Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001891-70.2019.4.03.6115

RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. NELTON DOS SANTOS

APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

APELADO: FATIMA REGINA DE MATOS MAZO

Advogados do(a) APELADO: DIEGO RODRIGO SATURNINO - SP324272-A, GABRIELA CRUZ MOLERO - SP305432-N, JOSE AMERICO APARECIDO MANCINI - SP136163-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001891-70.2019.4.03.6115

RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. NELTON DOS SANTOS

APELANTE: CAIXA ECONOMICA FEDERAL

APELADO: FATIMA REGINA DE MATOS MAZO

Advogados do(a) APELADO: DIEGO RODRIGO SATURNINO - SP324272-A, GABRIELA CRUZ MOLERO - SP305432-N, JOSE AMERICO APARECIDO MANCINI - SP136163-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

R E L A T Ó R I O

Trata-se de apelação interposta pela CEF em face da sentença que julgou procedentes os pedidos formulados na inicial.

Alega a CEF, em síntese, pela inexistência de dano moral.

Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.

É o relatório.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001891-70.2019.4.03.6115

RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. NELTON DOS SANTOS

APELANTE: CAIXA ECONOMICA FEDERAL

APELADO: FATIMA REGINA DE MATOS MAZO

Advogados do(a) APELADO: DIEGO RODRIGO SATURNINO - SP324272-A, GABRIELA CRUZ MOLERO - SP305432-N, JOSE AMERICO APARECIDO MANCINI - SP136163-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

V O T O

Dos danos morais

Dano moral, de acordo com a melhor doutrina e com o entendimento sedimentado nas cortes superiores, é a lesão a direito da personalidade. Em outros termos, corresponde a toda violação ao patrimônio imaterial da pessoa no âmbito das suas relações de direito privado.

Não se confunde, no entanto, e nem poderia, com acontecimentos cotidianos que, apesar de incomodarem, não têm aptidão para atingir, de forma efetiva, direitos da personalidade. Tais acontecimentos têm sido tratados, com acerto, pela jurisprudência, como "meros aborrecimentos", inafastáveis na sociedade contemporânea, devendo ser suportados por seus integrantes, ou punidos administrativamente, para que o instituto do dano moral não perca seu real sentido, sua verdadeira função: compensar o lesado pela violação à sua personalidade.

Com efeito, danos morais são os ocorridos na esfera da subjetividade, ou no plano valorativo da pessoa na sociedade, alcançando aspectos mais íntimos da personalidade (intimidade e consideração pessoal) ou da própria valoração pessoal no meio em que vive e atua (reputação e consideração social).

Não se pode dar guarida a suscetibilidades exageradas e interpretar os aborrecimentos cotidianos como causadores de abalos psíquicos ou à personalidade. Sérgio Cavalieri nos ensina que:

"(...) só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo a normalidade, interfira intensamente ao comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústias e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral" (Programa de responsabilidade civil. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 76).

No mesmo sentido, Antônio Jeová Santos assevera:

"O dano moral somente ingressará no mundo jurídico, com a subsequente obrigação de indenizar, em havendo alguma grandeza no ato considerado ofensivo a direito personalíssimo. Se o ato tido como gerador do dano extrapatrimonial não possui virtualidade para lesionar sentimentos ou causar dor e padecimento íntimo, não existiu o dano moral passível de ressarcimento. Para evitar abundância de ações que tratam de danos morais presentes no foro, havendo uma autêntica confusão do que seja lesão que atinge a pessoa e do que é mero desconforto, convém repetir que não é qualquer sensação de desagrado, de molestamento ou de contrariedade que merecerá indenização. O reconhecimento do dano moral exige determinada envergadura. Necessário, também, que o dano se prolongue durante algum tempo e que seja a justa medida do ultraje às afeições sentimentais. As sensações desagradáveis, por si sós, que não trazem em seu bojo lesividade a algum direito personalíssimo, não merecerão ser indenizadas. Existe um piso de inconvenientes que o ser humano tem de tolerar sem exitar o autêntico dano moral" (Dano moral indenizável, 4ª ed. São Paulo: RT, 2003, p. 113).

Na hipótese dos autos, resta incontroverso que as jóias da autora, empenhadas à CEF, foram roubadas.

Contudo, não se verifica a ocorrência de danos morais, vez que ao entregar as jóias em garantia de dívida contraída com o banco, a autora assumiu o risco de vir a perdê-las na hipótese de não pagamento do débito.

E, a alegação de que a efetiva perda das jóias teria-lhe ocasionado um significativo abalo psíquico se revela contraditória com o comportamento da parte, que admitiu alienar os bens, arriscando-se a perdê-los, para garantir uma dívida, mas que, após sua subtração, sustenta que as jóias teriam valor inestimável.

Nesse sentido, é a jurisprudência:

“CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. PENHOR. ROUBO DE JOIAS DADAS EM GARANTIA. PAGAMENTO DE VALOR INDENIZATÓRIO INCONTROVERSO. PRESENTE O INTERESSE DE AGIR DO AUTOR. RESPONSABILIDADE CIVIL DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. CLÁUSULA DE LIMITAÇÃO DE RESPONSABILIDADE.  INDENIZAÇÃO. DANOS MATERIAIS. VALOR DE MERCADO, DESCONTADA A QUANTIA PAGA ADMINISTRATIVAMENTE. VALOR DA INDENIZAÇÃO. EXTENSÃO DO DANO. APURAÇÃO EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. POSSIBILIDADE. DANO MORAL NÃO VERIFICADO.

1. A matéria devolvida a este Tribunal diz respeito à preliminar de ausência de interesse de agir da autora. No mérito, refere-se ao valor da indenização por danos materiais devida pela instituição financeira ré em razão do roubo de joias dadas em garantia pignoratícia pela autora e à ocorrência de danos morais à requerente em razão do evento.

2. Não assiste razão à CEF quando diz que falta interesse de agir à parte autora porque ela teria recebido a indenização integral pelas joias furtadas, nos termos em que prevista no contrato, porque a questão posta nos autos diz, justamente, com o alegado direito de a parte ser indenizada pelo valor de mercado de tais bens, que entende ser superior ao quanto efetivamente pago pela recorrente.

3. As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias. Súmula n° 479 do Superior Tribunal de Justiça.

4. A indenização se mede pela extensão do dano (Código Civil, art. 944), de modo que a validade da cláusula contratual que fixa a indenização a uma vez e meia o valor da avaliação efetuada pelo credor pignoratício perde relevância diante da verdadeira questão essencial ao deslinde da causa, que é saber qual o efetivo valor das joias subtraídas para se determinar, então, qual o montante devido pelo banco apelante a título de indenização por dano material. Assim, não há dúvidas de que, havendo disparidade entre o valor avaliado pelo banco e o valor de mercado das joias dadas em garantia, deve prevalecer este último.

5. Apelações a que se nega provimento.” (TRF 3ª Região, 1ª Turma,  ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000623-60.2018.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal WILSON ZAUHY FILHO, julgado em 12/03/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 16/03/2020)

“RESPONSABILIDADE CIVIL. CONTRATO DE PENHOR. ROUBO DO BEM EMPENHADO NAS DEPENDÊNCIAS DA AGÊNCIA DEPOSITÁRIA. INDENIZAÇÃO PELO VALOR DE MERCADO. LIQUIDAÇÃO POR ARBITRAMENTO. CABIMENTO. CARÊNCIA DA AÇÃO. SENTENÇA EXTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. DANOS MORAIS. PROVA. IMPROCEDÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CUSTAS. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA.

1. A autora tem interesse processual, tendo em vista que discorda do valor que lhe foi pago a título de indenização, mostrando-se apropriado o meio processual escolhido para compelir a instituição a pagar-lhe a diferença. Ademais, não há falar em sentença extra petita, pois os pedidos de nulidade das cláusulas contratuais e de indenização por danos materiais e imateriais estão expressos na exordial (fl. 11).

2. Ao contrato de mútuo firmado entre a Caixa Econômica Federal e os mutuários aplica-se a Lei n. 8.078, de 11.09.90 - Código de Defesa do Consumidor (art. 3º, caput e §§ 1º e 2º, e art. 2º).

3. A cláusula que prevê indenização correspondente a 1,5 (um inteiro e cinco décimos) vezes o valor da avaliação prévia do bem beneficia uma das partes em detrimento da outra, já que não reflete o valor real ou de mercado. Logo, é passível de revisão pelo Poder Judiciário, de modo a restabelecer o equilíbrio inicial do contrato e possibilitar aos autores a justa indenização pelos bens empenhados, que foram objeto de roubo. Aplicação dos arts. 6º, VI, 47, 51, I, e 54, todos da Lei n. 8.078/90. Precedentes do Egrégio Superior Tribunal de Justiça.

4. A alegada inexistência de culpa ou dolo da ré quanto ao roubo ou extravio das jóias empenhadas não exclui seu dever de indenizar, porquanto a responsabilidade civil decorre do contrato firmado com os autores, pelo qual a Caixa Econômica Federal assumiu o dever de guardar a coisa empenhada. A jurisprudência da 1ª Seção do TRF da 3ª Região afasta a cláusula contratual que limita a responsabilidade do credor pignoratício (TRF da 3ª Região, 1ª Seção, EI n. 199961000089068, Rel. p/ acórdão Juiz Fed. Conv. Hélio Nogueira, j. 03.04.08; EI n. 200061000220943, Rel. Des. Fed. Ramza Tartuce, j. 21.08.08 e EI n. 199961050070961, Rel. Des. Fed. Baptista Pereira, j. 16.07.09). Ademais, a responsabilidade pelo roubo ocorrido não se discute nesta ação. A indenização deve ser a mais justa possível e a ré não trouxe aos autos elementos de que assim tenha procedido em face dos demandantes.

5. É impertinente a invocação do art. 159 do Código Civil de 1916, atualmente arts. 186 e 927, caput, do Código Civil vigente, para o efeito de elidir a responsabilidade da CEF, sob a especiosa alegação de que não teria praticado ato ilícito, daí derivando a invocação dos arts. 1.518 a 1.532 e 1.537 a 1.553 que, respectivamente, regulam as obrigações por atos ilícitos e sua correspondente liquidação. A impertinência resulta do disposto nos arts. 768 a 775 do Código Civil de 1916, os quais dispõem sobre o penhor. Dentre essas regras, destacam-se as dos incisos I e IV do art. 774, as quais correspondem à do art. 1.435, I, do atual Código Civil, e que estabelecem o dever do credor de empregar na guarda do penhor a diligência exigida pela natureza da coisa e a ressarcir ao dono a perda ou deterioração de que for culpado. Logo, a responsabilidade decorre de sua obrigação contratual, em conformidade com o princípio pacta sunt servanda e em harmonia com a vinculação à lei (CR, art. 5º, II) e com a proteção ao ato jurídico perfeito (CR, art. 5º, XXXVI). É verdade que a segurança é dever do Estado (CR, art. 144). Mas esse dever estatal não exonera o credor pignoratício de cuidar adequadamente das coisas empenhadas; é fato notório que os bancos mantêm sistemas de vigilância para impedir furtos e roubos. Tendo falhado o sistema da CEF, já não se pode afirmar que todo o evento (nexo causal) resolve-se como "fato de terceiro", disso resultando sua culpa (CC de 1916, art. 1.057, atual CC, art. 392); pela mesma razão, não se configura caso fortuito ou força maior (CC de 1916, art. 1.058; atual CC, art. 393). Não há nenhuma dúvida quanto ao dever de indenizar. Apenas é inválida a cláusula que limita o valor da indenização, pois tal cláusula, como é notório (CPC, art. 334, I, cuja incidência afasta o inciso I do art. 333 do mesmo Código), não sendo passível de livre discussão entre as partes, caracteriza-se como adesiva, expondo-se à incidência do Código de Defesa do Consumidor, dado tratar-se de contrato de natureza bancária e de crédito (Lei n. 8.078/90, art. 3º, § 2º). É fato notório, também, que a avaliação do bem empenhado é inferior ao valor de mercado, pois, do contrário, a CEF incorreria em prejuízo na hipótese de alienação para resgate do mútuo (CPC, art. 334, I). Sem a extinção adequada da obrigação não se reputa resolvido o penhor (CC de 1916, art. 801, CC em vigor, art. 1436).

6. Os valores objeto da condenação deverão ser apurados mediante liquidação por arbitramento (CPC, arts. 606, I, e 607), meio processual mais adequado para se aquilatar o valor de mercado das peças roubadas.

7. Em princípio, não cabe indenização por dano moral em virtude de perda ou roubo de jóias empenhadas à Caixa Econômica Federal - CEF (TRF da 3ª Região, 1ª Seção, EmbsInfrAC n. 1999.61.05.014254-6, Rel. Des. Fed. Ramza Tartuce, j. 04.12.08).

8. Apenas na hipótese de a parte demonstrar satisfatoriamente a efetiva ocorrência dos alegados danos morais admite-se a condenação da instituição bancária, pois da obrigação de indenizar o prejuízo material não decorre automaticamente a pressuposição de prejuízo imaterial (STJ, REsp n. 200400600713, Rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 16.05.05; TRF da 3ª Região, AC n. 200261050123840, Rel. Des. Fed. Ramza Tartuce, j. 07.07.11).

9. No que concerne ao pedido por danos morais, as provas produzidas não são suficientes para embasar o decreto condenatório (fls. 20/22 e 103/104). Não restou demonstrado que as jóias retratadas nas fotos correspondem àquelas dadas em penhor ou que efetivamente tenha a autora sofrido danos imateriais, os quais não exsurgem automaticamente da mera condenação à recomposição do dano material sofrido.

10. Dispõe o art. 21, caput, do Código de Processo Civil que, se cada litigante for em parte vencedor e vencido, serão recíproca e proporcionalmente distribuídos e compensados entre eles os honorários e as despesas. Ao falar em compensação, o dispositivo aconselha, por motivos de equidade, que cada parte arque com os honorários do seu respectivo patrono, de modo que a sentença merece parcial reforma.

11. Apelação da autora improvida e apelação da CEF parcialmente provida." (TRF 3ª Região, QUINTA TURMA - 1A. SEÇÃO,  Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1282413 - 0003039-62.2005.4.03.6126, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL ANDRÉ NEKATSCHALOW, julgado em 05/12/2011, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/12/2011 )

Dessa forma, das circunstâncias fáticas que norteiam o presente caso, não vislumbro a ocorrência de danos morais.

Sendo assim, merece reforma a sentença recorrida.

Isto posto, dou provimento à apelação, para afastar a condenação da CEF ao pagamento de danos morais, nos termos da fundamentação acima.

É o voto.



E M E N T A

APELAÇÃO. CÍVEL. CONTRATOS. ROUBO DE JOIAS EMPENHADAS. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. RECURSO PROVIDO.

1. Danos morais são os ocorridos na esfera da subjetividade, ou no plano valorativo da pessoa na sociedade, alcançando aspectos mais íntimos da personalidade (intimidade e consideração pessoal) ou da própria valoração pessoal no meio em que vive e atua (reputação e consideração social).

2. Não se pode dar guarida a suscetibilidades exageradas e interpretar os aborrecimentos cotidianos como causadores de abalos psíquicos ou à personalidade.

3. Do roubo de joias empenhadas, não se verifica a ocorrência de danos morais, vez que ao entregar as jóias em garantia de dívida contraída com o banco, a parte assumiu o risco de vir a perdê-las na hipótese de não pagamento do débito.

4. Apelação a que se dá provimento.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Turma, por unanimidade, deu provimento à apelação, para afastar a condenação da CEF ao pagamento de danos morais, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.