Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
10ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 6071081-91.2019.4.03.9999

RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. LEILA PAIVA

APELANTE: SILVANA APARECIDA DOS SANTOS CORREA

Advogado do(a) APELANTE: ROSALI DE FATIMA DEZEJACOMO MARUSCHI - SP123598-N

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 6071081-91.2019.4.03.9999

RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. LEILA PAIVA

APELANTE: SILVANA APARECIDA DOS SANTOS CORREA

Advogado do(a) APELANTE: ROSALI DE FATIMA DEZEJACOMO MARUSCHI - SP123598-N

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

 

R E L A T Ó R I O

 

A Senhora Desembargadora Federal Leila Paiva (Relatora):

Trata-se de apelação interposta pela parte autora em demanda previdenciária  ajuizada objetivando a concessão de benefício de incapacidade temporária desde o requerimento administrativo, formulado em 29/04/2015, e sua conversão em benefício de incapacidade permanente.

O dispositivo da sentença foi assim estabelecido (ID 251376591):

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido, extinguindo o processo com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, I, do Código de Processo Civil. 

O sucumbente é condenado ao pagamento de custas, despesas e honorários advocatícios, fixados em 10% do valor atual da causa."

Apela a parte autora, alegando, em síntese:

- o perito judicial não tem capacidade para avaliar o quadro clínico da autora, pois formulou laudo pericial insuficiente e incoerente com a prova dos autos, deixou de avaliar todas as patologias referidas pela pericianda e a repercussão das doenças em sua capacidade laborativa, já que possui qualificação profissional apenas para serviços braçais; e, ainda, fixou erroneamente o termo inicial da incapacidade na data da perícia, o que não é crível dado o seu histórico clínico; 

- é patente sua incapacidade laborativa, em razão da limitação para atividades que demandam esforço físico, à baixa acuidade visual e aos sintomas provocados pelo diabetes (cansaço, indisposição, fraqueza);

- o juiz não está adstrito ao laudo pericial, devendo formar seu livre convencimento considerando o conjunto probatório dos autos, que é farto e apto a comprovar que a apelante possui diversas enfermidades que a deixam totalmente debilitada e incapaz para o trabalho.

Requer o provimento integral de seu recurso com a inversão dos ônus da sucumbência.

Sem contrarrazões, vieram os autos a esta E. Corte Regional.

É o relatório.

 

 

 

 

pat

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 6071081-91.2019.4.03.9999

RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. LEILA PAIVA

APELANTE: SILVANA APARECIDA DOS SANTOS CORREA

Advogado do(a) APELANTE: ROSALI DE FATIMA DEZEJACOMO MARUSCHI - SP123598-N

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

 

V O T O

 

A Senhora Desembargadora Federal Leila Paiva (Relatora):

Cinge-se a controvérsia à análise dos requisitos para a concessão do benefício de incapacidade temporária e sua conversão em benefício de incapacidade permanente, desde o requerimento administrativo.

O recurso de apelação preenche os requisitos de admissibilidade e merece ser conhecido nos termos em que devolvido, restringindo sua apreciação à matéria impugnada na apelação, em observância ao princípio “tantum devolutum quantum appellatum”.

Do cerceamento de defesa

Inicialmente, cumpre salientar que cabe ao magistrado, no uso de seu poder instrutório, avaliar a suficiência da prova produzida para desenvolver seu livre convencimento. A respeito, vejam-se os artigos 370 e 371 do CPC, in verbis:

 Art. 370. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito.

Parágrafo único. O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias.

 Art. 371. O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento.

 

Com efeito, caso tenha sido considerado que o laudo pericial elaborado por perito judicial - profissional qualificado equidistante das partes – contém elementos suficientes para a devida análise da alegada incapacidade da parte autora, desnecessária a realização de nova perícia com médico especialista para cada moléstia apresentada pela parte.

Sobre o tema:

PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. ARTIGOS 59 E 62 DA LEI N.º 8.213/91. PEDIDO DE NOVA PERÍCIA COM MÉDICO ESPECIALISTA AFASTADA. NÃO COMPROVADA A INCAPACIDADE LABORAL. BENEFÍCIO INDEVIDO. 1. O pedido de  realização de nova perícia médica com especialista deve ser rejeitado. O laudo pericial produzido apresenta-se completo, fornecendo elementos suficientes para formação da convicção do magistrado a respeito da questão. 2. Não comprovada a incapacidade para o trabalho, desnecessária a incursão sobre os demais requisitos exigidos para a concessão do benefício postulado. 3. Matéria preliminar rejeitada. Apelação da parte autora não provida.

(ApCiv 5265174-37.2020.4.03.999. RELATOR: Desembargador Federal MARIA LUCIA LENCASTRE URSAIA, TRF3 - 10ª Turma, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 29/09/2020)

PROCESSUAL. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA REJEITADA. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. DEFICIÊNCIA. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. 1. Afastada a preliminar de nulidade da sentença por cerceamento de defesa, em razão de não ter ocorrido ilegal indeferimento de realização de nova perícia médica com médico especialista. Cabe destacar que a prova produzida foi suficientemente elucidativa, não merecendo qualquer complementação ou reparos a fim de reabrir questionamentos, os quais foram oportunizados e realizados em consonância com os princípios do contraditório e da ampla defesa. 2. O laudo médico produzido nestes autos foi elaborado por médico perito de confiança do juízo, tratando-se, antes de qualquer especialização, de médico apto à realização de perícia médica judicial, não sendo cabível a nomeação de médico especialista para cada doença apresentada pela parte. Ademais, o laudo colacionado aos autos foi bem fundamentado, não tendo o perito sugerido a realização de nova perícia com médico de outra especialidade. 3. O benefício assistencial de prestação continuada ou amparo social encontra assento no art. 203, V, da Constituição Federal, tendo por objetivo primordial a garantia de renda à pessoa deficiente e ao idoso com idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco anos) em estado de carência dos recursos indispensáveis à satisfação de suas necessidades elementares, bem assim de condições de tê-las providas pela família. 4. Segundo a Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) "para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas". De acordo com a referida lei, entende-se por longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos. 5. Consoante perícia médica produzida é possível concluir que o estado clínico da parte autora não sugere a existência de qualquer impedimento de longo prazo, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, poderia obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, não devendo, portanto, ser considerada pessoa com deficiência para os efeitos legais. 6. Preliminar rejeitada. No mérito, apelação desprovida.

(TRF3 - ApCiv 5282154-59.2020.4.03.9999. RELATOR: Desembargador Federal NELSON DE FREITAS PORFIRIO JUNIOR, 10ª Turma, Intimação via sistema DATA: 25/09/2020)

 

PREVIDENCIÁRIO. NOVA PERÍCIA MÉDICA. NÃO CABIMENTO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. I- Inicialmente, observo que a perícia médica foi devidamente realizada por Perito nomeado pelo Juízo a quo, tendo sido apresentado o parecer técnico devidamente elaborado, com respostas claras e objetivas, motivo pelo qual não merece prosperar o pedido de realização de nova prova pericial por médico especialista. Cumpre ressaltar que o magistrado, ao analisar o conjunto probatório, pode concluir pela dispensa de produção de outras provas, nos termos do parágrafo único do art. 370 do CPC. II- Os requisitos previstos na Lei de Benefícios para a concessão da aposentadoria por invalidez compreendem: a) o cumprimento do período de carência, quando exigida, prevista no art. 25 da Lei n° 8.213/91; b) a qualidade de segurado, nos termos do art. 15 da Lei de Benefícios e c) a incapacidade definitiva para o exercício da atividade laborativa. O auxílio doença difere apenas no que tange à incapacidade, a qual deve ser temporária. III- A alegada incapacidade ficou plenamente demonstrada pela perícia médica e pelos documentos juntados aos autos, devendo ser concedida a aposentadoria por invalidez. IV- O termo inicial da concessão do benefício deve ser fixado na data da cessação da aposentadoria por invalidez. V- A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora. Com relação aos índices de atualização monetária e taxa de juros, devem ser observados os posicionamentos firmados na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no Recurso Especial Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905), adotando-se, dessa forma, o IPCA-E nos processos relativos a benefício assistencial e o INPC nos feitos previdenciários. A taxa de juros deve incidir de acordo com a remuneração das cadernetas de poupança (art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09), conforme determinado na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no Recurso Especial Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905). VI- Matéria preliminar rejeitada. No mérito, apelação do INSS parcialmente provida. Recurso adesivo da parte autora provido.

(TRF3 - ApCiv 5286755-11.2020.4.03.999. RELATOR: Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA, 8ª Turma, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 21/09/2020)

 

Nesse contexto, não se identifica excepcionalidade a demandar a realização de nova perícia,  pois da análise do laudo pericial,  observa-se que este foi conduzido de maneira satisfatória.

Confira-se o seguinte excerto do laudo pericial complementar, elaborado por médico especialista em ortopedia e traumatologia, em 17/08/2020 (ID 251376481):

"Segundo relatório de 17/08/2020 a autora é portadora de retinopatia diabética e com correção apresenta visão com correção de 20/25.

Associadamente em laudo emitido também em 07/2020 teve o diagnóstico já firmado anteriormente de dores nos joelhos direito e esquerdo.

Em 23/10/2019 foi internada para submeter-se a liberação do túnel do carpo. 

Após a apresentação dos documentos recentes, retifico a conclusão:

O (a) periciando (a) é portador (a) de diabetes mellitus, hipertensão arterial, colecistite crônica calculosa, depressão poliartralgia, tendinite do joelho, status pós-operatório de síndrome do túnel do carpo e retinopatia diabética em fase inicial. CID da(s) doença(s): F321, M25.5, M779, Z549, H36.

Houve incapacidade por 90 dias a contar de 23/10/2019 para convalescença pós-operatória da cirurgia do punho.

A doença apresentada não causa incapacidade para as atividades anteriormente desenvolvidas.

O quadro atual não gera alterações clínicas, sinais de alerta para piora clínica ou agravamento com o trabalho, fato este que leva à conclusão pela não ocorrência de incapacidade laborativa atual. A doença é passível de tratamento conservador adequado, que gera melhora clínica, e pode ser realizada de maneira concomitante com o trabalho.

A data provável do início da doença é 2009, segundo conta.  Neste caso não se aplica uma data de início da incapacidade."

Nota-se que a expert analisou as enfermidades alegadas por meio de exames realizados diretamente e pela aferição de documentação médica, sendo conclusivo acerca da ausência de incapacidade laborativa atual, razão por que de rigor o afastamento da preliminar arguida.

Vencida a preliminar, passo a enfrentar o mérito.

Dos benefícios por incapacidade para o trabalho

A redação original do artigo 201, inciso I, da Constituição da República (CR) referia que os planos de previdência atenderiam a cobertura de eventos de invalidez e doença, dentre outros.

Após a Emenda Constitucional n. 103, de 13/11/2019, o Texto Magno passou a utilizar de novel terminologia para designar os eventos sob proteção previdenciária, indicando a cobertura das contingências de incapacidade permanente ou temporária, anteriormente designadas como invalidez ou doença, nos termos da nova redação do artigo 201, inciso I, in verbis

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019)

I - cobertura dos eventos de incapacidade temporária ou permanente para o trabalho e idade avançada; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019).

 

Em atenção ao princípio tempus regit actum, a concessão dos benefícios por incapacidade deverá observar os requisitos previstos na legislação vigente ao tempo do infortúnio.

Da aposentadoria por incapacidade permanente (invalidez)

A disciplina básica da aposentadoria por incapacidade permanente, antes aposentadoria por invalidez, segue nos artigos 42 a 47 da Lei n. 8.213, de 24/07/1991, Lei de Benefícios da Previdência Social (LBPS), bem assim nos artigos 43 a 50 do Decreto n. 3.048, de 06/05/1999, o regulamento da Previdência Social (RPS), com as suas alterações posteriores, sempre observadas as alterações da EC n. 103/2019.

A regra matriz da concessão está inserta no enunciado do caput do artigo 42, do LBPS, in verbis

Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.

 

Trata-se de benefício de aposentação destinado aos segurados da Previdência Social, cuja incapacidade para o trabalho é considerada permanente e insusceptível de recuperação da capacidade laboral ou, ainda, de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência.

Muito embora a aposentadoria por incapacidade definitiva seja desprovida de caráter perene, o benefício tornar-se-á definitivo, quando, uma vez não constatada a possibilidade de reabilitação profissional, o segurado for dispensado de realizar perícias médicas periódicas. Essa circunstância ocorre quando o segurado i) completa 55 (cinquenta e cinco) anos de idade e tenham decorridos 15 (quinze) anos de gozo da aposentadoria por incapacidade e/ou auxílio por incapacidade provisória, ou ii) implementa os 60 (sessenta) anos de idade, conforme preceitua o artigo 101, I e II, da Lei n. 8.213, de 24/07/1991, com as alterações da Lei n. 13.457, de 26/06/2017.

Do auxílio por incapacidade temporária (auxílio-doença)

A disciplina legal do auxílio por incapacidade temporária, nova denominação do auxílio-doença, é extraída dos artigos 59 a 63 da Lei n. 8.213, de 24/07/1991, bem como a sua regulamentação dos artigos 71 a 80 do RPS.

A regra básica de concessão consta do caput do artigo 59 do LBPS, in verbis:

Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.

 

Destina-se o benefício aos segurados da Previdência Social que estejam em situação de temporária incapacidade para o trabalho ou atividade habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos, decorrente de doença, acidente de qualquer natureza ou por prescrição médica, constatada a possibilidade de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência.

Em decorrência de sua natureza impermanente, o auxílio por incapacidade temporária (auxílio-doença), poderá ser, posteriormente, (i) transformado em aposentadoria por incapacidade permanente (aposentadoria por invalidez), na hipótese de sobrevir incapacidade total e permanente; (ii) convertido em auxílio-acidente, se ficar demonstrada sequela permanente que enseje a redução da sua capacidade laboral; ou (iii) cessado, em decorrência de reaquisição da capacidade laboral com retorno ao trabalho, ou em razão de reabilitação profissional.

Dos requisitos à concessão do benefício de incapacidade

São basicamente três os requisitos para a concessão de benefícios por incapacidade: 1) a qualidade de segurado; 2) a carência, quando cabível; e 3) a constatação da incapacidade laborativa.

Na hipótese de acidente de trabalho, o benefício é devido aos segurados empregados, inclusive o doméstico, o trabalhador avulso e o segurado especial.

1. O primeiro consiste na qualidade de segurado consoante o artigo 11 da Lei n. 8.213, de 24/07/1991, cuja manutenção tem por supedâneo precípuo o pagamento de contribuições ao Regime Geral da Previdência Social (RGPS).

Assim, considerando o caráter contributivo da Previdência Social a qualidade de segurado estará mantida aos segurados mediante contribuição.

Entretanto, a LBPS estabelece exceção legal expressa, mediante a utilização do denominado período de graça, consistente no interregno assegurado àquele que, mesmo sem recolher contribuições, continua ostentando a condição de segurado, conforme as hipóteses do artigo 15 da referida lei. 

2. O segundo requisito diz respeito à carência de 12 (doze) contribuições mensais, consoante o disposto no artigo 25 da Lei n. 8.213, de 24/07/1991.

No entanto, independe de carência a concessão do benefício nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, assim como ao segurado que, após filiar-se ao RGPS, for acometido das doenças elencadas no artigo 151 da Lei de Benefícios, que dispõe:

Art. 151.  Até que seja elaborada a lista de doenças mencionada no inciso II do art. 26, independe de carência a concessão de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez ao segurado que, após filiar-se ao RGPS, for acometido das seguintes doenças: tuberculose ativa, hanseníase, alienação mental, esclerose múltipla, hepatopatia grave, neoplasia maligna, cegueira, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estado avançado da doença de Paget (osteíte deformante), síndrome da deficiência imunológica adquirida (aids) ou contaminação por radiação, com base em conclusão da medicina especializada. (Redação dada pela Lei nº 13.135, de 2015).

3. O terceiro requisito consiste na incapacidade para o trabalho, a qual, para a concessão de aposentação, deve ser permanente e insuscetível de recuperação ou de reabilitação para outra atividade que garanta a subsistência (aposentadoria por invalidez) e, para fins de auxílio incapacidade temporária (auxílio-doença), deve persistir por mais de 15 dias consecutivos.

Anote-se que para a avaliação da incapacidade se impõe considerar a demonstração de que, ao tempo da filiação ao RGPS, o segurado não era portador da enfermidade, exceto se a incapacidade sobrevier em decorrência de progressão ou agravamento da doença ou da lesão, conforme preconizam os artigos 42, § 2º, e 59, § 1º, da Lei n. 8.213/1991, in verbis

Art. 42. (...) § 2º A doença ou lesão de que o segurado já era portador ao filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social não lhe conferirá direito à aposentadoria por invalidez, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão.” 

(...)

“Art. 59. (...) § 1º Não será devido o auxílio-doença ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social já portador da doença ou da lesão invocada como causa para o benefício, exceto quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento da doença ou da lesão. (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)

Nessa senda, insista-se, a doença ou lesão de que o segurado já era portador ao filiar-se ao RGPS não configura óbice à concessão do benefício na hipótese em que a incapacidade decorrer de progressão ou agravamento da moléstia, ex vi do artigo 42, § 2º, da Lei de Benefícios.

A existência de incapacidade, total ou parcial, é reconhecida mediante realização de perícia médica, por perito nomeado pelo Juízo, consoante o Código de Processo Civil. No entanto, o magistrado não está adstrito unicamente às conclusões periciais, podendo valer-se de outros elementos constantes dos autos para formar a sua convicção, tais como questões pessoais, sociais e profissionais.

Confira-se alguns enunciados da Turma Nacional de Uniformização (TNU) que dizem respeito a esse tema:

Súmula 47 da TNU: "Uma vez reconhecida a incapacidade parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de aposentadoria por invalidez".

Súmula 53 da TNU: "Não há direito a auxílio-doença ou a aposentadoria por invalidez quando a incapacidade para o trabalho é preexistente ao reingresso do segurado no Regime Geral de Previdência Social".

Súmula 77 da TNU: "O julgador não é obrigado a analisar as condições pessoais e sociais quando não reconhecer a incapacidade do requerente para a sua atividade habitual".

 

Na hipótese de exsurgir das provas periciais elementos suficientes ao reconhecimento da incapacidade somente parcial para o trabalho, o magistrado deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez ou de auxílio-doença.

O artigo 43, § 1º, da Lei n. 8.213/1991 preceitua que a concessão da aposentadoria por invalidez depende da comprovação da incapacidade total e definitiva para o trabalho, mediante exame médico-pericial a cargo da Previdência Social. Todavia, o entendimento jurisprudencial consolidou-se no sentido de que também enseja direito ao aludido benefício a incapacidade parcial e definitiva para o trabalho, desde que atestada por perícia médica, que inabilite o segurado de exercer sua ocupação habitual, inviabilizando a sua readaptação. Referido entendimento consubstancia o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento da Seguridade Social.

Acrescente-se que em hipóteses específicas, quando demonstrada a necessidade de assistência permanente de outra pessoa (grande invalidez), é possível, com supedâneo no artigo 45 da Lei de Benefícios, o acréscimo de 25% (vinte e cinco por cento) ao valor da aposentadoria por invalidez.

Do caso concreto

No caso vertente, alega a parte autora, empregada doméstica, com 48 anos de idade na data de realização da perícia (30/10/2018), que é portadora de diabetes mellitus, hipertensão arterial, colecistite crônica calculosa, depressão, poliartralgia, tendinite dos joelhos, retinopatia  diabética e síndrome do túnel do carpo (fez cirurgia), enfermidades lhe acarretariam incapacidade total e definitiva.

Verifica-se que o principal requisito para a concessão do benefício de incapacidade não se encontra presente na espécie, na medida em que não ficou comprovada a incapacidade para as atividades anteriormente desenvolvidas.

Consta do laudo pericial que a parte autora apresenta diagnóstico de diabetes mellitus, hipertensão arterial, colecistite crônica calculosa, depressão poliartralgia, tendinite do joelho, status pós-operatório de síndrome do túnel do carpo e retinopatia diabética em fase inicial (CID 10: F321, M25.5, M779, Z549, H36).

De acordo com a conclusão do laudo médico pericial acostado aos autos, as doenças de que padece a segurada não são geradoras de incapacidade laborativa, vejamos (ID 97461631):

"O (a) periciando (a) é portador (a) de diabetes mellitus, hipertensão arterial, colecistite crônica calculosa, depressão poliartralgia, tendinite do joelho. CID da(s) doença(s): F321, M25.5, M779

A doença apresentada não causa incapacidade para as atividades anteriormente desenvolvidas.

O quadro atual não gera alterações clínicas, sinais de alerta para piora clínica ou agravamento com o trabalho, fato este que leva à conclusão pela não ocorrência de incapacidade laborativa atual. A doença é passível de tratamento conservador adequado, que gera melhora clínica, e pode ser realizada de maneira concomitante com o trabalho.

A data provável do início da doença é 2009, segundo conta. Neste caso não se aplica uma data de início da incapacidade.

Por fim, o (a) periciando (a) não é portador (a) de: tuberculose ativa, hanseníase, alienação mental, neoplasia maligna, cegueira, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estado avançado de doença de Paget (osteíte deformante), síndrome de imunodeficiência adquirida (AIDS) e/ou contaminação por radiação." 

Em complementação ao laudo pericial, o expert informou (ID 251376481):

"Revisado o laudo pericial e documentos anexados ao processo

 Segundo relatório de 17/08/2020 a autora é portadora de retinopatia diabética e com correção apresenta visão com correção de 20/25. Associadamente em laudo emitido também em 07/2020 teve o diagnóstico já firmado anteriormente de dores nos joelhos direito e esquerdo.

Em 23/10/2019 foi internada para submeter-se a liberação do túnel do carpo. 

Após a apresentação dos documentos recentes, retifico a conclusão: 

O (a) periciando (a) é portador (a) de diabetes mellitus, hipertensão arterial, colecistite crônica calculosa, depressão poliartralgia, tendinite do joelho, status pós-operatório de síndrome do túnel do carpo e retinopatia diabética em fase inicial.

CID da(s) doença(s): F321, M25.5, M779, Z549, H36 

Houve incapacidade por 90 dias a contar de 23/10/2019 para convalescença pós-operatória da  cirurgia do punho.  A doença apresentada não causa incapacidade para as atividades anteriormente desenvolvidas.

O quadro atual não gera alterações clínicas, sinais de alerta para piora clínica ou agravamento com o trabalho, fato este que leva à conclusão pela não ocorrência de incapacidade laborativa atual.

A doença é passível de tratamento conservador adequado, que gera melhora clínica, e pode ser realizada de maneira concomitante com o trabalho.

A data provável do início da doença é 2009, segundo conta. Neste caso não se aplica uma data de início da incapacidade."

 

É assente que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, nos termos do artigo 479 do CPC, devendo sopesar o conjunto probatório para formar sua convicção. Contudo, não foram acostados aos autos elementos com o condão de infirmar o exame realizado pelo expert, razão pela qual há que se prestigiar a conclusão da prova técnica.

Em atenção aos argumentos da parte autora, cumpre observar que não é a doença, por si só, que gera o direito à obtenção dos benefícios previdenciários, e sim a presença do pressuposto da incapacidade laborativa, provisória ou definitiva, ausente na espécie.

Acrescente-se, por fim, que os benefícios previdenciários decorrentes de incapacidade são regidos pela cláusula "rebus sic stantibus", de modo que, havendo agravamento da moléstia ou alteração do quadro de saúde da parte autora, pode ela postular administrativamente a concessão de novo benefício.

Destarte, não demonstrada a existência de inaptidão laboral, fica prejudicada a análise dos demais requisitos exigidos para a concessão dos benefícios pleiteados.

A propósito, a jurisprudência desta E. Corte Regional:                                        


PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE/AUXÍLIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA. AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE. REQUISITOS LEGAIS NÃO PREENCHIDOS.
1. São requisitos dos benefícios postulados a incapacidade laboral, a qualidade de segurado e a carência, esta fixada em 12 contribuições mensais, nos termos do art. 25 e seguintes da Lei nº 8.213/91.
2. Não restando comprovada a incapacidade laboral da parte autora, desnecessária a análise dos demais requisitos exigidos para a concessão do benefício pleiteado.
3. Apelação desprovida.
 
(TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5003878-11.2018.4.03.6105, Rel. Desembargador Federal NELSON DE FREITAS PORFIRIO JUNIOR, julgado em 08/03/2022, Intimação via sistema DATA: 11/03/2022)
                                     

PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. AUXÍLIO-DOENÇA OU APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE LABORATIVA NÃO COMPROVADA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL. HONORÁRIOS DE ADVOGADO MAJORADOS.

1. A parte autora não demonstrou incapacidade para o trabalho.

2. Ausente a incapacidade ao desempenho de atividades laborativas, que é pressuposto indispensável ao deferimento do benefício, torna-se despicienda a análise dos demais requisitos, na medida em que a ausência de apenas um deles é suficiente para obstar sua concessão.

3. Sucumbência recursal. Honorários de advogado majorados em 2% do valor arbitrado na sentença. Artigo 85, §11, Código de Processo Civil/2015.

4. Apelação não provida.

(TRF 3ª Região, 7ª Turma,  ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 6148436-80.2019.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES, julgado em 01/06/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 03/06/2020)    

                 

“PREVIDENCIÁRIO. NOVA PERÍCIA DESNECESSÁRIA. PRELIMINAR AFASTADA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA. LAUDO PERICIAL. AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. BENEFÍCIOS INDEVIDOS.  

- A mera irresignação do segurado com a conclusão do perito ou a alegação de que o laudo é contraditório ou omisso, sem o apontamento de nenhuma divergência técnica justificável, não constituem motivos aceitáveis para a realização de nova perícia, apresentação de quesitos complementares ou realização de diligências. Preliminar afastada.

- São requisitos para a concessão de benefícios por incapacidade: a qualidade de segurado, a carência de doze contribuições mensais - quando exigida, a incapacidade para o trabalho de forma permanente e insuscetível de recuperação ou de reabilitação para outra atividade que garanta a subsistência (aposentadoria por invalidez) e a incapacidade temporária (auxílio-doença), bem como a demonstração de que o segurado não era portador da alegada enfermidade ao filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social.

- A ausência de incapacidade laboral do segurado para o exercício de atividades laborais habituais (temporária ou definitiva), constatada por meio de perícia médica judicial, afasta a possibilidade de concessão de benefício por incapacidade.

- Fica mantida a condenação da parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º e 11, do CPC, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo diploma processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.

- Apelação não provida.”

(TRF 3ª Região, 9ª Turma,  ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 6210312-36.2019.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA, julgado em 06/05/2020, Intimação via sistema DATA: 08/05/2020)         

Nesse cenário, impõe-se a improcedência da pretensão. Portanto, a r. sentença deve ser mantida, nos termos em que proferida.

Dos honorários advocatícios

Em razão da sucumbência recursal, majoro os honorários advocatícios fixados na r. sentença em 2% (dois pontos percentuais), observadas as normas do artigo 85, §§ 3º, 5º e 11, do CPC,  suspensa a sua exigibilidade, tendo em vista o benefício da assistência judiciária gratuita

Dispositivo

Posto isso, rejeito a preliminar e nego provimento à apelação da parte autora.

É o voto.

 



E M E N T A

 

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO DE INCAPACIDADE. INCAPACIDADE NÃO CONFIGURADA. REQUISITOS LEGAIS AUSENTES.

- Cabe ao magistrado, no uso de seu poder instrutório, avaliar a suficiência da prova produzida para desenvolver seu livre convencimento, nos termos dos artigos 370 e 371 do CPC.

- Caso tenha sido considerado que o laudo pericial elaborado por perito judicial - profissional qualificado equidistante das partes – contém elementos suficientes para a devida análise da alegada incapacidade da parte autora, desnecessária a realização de nova perícia com médico especialista para cada moléstia apresentada pela parte.

- Nesse contexto, não se identifica excepcionalidade a demandar a realização de nova perícia,  pois da análise do laudo pericial,  observa-se que este foi conduzido de maneira satisfatória.

- O auxílio por incapacidade temporária, nova denominação do auxílio-doença, encontra-se previsto nos artigos 59 a 63 da Lei n. 8.213, de 24/07/1991 e destina-se aos segurados da Previdência Social que estejam em situação de temporária incapacidade para o trabalho ou atividade habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos, decorrente de doença, acidente de qualquer natureza ou por prescrição médica, constatada a possibilidade de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência.

- A concessão da aposentadoria por incapacidade total e permanente (aposentadoria por invalidez), regulamentada pelo artigo 43, § 1º, da Lei n. 8.213/1991, depende da comprovação da incapacidade total e definitiva para o trabalho, mediante exame médico-pericial a cargo da Previdência Social. Todavia, o entendimento jurisprudencial consolidou-se no sentido de que também enseja direito ao aludido benefício a incapacidade parcial e definitiva para o trabalho, desde que atestada por perícia médica, que inabilite o segurado de exercer sua ocupação habitual, inviabilizando a sua readaptação. Referido entendimento consubstancia o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento da Seguridade Social.

- No caso vertente, verifica-se que o principal requisito para a concessão do benefício de incapacidade não se encontra presente na espécie, na medida em que não ficou comprovada a incapacidade, seja total e permanente ou total e temporária, para as atividades anteriormente desenvolvidas.

- É assente que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, nos termos do artigo 479 do CPC, devendo sopesar o conjunto probatório para formar sua convicção. Contudo, não foram acostados aos autos elementos com o condão de infirmar o exame realizado pelo expert, razão pela qual há que se prestigiar a conclusão da prova técnica.

- Em atenção aos argumentos da parte autora, cumpre observar que não é a doença, por si só, que gera o direito à obtenção dos benefícios previdenciários, e sim a presença do pressuposto da incapacidade laborativa, provisória ou definitiva, ausente na espécie.

- Acrescente-se, por fim, que os benefícios previdenciários decorrentes de incapacidade são regidos pela cláusula "rebus sic stantibus", de modo que, havendo agravamento da moléstia ou alteração do quadro de saúde da parte autora, pode ela postular administrativamente a concessão de novo benefício.

- Preliminar rejeitada. Apelação não provida.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Turma, por unanimidade, decidiu rejeitar a preliminar e negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.