Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0007726-75.2015.4.03.6112

RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: LUIZ MASSATO HARA
REPRESENTANTE: MITIO HARA

Advogados do(a) APELADO: CARLOS AUGUSTO FARAO - SP139843-A, CLAUDIO DE OLIVEIRA - SP153389-A,

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0007726-75.2015.4.03.6112

RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

APELADO: LUIZ MASSATO HARA
REPRESENTANTE: MITIO HARA

Advogados do(a) APELADO: CARLOS AUGUSTO FARAO - SP139843-A, CLAUDIO DE OLIVEIRA - SP153389-A,

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

Trata-se de remessa necessária e apelação interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) contra sentença, que julgou procedentes os pedidos formulados na inicial, para o fim de condenar a ré a implantar o benefício especial, desde a DER (NB 155.722.591-1 – 15/04/2011), bem como ao pagamento de indenização estabelecida pela Lei nº 12.190/2010, com a mesma data de referência de concessão (15/04/2011), observando-se a compensação de ambos os benefícios com os valores pagos a título de prestação continuada (NB 551.904.456/9).

A presente ação ordinária foi proposta por Luiz Massato Hara em face da autarquia previdenciária, objetivando a concessão de pensão especial, regida pela Lei nº 7.070/82, majorada em 25% pela necessidade de assistência permanente de terceira pessoa, bem como ao pagamento da indenização por danos morais estabelecida pela Lei nº 12.190/2010.

Narra a inicial que o requerente nasceu em 15/05/1959, com deficiência auditiva, dificuldade de locomoção (retardo no desenvolvimento neuropsicomotor) e pouquíssima linguagem oral em virtude de sua mãe ter utilizado, indiscriminadamente, a substância conhecida como “Talidomida”, no período de sua gestação.

Sustenta que o autor se encontra incapacitado para o trabalho e, atualmente, recebe o benefício de prestação continuada assistencial e social com deficiência (87 – NB 551.904.456-9).

Relata que, em 15/04/2011, o segurado pleiteou, administrativa, a concessão da pensão especial, regida pela Lei nº 12.190/2010, pedido este indeferido pelo INSS, e por este motivo ajuizou a presente ação.

Foi deferido o benefício da justiça gratuita e indeferido os efeitos da tutela antecipada (ID 254026032 e ID 254026032, fl. 39 e fl. 01).

Instruído o feito com a produção de prova pericial (laudo juntado às fls. 18/25, ID 254026039 e fls. 01/02, ID 254026040).

Após a manifestação das partes e do MPF, foi determinado que o réu dê encaminhamento ao pedido de exame genético, nos autos do procedimento administrativo NB 155.722.597-1 (ID 254026040, fls. 25/27), cujo laudo foi juntado às fl. 06, ID 254026054, oportunidade na qual também foram juntados os atestados de médicos assistentes acerca de sua invalidez.

Regularmente processado o feito, sobreveio sentença, que julgou procedentes os pedidos formulados na inicial, para o fim de condenar a ré a implantar o benefício especial, desde a DER (NB 155.722.591-1 – 15/04/2011), bem como ao pagamento de indenização estabelecida pela Lei nº 12.190/2010, com a mesma data de referência de concessão (15/04/2011), observando-se a compensação de ambos os benefícios com os valores pagos a título de prestação continuada (NB 551.904.456/9).

Na ocasião, foi determinado a aplicação da correção monetária, desde quando devidos, e os juros de mora, a partir da citação, nos termos do Manual de Orientação de Procedimento para os Cálculos da Justiça Federal vigente por ocasião da liquidação (Resolução CJF nº 658, de 10.08.2020, e eventuais sucessoras).

Por fim, o juízo a quo condenou o réu ao pagamento de honorários advocatícios, no montante de 10% do valor da condenação, nos termos do art. 85, § 3º, I, do CPC/2015, que deverão incidir sobre as parcelas vencidas até a sentença, à luz do Enunciado da Súmula nº 111 do STJ.

Irresignada, o INSS interpôs apelação alegando, preliminarmente, a ilegitimidade passiva do INSS e a legitimidade passiva da União, à luz do art. 4º da Lei nº 12.190/10, a que compete a responsabilidade pela indenização. Ainda, pugna pela ocorrência da prescrição, ao argumento de que a presente ação foi ajuizada em 2015, após o transcurso do prazo quinquenal.

No mérito, aduz que “não restou comprovado, por documentos idôneos, que a genitora da parte apelada, durante a gestação, teria utilizado substâncias que contivessem talidomida em sua composição”; e arremata, asseverando que: “não há laudo ou receituário contemporâneo ao período”.

Sustenta que não há prova caba do nexo de causalidade entre o uso da Talidomida pela genitora do autor, durante a gestação, e o resultado danoso, caracterizado pelas malformações genéticas; sendo de rigor o indeferimento do benefício, à luz do art. 1º da Lei nº 12.190/10 e da jurisprudência do STJ.

Alega que o laudo pericial apontou que “não é possível afirmar que suas (as) sequelas atuais são características do uso de talidomida na gestação” e o parecer da médica geneticista, Dra. Josiane de Souza, concluiu que: “quadro não compatível com a Embriopatia da Talidomida”.

Defende que, após a apresentação do laudo pericial e do parecer da médica especialista em genética, não estão mais presentes os requisitos para a inversão do ônus da prova disciplinados no art. 373 do CPC.

Por fim, aduz que não restou comprovada a dependência resultante da deformidade física, nos termos da lei.

Pugna pela concessão do efeito suspensivo e pela reforma da sentença para que sejam indeferidos os pedidos formulados na inicial. Subsidiariamente, requer seja aplicado, para os juros moratórios, os índices correspondentes ao da caderneta de poupança, e para a correção monetária, os índices de remuneração básica, conforme art. 1º-F da Lei n 9.494/97, com redação dada pela Lei nº 11.960/09.

Suscitou o prequestionamento.

Com contrarrazões da parte autora (ID 254026073), subiram os autos a esta E. Corte.

Os autos foram, inicialmente, distribuídos à Sexta Turma Julgadora, sob a relatoria da E. Des. Federal Daldice Santana, porém, após a verificação de prevenção (ID 255212574) e declaração de incompetência (ID 256418535), vieram os autos conclusos.

Parecer ministerial pelo provimento do apelo do INSS (ID 261704851).

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 


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APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0007726-75.2015.4.03.6112

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V O T O

 

 

 

 

A controvérsia trazida à baila diz respeito à aferição da responsabilidade civil do INSS, pelos danos materiais, perpetrado ao autor, em virtude da recusa da autarquia previdenciária em conceder a pensão vitalícia, nos moldes da Lei nº 7.070/82.

Passo ao exame da preliminar de ilegitimidade passiva do INSS e legitimidade passiva da União.

I. DAS PRELIMINARES:

I.1. DA ILEGITIMIDADE PASSIVA DO INSS:

Preliminarmente, o INSS defende a sua ilegitimidade passiva e o reconhecimento da legitimidade passiva da União, ao argumento de que a responsabilidade pela indenização é do ente público federal, à luz do art. 4º da Lei nº 12.190/10.

Sem razão, vejamos.

No presente caso, a matéria discutida trata da concessão do benefício de pensão especial, por síndrome de Talidomida, revestindo-se de natureza, eminentemente, indenizatória, à luz do art. 3º, §1º da Lei nº 7.070/1982. Por sua vez, o pagamento é feito, diretamente, pelo INSS, por conta do Tesouro Nacional, nos moldes do art. 4º, que assim dispõe: “as despesas decorrentes do disposto nesta Lei correrão à conta de dotações próprias do orçamento da União”.

À luz da jurisprudência do STJ, o INSS se afigura como parte legítima para figurar, com exclusividade, no polo passivo das demandas que versam sobre o benefício assistencial, por ser ele responsável pela operacionalização do pagamento. Confiram-se:

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. REVISÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. SÍNDROME DA TALIDOMIDA. LEGITIMIDADE EXCLUSIVA DO INSS. LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO DA UNIÃO. INEXISTÊNCIA.

1. Nos casos de benefício assistencial, o INSS é parte legítima para figurar com exclusividade no polo passivo da demanda, sendo desnecessária a inclusão da União na lide como litisconsorte passivo necessário. Precedentes.

2. Agravo regimental não provido”.

(AgRg no REsp n. 513.694/RS, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 5/8/2014, DJe de 19/8/2014)

“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DISSENSO PRETORIANO NÃO COMPROVADO. VIOLAÇÃO À LEGISLAÇÃO FEDERAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA Nº 211/STJ. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. UNIÃO. ILEGITIMIDADE PARA FIGURAR NO PÓLO PASSIVO.

1. Não havendo a devida demonstração do dissídio pretoriano nos moldes regimentais, não se conhece do recurso especial pela alínea c.

2. "Prequestionamento, nunca é demais lembrar, é o exame pelo Tribunal de origem, e não apenas nas manifestações das partes, dos dispositivos que se têm como afrontados pela decisão recorrida."

(AgRg no Ag 284.998/SP, 6ª Turma, Rel. Min. PAULO GALLOTTI, DJ de 10/06/2002) 3. O INSS é o ente público com legitimidade para figurar no pólo passivo nas ações que versem sobre o benefício assistencial.

4. Agravo regimental desprovido”.

(AgRg no REsp n. 737.790/MS, relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 6/11/2008, DJe de 1/12/2008)

Afasto a preliminar de ilegitimidade passiva do INSS.

I.1. DA PRESCRIÇÃO:

Prosseguindo, o INSS pleiteia o reconhecimento da prescrição, ao argumento de que “a ação foi ajuizada no ano de 2015, ou seja, mais de cinco anos após a edição da Lei nº 12.190/2010, motivo pelo qual a pretensão autoral encontra-se, irremediavelmente, fulminada pela prescrição do fundo do direito reclamado, à luz do prazo prescricional previsto no Decreto nº 20.910/32”.

Com efeito, a prescrição pressupõe um direito não exercido dentro de certo lapso temporal, tendo como consequência a extinção da ação, com resolução do mérito, tratando-se, pois, de legítima exceção de direito material.

No conceito clássico de Clóvis Beviláqua "prescrição é a perda da ação atribuída a um direito, e de toda a sua capacidade defensiva, em consequência do não uso dela, durante um determinado espaço de tempo" (in, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, comentado, ed. histórica, Editora Rio, 7a. t. da ed. de 1940, vol. I, p. 435).

Por sua vez, assinala Sílvio Rodrigues que: "a) a inércia do credor, ante a violação de um direito seu; b) por um período de tempo fixado na lei; c) conduz à perda da ação de que todo o direito vem munido, de modo a privá-lo de qualquer capacidade defensiva" (in Direito Civil, vol. I, Saraiva, São Paulo, 16a. ed., 1986, p. 340/341).

Conforme preceitos doutrinários, o elemento temporal, cujo período é fixado em lei, aliado à inércia do credor, leva, inexoravelmente, à perda do direito de ação, repercutindo no próprio direito material, que permanece latente, porém, carente de meios defensivos para torná-lo efetivo.

Com relação à Fazenda Pública, não se desconhece que o Decreto nº 20.910/1932 dispõe, em seu artigo 1º, que as dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra as Fazendas Públicas, seja qual for a sua natureza, prescrevem em 5 (cinco) anos, contados da data do ato ou fato do qual se originaram.

A inteligência da referida norma conduz à conclusão de que a partir do momento em que ocorre o fato gerador dos alegados danos, nasce o direito da parte autora de ajuizar ação para reaver o prejuízo sofrido, dentro do prazo de cinco anos. É o chamado princípio da actio nata, significando que o prazo de prescrição se inicia a partir do momento em que o direito de ação possa ser exercido.

Cumpre mencionar que o legislador estabelece uma exceção à contagem do prazo prescricional, qual seja, para as prestações de trato sucessivo, a teor do art. 3º do Decreto nº 20.910/32, que assim dispõe: "quando o pagamento se dividir por dias, meses ou anos, a prescrição atingirá progressivamente as prestações à medida que completarem os prazos estabelecidos pelo presente decreto".

Consoante pacífica orientação jurisprudencial do STJ, “o direito a pensão vitalícia às vítimas da síndrome de talidomida, previsto na Lei nº 7.070/82, deve ser considerado como prestação de trato sucessivo, com incidência da prescrição quinquenal apenas em relação às prestações anteriores a cinco anos do ajuizamento da ação (Decreto 20.910/32)”. Precedentes: REsp n. 443.869/RS, relatora Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 28/3/2006, DJ de 24/4/2006, p. 354; AgRg no Ag 428.430/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 12.8.2003, p. 213.

Desse modo, para a Corte Superior, em se tratando de prestação de trato sucessivo - como se dá com relação à pensão vitalícia concedida aos portadores da síndrome da talidomida, prevista na Lei nº 7.070/82 -, não ocorre a prescrição do fundo de direito, mas apenas a prescrição quinquenal das parcelas anteriores ao ajuizamento da ação.

Na espécie, o autor requereu administrativamente a pensão vitalícia em 15/04/2011, pleito indeferido pelo INSS em 05/11/2011 (ID 254026032, fl. 23) e, judicialmente, protocolou a presente ação em 01/12/2015 (ID 254026032, fl. 03), não havendo que se falar em prescrição.

Assim, afasto a alegação de prescrição no tocante ao pleito de pensão vitalícia, estabelecida com base na Lei nº 7.070/82.

Noutro vértice, o mesmo raciocínio não se aplica à reparação civil por danos morais, prevista na Lei nº 12.190/2010, por não ser esta indenização equiparada à prestação de trato sucessivo, como ocorre com a pensão vitalícia. Na espécie, o autor ajuizou a ação em 01/12/2015, após o transcurso do prazo prescricional de 05 (cinco) anos da publicação da lei que originou o pretenso direito (14/01/2010).

A propósito, colho os seguintes precedentes jurisprudenciais:

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. SÍNDROME DA TALIDOMIDA. PRESCRIÇÃO. FUNDO DE DIREITO. PENSÃO VITALÍCIA. PRESTAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, DESPROVIDO.

1. Não se conhece do recurso especial por suposta divergência jurisprudencial quando o acórdão apontado como paradigma não guarda qualquer similitude fática e jurídica com o aresto impugnado.

2. O direito a pensão vitalícia às vítimas da síndrome da talidomida, previsto na Lei 7.070/82, deve ser considerado como prestação de trato sucessivo, com incidência da prescrição qüinqüenal apenas em relação às prestações anteriores a cinco anos do ajuizamento da ação (Decreto 20.910/32).

3. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido”.

(STJ - REsp n. 443.869/RS, relatora Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 28/3/2006, DJ de 24/4/2006, p. 354.)

“ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENSÃO ESPECIAL AOS DEFICIENTES FÍSICOS PORTADORES DA SÍNDROME DE TALIDOMIDA. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. ALEGAÇÃO DE PRESCRIÇÃO DO DIREITO DA PARTE AUTORA.

1. A alegação quanto à ilegitimidade passiva da União Federal não deve ser conhecida, nos termos do artigo 1.050 do CPC.

2. Em se tratando de prestação de trato sucessivo, como é o caso da pensão vitalícia concedida aos portadores da síndrome da talidomida, prevista na Lei n.º 7.070/1982, não ocorre a prescrição do fundo de direito, mas apenas a prescrição quinquenal das parcelas anteriores ao requerimento administrativo, quando for o caso.

3. Quanto à indenização por dano moral às pessoas com deficiência física decorrente do uso da talidomida, prevista pela Lei n.º 12.190/2010, verifico que a autora ajuizou a ação em 23/10/2020, portanto após o lapso prescricional de 5 anos da edição da lei que originou o pretenso direito, devendo ser reconhecida a prescrição.

(TRF-4 - AG: 50163327020214040000 5016332-70.2021.4.04.0000, Relator: VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 10/08/2021, TERCEIRA TURMA)

“CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E CIVIL. PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. SÍNDROME DA TALIDOMIDA. SENTENÇA QUE ACOLHEU A PRESCRIÇÃO. EDIÇÃO DA LEI N. 12.190/2010. REFORMA PARCIAL. EXAME DO PEDIDO. PERÍCIA. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO. RETORNO DOS AUTOS AO JUÍZO DE ORIGEM. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ( CPC), ART. 1.013, § 4º. SENTENÇA REFORMADA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.

1. A matéria atinente à indenização por dano moral devida às pessoas vítimas da Talidomida somente foi regulamentada pela Lei n. 12.190, de 13.01.2010, de modo que não está atingida pela prescrição a pretensão ajuizada em 17.03.2010, exatamente com a finalidade de ver reconhecido o direito ao recebimento da aludida indenização ( AC n. 0031021-26.2010.4.01.3800/MG, Relator Convocado Juiz Federal Mark Yshida Brandão, e-DJF1 de 05.05.2016).

(...)”

(TRF-1 - AC: 00010125420104013809, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL DANIEL PAES RIBEIRO, Data de Julgamento: 18/07/2016, SEXTA TURMA, Data de Publicação: 25/07/2016)

Portanto, no que pertine aos danos morais, acolho a alegação de prescrição.

Passo ao exame do mérito recursal.

II. DO MÉRITO:

II.1. DA RESPONSPONSABILIDADE CIVIL DO INSS:

Cumpre mencionar que a matéria indenizatória está atrelada à configuração da responsabilidade civil da União pelos alegados danos suportados pela recorrente, em virtude dos efeitos do uso da talidomida por sua genitora.

Com efeito, o art. 37, § 6º, da Carta Política consagra a responsabilidade civil objetiva do Estado, calcada na teoria do risco administrativo, ora adotada no ordenamento jurídico pátrio. Para a sua configuração, é necessário a demonstração dos seguintes requisitos: conduta lesiva imputável a um de seus agentes, dano indenizável e nexo de causalidade entre o uso indevido da talidomida e o resultado danoso (as deformidades físicas congênitas daí resultantes), sendo dispensável a prova da culpa.

Na esfera administrativa, a Lei nº 7.070/82 dispõe que, para a concessão da pensão vitalícia, é necessário o preenchimento dos requisitos legais cumulativos (a apresentação do atestado médico comprobatório e ter passado, o beneficiário, por junta médica constituída pelo INSS), previstos em seus arts. 1º e 2º, que assim dispõem (grifei):

“Art 1º - Fica o Poder Executivo autorizado a conceder pensão especial, mensal, vitalícia e intransferível, aos portadores da deficiência física conhecida como "Síndrome da Talidomida" que a requererem, devida a partir da entrada do pedido de pagamento no Instituto Nacional de Previdência Social – INPS.

§ 1º - O valor da pensão especial, reajustável a cada ano posterior à data da concessão segundo o índice de Variação das Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional ORTN, será calculado, em função dos pontos indicadores da natureza e do grau da dependência resultante da deformidade física, à razão, cada um, de metade do maior salário mínimo vigente no País.

§ 2º - Quanto à natureza, a dependência compreenderá a incapacidade para o trabalho, para a deambulação, para a higiene pessoal e para a própria alimentação, atribuindo-se a cada uma 1 (um) ou 2 (dois) pontos, respectivamente, conforme seja o seu grau parcial ou total.

Art 2º - A percepção do benefício de que trata esta Lei dependerá unicamente da apresentação de atestado médico comprobatório das condições constantes do artigo anterior, passado por junta médica oficial para esse fim constituída pelo Instituto Nacional de Previdência Social, sem qualquer ônus para os interessados”.

Consta dos autos que a perícia médica do INSS concluiu, após avaliação da documentação do segurado, que ele “não necessita de assistência permanente de outra pessoa”, sugerindo, por fim, a análise do geneticista na fase recursal, se o caso (ID 254026034, fls. 09/15).

Em juízo, embora o laudo do assistente técnico do autor tenha apontado a vinculação com a patologia, o laudo pericial foi inconclusivo, ao destacar que “não é possível afirmar que suas sequelas atuais são características de uso de talidomida na gestação”, ressaltando a ausência de material genético. Confira-se (fls. 18/25, ID 254026039 e fls. 01/02, ID 254026040):

“O Autor apresentou ao exame físico realizado membros simétricos, baixa estatura, surdez bilateral, encefalopatia crônica não progressiva devido a prematuridade, segundo informações de sua historia gestacional sua mãe era portadora de hipotireoidismo foi indicado uso do medicamento talidomida durante a gestação.

Não foram referidos o tempo, assim como o período gestacional de uso do medicamento, não sendo possível comprovar de forma definitiva o uso da droga por sua mãe.

Ausência de dados periciais apresentados, ausência de outros exames para afirmar ser de etiologia de um único fator. Ausência de estudo de material genético normal.

Portanto não é possível afirmar que suas sequelas atuais são características de uso de talidomida na gestação.

Segundo relatório do geneticista a anomalia apresentada poder ser compatível com o diagnóstico de ‘Síndrome da Talidomida’.

Portanto o autor apresenta Incapacidade total e permanente. Necessita de ajuda de terceiros devido a distúrbio cognitivo severo”.

Durante a instrução probatória, o juízo a quo determinou que o INSS promovesse o encaminhamento ao pedido de exame genético, nos autos do procedimento administrativo NB 155.722.597-1 (ID 254026040, fls. 25/27). Contudo, o compulsar dos autos revela que o INSS deixou de realizar o exame genético do autor, no bojo do procedimento administrativo 155.722.597-1, mesmo tendo sido deferido sucessivas dilações de prazo para cumprimento da obrigação e determinado a inversão do ônus da prova.

Embora elaborado por médica especialista em genética integrante dos quadros do INSS, o documento apresentado pela ré se refere a um parecer e não ao exame médico do requerente, conforme se infere dos autos. Da leitura das conclusões, verifica-se que a especialista apenas analisou os dados processuais, sem a presença do requerente.

Com base nestes dados, foi redigido o “parecer especializado/geneticista” do INSS pela incompatibilidade do apelado com a patologia da Talidomida, pautado em características meramente físicas do autor - tais como, a “perda auditiva servera”, “o atraso de desenvolvimento neuropsicomotor” e a “baixa estatura e hidrocefalia leve/moderada”.

Tais características conduziram a fundamentação do parecer médico pela ausência de deformidades compatíveis com Embriopatia pela Talidomida, notadamente, com base na ausência de disformismo e malformações de membros. No ponto, o parecer deixa claro que tais dados foram colhidos através de exames físicos, oriundos de dados processuais, sem submeter o autor ao exame genético, objeto de determinação judicial.

Ainda que se não bastasse, o parecer não apresenta dados clínicos que atestem a extração do material genético, o método de preparo, o critério escolhido ou mesmo o procedimento técnico específico deste exame. Tampouco se verifica a análise de dados genéticos e o apontamento comparativo destes dados com as informações colhidas dos variados atestados médicos juntados pelo autor e, notadamente, com o laudo médico elaborado por médico especialista em genética, apresentado pelo recorrido.

Colho, a propósito, o inteiro teor das conclusões do parecer juntado pelo INSS (fl. 06, ID 254026054):

“Análise de dados processuais sem a presença de requerente. Apresenta vários atestados médicos, avaliação auditiva, oftalmológica, fotos e dados de avaliação pericial de 2011.

Requerente com quadro de perda auditiva severa provavelmente congênita, atraso de desenvolvimento neuropsicomotor, baixa estatura e hidrocefalia leve/moderada. Sem dismorfismos e SEM descrição de malformações de membros ao exame físico. A embriopatia pela talidomida normalmente associada a defeitos de membros bilaterais, tanto em membros superiores quanto inferiores (simétricos ou não) com malformações de membros superiores de predominância em eixo radial. Além disso muitos casos apresentam outras anomalias associadas. Principalmente craniofaciais/dismorfismos. A alteração descrita no requerente não é compatível com tal quadro. Há vários fatores etiológicos para estas alterações (perda auditiva, hidrocefalia, atraso de desenvolvimento) desde quadros infecciosos pré ou pós natais a síndromes genéticas. Conclui-se: Quadro de Perda auditiva congênita, deficit intelectual, baixa estatura e hidrocefalia, sem malformação de membros. Quadro NÃO compatível com a Embriopatia pela Talidomida.”

Por sua vez, o autor juntou um laudo médico de especialista em genética, que concluiu pelo diagnóstico de Encefalopatia Crônica Não Progressiva e concluiu pelo uso da talidomida pela genitora do paciente, com base em relatos de familiares (fl. 25, ID 254026032). Embora não constatada a focomelia (alterações dismórficas), restou evidenciado o retardo no desenvolvimento neuropsicomotor, de moderado a severo. Confira-se:

“Os dados acima são fortemente sugestivos de alterações geradas pela talidomida e prematuridade. Não há possibilidade de desvincular estes parâmetros.

Esta afecção está relacionada a agente químico externo e a prematuridade, ou seja, Encaflopatia Crônica Não Progressiva Secundária ao uso de Talidomida e Prematuridade. CID 10 G 94.3

Este quadro descrito incapacita o paciente para qualquer atividade laboral remunerada”.

Ainda, os atestados médicos são categóricos no sentido de que o autor é portador de deficiência mental e não tem condições de exercer suas atividades, em decorrência de sua invalidez permanente (fls. 53/56, ID 254026040).

Com efeito, o art. 373 do CPC/15 consagrou, como regra, a distribuição estática do ônus da prova, fazendo recair sobre o autor a incumbência de provar os fatos constitutivos de seu direito e sobre o réu os fatos impeditivos, extintivos ou modificativos do direito do autor.

Cumpre destacar que a inversão do ônus da prova se aplica apenas de forma excepcional, nos casos previstos em lei ou diante das peculiaridades do caso concreto, relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput do art. 373 do CPC.

Na espécie, o cotejo analítico de provas poderia conduzir, a princípio, à ausência de prova da origem genética da deficiência do apelado, se não tivesse a parte ré o ônus de provar suas alegações, conforme determinado na origem, por ocasião da decisão que determinou a inversão do ônus probatório (ID 254026052).

Contudo, a autarquia não se desincumbiu de seu ônus de comprovar, à contento, que o quadro clínico do autor não tem compatibilidade com a síndrome da Talidomida, o que conduz à conclusão de que o indeferimento do benefício da pensão vitalícia, na via administrativa, padece de nulidade, por manifesta ausência de fundamentação e abuso de poder, ante a recusa na realização do exame genético pela autarquia, além do descumprimento de decisão judicial.

Colho, a propósito, precedente jurisprudencial desta Turma Julgadora:

“DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. SÍNDROME DE TALIDOMIDA.

1.    A Lei nº 12.910/10 foi criada com a finalidade de conceder indenização por dano moral às pessoas com deficiência física decorrente do uso da talidomida, consistente no pagamento de valor único igual a R$ 50.000,00  (cinquenta mil reais), multiplicado pelo número dos pontos indicadores da natureza e do grau da dependência resultante da deformidade física.

2.    A indenização por danos morais não se confunde com a pensão especial prevista na Lei 7.070/82, cujo teor assistencial difere da pretensão indenizatória, razão pela qual não podem ser compensadas.

3.    No caso em apreço, consta dos autos perícia médica, na qual aponta que “com os elementos disponíveis no processo, pode-se concluir que a autora apresenta malformação do membro superior esquerdo compatível com a Síndrome da Talidomida” (ID 149376339, p. 183); também no laudo médico de ID 149376340, p. 57-65, tal possibilidade não é descartada. Levando-se em conta que o diagnóstico da Síndrome da Talidomida é feito por meio de exames clínicos, tem-se por demonstrada tal condição da autora.

4.    Quanto aos pontos indicadores da natureza e do grau de dependência resultante da deformidade, a que alude a Lei n.º 7.070/1982, não obstante não tenha havido definição nas perícias médicas, é possível a atribuição de 2 (dois) pontos.

5.   Apelação provida em parte, para reconhecer o direito da recorrente à pensão especial estampada na Lei 7.070/82, bem assim o direito a indenização por danos morais, conforme previsto na Lei n.º 12.910/10, em R$ 100.000,00 (cem mil reais).

(TRF3 – ApCiv 0012161-36.2012.4.03.6100, Rel. para o acórdão NELTON DOS SANTOS, TERCEIRA TURMA, j. 16/06/2021, DJe 29/06/2021)

Desse modo, restou configurados os elementos ensejadores da responsabilidade civil do INSS, à luz do art. 37, §6º da CF/88, motivo pelo qual a manutenção da r. sentença condenatória, quanto à pensão vitalícia, é medida que se impõe.

No tocante aos índices aplicáveis aos consectários legais (correção monetária e juros de mora), melhor sorte não assiste ao recorrente, porquanto a r. sentença se amparou no Manual de Orientação de Procedimento para os Cálculos da Justiça Federal, que se encontra atualizado nos moldes da jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores.

Por fim, considerando que a parte autora decaiu em parte mínima do pedido e que a parte ré restou vencida nesta via recursal, majoro os honorários advocatícios em um ponto percentual a incidir sobre o percentual fixado na origem, à luz do art. 85, §11 do CPC/15.

Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação do INSS, apenas para reconhecer a prescrição do dano moral, mantendo a r. sentença, quanto à condenação da autarquia ao pagamento da pensão vitalícia, estabelecida pela Lei nº 7.070/82, ao autor.

É COMO VOTO.

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

 

DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. SÍNDROME DE TALIDOMIDA. DANO MORAL PRESCRITO. PENSÃO VITALÍCIA MANTIDA. AUSÊNCIA DE REALIZAÇÃO DO EXAME GENÉTICO A CARGO DO INSS. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. JUNTADA DE LAUDO MÉDICO DE GENETICISTA PELO AUTOR. ATESTADOS MÉDICOS PELA DEFICIÊNCIA PERMANENTE. NEXO CAUSAL COMPROVADO. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.

01. A controvérsia trazida à baila diz respeito à responsabilidade civil do INSS pelos danos materiais e morais acarretados pela recusa da autarquia previdenciária em conceder a pensão vitalícia, prevista na Lei nº 7.070/82, à recorrente.

02. A matéria indenizatória está atrelada à configuração da responsabilidade civil objetiva do Estado, inserta no art. 37, § 6º, da CF/88, ora adotada no ordenamento jurídico pátrio. Para a sua configuração, é necessário a demonstração dos seguintes requisitos: conduta lesiva imputável a um de seus agentes, dano indenizável e nexo de causalidade entre o uso indevido da talidomida e o resultado danoso (as deformidades físicas congênitas daí resultantes), sendo dispensável a prova da culpa.

03. À luz da jurisprudência do STJ, o INSS se afigura como parte legítima para figurar, com exclusividade, no polo passivo das demandas que versam sobre o benefício assistencial, por ser ele responsável pela operacionalização do pagamento. Precedente: AgRg no REsp n. 513.694/RS, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 5/8/2014, DJe de 19/8/2014. Ilegitimidade passiva do INSS afastada.

Pensão vitalícia mantida. Ausência de prescrição do fundo de direito.

04. Em se tratando de prestação de trato sucessivo - como se dá com relação à pensão vitalícia concedida aos portadores da síndrome da talidomida, prevista na Lei nº 7.070/82 -, não ocorre a prescrição do fundo de direito, mas apenas a prescrição quinquenal das parcelas anteriores ao ajuizamento da ação. Na espécie, o autor requereu administrativamente a pensão vitalícia em 15/04/2011, pleito indeferido pelo INSS em 05/11/2011 e, judicialmente, protocolou a presente ação em 01/12/2015, não havendo que se falar em prescrição.

05. Noutro vértice, o mesmo raciocínio não se aplica à reparação civil por danos morais, prevista na Lei nº 12.190/2010, por não ser esta indenização equiparada à prestação de trato sucessivo, como ocorre com a pensão vitalícia. No caso em apreço, o autor ajuizou a ação em 01/12/2015, após o transcurso do prazo prescricional de 05 (cinco) anos da publicação da lei que originou o pretenso direito (14/01/2010). Prescrição dos danos morais reconhecida.

06. No mérito, o cotejo analítico de provas poderia conduzir, a princípio, à ausência de prova da origem genética da deficiência do apelado, se não tivesse a parte ré o ônus de provar suas alegações, conforme determinado na origem, por ocasião da decisão que determinou a inversão do ônus probatório. Ocorre que a autarquia não se desincumbiu de seu ônus de comprovar, à contento, que o quadro clínico do autor não tem compatibilidade com a síndrome da Talidomida, o que conduz à conclusão de que o indeferimento do benefício da pensão vitalícia, na via administrativa, padece de nulidade, por manifesta ausência de fundamentação e abuso de poder, seja pela recusa na realização do exame genético pelo INSS, seja pelo descumprimento de decisão judicial.

07. Condenação ao pagamento da pensão vitalícia mantida, nos moldes determinados na r. sentença.

08. Honorários advocatícios majorados em um ponto percentual a incidir sobre o percentual fixado na origem.

09. Apelo parcialmente provido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por unanimidade, deu parcial provimento à apelação do INSS, apenas para reconhecer a prescrição do dano moral, mantendo a r. sentença, quanto à condenação da autarquia ao pagamento da pensão vitalícia, estabelecida pela Lei nº 7.070/82, ao autor, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.