APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001458-70.2017.4.03.6104
RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR
APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
APELADO: ROLLMAK COMERCIAL LTDA. - EPP
Advogados do(a) APELADO: FABIANO BRAZ DE MELO RIBEIRO - SP305143-A, POLIANE ZAMBONI RIBEIRO - SP392132-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001458-70.2017.4.03.6104 RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL APELADO: ROLLMAK COMERCIAL LTDA. - EPP Advogado do(a) APELADO: CELSO VIEIRA TICIANELLI - SP135188-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Cuida-se de apelação, em ação de rito comum, ajuizada por Rollmak Comercial Ltda EPP em face da União, visando à liberação de mercadorias descritas na DI 16/1160002-4, porque improcedente a imputação de interposição fraudulenta, tanto quanto devida a condenação fazendária ao pagamento das despesas com armazenagem. A r. sentença, ID 165624081, proferida sob a égide do CPC/2015, julgou procedente o pedido, asseverando que a prova pericial apontou a capacidade financeira da empresa para a importação, sendo que a apontada confusão patrimonial, entre recursos do sócio e da sociedade, não é suficiente para viabilizar juízo sobre prática de fraude. Anulou a autuação e determinou o prosseguimento do despacho aduaneiro, com a liberação da mercadoria, se outro óbice não houver, condenando a União ao ressarcimento dos valores dispendidos com armazenagem após a apreensão. Antecipou os efeitos da tutela, para suspender os efeitos da penalidade de perdimento e autorizar o imediato prosseguimento do despacho aduaneiro, mediante apresentação de garantia em valor correspondente ao valor atualizado dos bens importados. Sujeitou a União ao pagamento de honorários, no importe de R$ 5.000,00 (valor da causa R$ 9.131,76). Apelou a União, ID 165624094, alegando, em síntese, que a legislação prevê presunção legal de interposição fraudulenta, se não comprovada a origem dos recursos utilizados na importação, sendo que a prova pericial foi clara, no sentido de que não há como se confirmar a origem lícita dos recursos empregados na operação em tela, portanto legítimo o perdimento e não sendo devido o ressarcimento nem a liberação da mercadoria. Não apresentadas as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001458-70.2017.4.03.6104 RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL APELADO: ROLLMAK COMERCIAL LTDA. - EPP Advogado do(a) APELADO: CELSO VIEIRA TICIANELLI - SP135188-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Com razão a União. A aplicação da pena de perdimento encontra tipificação no art. 23, V, §§ 1º e 2º, Decreto-Lei 1.455/1976, por se enquadrar como dano ao Erário a conduta de interposição fraudulenta de terceiros, limpidamente configurada ao caso concreto : Art. 23. Consideram-se dano ao Erário as infrações relativas às mercadorias: V - estrangeiras ou nacionais, na importação ou na exportação, na hipótese de ocultação do sujeito passivo, do real vendedor, comprador ou de responsável pela operação, mediante fraude ou simulação, inclusive a interposição fraudulenta de terceiros. § 1o O dano ao erário decorrente das infrações previstas no caput deste artigo será punido com a pena de perdimento das mercadorias. § 2o Presume-se interposição fraudulenta na operação de comércio exterior a não-comprovação da origem, disponibilidade e transferência dos recursos empregados A Receita Federal, em robusto trabalho fiscal, ID 165623380 - Pág. 2 e seguintes, de forma minuciosa, apurou que a empresa, constituída no ano 2015, integralizou capital de R$ 150.000,00, contudo não realizou nenhuma operação comercial neste ano, porém flagrado ingresso, sem origem demonstrada, de R$ 34.275,72. Presente consideração, também, de que, no ano 2016, houve declaração de receita bruta de R$ 29.137,13, mas as notas emitidas orbitaram em R$ 50.170,13, também apurando inconsistências nas informações fiscais dos sócios. Consta do Relatório houve retirada de valores do capital social e transações que não puderam ter a origem identificada, concluindo que “não basta a empresa comprovar que tinha disponibilidade se não provar a origem dos correspondentes recursos, ou, de nada adianta comprovar a origem se não comprovar a efetiva disponibilidade”, ID 165623380 - Pág. 12. Aliás, bastante salutar a transcrição do que lançado pela autoridade fiscal, porque de maneira bastante didática constrói o iter a ser observado, para comprovação da regularidade da importação, ID 165623380 - Pág. 15: “No geral e, a princípio, a origem deste dinheiro dever vir do capital de giro da empresa, isto é, numerário procedente ou da integralização do capital social ou da comercialização de produtos que foram adquiridos pelo importador no mercado internacional ou nacional e posteriormente revendidos com certa margem de lucro. No decorrer do tempo, estas vendas acrescidas do lucro foram o capital de giro que dá fôlego á empresa honrar seus compromissos e realizar novas aquisições no mercado internacional e/ou nacional. Toda essa movimentação deve ser registrada em seus livros contábeis, para que o importador tenha uma “fotografia” ou um “raio-x” das condições financeiras de sua empresa e de seu faturamento, o qual compõe o seu capital e que faz a sua empresa funcionar. Como o importador não apresentou integralmente a documentação solicitada pela via intimação, a somatória de todos os fatos narrados neste Auto de Infração culmina para a prática de conjectura conhecida como interposição fraudulenta, que apesar e aparência normal de legalidade, trata-se de um esquema de simulação de operações comerciais com a finalidade de beneficiar, tanto o real importador de mercadorias, quanto o encomendante das mesmas”. Neste passo, a prova pericial produzida nestes autos confirma a tese fazendária, no sentido da ausência de demonstração dos recursos empregados, ID 165624038 - Pág. 10: “(...) podemos afirmar que a requerente tinha capacidade financeira para realizar a importação promovida através da DI nº 16/1160002-4, registrada em 29/07/2016. Por outro lado, como o patrimônio, especialmente, dos sócios e, ainda, de outras empresas das quais também são sócios, se confunde com patrimônio da requerida, não há meios de confirmar a origem lícita dos recursos empregados na operação de comércio exterior.” Aliás, de forma incisiva afirmou o expert que, ID 165624038 - Pág. 9 “cumpre ressaltar que ao deixar de situar sua autonomia patrimonial no cerne do princípio da Entidade, dificulta ou até mesmo inviabiliza a caracterização do direito ao exercício de poder sobre o mesmo patrimônio, inviabilizando, no caso, como determinado pelo Juízo, a identificação da origem de todos os valores contabilizados pela requerente.” Ou seja, não provou a parte autora, mediante documentação contábil dotada de regularidade, que os recursos empregados na importação guerreada tinham origem, o que caracteriza interposição fraudulenta, na forma da lei, porque jamais estabelecido elo entre os recursos e o exclusivo e efetivo exercício empresarial da parte recorrida, portanto correta a apreensão e a aplicação da pena de perdimento, cuidando-se de presunção legal de prejuízo ao Erário, positivada, portanto não basta a virtual demonstração de capacidade financeira, mas o lastro do dinheiro a simultaneamente ser indispensável, para a confirmação da desejada licitude da operação : “TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. ART. 1.022 DO CPC. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. ART. 23 DO DECRETO-LEI N. 1.455/1976. EXEGESE. PESSOA FÍSICA QUE CONSTITUIU EMPRESA COM O EXCLUSIVO PROPÓSITO DE IMPORTAR UMA AERONAVE. ARRENDAMENTO MERCANTIL OPERACIONAL. ADMISSÃO TEMPORÁRIA DO BEM. SUSPENSÃO DO RECOLHIMENTO DE PARTE DO IPI. INTERPOSIÇÃO FRAUDULENTA CARACTERIZADA. PENA DE PERDIMENTO APLICADA PELO FISCO. CABIMENTO. PEDIDO DE RELEVAÇÃO DA PENALIDADE. CASO CONCRETO QUE NÃO SE ENQUADRA NAS HIPÓTESES NORMATIVAS AUTORIZADORAS DA RELEVAÇÃO. ... 2. A interposição fraudulenta é considerada presumida na hipótese de não comprovação da origem, disponibilidade e transferência dos recursos empregados em operação de comércio exterior (art. 23, V, § 2º, do Decreto-Lei 1.455/76). 3. De acordo com a jurisprudência do STJ, "as hipóteses previstas no art. 23 do DL n. 1.455/1976 e no art. 105 do DL n. 37/1966, que permitem a aplicação da pena de perdimento, veiculam presunção de ocorrência de prejuízo à fiscalização e/ou de dano ao erário, a qual pode ser ilidida pelo investigado no decorrer do processo administrativo fiscal". (AREsp 600.655/MT, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 17/2/2017). 4. No caso dos autos, é incontroverso que a pessoa física recorrente constituiu e se serviu da empresa recorrente (litisconsorte ativa) com o tão só propósito de possibilitar a importação da aeronave ao amparo do regime de admissão temporária, com a suspensão do recolhimento de parte do IPI, sem que, ao depois, restasse comprovado nem mesmo o efetivo funcionamento da pessoa jurídica, que tinha como objeto social a prestação de serviço de táxi aéreo. 5. Contexto em que não há como afastar a ocorrência da denominada interposição fraudulenta, ensejadora do perdimento da aeronave importada. 6. Pedido de relevação da pena de perdimento que não encontra amparo nos arts. 736 e 737 do Decreto 6.759/2009. 7. Recurso especial não provido.” (REsp n. 1.932.864/SP, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 22/6/2021, DJe de 29/6/2021.) “ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPORTAÇÃO. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. SUBFATURMAENTO. INTERPOSIÇÃO FRAUDULENTA DE TERCEIRO. PENA DE PERDIMENTO. CABIMENTO. DECRETO-LEI 37/66. DECRETO-LEI 1.455/76. ... 3. Há previsão legal expressa para a aplicação da pena de perdimento nos casos em que a infração cometida, quando da importação, configura dano ao Erário, conforme os arts. 95, IV e 96, II do Decreto-Lei n.º 37/66. 4. A aplicação da pena de perdimento, no caso da interposição fraudulenta com ocultação do real adquirente encontra-se prevista no art. 23, V e §§ 1º e 2º do Decreto-Lei n.º 1.455/76. ...” (AMS 00032337920154036104, DESEMBARGADORA FEDERAL CONSUELO YOSHIDA, TRF3 - SEXTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:23/05/2017) “APELAÇÃO. ADUANEIRO. IMPORTAÇÃO. PERDIMENTO DE BENS. EMPRESA INEXISTENTE. INTERPOSIÇÃO FRAUDULENTA DE TERCEIROS. - De acordo com os documentos apresentados pela União, constatou-se a interposição fraudulenta de terceiros nas operações da empresa e, por consequência, nas importações realizadas. - As sócias, conforme apurado em processo administrativo específico, são pessoas que mantem patrimônio e modo de vida incompatíveis com os valores movimentados pela empresa. - Aplicação da pena de perdimento com fundamento nos artigo 23, inciso IV, do Decreto-Lei n.º 1.455/76. Precedentes desta Corte. - Apelação desprovida.” (AC 00000203420024036100, JUIZ CONVOCADO SIDMAR MARTINS, TRF3 - QUARTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:21/02/2017) Portanto, legítima a aplicação da pena de perdimento, tudo o mais restando prejudicado. Ausentes honorários recursais, diante do sucesso do apelo, EDcl no AgInt no REsp 1573573/RJ, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 04/04/2017, DJe 08/05/2017. Portanto, em âmbito de prequestionamento, refutados se põem os demais ditames legais invocados em polo vencido, que objetivamente a não socorrerem, com seu teor e consoante este julgamento, ao mencionado polo (artigo 93, IX, CF). Ante o exposto, pelo provimento à apelação, reformada a r. sentença, para julgamento de improcedência ao pedido, invertendo-se a sujeição sucumbencial, em prol da União, tudo na forma retro estatuída, doravante sem efeito a antecipação de tutela, deferida sentencialmente. É como voto.
E M E N T A
AÇÃO DE RITO COMUM – ADUANEIRO – INTERPOSIÇÃO FRAUDULENTA POR TERCEIROS CONFIGURADA – LEGALIDADE DA APLICAÇÃO DA PENA DE PERDIMENTO – IMPROCEDÊNCIA AO PEDIDO – PROVIMENTO À APELAÇÃO FAZENDÁRIA
1 - A aplicação da pena de perdimento encontra tipificação no art. 23, V, §§ 1º e 2º, Decreto-Lei 1.455/1976, por se enquadrar como dano ao Erário a conduta de interposição fraudulenta de terceiros, limpidamente configurada ao caso concreto.
2 - A Receita Federal, em robusto trabalho fiscal, ID 165623380 - Pág. 2 e seguintes, de forma minuciosa, apurou que a empresa, constituída no ano 2015, integralizou capital de R$ 150.000,00, contudo não realizou nenhuma operação comercial neste ano, porém flagrado ingresso, sem origem demonstrada, de R$ 34.275,72.
3 - Presente consideração, também, de que, no ano 2016, houve declaração de
29.137,13, mas as notas emitidas orbitaram em R$ 50.170,13, também apurando inconsistências nas informações fiscais dos sócios.
4 - Consta do Relatório houve retirada de valores do capital social e transações que não puderam ter a origem identificada, concluindo que “não basta a empresa comprovar que tinha disponibilidade se não provar a origem dos correspondentes recursos, ou, de nada adianta comprovar a origem se não comprovar a efetiva disponibilidade”, ID 165623380 - Pág. 12.
5 - Bastante salutar a transcrição do que lançado pela autoridade fiscal, porque de maneira bastante didática constrói o iter a ser observado, para comprovação da regularidade da importação, ID 165623380 - Pág. 15: No geral e, a princípio, a origem deste dinheiro dever vir do capital de giro da empresa, isto é, numerário procedente ou da integralização do capital social ou da comercialização de produtos que foram adquiridos pelo importador no mercado internacional ou nacional e posteriormente revendidos com certa margem de lucro. No decorrer do tempo, estas vendas acrescidas do lucro foram o capital de giro que dá fôlego á empresa honrar seus compromissos e realizar novas aquisições no mercado internacional e/ou nacional. Toda essa movimentação deve ser registrada em seus livros contábeis, para que o importador tenha uma “fotografia” ou um “raio-x” das condições financeiras de sua empresa e de seu faturamento, o qual compõe o seu capital e que faz a sua empresa funcionar. Como o importador não apresentou integralmente a documentação solicitada pela via intimação, a somatória de todos os fatos narrados neste Auto de Infração culmina para a prática de conjectura conhecida como interposição
fraudulenta, que apesar e aparência normal de legalidade, trata-se de um esquema de simulação de operações comerciais com a finalidade de beneficiar, tanto o real importador de mercadorias, quanto o encomendante das mesmas”.
6 - A prova pericial produzida nestes autos confirma a tese fazendária, no sentido da ausência de demonstração dos recursos empregados, ID 165624038 - Pág. 10: “(...) podemos afirmar que a requerente tinha capacidade financeira para realizar a importação promovida através da DI nº 16/1160002-4, registrada em 29/07/2016. Por outro lado, como o patrimônio, especialmente, dos sócios e, ainda, de outras empresas das quais também são sócios, se confunde com patrimônio da requerida, não há meios de confirmar a origem lícita dos recursos empregados na operação de comércio exterior.”
7 - De forma incisiva afirmou o expert que, ID 165624038 - Pág. 9 “cumpre ressaltar que ao deixar de situar sua autonomia patrimonial no cerne do princípio da Entidade, dificulta ou até mesmo inviabiliza a caracterização do direito ao exercício de poder sobre o mesmo patrimônio, inviabilizando, no caso, como determinado pelo Juízo, a identificação da origem de todos os valores contabilizados pela requerente.”
8 - Não provou a parte autora, mediante documentação contábil dotada de regularidade, que os recursos empregados na importação guerreada tinham origem, o que caracteriza interposição fraudulenta, na forma da lei, porque jamais estabelecido elo entre os recursos e o exclusivo e efetivo exercício empresarial da parte recorrida, portanto correta a apreensão e a aplicação da pena de perdimento, cuidando-se de presunção legal de
prejuízo ao Erário, positivada, portanto não basta a virtual demonstração de capacidade financeira, mas o lastro do dinheiro a simultaneamente ser indispensável, para a confirmação da desejada licitude da operação. Precedentes.
9 - Legítima a aplicação da pena de perdimento, tudo o mais restando prejudicado.
10 - Ausentes honorários recursais, diante do sucesso do apelo, EDcl no AgInt no REsp 1573573/RJ, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 04/04/2017, DJe 08/05/2017.
11 - Provimento à apelação, reformada a r. sentença, para julgamento de improcedência ao pedido, invertendo-se a sujeição sucumbencial, em prol da União, tudo na forma retro estatuída, doravante sem efeito a antecipação de tutela, deferida sentencialmente.