APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5021363-39.2018.4.03.6100
RELATOR: Gab. 12 - DES. FED. MARLI FERREIRA
APELANTE: EVELYM DE LIMA THOMAZELLI
Advogados do(a) APELANTE: ALTEMAR RODRIGUES DOS SANTOS - SP259634-A, SAMUEL ALVES DA SILVA - SP244905-A
APELADO: UNIÃO FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5021363-39.2018.4.03.6100 RELATOR: Gab. 12 - DES. FED. MARLI FERREIRA APELANTE: EVELYM DE LIMA THOMAZELLI Advogados do(a) APELANTE: ALTEMAR RODRIGUES DOS SANTOS - SP259634-A, SAMUEL ALVES DA SILVA - SP244905-A APELADO: UNIÃO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O A Excelentíssima Senhora Desembargadora Federal MARLI FERREIRA (Relatora): Trata-se de recurso de apelação interposto por EVELYM DE LIMA THOMAZELLI da r. sentença de improcedência proferida em sede de ação ordinária ajuizada em face da UNIÃO FEDERAL, visando obter indenização por dano moral sob a alegação de que, por negligência da ré, terceiros abriram empresa em nome da recorrente, junto ao Portal do Empreendedor, tendo contra si 70 (setenta) duplicatas emitidas e protestadas. Em consequência, a autora foi condenada nas custas processuais e honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) do valor da causa, observada a concessão da gratuidade de justiça. Alega a recorrente que, inobstante não tenha aberto ou autorizado a abertura de empresa em seu nome, sobretudo porque trabalhava, com carteira assinada, como assistente técnico de arquitetura desde 04/05/2009, ao consultar o “Portal do Empreendedor”, deparou com a informação de que terceiro constituíra uma empresa em seu nome em 04/08/2014, sob a denominação de “Evelym de Lima Thomazelli”, situação que vem lhe causando inúmeros prejuízos, notadamente a emissão e protesto de mais de 70 (setenta) duplicatas mercantis, além do ajuizamento de várias ações judiciais. Aduz que o sistema criado pelo governo federal para criação da pessoa jurídica do microempreendedor, “Portal do Empreendedor”, é propício a fraudes, vez que a formalização e criação de empresa depende apenas do fornecimento de dados sem necessidade de assinaturas ou documentos. Destaca, diferentemente do apontado pela r. sentença monocrática, que apenas supôs que empresa teria sido aberta com a utilização de documentos roubados da autora em 2009, sob o argumento de que a perda de documentos não é o único meio de um estelionatário adquirir dados de um cidadão. Ressalta que terceiro detentor de informações sobre determinada pessoa pode facilmente efetivar o cadastro diretamente no “Portal do Empreendedor”, pois todos os atos para abertura de inscrição e registro são realizados de forma eletrônica mediante mera inserção virtual de dados, sem qualquer conferência pela Junta Comercial. De outro lado, sustenta que o ônus da prova quanto ao fato negativo recai sobre o réu, razão pela qual entende que à União Federal cabe a prova de que a recorrente não abrira a empresa, ex vi do artigo 373, II, do CPC, na medida em que gerencia o site. Reitera que a recorrente ajuizou a presente ação pautada pela boa-fé, pelo seu comportamento leal e ético, atenta ao que prescrevem os artigos 80 e 339 do CPC. Por fim, pugna o provimento do recurso para que se julgue procedente a ação, condenando-se a União Federal em honorários advocatícios fixados em 20% (vinte) por cento do valor da causa. Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte para julgamento. A pedido da parte autora, foi concedida em parte a antecipação dos efeitos da tutela de urgência, para determinar à UNIÃO que procedesse à anulação do registro da empresa EVELYM DE LIMA THOMAZELLI – ME, CNPJ 20.762.220/0001-60 (id 263837094). É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5021363-39.2018.4.03.6100 RELATOR: Gab. 12 - DES. FED. MARLI FERREIRA APELANTE: EVELYM DE LIMA THOMAZELLI Advogados do(a) APELANTE: ALTEMAR RODRIGUES DOS SANTOS - SP259634-A, SAMUEL ALVES DA SILVA - SP244905-A APELADO: UNIÃO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A Excelentíssima Senhora Desembargadora Federal MARLI FERREIRA (Relatora): Trata-se de ação ordinária visando à obtenção de provimento judicial que cancele o registro de empresa que alega ter sido fraudulentamente aberta em nome da autora, bem como reparação por danos morais. Preliminarmente, a questão alusiva ao ingresso na lide da JUCESP na condição de litisconsorte passivo necessário já foi resolvida no agravo de instrumento nº 0013757-80.2016.4.03.0000, por acórdão transitado em julgado, razão pela qual a matéria encontra-se acobertada pela preclusão consumativa. Desse sentir, não discrepa a jurisprudência do e. STJ, que consolidou-se no sentido de que, ainda que se trate de matérias de ordem pública, arguidas a qualquer tempo, tais questões não são passíveis de nova análise quando definitivamente decididas, tendo em vista a preclusão consumativa. A propósito: “AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXIGIR CONTAS. ILEGITIMIDADE PASSIVA. PRECLUSÃO. SÚMULA 7 DO STJ. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. PERCENTUAL DA COMISSÃO DE CORRETAGEM PARA A TEMPORADA DE 2004-2005. SÚMULAS 5 E 7 DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. Rever o acórdão recorrido e acolher a pretensão recursal de inexistência de preclusão sobre a tese de ilegitimidade passiva embasada em documento novo demandaria a alteração do conjunto fático-probatório dos autos, o que é inviável nesta via especial ante o óbice da Súmula 7 do STJ. 2. Esta Corte Superior possui jurisprudência no sentido de que ‘ainda que a questão seja de ordem pública, há preclusão consumativa se a matéria tiver sido objeto de decisão anterior definitivamente julgada’ (AgRg no AREsp 630.587/SP, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 28/06/2016, DJe 01/07/2016). 3. O exame da pretensão recursal de reforma do entendimento da Corte local quanto ao percentual da corretagem para o período da temporada de 2004-2005 ante a ocorrência de comportamento contraditório e preclusão exigiria o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos e a interpretação do contrato, o que é vedado na via especial ante os óbices das Súmulas 5 e 7 do STJ. 4. Agravo interno não provido. (AgInt no AREsp n. 2.030.343/SC, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe de 15/8/2022) “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE ASTREINTES. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ALTERAÇÃO DO VALOR FIXADO. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. IMPOSSIBILIDADE. 1. Execução de astreintes. 2. A matéria referente aos honorários da execução das astreintes já foi analisada pelo STJ no RESP 1.162.258/GO, que reconheceu a preclusão consumativa acerca da matéria pela falta de recurso de BUNGE FERTILIZANTES S/A. 3. A jurisprudência do STJ é no sentido de que, ainda que a questão seja de ordem pública, é imperioso o reconhecimento da preclusão consumativa, se esta tiver sido objeto de decisão anterior definitivamente julgada (AgRg no AREsp 264.238/RJ, 4ª Turma, DJe de 18/12/2015), o que impede nova apreciação do tema pelo princípio da inalterabilidade da decisão judicial (arts. 493, 494 e 507 do CPC/15). 4. Agravo interno provido para restabelecer os honorários em 10% do valor da execução.” (AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.167.255/GO, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, DJe de 1/7/2020) “CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PRESCRIÇÃO. TEMPO DE DURAÇÃO. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. PRECLUSÃO. AUSÊNCIA DE RECURSO SOBRE A QUESTÃO CONTROVERTIDA. PRECEDENTES. DECISÃO MANTIDA. 1. ‘Embora a matéria de ordem pública possa ser arguida em qualquer momento, uma vez decidida e não havendo recurso das partes, ocorre a preclusão’ (AgInt nos EDcl no REsp n. 1.613.722/PR, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/5/2017, DJe 1/6/2017). 2. Agravo interno a que se nega provimento.” (AgInt no REsp n. 1.499.023/DF, Relator Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, DJe de 13/8/2020) No mérito, dispõe o art.37, § 6° da CF: “Art. 37. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte: § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.” Assim, na ação de indenização fundamentada na responsabilidade objetiva, basta a parte autora demonstrar a prática de ato ilícito por agente público, o dano e o nexo de causalidade entre ambos, sendo desnecessária a discussão relativa à eventual existência de dolo ou culpa. A responsabilidade objetiva da Administração poderá ser excluída mediante demonstração de caso fortuito, força maior, culpa exclusiva da vítima ou culpa exclusiva de terceiro, contudo, o ônus da prova para fins de reconhecimento de excludente ou de atenuante de responsabilidade é da Administração (ou delegatária de serviço público), de modo que, não produzida a prova, caberá à pessoa jurídica causadora do dano a obrigação de indenizar o particular pelos danos sofridos. Por outro lado, a responsabilidade do Estado por condutas omissivas encontra fundamento na teoria da falta do serviço (faute du service), segundo a qual o ente estatal só deve ser responsabilizado, em casos de omissão, quando o serviço público não funciona, funciona mal ou funciona tardiamente. Na hipótese dos autos, as provas existentes evidenciam a responsabilidade da União pelos danos causados à autora, tendo em vista a nítida fragilidade do sistema criado pelo Governo Federal (plataforma do Portal do Empreendedor), que permite a realização de alterações cadastrais por terceiros desconhecidos, sem que seja exigida qualquer autorização do titular do cadastro, tampouco conferida a veracidade dos dados inseridos. Em consulta ao site da JUCESP, verifica-se que, foi constituída em 04/08/2014, CNPJ sob nº 20.762.220/0001-60, a empresa “EVELYM DE LIMA THOMAZELLI” cujo objeto é o “Comércio varejista de cosméticos e produtos de perfumaria - comerciante de cosméticos e artigos de perfumaria; comércio varejista de artigos de joalheria - comerciante de artigos de joalheria; comércio varejista de artigos de viagem - comerciante de artigos de viagem; comércio varejista de artigos de óptica - comerciante de artigos de óptica; comércio varejista de artigos do vestuário e acessórios - comerciante de artigos do vestuário e acessórios”, estabelecida na R. Cristóvão Colombo, nº 43, no município de São Paulo/SP. Já o documento de fl.29 indica que a recorrente, à época da abertura da referida empresa, exercia o cargo de assistente técnico de arquitetura, contratada em 04/05/2009. O documento de fl.28 comprova que, em 2015, a autora requereu a baixa do CNPJ da microempresa indevidamente aberta em seu nome. Juntou a apelante, ainda, boletim de ocorrência emitido junto à Polícia Civil do Estado de São Paulo em 04/10/2009 (fls.31/35), comunicando o roubo dos seguintes documentos: cartões de crédito, CPF, cartão alimentação, cartão bilhete único, carteira de associada de plano de saúde, carteira de estudante, carteira de identidade, talão de cheques, uma máquina fotográfica e um telefone celular. A autora, inclusive, registrou boletim de ocorrência em relação ao ocorrido, o que reforça a possível existência de fraude. O dano, por sua vez, está suficientemente demonstrado pelos documentos que indicam os inúmeros protestos emitidos em nome da empresa supostamente aberta pela autora. Quanto ao nexo de causalidade entre o fato e o dano sofrido, destaca-se que o registro mercantil à época da constituição da MEI excutida encontrava-se regulamentado pela Resolução CGSIM nº 26/2011, revogada pela Resolução CGSIM nº 48, publicada em 27/12/2018, bem como pela Instrução Normativa DREI nº 18/2013 do Departamento Nacional do Registro do Comércio, vinculado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, que dispõe sobre procedimentos no âmbito do Registro mercantil decorrentes do processo de inscrição, alteração, extinção, enquadramento e desenquadramento de empresários na condição de microempreendedores individuais - MEIs, que transcrevo na parte que interessa à lide: Resolução CGSIM n. 26/2011: "Art. 3º O processo de registro, alteração, baixa e legalização do MEI observará as disposições da Lei nº 11.598, de 3 de dezembro de 2007, da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, alterada pela Lei Complementar nº 128, de 19 de dezembro de 2008, da Lei nº 12. 470, de 01 de setembro de 2011, da Lei Complementar nº 139, de 11 de novembro de 2011, assim como as seguintes diretrizes específicas: (...) V - deverá ser simples e rápido, de forma que o MEI possa efetuar seu registro, alteração, baixa e legalização por meio do Portal do Empreendedor, dispensando-se completamente o uso de formulários em papel e a aposição de assinaturas autógrafas; Art.19-B. No ato de inscrição e registro no MEI este deverá inserir o número do CPF, a data de nascimento e o número do recibo de entrega da Declaração do Imposto de Renda da Pessoa Física (DIRPF), se entregue, ou o número do Título de Eleitor, quando a pessoa física que estiver se registrando não tiver entregado a DIRPF. (...) Art. 21º Os procedimentos de registro, alteração, baixa e legalização do MEI compreendem um conjunto de atos realizados, eletronicamente, pelos órgãos e entidades responsáveis pela legalização, inscrições tributárias, alvarás de funcionamento e demais licenciamentos, a que estão sujeitos o MEI, observadas as disposições desta Resolução." (negritou-se) Instrução Normativa DREI nº 18/2013 do DNRC: "Art. 1º Esta Instrução Normativa regula os procedimentos de atos decorrentes de inscrição, alteração, extinção, enquadramento e desenquadramento de empresários recebidos do Portal do Empreendedor pelas Juntas Comerciais por meio de arquivos eletrônicos. Art. 2º Os dados constantes de arquivos eletrônicos recebidos do Portal do Empreendedor pelas Juntas Comerciais, pertinentes à inscrição, alteração e extinção de empresários enquadrados como microempreendedores individuais, assim como as comunicações de enquadramentos e de desenquadramentos referentes a essa condição, efetuadas pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, em cumprimento ao disposto no art. 28 da Resolução CGSIM nº 16, de 17 de dezembro de 2009, deverão ser mantidos no respectivo Cadastro Estadual de Empresas – CEE vinculados ao cadastro do empresário a que se refiram, de forma a preservar a sua individualidade, com integridade. § 1º Os dados dos arquivos recebidos deverão, também, ser incorporados ao cadastro do empresário de forma a permitir a atualização cadastral dos dados dele constantes. § 2º A exibição dos dados pertinentes ao Registro Mercantil referentes a cada arquivo recebido, quando necessária, será efetuada por intermédio do modelo Cadastro de Arquivo Recebido do Portal do Empreendedor – Empresário – MEI, constante do Anexo desta Instrução Normativa. Art. 3º Os arquivos eletrônicos, referidos no art. 2º supra, receberão número de arquivamento aplicado pela respectiva Junta Comercial, cuja data será a da sua geração no Portal do Empreendedor. Art. 4º O cadastro do empresário na condição de microempreendedor individual – MEI, constante do Cadastro Estadual de Empresas, deverá conter histórico dos atos arquivados, compreendendo, pelo menos, os seguintes dados: data do arquivamento, ato, evento, data efeito, ano do balanço, número do protocolo, número de arquivamento. Parágrafo único. A data efeito constará das comunicações de enquadramento ou desenquadramento efetuadas pela Secretaria da Receita Federal do Brasil. Art. 5º Os procedimentos de alteração e baixa de empresário enquadrado como microempreendedor individual – MEI serão realizados, exclusivamente, pelo Portal do Empreendedor, exceto no caso de alteração de nome empresarial de empresário inscrito e enquadrado na condição de MEI pelo Portal do Empreendedor no período de 1º de julho de 2009 a 8 de fevereiro de 2010, assim como de empresário que optar pela condição de MEI por intermédio do Portal do Simples Nacional." À vista dessas normas depreende-se que não havia uma análise documental que pudesse atestar a veracidade dos dados informados no Portal do Empreendedor para a obtenção do MEI. Se, por um lado o procedimento desburocratizava e agilizava o processo de registro da microempresa individual, por outro tornava o sistema vulnerável e possibilitava a ocorrência de fraude, ante a dispensa de apresentação e conferência dos documentos do contribuinte, bastando, apenas, a informação dos dados de forma virtual. Com efeito, até abril de 2019, para o procedimento de inscrição de CNPJ/MEI no Portal do Empreendedor, era necessário informar apenas os dados pessoais, quais sejam, número do CPF, data de nascimento, número do título de eleitor ou número do recibo de entrega de uma das duas últimas declarações do Imposto de Renda Pessoa Física. No ponto, mister salientar, que inobstante não tenha sido comprovado nos autos eventual extravio ou subtração do título de eleitor da recorrente, sabe-se que o referido ato constitutivo decorre apenas de preenchimento eletrônico e, em decorrência, possibilita a indevida utilização de dados por terceiros. Corrobora a tese, a afirmação da União Federal em sua contestação, reprisada em contrarrazões: “Cabe ressaltar que para a inscrição MEI exige-se as seguintes informações: CPF, data de nascimento, número de identidade, órgão emissor e telefone, sendo que somente o CPF e data de nascimento eram válidos na base CPF da RFB, não sendo necessário informar o recibo do IRPF ou o Título de Eleitor para efetuar a inscrição, informações exigidas a partir da data de 09/07/2012, nos termos da resolução CGSIM nº 26/2011. Ou seja, alguém se encontrava de posse de todos os documentos e dados da Autora, no momento da inscrição, fato que não pode ser imputado à União, mas somente ao provável terceiro que o fez, de maneira indevida.” (fls. 94/102) A União Federal, por sua vez, nenhuma prova produziu no sentido de demonstrar a regularidade da inscrição MEI excutida nestes autos. Não seria razoável exigir da autora, por seu turno, a prova de que informou o número do seu título de eleitor e o do recibo de entrega da declaração de imposto de renda, o que, na prática, constituiria prova negativa. Com efeito. Não obstante os argumentos apresentados, a União não se desincumbiu de comprovar que inexistiu a fraude alegada, apesar de deter a gerência do sistema eletrônico. Não trouxe ao feito quaisquer elementos que possibilitem concluir que a abertura da empresa foi feita voluntariamente pela autora, lembrando que é a União Federal que mantém o endereço eletrônico pela qual a inscrição acontece, ou seja, é a pessoa com maior probabilidade de apresentar dados sobre quem promoveu a inscrição – endereço de IP utilizado, data e hora da inscrição, quantidade de registros feitos a partir do mesmo endereço de IP. Todavia, não apresentou qualquer informação nesse sentido. Após abril de 2019, é que foi baixada nova norma que previu que, para a inscrição de CNPJ/MEI, é necessária a autenticação de usuário por meio da Conta Gov.br, meio de acesso digital do usuário aos serviços públicos digitais, visando assegurar maior segurança quanto ao ato do cadastramento, evitando ou, ao menos, minorando a possibilidade de fraudes, o que demonstra a fragilidade do sistema anterior. Assim, diante da situação fática apresentada, forçoso concluir que há nos autos indícios suficientes que sinalizam a ocorrência de fraude na inscrição da pessoa jurídica por meio do Portal do Empreendedor. Pelo exposto, a responsabilidade objetiva da União Federal restou configurada ao assumir o risco de criar um portal eletrônico com precariedade de controle e segurança das inscrições, a fim de coibir eventuais fraudes. Assim, entendo que procede o pedido da recorrente para anulação do registro da empresa identificada bem como o pedido de indenização por danos morais. A propósito: “APELAÇÃO CÍVEL. CADASTRAMENTO NO PORTAL DO EMPREENDEDOR. FRAUDE. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INTEMPESTIVIDADE AFASTADA.DANO MORAL CARACTERIZADO. QUANTUM INDENIZATÓRIO REDUZIDO. RECURSO PROVIDO EM PARTE. 1. Apelação interposta pela ré UNIÃO em face de sentença que julgou parcialmente procedente o pedido para condená-la a proceder à baixa do registro de microempreendedor individual em nome da autora, bem assim a sua inscrição junto ao Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica – CNPJ nº. 23.580.775/0001-89, com efeitos retroativos à data de sua efetivação (02.11.2015), bem como ao pagamento de indenização por danos morais, fixados em R$ 15.000,00 (quinze mil reais), a ser atualizado segundo as regras do Manual de Cálculos desta Justiça Federal e honorários advocatícios no percentual mínimo legal, nos termos do inciso I, do § 3º, do artigo 85 do Código de Processo Civil 2. Intempestividade afastada. Conforme trazido em contrarrazões, o Advogado da União registrou ciência da r. sentença em 30.01.2022, domingo. Nestes casos, prevê a Lei n. 11.419/2006 que dispõe sobre a informatização do processo judicial) que caso a consulta se dê em dia não útil, a intimação será considerada como realizada no primeiro dia útil seguinte. . 3. A responsabilidade civil da UNIÃO é objetiva. Assim, a despeito de ser prescindível a comprovação do elemento subjetivo, impõe-se ao prejudicado demonstrar o preenchimento dos requisitos essenciais da responsabilidade civil, quais sejam: a deflagração de um dano, a conduta ilícita e o nexo de causalidade entre o comportamento faltoso e o agravo sofrido. 4. Especificamente quanto ao dano moral, anoto que o artigo 5º, inciso X da Constituição Federal garante, expressamente, a todos que sofram violação do direito à imagem, à intimidade, à vida privada e à honra, a indenização por danos morais. 5. Na hipótese a autora alega que houve fraudulenta constituição de pessoa jurídica, Microempresa (ME), em seu nome. Revela que somente tomou conhecimento quando foi procurada para receber mercadorias em nome da DISTRIBUIDORA DRS 7, CNPJ 23.580.775/0001-89, e constatar a existência de vários protestos em seu nome, notadamente, nos Cartórios de Protesto de Notas e Títulos de Mauá - SP. Aduz a autora que se encontra desempregada desde 2013, e desde então, se dedica as atividades do lar, cuidando dos seus três filhos e dos afazeres domésticos e jamais teve em seu nome, qualquer participação societária, empresa ou estabelecimento comercial. 6. O Ofício n. 808/2021- Ecad/DRF de Porto Velho informa: ‘No caso concreto, a constituição da microempresa se deu pela internet, sem formalização de processo, e sem possibilidade de identificação de sua autoria. No entanto, considerando a alegação de fraude trazida ao conhecimento deste órgão, em referência ao auto judicial de nº 5004327- 19.2021.403.6119, e documentos constantes nesse pedido de informações, efetuamos, de ofício, a declaração de nulidade da inscrição CNPJ 23.580.775/0001-89 (nome empresarial DANIELE RODRIGUES DOS SANTOS 40676856888’. Pelo Ato Declaratório Executivo n. 011519166 (Id 2560333551), Receita Federal declarou nula a inscrição do CNPJ n. 23.580.775/0001-99, “ em virtude de ter sido constatado vício ato cadastral”. 7. Incontroverso que o nome da autora foi utilizado de modo fraudulento via meio eletrônico disponibilizado pela UNIÃO diante das incongruências cadastrais reconhecidas pela própria Administração. 8. Não obstante haja previsão legal e normativa a respeito do tratamento dispensado nos casos de eventual ocorrência de fraude no registro do Microempreendedor Individual – MEI ( Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006 ; Resolução nº 48, de 11 de outubro de 2018, do Comitê para Gestão da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios – CGSIM; Instrução Normativa RFB nº 1863, de 27 de dezembro de 2018; Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 4, de 29 de abril de 2010), como bem pontuou o MM Juiz sentenciante, há a necessidade de tomada das medidas voltadas a garantir a apuração da veracidade dos dados prestados por aqueles que pleiteiam o registro para formalização de suas atuações como microempresários, além da segurança e confiabilidade do sistema. 9. Inegável que a autora a situação experimentada pela autora afastou-se, muito, de um mero aborrecimento cotidiano, notadamente, quando se considera a quantidade de protestos em seu nome. Entendo que a importância de R$ 10.000,00 (dez mil reais) atende aos padrões adotados pela jurisprudência, bem como aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. 10. Parcial provimento ao recurso apenas para reduzir o quantum indenizatório.” (AC nº 5004327-19.2021.4.03.6119/SP, Rel. Desemb. Fed. HELIO NOGUEIRA, DJF3 18/08/2022) “PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. CADASTRO DE PESSOAS JURIDICAS - CNPJ. FRAUDE. CANCELAMENTO. POSSIBILIDADE. PROTESTO INDEVIDO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. DANO MORAL CARACTERIZADO. - Cinge-se a controvérsia acerca do cancelamento do CNPJ da empresa criada mediante fraude utilizando-se o “Portal do Empreendedor” e a reparação pelo dano moral, decorrente dos atos praticados pela empresa que ocasionaram a negativação do seu nome. - O pedido de anulação dos atos constitutivos da empresa, criada mediante suposta fraude, foi reconhecida pela ré no curso da demanda, de modo que correta a sentença que julgou prejudicada a análise desse pedido por perda superveniente do interesse processual, prosseguindo-se o julgamento, exclusivamente, quanto ao pedido de dano moral. - O C. Superior Tribunal de Justiça tem se posicionado, como regra geral, no sentido que o dano moral deve ser demonstrado, ressalvadas determinadas hipóteses em que a presunção é admitida em regime de exceção (a exemplo da inscrição indevida em cadastro de inadimplentes). - Na mesma linha, entendimento desta Corte quanto à indenização por danos morais, nos casos de cancelamento de CPF, quando a inscrição indevida decorre da negligência da Administração, como nos casos de emissão do CPF em duplicidade ou nos casos de fraude na formalização de microempresa utilizando-se o “Portal do Empreendedor”. - O conjunto probatório demonstra que os dados do autor foram utilizados por terceiros para abertura de empresa, gerando inúmeros transtornos, inclusive diversos protestos. - É certo que a negligência da União aliada à sistemática simplificada e despida de certificação digital ou outro elemento de segurança da informação, contribuíram para a configuração da fraude perpetrada na constituição de MEI em desfavor da parte autora. - O entendimento do C. STJ, aplicável ao caso, de que o dano moral no caso de negativação indevida tem caráter in re ipsa, isto é, não depende de demonstração das consequências experimentadas na esfera extrapatrimonial da vítima, que são presumidas, demonstram o dever de indenizar. - Quanto ao valor da indenização, entendo ser razoável a fixação em R$5.642,46, montante inclusive fixado em outros julgados deste Tribunal relativos a casos similares. - Quanto ao termo inicial para a incidência dos juros de mora sobre a indenização por danos morais, há divergência jurisprudencial, se incidem estes são a partir do evento danoso, da citação ou do arbitramento. - Em se tratando de responsabilidade extracontratual entendo ser aplicável a Súmula 54 do STJ, que faz referência ao evento danoso. - Correção monetária, a partir da data da sentença (Sumula 362 do STJ), e juros de mora de acordo com os critérios insculpidos no Manual de Orientação para os Cálculos na Justiça Federal, em vigor por ocasião da liquidação do julgado. - Quanto à fixação da verba honorária, tendo a União Federal dado causa à interposição da presente demanda, de acordo com o princípio da causalidade, deve arcar com o ônus da sucumbência, devendo ser mantida a sentença. - Sucumbência recursal. Aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015. Majoração dos honorários de advogado arbitrados na sentença em 1%. - Apelação não provida. (AC nº 5002451-12.2019.4.03.6115/SP, Rel. Desemb. Fed. PAULO DOMINGUES, DJF3 02/08/2022) PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. DANOS MORAIS. CRIAÇÃO FRAUDULENTA DE PESSOA JURÍDICA. PORTAL DO EMPREENDEDOR. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA UNIÃO FEDERAL. VALOR DA INDENIZAÇÃO. SENTENÇA MANTIDA. - Preliminar de falta de interesse de agir sustentada pela União não conhecida: os pedidos referentes à declaração de inexistência e consequente desconstituição da empresa foram extintos sem exame do mérito, justamente porque reconhecidos administrativamente. - No mérito, o pedido de danos morais é procedente. Consta nos autos que, em 24 de maio de 2016, a autora foi surpreendida ao tentar adquirir um automóvel e ser informada pelo vendedor de que seu CPF estava vinculado a empresa com débitos comerciais na praça. - A prova documental carreada aos autos demostra que houve a constituição fraudulenta de empresa em nome da autora. Tanto que, por intermédio de Ato Declaratório publicado em 24/06/2016, a Receita Federal do Brasil declarou a nulidade da inscrição no CNPJ da empresa, com efeitos a partir de 14/10/2013 (ID 923340). - Ressalto que a Secretaria da Receita Federal do Brasil é um órgão específico, singular, subordinado ao Ministério da Fazenda, exercendo funções essenciais para que o Estado possa cumprir seus objetivos, logo, aplica-se, na espécie, o § 6º, do art. 37, da Constituição Federal. - É evidente que a autora foi vítima de fraudes perpetradas por terceiros e quanto a isso não há discussão. No entanto, a responsabilidade da União está presente na administração e fiscalização do procedimento que permite a abertura do MEI. - Com relação ao valor da indenização, embora certo que a condenação por dano moral não deve ser fixada em valor excessivo, gerando enriquecimento sem causa, não pode, entretanto, ser arbitrada em valor irrisório, incapaz de propiciar reparação do dano sofrido e de inibir o causador do dano a futuras práticas da mesma espécie. - Na hipótese, diante das circunstâncias constantes nos autos, o valor da indenização deve ser mantido em R$ 15.000,00 (quinze mil reais). - Apelação da União parcialmente conhecida e, na parte conhecida, improvida. (AC nº 5000194-82.2017.4.03.6115/SP, Rel. Desemb. Fed. MONICA NOBRE, DJF3 13/11/2019) Entretanto, o pedido de anulação de débitos em nome da autora merece ser indeferido, à míngua de prova da existência de débitos tributários em seu nome. Não obstante, futuros ou eventuais débitos decorrentes da autuação fraudulenta de terceiros que se valeram indevidamente do nome da recorrente, poderão ser cobrados ou lançados pela Fazenda Pública, desde que atinjam os verdadeiros perpetradores dos ilícitos fiscais. No que diz respeito ao valor da indenização por danos morais, segundo a doutrina e a jurisprudência, para a reparação dos danos morais devem ser considerados o potencial econômico da ré, a gravidade da lesão moral da parte autora, bem como os princípios da equidade e razoabilidade. Saber efetivamente o alcance dos danos morais importa apenas a aferir-se, dentro de uma fundamentação razoável, o montante a ser pago a título de reparação. No caso, fixa-se a indenização por danos morais no valor de R$10.000,00 (dez mil reais), reduzida porque o cadastro foi realizado por terceiro, fato que minora mas não elide a responsabilidade civil, além de que as medidas governamentais voltadas para a redução da enorme burocracia estatal não podem ser penalizadas por meio de indenizações exacerbadas, em casos congêneres ao presente. Sobre o valor arbitrado incidirá correção monetária a partir do arbitramento, consoante Súmula nº 362 do Superior Tribunal de Justiça, segundo a variação do IPCA-E. Incidirão, ainda, juros de mora, desde o evento danoso, 04/08/2014, data da inscrição fraudulenta, no mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança, sem capitalização, na forma do 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com redação dada pela Lei nº 11.960/2009, observando-se o contido na Lei nº 12.703/2012 a partir de maio/2012 (RE nº 870.947/SE, com repercussão geral reconhecida, julgado em 20/09/2017). Relativamente aos honorários advocatícios, na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca (Súmula 326 do STJ). No entanto, a autora restou vencida no pedido de anulação de eventuais débitos lançados em seu nome. Desse modo, forçoso concluir pelo reconhecimento da sucumbência mínima, nos termos do artigo 86, §único, CPC, que dispõe que se um litigante sucumbir em parte mínima do pedido, o outro responderá, por inteiro, pelas despesas e pelos honorários. Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação, para o efeito de determinar que a União Federal proceda ao cancelamento de todos os registros relacionados ao Certificado de Microempreendedor Individual EVELYM DE LIMA THOMAZELLI (CNPJ 20.762.220/0001-60), com efeitos retroativos à data de sua abertura, bem assim a pagar indenização por danos morais à parte autora, fixada no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), corrigido monetariamente e acrescido de juros de mora. Condeno a União Federal ao pagamento dos honorários advocatícios do procurador da parte adversa, os quais, com base no art. 85, §§ 2º, 3º e 5º, do Código de Processo Civil, considerando o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço, a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço, fixo nos percentuais mínimos de que trata o § 3º acima mencionado aplicáveis para cada faixa salarial ali prevista na forma do § 5º do mesmo dispositivo, incidentes sobre o valor da condenação. É como voto.
E M E N T A
ADMINISTRATIVO. AÇÃO ORDINÁRIA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. PORTAL DO EMPREENDEDOR. INSCRIÇÃO FRAUDULENTA. DANO MORAL CARACTERIZADO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SUCUMBÊNCIA MÍNIMA.
Preliminarmente, a questão alusiva ao ingresso na lide da JUCESP na condição de litisconsorte passivo necessário já foi resolvida no agravo de instrumento nº 0013757-80.2016.4.03.0000, por acórdão transitado em julgado, razão pela qual a matéria encontra-se acobertada pela preclusão consumativa.
A responsabilidade do Estado por condutas omissivas encontra fundamento na teoria da falta do serviço (faute du service), segundo a qual o ente estatal só deve ser responsabilizado, em casos de omissão, quando o serviço público não funciona, funciona mal ou funciona tardiamente.
Na hipótese dos autos, as provas existentes evidenciam a responsabilidade da União pelos danos causados à autora, tendo em vista a nítida fragilidade do sistema criado pelo Governo Federal (plataforma do Portal do Empreendedor), que permite a realização de alterações cadastrais por terceiros desconhecidos, sem que seja exigida qualquer autorização do titular do cadastro, tampouco conferida a veracidade dos dados inseridos.
Com efeito, até abril de 2019, para o procedimento de inscrição de CNPJ/MEI no Portal do Empreendedor, era necessário informar apenas os dados pessoais, quais sejam, número do CPF, data de nascimento, número do título de eleitor ou número do recibo de entrega de uma das duas últimas declarações do Imposto de Renda Pessoa Física.
Não obstante os argumentos apresentados, a União não se desincumbiu de comprovar que inexistiu a fraude alegada, apesar de deter a gerência do sistema eletrônico. Não trouxe ao feito quaisquer elementos que possibilitem concluir que a abertura da empresa foi feita voluntariamente pela autora, lembrando que é a União Federal que mantém o endereço eletrônico pela qual a inscrição acontece, ou seja, é a pessoa com maior probabilidade de apresentar dados sobre quem promoveu a inscrição – endereço de IP utilizado, data e hora da inscrição, quantidade de registros feitos a partir do mesmo endereço de IP. Todavia, não apresentou qualquer informação nesse sentido. Não seria razoável exigir da autora a prova de que informou o número do seu título de eleitor e o do recibo de entrega da declaração de imposto de renda, o que, na prática, constituiria prova negativa.
A responsabilidade objetiva da União Federal restou configurada ao assumir o risco de criar um portal eletrônico com precariedade de controle e segurança das inscrições, a fim de coibir eventuais fraudes. Assim, procede o pedido para anulação do registro da empresa em nome da autora bem como o pedido de indenização por danos morais.
No que diz respeito ao valor da indenização por danos morais, segundo a doutrina e a jurisprudência, para a reparação dos danos morais devem ser considerados o potencial econômico da ré, a gravidade da lesão moral da parte autora, bem como os princípios da equidade e razoabilidade. Saber efetivamente o alcance dos danos morais importa apenas a aferir-se, dentro de uma fundamentação razoável, o montante a ser pago a título de reparação.
No caso, fixa-se a indenização por danos morais no valor de R$10.000,00 (dez mil reais), reduzida porque o cadastro foi realizado por terceiro, fato que minora mas não elide a responsabilidade civil, além de que as medidas governamentais voltadas para a redução da enorme burocracia estatal não podem ser penalizadas por meio de indenizações exacerbadas, em casos congêneres ao presente.
Sobre o valor arbitrado incidirá correção monetária a partir do arbitramento, consoante Súmula nº 362 do Superior Tribunal de Justiça, segundo a variação do IPCA-E. Incidirão, ainda, juros de mora, desde o evento danoso, 04/08/2014, data da inscrição fraudulenta, no mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança, sem capitalização, na forma do 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com redação dada pela Lei nº 11.960/2009, observando-se o contido na Lei nº 12.703/2012 a partir de maio/2012 (RE nº 870.947/SE, com repercussão geral reconhecida, julgado em 20/09/2017).
Relativamente aos honorários advocatícios, na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca (Súmula 326 do STJ). No entanto, a autora restou vencida no pedido de anulação de eventuais débitos lançados em seu nome. Desse modo, forçoso concluir pelo reconhecimento da sucumbência mínima, nos termos do artigo 86, §único, CPC, que dispõe que se um litigante sucumbir em parte mínima do pedido, o outro responderá, por inteiro, pelas despesas e pelos honorários.
Assim, a União Federal resta condenada ao pagamento dos honorários advocatícios do procurador da parte adversa, os quais, com base no art. 85, §§ 2º, 3º e 5º, do Código de Processo Civil, considerando o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço, a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço, fixo nos percentuais mínimos de que trata o § 3º acima mencionado aplicáveis para cada faixa salarial ali prevista na forma do § 5º do mesmo dispositivo, incidentes sobre o valor da condenação.
Apelação parcialmente provida.