir, comercializar, transportar, aplicar, prestar serviço, der destinação a resíduos e embalagens vazias de agrotóxicos, seus componentes e afins, em descumprimento às exigências estabelecidas na legislação pertinente estará sujeito à pena de reclusão, de dois a quatro anos, além de multa. Quanto ao réu MÁRCIO JOSÉ MICHATOSKI foi imputada, ainda, a prática dos delitos do artigo 183 da Lei n.º 9.472/1997 e artigos 304 c.c. 297, caput, ambos do Código Penal, in verbis: Da Lei n. 9.472/1997 Art. 183. Desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação: Pena - detenção de dois a quatro anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, e multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Do Código Penal Falsificação de documento público Art. 297 - Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro: Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa. Uso de documento falso Art. 304 - Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se referem os arts. 297 a 302: Pena - a cominada à falsificação ou à alteração De acordo com a denúncia, na data de 23.02.2016, o acusado MÁRCIO JOSÉ MICHATOSKI foi preso em flagrante importando e transportando grande quantidade de agrotóxicos de origem estrangeira, com apoio de JOÃO BATISTA PRAZER DOS SANTOS, que exercia a função de “batedor”. Constatou-se, ainda, segundo a exordial acusatória, que MÁRCIO JOSÉ MICHATOSKI utilizou-se de rádio comunicador instalado no painel do veículo que conduzia, sem autorização da ANATEL, bem como, durante a abordagem policial, teria apresentado documento público materialmente falso, consistente na Carteira Nacional de Habilitação n° 02045214951. Em sentença, o r. juízo a quo declinou da competência para o julgamento do feito quanto ao crime do artigo 15 da Lei n.º 7.802/1989, determinando a remessa dos autos à Justiça Estadual, por ausência de comprovação da transnacionalidade da conduta. No mais, desclassificou o delito do artigo 183 da Lei n.º 9.472/1997 para o artigo 70 da Lei 4.117/1962, e absolveu o réu MÁRCIO JOSÉ MICHATOSKI, com fundamento no art. 386, VII (não existir prova suficiente para a condenação), do Código de Processo Penal, condenando-o apenas pela prática do crime do artigo 304 c.c o art. 297, ambos do Código Penal. DO RECEBIMENTO DA APELAÇÃO COMO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (FUNGIBILIDADE RECURSAL) Em razões de Apelação, o órgão ministerial requer, inicialmente, a reforma da sentença para reconhecer a competência da Justiça Federal para julgar o crime do artigo 15 da Lei n.º 7.802/1989. Ressalta-se que, nos termos do inciso II do artigo 581 do Código Penal, “caberá recurso no sentido estrito da decisão, despacho ou sentença que concluir pela incompetência do juízo”. De qualquer sorte, in casu, não há óbice à aplicação do princípio da fungibilidade (inteligência do art. 579 do CPP) para se receber como Recurso em Sentido Estrito a Apelação ora interposta, já que, além de o recurso ter sido tempestivamente interposto no prazo legal, não ficou evidenciada ocorrência de erro grosseiro nem de má-fé. Nesse sentido, já se posicionou o C. Superior Tribunal de Justiça: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL. ART. 581 DO CPP. INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO. APELAÇÃO CRIMINAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. APLICABILIDADE. ACÓRDÃO A QUO COM FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA. ADOÇÃO DO PARECER MINISTERIAL COMO RAZÃO DE DECIDIR. LEGALIDADE. 1. O princípio da fungibilidade recursal representa a flexibilização do Direito que, ao impedir que a forma se confunda com o formalismo excessivo e que este se sobressaia perante a finalidade do processo, almeja adequar a norma à sociedade na qual será aplicada. 2. Sendo interposta apelação contra a decisão que concluiu pela incompetência do juízo, cabível a sua conversão em recurso em sentido estrito se, do erro, não se constatou a intempestividade do apelo, nem prejuízo à parte recorrida no que tange ao processamento do recurso (art. 581 do CPP). 3. O agravo regimental não merece prosperar, porquanto as razões reunidas na insurgência são incapazes de infirmar o entendimento assentado na decisão agravada. 4. Agravo regimental improvido. (g.n.) (STJ, AIREsp 1532852, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, julgado em 07.06.2016, DJE: 22.06.2016) AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. APELAÇÃO INTERPOSTA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. CABIMENTO DE RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE RECURSAL. INTELIGÊNCIA DO ART. 579, DO CPP. PRESCRIÇÃO EM PERSPECTIVA, VIRTUAL OU ANTECIPADA. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO EM FACE DA AUSÊNCIA DE AMPARO LEGAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 438/STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. É possível a interposição de apelação quando era cabível o recurso em sentido estrito, desde que demonstrada a ausência de má-fé e a sua tempestividade. 2. ‘É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal’ (Súmula 438, do STJ). 3. Agravo regimental não provido. (STJ, Quinta Turma, AGARESP 354968, Julg. em 08.05.2014, Rel. Moura Ribeiro, DJE de 14.05.2014) Ante o exposto, determina-se o recebimento da presente Apelação, no que se refere à declaração de incompetência do juízo, como Recurso em Sentido Estrito. DA COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DO CRIME DO ARTIGO 15 DA LEI N.º 7.802/1989 Com efeito, importante salientar, de início, que a regra geral de competência da Justiça Federal, em matéria criminal, encontra-se plasmada no art. 109, IV, da Constituição Federal, preceito este que aduz que compete aos magistrados federais o julgamento de infrações penais perpetradas em prejuízo de bens, de serviços ou de interesses da União Federal, de suas entidades autárquicas e de suas empresas públicas, exceto as contravenções penais, ressalvadas, ademais, as competências tanto da Justiça Militar como da Justiça Eleitoral. Sem prejuízo do exposto, a competência criminal federal não se esgota no dispositivo constitucional anteriormente transcrito, devendo ser mencionada, para os fins adstritos a estes autos, a existência do inciso V do art. 109 do Texto Constitucional que aduz que os juízes federais também apreciarão os crimes previstos em tratados ou em convenções internacionais quando, uma vez iniciada a execução no Brasil, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro ou vice-versa. Dentro de tal contexto, depreende-se a plena possibilidade de um processo criminal tramitar perante a Justiça Federal acaso se esteja diante de um crime à distância (vale dizer, em que caracterizada a transnacionalidade da infração penal). No caso concreto, constata-se que, em sentença, o magistrado declinou da competência Federal para julgamento do feito, fundamentando o que segue: Com efeito, por ocasião de sua prisão em flagrante, MÁRCIO JOSÉ teria relatado aos policiais rodoviários federais que fora contratado pelo indivíduo de alcunha ‘Torto’ para realizar o transporte do agrotóxico de Sete Quedas/MS para Sonora/MT (ID 27033015, p. 3/4), o que foi reiterado perante a autoridade policial (p. 8/9), quando, aliás, disse que não sabe precisar o local em que o caminhão foi carregado com agrotóxico. Em juízo, o acusado MÁRCIO JOSÉ negou ter ciência de que o agrotóxico era proveniente do exterior, conforme interrogatório judicial, cuja mídia encontra-se encartada no ID 105321804. Na ocasião, o acusado afirmou que a carga de agrotóxicos foi colocada no caminhão na cidade de Sete Quedas/MS, negou saber que se tratava de produto oriundo do exterior, negou ter visto as etiquetas nas embalagens, porque não acompanhou o carregamento, e ressaltou que ninguém havia dito que se tratava de produto ilícito, mas que foi escondido em meio à carga de fertilizantes porque não teria nota fiscal. Logo, não há elementos para concluir com razoável grau de certeza que os réus tenham participado da introdução irregular dos agrotóxicos no Brasil, porquanto a conduta atribuída – transportar – teve início já em território nacional. Contudo, a despeito dos argumentos do r. juízo a quo (que se baseou apenas nas alegações do réu), a denúncia narra conduta que desvela a transnacionalidade do delito, sendo, assim, irrelevante a ciência do acusado de que transportava produtos de origem estrangeira. De acordo com o Auto de Prisão em Flagrante (ID 263795254 – fl. 03), o acusado MARCIO JOSÉ MICHATOSKI foi flagrado transportando uma grande carga de agrotóxico de origem estrangeira, sem a documentação da devida importação, misturada com fertilizantes. Laudo de perícia química forense (ID 263795258 – fls. 10/33) apontou que os agrotóxicos apreendidos consistiam em: (1) Protec (inseticida) de fabricação paraguaia; (2) Strike (inseticida) de origem chinesa; (3) Solution (inseticida foliar) também de origem chinesa; todos sem registro no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), portanto, de importação, comercialização e utilização proibidas em território nacional; bem como outras embalagens sem rótulos ou inscrições indicativas do produto ou nacionalidade, tendo sido identificado, por meio de análise laboratorial, tratar-se de sulfato de amônio. Em depoimento à autoridade policial (ID 263795254 – fls. 08/09), o acusado MÁRCIO JOSÉ MICHATOSKI confirmou que estava transportando nos veículos mencionados acima grande quantidade de agrotóxico de origem estrangeira (...) que no dia 21/02/2016, carregou a carga de agrotóxico no município de Sete Quedas/MS; que não sabe precisar o local em que o caminhão foi carregado com agrotóxico; que o destino do agrotóxico seria o município de Sonora/MS (...). Em juízo, contudo, negou que soubesse da origem estrangeira da mercadoria, confirmando, porém, que a carga de agrotóxicos foi colocada no caminhão na cidade de Sete Quedas/MS, não sabendo precisar o local. Ainda que se considere como verdadeiro o relato do acusado no sentido de que desconhecia a origem estrangeira do produto e que tenha retirado o caminhão já carregado no município de Sete Quedas/MS (ressalta-se: município fronteiriço do Brasil com o Paraguai), as circunstâncias narradas na denúncia demonstram haver elementos sólidos não só no sentido de que o produto proveio do exterior, mas também, de que há um vínculo fático entre a internalização e o posterior transporte do agrotóxico para distribuição. Nestes termos, tratando-se de operações encadeadas entre si, forçosa a conclusão de que se trata de crime de natureza transnacional. Competente, portanto, a Justiça Federal para o processamento e julgamento do feito. No mais, irrefutável a conexão entre o crime do artigo 15 da Lei n.º 7.802/1989 e o delito tipificado no artigo 183 da Lei n.º 9.472/1997 (ou artigo 70 da Lei n.º 4.117/1962), e no artigo 304, c.c. o artigo 297, caput, ambos do Código Penal, sendo certo que a imputação de utilização de rádio transceptores nos veículos, como narrado na denúncia, se dá, via de regra, com o intuito de facilitar a prática do crime subjacente, evitando fiscalizações policiais (artigo 76, inciso II, do Código de Processo Penal). E, neste contexto, incide o enunciado da Súmula nº 122 do Superior Tribunal de Justiça: Compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, a, do Código de Processo Penal. Nestes termos, destaco o seguinte julgado: APELAÇÃO CRIMINAL. VIA RECURSAL INADEQUADA NO QUE TANGE À DECLARAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO. FUNGIBILIDADE. RECEBIMENTO COMO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. ARTIGO 15 DA LEI Nº 7.802/89 EM CONCURSO MATERIAL COM O ARTIGO 183 DA LEI Nº 9.472/97. CRIME DE TRANSPORTE IRREGULAR DE AGROTÓXICOS. JUSTIÇA FEDERAL. COMPETÊNCIA FIRMADA. RECURSO PROVIDO. 1. O réu foi condenado pela prática do crime do artigo 183 da Lei nº 9.472/97. Ademais, a sentença recorrida desclassificou a conduta supostamente executada pelo ora réu, descrita no artigo 56, §1º, inciso II, da Lei nº 9.605/98 para o delito do artigo 15 da Lei nº 7.802/89, declarando a incompetência da Justiça Federal para o seu processamento e julgamento, ante a ausência de elementos indicativos da transnacionalidade. 2. Preceitua o artigo 581, inciso II, do Código de Processo Penal que da decisão que declara incompetente o juízo cabe recurso em sentido estrito. De outra monta, considerando o disposto no artigo 579 do Código de Processo Penal, que trata da fungibilidade recursal, bem como que a apelação foi interposta no prazo de 5 (cinco) dias e que não se verifica má-fé objetiva, inexiste razão para deixar de conhecer do presente recurso. 3. Saliento que não foi imputada ao réu a prática da conduta que envolve a importação do agrotóxico, a qual, aliás, sequer constitui verbo nuclear do delito do artigo 15 da Lei n° 7.802/89, mas sim a conduta de “transportar” tal produto, consoante descrito na denúncia. 4. O conjunto probatório demonstra que os agrotóxicos apreendidos em poder do réu têm procedência estrangeira e estavam desacompanhados de documentação comprobatória de sua regular introdução no país, evidenciando a transnacionalidade da conduta. 5. Não bastasse, se o comportamento é manifestamente lesivo a bens, serviços ou interesses da União, tais como o interesse estatal no controle da entrada e saída de produtos, além de, por via transversa, a atividade arrecadatória do Estado, a competência passa a ser federal para o processamento e julgamento do presente feito, nos termos do artigo 109, inciso IV, da Constituição Federal. 6. Irrefutável, ainda, a conexão entre o crime do artigo 15 da Lei nº 7.802/89 e o delito tipificado no artigo 183 da Lei nº 9.472/97, o qual é de inconteste competência federal, uma vez que abarca o serviço de telecomunicações, que é de titularidade da União e regulado pela ANATEL, incidindo ao caso em comento o enunciado da Súmula nº 122 do Superior Tribunal de Justiça. 7. Por fim, frise-se que após a análise da conduta narrada no artigo 15 da Lei nº 7.802/89 - em tese perpetrada pelo ora réu - pelo Juízo de origem, os autos deverão retornar a este E. Tribunal Regional Federal para a devida apreciação das demais insurgências apresentadas nos apelos interpostos pelo órgão ministerial e pela defesa. 8. Recurso em sentido estrito provido. (g.n.) (TRF3. Processo n.º 0000655-62.2018.403.6000, relator Desembargador Federal José Lunardelli, 11ª Turma, julgado em 10.09.2020, publicado em 14.09.2020) Por fim, com a absolvição do réu MÁRCIO JOSÉ MICHATOSKI da imputação da prática do crime do artigo 70 da Lei n.º 4.117/1962, poder-se-ia cogitar-se da ocorrência de superveniente incompetência desta Justiça Federal da 3ª Região. Todavia, a tese de incompetência superveniente não encontra eco na jurisprudência que se formou acerca do tema da lavra do C. Superior Tribunal de Justiça, que firmou entendimento no sentido de que remanesceria a competência federal para o conhecimento e para o julgamento do delito conexo que, em tese, seria afeto à Justiça Estadual mesmo quando ocorrida a prolação de édito penal absolutório ou desclassificatório do "crime federal", devendo ser aplicado, na espécie, o princípio da perpetuatio jurisdiciones - a propósito: RECURSO ORDINÁRIO. HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO CEVADA. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL. DESMEMBRAMENTO DA AÇÃO PENAL. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. NULIDADE RECONHECIDA PELO STJ. EFEITOS. INÉPCIA DA DENÚNCIA. IMPOSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DE OUTROS ELEMENTOS DE PROVA. (...) 2. Alegada incompetência do Juízo da 1ª Vara Federal de Itaboraí/RJ afastada mediante a regular aplicação do art. 81 do CPP, constatada a conexão do crime de corrupção passiva com o crime de quadrilha ou bando. Verificada a reunião dos processos por conexão ou continência, ainda que no processo da sua competência própria venha o juiz ou tribunal a proferir sentença absolutória ou que desclassifique a infração para outra que não se inclua na sua competência, continuará competente em relação aos demais processos. (...) (STJ, RHC 70.213/RJ, Rel. Min. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 16/08/2016, DJe 01/09/2016) - destaque nosso. PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL E DESCAMINHO. POSTERIOR ABSOLVIÇÃO PELO CRIME QUE ATRAIU A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. PRINCÍPIO DA PERPETUATIO JURISDICIONES. PROVIMENTO NEGADO. 1. Concluída a instrução, a posterior absolvição do réu pelo crime conexo que justificou o processamento da ação penal perante a Justiça Federal não tem força para deslocar a competência já estabelecida, à luz do princípio da perpetuatio jurisdiciones. (...) (STJ, AgRg no AREsp 167.596/PR, Rel. Min. ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 08/03/2016, DJe 15/03/2016) - destaque nosso. PENAL E PROCESSUAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. VIOLAÇÃO. INOCORRÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL. COMPETÊNCIA. PERPETUATIO JURISDICTIONIS. (...) 2. 'Ainda que seja proferida sentença absolutória, ou haja desclassificação do delito, a competência da Justiça Federal remanesce, caso verificada a ocorrência de conexão ou continência ensejadora da reunião dos processos onde se apuram crimes de competência comum e Federal, nos termos do art. 81, caput, do Código de Processo Penal'. (...) (STJ, AgRg no REsp 1364341/SC, Rel. Min. GURGEL DE FARIA, QUINTA TURMA, julgado em 24/03/2015, DJe 09/04/2015) - destaque nosso. Portanto, imperioso que se reconheça a competência da Justiça Federal para julgamento do crime do 15 da Lei nº 7.802/1989 imputado aos réus MÁRCIO JOSÉ MICHATOSKI e JOÃO BATISTA PRAZER DOS SANTOS. Assim, após o exame pelo r. Juízo de origem da conduta descrita na denúncia e capitulada no artigo 15 da Lei nº 7.802/1989, os autos deverão retornar a este E. Tribunal Regional Federal para a apreciação das demais insurgências apresentadas nos apelos interpostos pelo órgão ministerial e pela defesa. DISPOSITIVO Ante todo o exposto, voto por CONHECER do Apelo interposto pelo Ministério Público Federal, no tocante à decretação de incompetência do juízo, como Recurso em Sentido Estrito, e DAR PROVIMENTO para reformar a sentença, declarando competente o r. Juízo Federal da 5ª Vara de Campo Grande/MS para o processamento e julgamento do delito do artigo 15 da Lei nº 7.802/1989 imputado aos réus MÁRCIO JOSÉ MICHATOSKI e JOÃO BATISTA PRAZER DOS SANTOS, determinando o retorno dos autos à Vara de origem para regular prosseguimento do feito, restando, no mais, prejudicadas as demais insurgências do órgão ministerial e da defesa, as quais serão apreciadas oportunamente por este E. TRF3. Após o trânsito em julgado, oficie-se o Juízo Distribuidor da Justiça Estadual de Campo Grande/MS. É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CRIMINAL. VIA RECURSAL INADEQUADA NO QUE TANGE À DECLARAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO. FUNGIBILIDADE RECURSAL. RECEBIMENTO COMO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. ARTIGO 15 DA LEI Nº 7.802/1989. TRANSPORTE IRREGULAR DE AGROTÓXICOS. TRANSNACIONALIDADE DA CONDUTA. CONCURSO MATERIAL COM O ARTIGO 183 DA LEI Nº 9.472/1997 E COM OS ARTIGOS 304 C.C. O ARTIGO 297, CAPUT, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. RECURSO PROVIDO.
1. Princípio da Fungibilidade. De acordo com o inciso II do artigo 581 do Código Penal, “caberá recurso, no sentido estrito da decisão, despacho ou sentença que concluir pela incompetência do juízo”. Inexiste óbice à aplicação do princípio da fungibilidade (inteligência do art. 579 do CPP) para se receber como Recurso em Sentido Estrito a Apelação ora interposta, já que, além de o recurso ter sido tempestivamente interposto no prazo legal, não ficou evidenciada ocorrência de erro grosseiro nem de má-fé.
2. Da competência para julgamento do crime do artigo 15 da Lei n.º 7.802/1989. No caso concreto, a denúncia desvela a transnacionalidade do delito, sendo irrelevante a ciência do acusado de que transportava produtos de origem estrangeira. De acordo com laudo de perícia química forense, os agrotóxicos apreendidos eram de fabricação paraguaia e chinesa, todos sem registro no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), portanto de importação, comercialização e utilização proibidas em território nacional; bem como havia outras embalagens sem rótulos ou inscrições indicativas do produto ou nacionalidade. No mais, a denúncia narra que os produtos teriam sido carregados em Sete Quedas/MS, município fronteiriço do Brasil com o Paraguai. Destaca-se, ainda, a irrefutável conexão entre o crime do artigo 15 da Lei n.º 7.802/1989 e os delitos tipificados no artigo 183 da Lei n.º 9.472/1997 (ou artigo 70 da Lei n.º 4.117/1962) e no artigo 304, c.c. o artigo 297, caput, ambos do Código Penal, sendo certo que a utilização de rádio transceptores nos veículos, como narrado na denúncia, se dá, via de regra, com o intuito de facilitar a prática do crime subjacente, evitando fiscalizações policiais (artigo 76, inciso II, do Código de Processo Penal) e, neste contexto, incide o enunciado da Súmula nº 122 do Superior Tribunal de Justiça (compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, a, do Código de Processo Penal). Por fim, com a absolvição do réu procedida pelo r. juízo de origem, pela imputação da prática do crime do artigo 70 da Lei n.º 4.117/1962, não há que se falar em superveniente incompetência desta Justiça Federal da 3ª Região, pois, o C. Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que remanesceria a competência federal para o conhecimento e para o julgamento do delito conexo que, em tese, seria afeto à Justiça Estadual mesmo quando ocorrida a prolação de édito penal absolutório ou desclassificatório do "crime federal", devendo ser aplicado, na espécie, o princípio da perpetuatio jurisdiciones.
3. Após a análise pelo r. Juízo de origem da conduta capitulada no artigo 15 da Lei nº 7.802/1989, os autos deverão retornar a este E. Tribunal Regional Federal para apreciação das demais insurgências apresentadas nos apelos interpostos pelo órgão ministerial e pela defesa.
4. Apelo interposto pelo Ministério Público Federal conhecido como Recurso em Sentido Estrito no que toca à decretação da incompetência do juízo, ao qual se dá provimento para reformar a decisão e declarar competente o Juízo Federal da 5ª Vara de Campo Grande/MS para o processamento e julgamento do crime de transporte irregular de agrotóxicos, determinando-se o retorno dos autos à Vara de origem, para regular prosseguimento do feito, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.