Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0037597-66.2014.4.03.9999

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

APELADO: SANTA CASA DE MISERICORDIA N S DAS DORES DE GAL SALGADO

Advogado do(a) APELADO: BRUNO CESAR MUNIZ DE CASTRO - SP256054-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0037597-66.2014.4.03.9999

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

 

APELADO: SANTA CASA DE MISERICORDIA N S DAS DORES DE GAL SALGADO

Advogado do(a) APELADO: BRUNO CESAR MUNIZ DE CASTRO - SP256054-A

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Trata-se de embargos de declaração opostos pela SANTA CASA DE MISERICÓRDIA NOSSA SENHORA DAS DORES DE GENERAL SALGADO e pela UNIÃO FEDERAL (FAZENDA NACIONAL), em face de acórdão deste colegiado.

Em síntese, as embargantes afirmam que o julgado incidiu em omissão e contradição. Por isso, pedem que sejam sanados os problemas que indicam.

Apresentadas contrarrazões, os autos vieram conclusos.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0037597-66.2014.4.03.9999

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

 

APELADO: SANTA CASA DE MISERICORDIA N S DAS DORES DE GAL SALGADO

Advogado do(a) APELADO: BRUNO CESAR MUNIZ DE CASTRO - SP256054-A

 

 

 

V O T O

 

 

O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Nos termos do art. 1.022 do CPC/2015, os embargos de declaração podem ser opostos contra qualquer decisão judicial para esclarecer obscuridade, eliminar contradição, suprir omissão de ponto ou questão, e corrigir erro material. E, conforme dispõe o art. 1.025 do mesmo CPC/2015, consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade.

Embora essa via recursal seja importante para a correção da prestação jurisdicional, os embargos de declaração não servem para rediscutir o que já foi objeto de pronunciamento judicial coerente e suficiente na decisão recorrida. Os efeitos infringentes somente são cabíveis se o julgado tiver falha (em tema de direito ou de fato) que implique em alteração do julgado, e não quando desagradar o litigante.

Por força do art. 1.026, §§2º e 3º, do CPC/2015, se os embargos forem manifestamente protelatórios, o embargante deve ser condenado a pagar ao embargado multa não excedente a 2% sobre o valor atualizado da causa (elevada a até 10% no caso de reiteração), e a interposição de qualquer recurso ficará condicionada ao depósito prévio do valor da multa (à exceção da Fazenda Pública e do beneficiário de gratuidade da justiça, que a recolherão ao final). E a celeridade e a lealdade impõem a inadmissibilidade de novos embargos de declaração se os 2 anteriores forem considerados protelatórios.

No caso em análise, a embargante SANTA CASA DE MISERICÓRDIA NOSSA SENHORA DAS DORES DE GENERAL SALGADO afirma que o v. acórdão incorreu em omissão e erro de fato, ao julgar extintos os presentes embargos à execução fiscal, sem resolução do mérito, com fundamento na existência de coisa julgada entre esta demanda e o mandado de segurança nº 0001581-79.2006.4.03.6124. Argumenta que os débitos discutidos no mandamus dizem respeito a período anterior ao impugnado nestes embargos do devedor (03/2007 a 06/2009), de modo que paira incerteza quanto à extensão da referida coisa julgada à presente ação. Aponta, ainda, omissão no tocante à condenação da Fazenda Pública em honorários advocatícios.

Por sua vez, a UNIÃO sustenta que julgado é contraditório, ante a ausência de tríplice identidade entre os presentes embargos à execução e o mandado de segurança aludido, cujo entendimento judicial se baseou, ao reconhecer o direito da contribuinte à imunidade do art. 195, § 7º da Constituição Federal, na existência de CEBAS com validade no período de 08/12/2000 a 07/12/2003. Aponta, ainda, omissão no v. acórdão quanto ao  fato de que caberia à parte autora demonstrar, nestes autos, o cumprimento dos requisitos previstos no art. 14 do CTN e art. 55 da Lei nº 8.212/1991, para o período dos débitos cobrados na execução de origem (03/2007 a 06/2009).

De fato, em consulta processual realizada no sistema da Justiça Federal de 1º Grau - Seção Judiciária de São Paulo, via internet,  verifiquei ter a embargante (parte autora) impetrado o mandado de segurança nº 0001581-79.2006.4.03.6124, em 29/06/2006, pretendendo obter provimento judicial que lhe assegurasse o direito à imunidade tributária disciplinada no art. 195, § 7º da Constituição Federal, relativamente às contribuições previdenciárias.

Da sentença denegatória da ordem, apelou a impetrante, tendo esta Corte Regional negado provimento ao recurso. Inconformada, opôs embargos de declaração, os quais foram rejeitados.

Posteriormente, em juízo positivo de retratação, o Órgão Colegiado deu provimento ao apelo da impetrante, para reformar a sentença e conceder a segurança pleiteada, nos termos da fundamentação a seguir:

 

"No caso dos autos, insurge-se a recorrente contra acórdão que negou provimento a sua apelação, por entender que os requisitos enumerados no art. 55 da Lei nº 8.212/91 deviam ser observados cumulativamente. In casu, a impetrante possui o Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social, emitido pelo Conselho Nacional de Assistência Social - CNAS (fls. 34), com validade de 08.12.2000 a 07.12.2003. O pedido de declaração federal de utilidade pública foi deferido, conforme Portaria nº 05, de 25.01.2001 publicada no Diário Oficial da União de 26.01.2001 (fl. 35). A impetrante foi declarada Órgão de Utilidade Pública Municipal nos termos da Lei Municipal nº 1.095, de 07 de dezembro de 1981 (fl. 38).

(...)

Sendo a recorrente registrada perante o Conselho Nacional de Assistência Social, bem como declarada de Utilidade Pública Federal, verifica-se que comprovou o preenchimento dos requisitos previstos no art. 14 do CTN. (...)

(...)

Portanto, estando a matéria decidida em desconformidade com o julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal, impõe-se a adequação do julgado, para dar provimento à apelação, reformando a sentença que denegava a segurança.

Posto isso, com fundamento no art. 932, IV, "b" combinado com o art. 1.040, II, ambos do Novo Código de Processo Civil, em juízo de retratação positivo, dou provimento à apelação da impetrante, para conceder a segurança." (g. n.)

 

Em 04/04/2018, foi certificado o trânsito em julgado do decisum acima. Em sessão realizada em 24/09/2019, esta E. Segunda Turma proferiu decisão nestes embargos à execução fiscal, com o seguinte conteúdo:

 

"Inicialmente, de ofício, passo a analise do instituto da Coisa Julgada.

Com efeito, o artigo 301 do CPC/73, em seu §1º, define que ocorre coisa julgada quando se reproduz ação ajuizada anteriormente.

Por sua vez, os parágrafos 2º e 3º do mesmo diploma legal complementam referida conceituação de coisa julgada ao estabelecer que:

§ 2º - Uma ação é idêntica à outra quando tem as mesmas partes, a mesma causa e pedir e o mesmo pedido.
§ 3º - Há litispendência , quando se repete ação, que está em curso; há coisa julgada , quando se repete ação que já foi decidida por sentença, de que não caiba recurso.

Assim, 3 (três), são os elementos essenciais para se verificar a coisa julgada : 1) as mesmas partes, 2) a mesma causa de pedir e 3) o mesmo pedido.

In casu, verifica-se, da pesquisa processual (em anexo), ter a parte autora ajuizado Mandado de Segurança perante 3ª Vara Federal de São José do Rio Preto, pleiteando, nos autos da ação autuada sob o nº 2006.61.24.001581-5, a: "direito líquido e certo à imunidade relativamente às contribuições sociais, nos termos do art. 195, §7º da CF".

Que aludida decisão transitou em julgado na data de 04/04/18.

Por sua vez, observa-se que a embargante repete nestes autos pretensão já dirimida nos autos do mandamus acima mencionado.

A propósito, dispõe o artigo 467 do Código de Processo Civil:

"Art. 467. Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário".

Destarte, a coisa julgada impede que em nova demanda rediscuta-se a mesma questão controvertida, ainda que com fundamento em novas ou outras alegações.

Nesse sentido:

"PROCESSO CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIDOR. EXCLUSÃO DA AGRAVANTE DA LIDE ORIGINÁRIA. RECONHECIMENTO DE COISA JULGADA EM RELAÇÃO A PRECEDENTE MANDADO DE SEGURANÇA. TRÍPLICE IDENTIDADE: PARTES, PEDIDO E CAUSA DE PEDIR. AGRAVO DESPROVIDO. 1. Agravo de Instrumento interposto por LAURA JANSON COSTA contra decisão proferida nos autos do Mandado de Segurança nº 0004738-53.2011.403.6102, que a excluiu do polo ativo da lide, ao entendimento da existência de coisa julgada operada no precedente Mandado de Segurança nº 0010075-67.2004.403.6102. 2. Verifica-se a coisa julgada quando se reproduz ação anteriormente ajuizada, definitivamente julgada, que possui as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido. 3. Embora deduza a agravante o pedido de não realizar perícia médica sob a causa de pedir "acúmulo de função" nos autos do precedente MS nº 0010075-67.2004.403.6102, ao passo que no MS originário o viés seja de "desvio de função", a troca de palavras apenas intenta dar à mesma causa outra aparência fático-jurídica. 4. O propósito da agravante no MS originário permanece o mesmo daquele que a motivou a ajuizar o MS nº 0010075-67.2004.403.6102, qual seja, a obtenção de ordem para que a autoridade impetrada não lhe imponha o dever de realizar perícia médica, atividade que alega estar fora das atribuições do cargo de Supervisor Médico-Pericial. 5. Configurada a coisa julgada , há que se extinguir o processo sem resolução de mérito (CPC/1973, art. 267 , V - CPC/2015, art. 485, V). Na espécie, a extinção do processo é apenas em relação à agravada, para excluí-la da lide, prosseguindo o feito quanto ao outro impetrante. 6. Agravo de Instrumento desprovido. (AI 00270162120114030000, DES. FED. HÉLIO NOGUEIRA, TRF3 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:27/11/2017 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)

APELAÇÃO - PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO JURÍDICO - DECRETO-LEI 70/66 -PROCEDIMENTO DE EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL - COISA JULGADA - OCORRÊNCIA - RECURSO DESPROVIDO. I - extinto o feito sem resolução do mérito, com fundamento na existência de coisa julgada material, em face da constatação de identidade de partes, pedidos e causa de pedir entre os presentes autos e o processo de nº 2006.61.08.009271-0, já transitado em julgado. II - No referido processo, tem como objeto o mesmo contrato de financiamento do presente feito, sendo que as alegações deduzidas na inicial também são de inconstitucionalidade do Decreto-lei 70/66 e da necessidade de observância das exigências legais previstas no referido Decreto. III - Assim, proposta demanda em que figuram as mesmas partes, fundada no mesmo pedido e causa de pedir de ação anterior transitada em julgado, é de rigor o reconhecimento da coisa julgada , conforme preceituam os artigos 467 e 301, §1º, §2º e §3º, ambos do Código de Processo Civil de 1973, vigentes à época da prolação da sentença. IV - Apelação desprovida. (Ap 00041737120114036108, DES. FED. COTRIM GUIMARÃES, TRF3 - SEGUNDA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:06/11/2017 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)

"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO LEGAL. CPC, ART. 557, § 1º. APLICABILIDADE. PEDIDO DE REFORMA DE DECISÃO. FGTS. COISA JULGADA.
(...)
2. A coisa julgada é instituto processual que enseja a extinção do processo sem julgamento do mérito, pois não há necessidade de dois provimentos jurisdicionais sobre o mesmo conflito. Por isso é condicionada à coincidência dos elementos identificadores da ação (causa de pedir, pedido e partes) e, variando qualquer desses elementos, conclui-se serem diversas as demandas e, portanto, subsiste a necessidade de apreciação jurisdicional de ambas as ações em cotejo. A eficácia preclusiva desse instituto impede a alegação em outra demanda de questões que deveriam ter sido suscitadas na ação já transitada em julgado.
3. Conforme exposto na decisão agravada, o autor pleiteia a "correta correção sobre a diferença da taxa de juros, em função de sua progressividade, com a aplicação dos expurgos inflacionários da correção monetária dos meses de janeiro/89 (16,65%) e abril/90 (44,80%)". Contudo tal providencia já foi resolvida de forma definitiva em outra demanda. (g/n)
4. Agravo legal não provido.
(AC n. 0001951-16.2010.4.03.6125, QUINTA TURMA, Rel. Juíza Federal convovada CONVOCADA LOUISE FILGUEIRAS, j. 14/01/2013, e-DJF3 22/01/2013)"

Destarte, caracterizada, pois, a Coisa Julgada, pressuposto negativo de validade processual, a justificar a extinção sem julgamento de mérito, nos termos do artigo 267, V, do CPC/73.

Ante o exposto, de ofício, julgo extinto o processo, sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, V do CPC/73. Prejudicada a apelação da União."
 

Em face do acórdão supra, as partes opuseram os embargos de declaração já mencionados.

Com efeito, entendo assistir razão às embargantes quando afirmam que o v. acórdão incorreu em equívoco, ao estender os efeitos da coisa julgada definida nos autos do mandado de segurança nº 0001581-79.2006.4.03.6124, à presente demanda.

Isso porque, embora haja julgamento definitivo no mandado de segurança, é certo que a questão de mérito nele apreciada não alcança os débitos cobrados na execução fiscal subjacente (competências de 03/2007 a 06/2009), pois estes dizem respeito a fatos geradores que se sucederam à impetração do writ (29/06/2006). Ademais, o acórdão proferido no mandamus respaldou-se em CEBAS cuja validade perdurou de 08/12/2000 a 07/12/2003, o que não confere à embargante (parte autora) segurança jurídica para coibir o Fisco de promover a execução de débitos subsequentes ao mencionado período, tal como os discutidos nestes embargos do devedor.

Assim, pelos motivos expostos, afasto a extensão dos efeitos da coisa julgada definida no mandado de segurança nº 0001581-79.2006.4.03.6124, à presente ação de embargos, que deverá prosseguir regularmente. Como consequência, passo a analisar se a contribuinte atendeu as exigências previstas nos artigos 14 do CTN e 55 da Lei nº 8.212/1991, para fazer jus à imunidade prevista no art. 195, § 7º da Constituição Federal.

Oportuno frisar que a solução desta lide deve se pautar pelo art. 195, §7º da Constituição e pelo art. 14 do CTN, sendo inaplicáveis as disposições da Lei Complementar nº 187/2021 em vista de sua expressa eficácia jurídica (art. 40 e art. 48) e da garantia do art. 5º, XXXVI, da Constituição.

Em vista do previsto no art. 145 e seguintes da Constituição, bem como no Livro Primeiro do Código Tributário Nacional (CTN), tributo é gênero possui as seguintes espécies (quando classificadas pelo fato gerador e pela perspectiva normativa que justifica sua imposição): a) impostos; b) taxas; c) empréstimos compulsórios; d) contribuições, essas últimas integradas por subconjunto de modalidades (contribuições de melhoria, contribuições de intervenção no domínio econômico, contribuições no interesse de categoria profissional ou econômica, contribuição para iluminação pública e contribuições sociais). Essas espécies possuem subespécies e múltiplas classificações, mas para o que importa a este julgamento, anoto que as contribuições sociais são subdivididas em contribuições para a seguridade social (atreladas ao financiamento da saúde, da previdência e da assistência social) e em contribuições sociais gerais (destinadas a múltiplas finalidades sociais, com exceção da seguridade).

A imunidade decorre de regra jurídica constitucional que limita a competência tributária conferida ao ente estatal, representando exclusão de pessoas, bens, atividades e outras bases do campo de incidência do tributo. Cuidando de contribuições destinadas à seguridade social, o art. 195, § 7º, da Constituição Federal de 1988, confere imunidade pessoal e condicionada às entidades beneficentes de assistência social que colaboram com o Estado, afirmando o primado da solidariedade.

As condições formais e materiais, necessárias ao reconhecimento da imunidade, vão ao encontro da postura cooperativa da entidade de assistência social com as necessidades da população carente, e estão descritas no ordenamento constitucional e infraconstitucional. Nas ADIs 2.028, 2.036, 2.228 e 2.621 (julgadas em 02/03/2017 como ADPFs), no RE 566.622 e no RE 636.941, o E.STF firmou a Tese no Tema 32, a partir da qual “A lei complementar é a forma exigível para a definição do modo beneficente de atuação das entidades de assistência social contempladas pelo art. 195, 7º, da CF, especialmente no que se refere à instituição de contrapartidas a serem por ela observadas”, concluindo também que leis ordinárias podem prescrever aspectos procedimentais relativos à certificação, fiscalização e controle administrativo das entidades beneficentes que queiram desfrutar da desoneração tributária. Nesses julgados, o E.STF afirmou que a Constituição Federal não reúne elementos discursivos suficientes para dar concretização segura ao que se possa entender por modo beneficente de prestar assistência social visando à desoneração tributária, razão pela qual se faz necessária lei complementar para definir esse modo beneficente de atuação, especialmente quanto às contrapartidas solidárias.

Penso que a referência à “lei”, feita no art. 195, § 7º, da Constituição, é previsão específica que tem preferência à exigência de lei complementar para dispor sobre limitação ao poder de tributar contida no art. 146, II e III, do mesmo ordenamento, daí porque leis ordinárias poderiam estabelecer critérios para as contrapartidas solidárias de entidades de assistência social, mas curvo-me ao decidido pelo E.STF no Tema 32. E enquanto não editada essa lei complementar, servirão as disposições do art. 14 do Código Tributário Nacional, recepcionado pelo art. 146, II e III, pelo art. 150, VI, “c” e pelo art. 195, § 7º, todos da Constituição de 1988.

Quanto às contrapartidas materiais para a imunidade extraídas do sistema constitucional, a meu ver, instituições de “assistência social” e “entidade beneficente de assistência social”, respectivamente referidas no art. 150, VI, “c”, e no art. 195, § 7º, ambos da ordem de 1988, têm em comum tarefas em favor de necessitados (notadamente a população economicamente hipossuficiente), colaborando com o poder público em múltiplas áreas ao ponto de legitimar a renúncia tributária pela concessão de imunidade. Por esse motivo, a desoneração tributária tem alcance mais amplo que o significado restrito de “assistência social” na dicção do art. 203 da Constituição, abrangendo atividades beneficentes de saúde, de previdência e de educação (nesse sentido, o RE 636941 RG/RS, julgado pelo E.STF com repercussão geral, Pleno, v.u., Rel. Min. Luiz Fux, j. em 13/02/2014), desde que atuem de modo solidário em favor de necessitados e carentes.

Assim, imunidade está restrita às instituições filantrópicas, porque a noção de beneficência impõe gratuidade nas atividades da entidade voltadas a carentes, e não propósitos empresariais lucrativos. Na Súmula 730 do E.STF restou pacificado que, mesmo para a imunidade dos impostos, a atenção à população carente é relevante (E.STF, Súmula 730: “A imunidade tributária conferida a instituições de assistência social sem fins lucrativos pelo art. 150, VI, c, da Constituição, somente alcança as entidades fechadas de previdência social privada se não houver contribuição dos beneficiários.”), de modo que, com maior razão em temas de seguridade social regidos pela solidariedade social, o empenho no auxílio aos pobres e miseráveis não pode ser superficial ou irrisória quando a entidade pretende deixar de recolher contribuições sociais.

Essas instituições de assistência social podem eventualmente cobrar por suas atividades, mas apenas daqueles que têm meios de pagar suas prestações sem prejuízo de suas condições básicas de vida, e desde que os recursos auferidos com essa cobrança sejam revertidos no atendimento de suas finalidades institucionais, tal como afirmado pelo E.STF na Súmula 724 (“Ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, c, da Constituição, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades essenciais de tais entidades.”). Assim, a entidade de assistência social pode operar de modo misto (gratuitamente quando se trata de pessoa carente, e cobrando por suas atividades em outros casos), sem descaracterizar sua condição de beneficente.

A proporção da atividade gratuita praticada pela entidade de assistência social deve ser relevante, não podendo se restringir a ínfimos recursos humanos e materiais. Salvo circunstâncias especiais verificados em casos concretos, particularmente acredito que a gratuidade deve envolver, no mínimo, 20% das atividades das instituições de assistência social (medida em face de suas receitas ou de suas prestações), porque essa proporção acaba por vincular parcela importante do patrimônio e de recursos com as finalidades assistenciais que justificam a desoneração tributária. Os restantes 80% das operações devem gerar recursos para custear os 20% das atividades gratuitas (no mínimo), de modo que todas as operações da instituição ficam direta ou indiretamente comprometidas com a beneficência.

Note-se, ainda, que a jurisprudência do E.STF (por exemplo, no RE 70.834/RS) afastou a necessidade de as instituições de assistência social executarem suas atividades com a irrestrita universalidade de destinatários, bastando que estejam abertas para os que integram ou venham integrar o círculo de sua atuação.

Essas condições da imunidade pessoal, extraídas da Constituição, estão refletidas no recepcionado art. 14 do Código Tributário Nacional. O comprometimento patrimonial está positivado expressamente no art. 14, I e II, do Código Tributário Nacional, razão pela qual as entidades de assistência social não podem distribuir qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas (a qualquer título), e devem aplicar integralmente (no Brasil) os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais. O inciso III desse mesmo art. 14 do Código Tributário Nacional impõe requisito formal para viabilizar o controle da atuação solidária das entidades assistenciais, ao exigir escrituração regular de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão. O art. 14, §§ 1º e 2º do CTN, autoriza que a autoridade administrativa competente suspenda a aplicação do benefício em caso de irregularidade, e estabelece que a atuação da entidade assistencial deve estar atrelada, exclusivamente, aos serviços diretamente relacionados com seus objetivos institucionais previstos nos respectivos estatutos ou atos constitutivos.

Havendo judicialização, controvérsias sobre a comprovação do atendimento aos requisitos do art. 14 do CTN geralmente depende de prova pericial, não bastando afirmações genéricas baseadas em cláusulas abstratas de estatutos sociais para o reconhecimento da imunidade, ou referências a balanços sintéticos e certidões de utilidade pública desvinculadas das condições para a desoneração tributária. Por ausência de previsão em lei complementar, certificados expedidos por entidades públicas (p. ex. CEBAS) não são imprescindíveis ao reconhecimento judicial da imunidade tributária, embora avalizem (com presunção relativa de veracidade e de validade) a adequação da atuação da entidade beneficente de assistência social aos propósitos constitucionais e legais.

Note-se que a imunidade pessoal e condicionada do art. 195, §7º da Constituição, exige cumprimento contínuo dos requisitos cumulativos do art. 14 do Código Tributário Nacional. Mesmo provimentos judiciais declaratórios da imunidade de entidade beneficente de assistência social não impedem que as autoridades fiscais exerçam seu dever de, periodicamente, confirmarem o cumprimento contínuo dos requisitos cumulativos do art. 14 do CTN. No mesmo sentido, a Súmula 352, do E.STJ, prevê que “A obtenção ou a renovação do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (Cebas) não exime a entidade do cumprimento dos requisitos legais supervenientes”, mesmo porque as obrigações de trato sucessivo da imunidade condicionada estão sistematicamente subordinadas à verificação do cumprimento dos requisitos que justificam a desoneração.

Mas também é certo que a Súmula 612 do E.STJ estabelece que “O certificado de entidade beneficente de assistência social (CEBAS), no prazo de sua validade, possui natureza declaratória para fins tributários, retroagindo seus efeitos à data em que demonstrado o cumprimento dos requisitos estabelecidos por lei complementar para a fruição da imunidade.”. E a certificação indicada nesse documento pode ser revista como toda e qualquer outra medida do poder público em caso de vício formal ou material, nos moldes da Súmula 336 e da Súmula 473, ambas do E.STF, e do decidido com repercussão geral no RE 594.296 pelo mesmo Pretório Excelso, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 21/09/2011, DJE de 13/02/2012 (Tema 138 com a seguinte Tese: “Ao Estado é facultada a revogação de atos que repute ilegalmente praticados; porém, se de tais atos já tiverem decorrido efeitos concretos, seu desfazimento deve ser precedido de regular processo administrativo.”). Logo, é imperativo que o poder público faça análise contínua desses aspectos de fato que, por óbvio, não pode ficar restrito apenas ao momento da expedição de certificados de beneficência.

Em suma, para usufruir da imunidade pessoal e condicionada do art. 195, § 7º, do texto de 1988, a entidade deve cumprir continuamente os requisitos cumulativos do art. 14 do CTN, e o reconhecimento judicial depende da comprovação dos seguintes aspectos: 1) execução de assistência social beneficente em proporções substanciais da atividade e dos recursos da entidade, sem fins lucrativos e voltada à população miserável ou economicamente pobre; 2) a entidade não pode remunerar ou conceder vantagens e benefícios (a qualquer título) a seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores; 3) a instituição deve aplicar, integralmente, seus recursos no atendimento das finalidades assistenciais (de modo direto ou indireto); 4) a escrituração da entidade beneficente deve ser regular.

No caso concreto, diz o estatuto social da recorrente que se trata de associação civil de natureza filantrópica, sem fins lucrativos, a) destinada a estimular a prática de obras de misericórdia; manter, administrar e desenvolver atividades médico-hospitalares e para-hospitalares que venha a criar, comprar ou receber em doação ou comodato, dispensando assistência aos enfermos ou acidentados, gratuitamente ou não; prestar assistência social aos desvalidos; e manter serviço de assistência médico-hospitalar para uso público gratuito (art. 1º, inc. I a IV); b) que não remunera, nem concede vantagens ou benefícios de qualquer forma e sob qualquer título, aos seus diretores, associados, conselheiros, irmãos, instituidores, benfeitores, mantenedores ou equivalentes (art. 1º, inc. V); e c) que, caso dissolvida, o remanescente do seu patrimônio líquido será destinado a associação congênere de fins não econômicos (art. 43).

Aos autos, foram juntados também outros documentos pela embargante para comprovar suas alegações, como Atestado de Registro no Conselho Nacional de Serviço Social, emitido em 08/12/1997 (ID 107502103 - p. 16), lei municipal declarando-a como instituição de utilidade pública municipal e Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social, expedido pelo Conselho Nacional de Assistência Social e válido para o período de 20/02/2007 a 19/02/2010 (ID 107502103, p. 15).

Sobre certificado e registro de entidade filantrópica, produzido pelo órgão nacional de Assistência Social, cumpre anotar que se trata de documento que apenas atesta situação que já existe no mundo jurídico, motivo pelo qual sua exigência deve ser relativizada, até porque evidentemente sua expedição provoca efeito declaratório (ex tunc, por definição). Nesse sentido, trago à colação os seguintes acórdãos do E.STF: RE 115510, j. 18/10/1988 “Certificado de filantropia. Isenção da contribuição patronal à previdência patronal. A expedição do certificado de filantropia tem caráter declaratório e como tal gera efeitos “ex-tunc”, se a entidade requereu o certificado antes da determinação administrativa que arquivou os processos respectivos, mas veio tê-lo deferido anos depois, quando revogada a medida, o seu direito as vantagens conferidas pela lei retroagem à data do requerimento, inclusive o da isenção da quota patronal da contribuição previdenciária. Recurso conhecido e provido. DJ. de 11-11-88, Relator Min. Carlos Madeira.”

Concluo, portanto, que a demandante fazia jus à imunidade prevista no art. 195, § 7º da Constituição Federal, à época dos fatos geradores dos tributos cobrados na execução fiscal originária (03/2007 a 06/2009), dado o atendimento às exigências legais acima descritas.

Diante do exposto, nego provimento ao requerido nos embargos de declaração da União e acolho os embargos declaratórios da parte autora, com efeitos modificativos, para afastar o julgamento de extinção do feito e declarar o direito da requerente à fruição da imunidade tributária estabelecida no art. 195, § 7º da CF, com relação aos débitos cobrados na execução fiscal de origem.

Nos termos do art. 85, §3º do CPC, condeno a União ao pagamento de verba honorária, fixada mediante aplicação do percentual mínimo das faixas previstas sobre o montante do débito combatido (correspondente ao proveito econômico tratado nos autos). Custas e demais ônus processuais têm os mesmos parâmetros.

É o voto.



E M E N T A

 

 

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. MANDADO DE SEGURANÇA. COISA JULGADA. EXTENSÃO DOS EFEITOS. DESCABIMENTO. PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. ARTIGO 195, § 7º DA CF. REQUISITOS ATENDIDOS. EMBARGOS ACOLHIDOS.
- Afastada a extensão dos efeitos da coisa julgada definida no mandado de segurança nº 0001581-79.2006.4.03.6124, à presente ação de embargos, que deverá prosseguir regularmente. Como consequência, passa-se a analisar se a contribuinte atendeu as exigências previstas nos artigos 14 do CTN e 55 da Lei nº 8.212/1991, para fazer jus à imunidade prevista no art. 195, § 7º da Constituição Federal.
- Havendo judicialização, controvérsias sobre a comprovação do atendimento aos requisitos do art. 14 do CTN geralmente depende de prova pericial, não bastando afirmações genéricas baseadas em cláusulas abstratas de estatutos sociais para o reconhecimento da imunidade, ou referências a balanços sintéticos e certidões de utilidade pública desvinculadas das condições para a desoneração tributária. Por ausência de previsão em lei complementar, certificados expedidos por entidades públicas (p. ex. CEBAS) não são imprescindíveis ao reconhecimento judicial da imunidade tributária, embora avalizem (com presunção relativa de veracidade e de validade) a adequação da atuação da entidade beneficente de assistência social aos propósitos constitucionais e legais.
- No caso dos autos, a demandante fazia jus à imunidade prevista no art. 195, § 7º da Constituição Federal, à época dos fatos geradores dos tributos cobrados na execução originária - ocorridos entre 03/2007 e 06/2009 - pois detinha CEBAS válido para tal período.
- Embargos de declaração da União desprovidos.
- Embargos declaratórios da parte autora acolhidos, com efeitos modificativos, para afastar o julgamento de extinção do feito e declarar o direito da requerente à fruição da imunidade tributária estabelecida no art. 195, § 7º da CF, com relação aos débitos cobrados na execução fiscal de origem.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma decidiu, por unanimidade, negar provimento ao requerido nos embargos de declaração da União e acolher os embargos declaratórios da parte autora, com efeitos modificativos, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.