APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000374-37.2017.4.03.6002
RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY
APELANTE: UNIÃO FEDERAL
APELADO: JURACI VOLPATO MARQUES
Advogado do(a) APELADO: GENOVEVA TERESINHA RICKEN - MS23819-A
OUTROS PARTICIPANTES:
TERCEIRO INTERESSADO: MARCIO JOSE DA CRUZ MARTINS, RODRIGO DE OLIVEIRA AGUILLERA, DANIEL RODRIGUES BENITES FILHO
ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: MARCIO JOSE DA CRUZ MARTINS - MS7668-B
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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000374-37.2017.4.03.6002 RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY APELANTE: UNIÃO FEDERAL APELADO: JURACI VOLPATO MARQUES Advogado do(a) APELADO: GENOVEVA TERESINHA RICKEN - MS23819-A OUTROS PARTICIPANTES: TERCEIRO INTERESSADO: MARCIO JOSE DA CRUZ MARTINS, RODRIGO DE OLIVEIRA AGUILLERA, DANIEL RODRIGUES BENITES FILHO ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: MARCIO JOSE DA CRUZ MARTINS - MS7668-B R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação interposta pela UNIÃO FEDERAL contra sentença proferida em ação pelo procedimento comum movida em face dela por JURACI VOLPATO MARQUES objetivando a anulação de sanção disciplinar imposta em seu desfavor. Narra o autor em sua inicial que fora instaurado processo administrativo disciplinar contra si com a seguinte acusação: “no dia 05.03.2015 durante o depoimento prestado perante Comissão Permanente de Disciplina nesta regional, na Delegacia de Polícia Federal em Dourados/MS, se comportou de maneira desrespeitosa, cometendo atos de insubordinação e tecendo críticas a Administração e ao presidente da referida Comissão, tendo ainda afirmado naquela audiência que tem conhecimento de que o chefe da DPF/DRS/MS, às vezes, faz perseguições veladas e outras não veladas contra o acusado", referindo-se ao APF Carlos Cesar Meirelles da Silva e ainda, ‘que a administração faz instauração de PAD'S ridículos’ contra o citado acusado”. Argumenta que o Núcleo Disciplinar concluiu que teria ele cometido transgressão disciplinar prevista nos incisos I, III e XLII do artigo 43, da Lei n° 4.878/65, a despeito de a Comissão Processante ter se manifestado pela sua absolvição. Sustenta que referida punição insere-se num contexto de perseguição àqueles que tem defendido os interesses da categoria profissional, como é o seu caso (ID 133648331 - pág. 02/41 e ID 133648432 - pág. 01/02). Indeferido o pedido de tutela provisória (ID 133648439 - pág. 29/34). Contestação pela União (ID 133648439 - pág. 42/45 e ID 133648440 - pág. 01/08). Foi colhido o depoimento pessoal do autor, bem como ouvida uma testemunha e um informante do Juízo (ID 133648442 - pág. 12/16). Em sentença prolatada em 08/09/2019, o Juízo de Origem julgou parcialmente procedente o pedido para anular parcialmente o procedimento administrativo disciplinar n° 015/2015, a partir da dosimetria da pena, devendo as autoridades competentes retomarem os trabalhos, atentando para a tipicidade da conduta do autor apenas em relação ao contido no inciso I, artigo 43 da Lei n. 4878/1965, e atipicidade no tocante ao descrito nos incisos II e XLII, do artigo 43, da Lei n. 4878/65, operando-se os efeitos patrimoniais decorrentes da nova pena a ser aplicada. Condenou a ré em honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa e o autor em custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa, observada a gratuidade da justiça em relação ao requerente (ID 133648442 - pág. 26/39 e ID 133648443 - pág. 01/10). A União apela para ver o pedido julgado improcedente, sustentando, em síntese, a validade da sanção aplicada diante das provas do processo administrativo (ID 133648456). Sem contrarrazões (ID 133648458). É o relatório.
ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: MARCIO JOSE DA CRUZ MARTINS - MS7668-B
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V O T O Pretende o autor a anulação de sanção disciplinar imposta em seu desfavor. Quanto ao controle judicial dos atos administrativos, trago à colação os ensinamentos de Hely Lopes Meirelles: “Os atos administrativos nulos ficam sujeitos a invalidação não só pela própria Administração como, também, pelo Poder Judiciário, desde que levados à sua apreciação pelos meios processuais cabíveis que possibilitem o pronunciamento anulatório. Como visto no cap. II, item 2.3.2. o § 3° do art. 103-A da CF, acrescido pela EC 45/2004, diz que o ato administrativo que contrariar súmula com efeito vinculante, prevista pelo caput desse art. 103-A, ou que indevidamente a aplicar, poderá ser objeto de reclamação junto ao STF, a qual, se julgada procedente, implicará a anulação do ato; mas, antes, deve haver o esgotamento das vias administrativas, como exige o § 1° do art. 7º da Lei 11.417/2006, que regulamentou a súmula vinculante e inclusive tornou mais eficiente e rigoroso esse controle. A Justiça somente anula atos ilegais, não podendo revogar atos inconvenientes ou inoportunos mas formal e substancialmente legítimos, porque isto é atribuição exclusiva da Administração. O Judiciário também não pode dar o ato como válido por motivo ou fundamento diferente daquele nele apontado, em respeito à teoria dos motivos determinantes (cf. item 5). O controle judicial dos atos administrativos é unicamente de legalidade, mas nesse campo a revisão é ampla, em face dos preceitos constitucionais de que a lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV); conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, individual ou coletivo, não amparado por ‘habeas corpus’ ou ‘habeas data’ (art. 5º, LXIX e LXX); e de que qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe (art. 5°, LXXIII). Diante desses mandamentos da Constituição, nenhum ato do Poder Público poderá ser subtraído do exame judicial, seja ele de que categoria for (vinculado ou discricionário) e provenha de qualquer agente, órgão ou Poder. A única restrição oposta é quanto ao objeto do julgamento (exame de legalidade ou da lesividade ao patrimônio público), e não quanto à origem ou natureza do ato impugnado. (...) Controle judiciário ou judicial é o exercido privativamente pelos órgãos do Poder Judiciário sobre os atos administrativos do Executivo, do Legislativo e do próprio Judiciário quando realiza atividade administrativa. É um controle a posteriori, unicamente de legalidade, por restrito à verificação da conformidade do ato com a norma legal que o rege. Mas é sobretudo um meio de preservação de direitos individuais, porque visa a impor a observância da lei em cada caso concreto, quando reclamada por seus beneficiários. Esses direitos podem ser públicos ou privados – não importa -, mas sempre subjetivos e próprios de quem pede a correção judicial do ato administrativo, salvo na ação popular e na ação civil pública, em que o autor defende o patrimônio da comunidade lesado pela Administração”. (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 42ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2006. P. 235-236 e 845). Especificamente sobre processo administrativo disciplinar, prossegue o doutrinador: “Permitido é ao Poder Judiciário examinar o PAD para verificar se a sanção imposta é legítima à luz do devido processo legal material, e se a apuração da infração atendeu ao devido procedimento legal. Essa verificação importa conhecer os motivos da punição e saber se foram atendidas as formalidades procedimentais essenciais, notadamente a oportunidade de defesa ao acusado e a contenção da comissão processante e da autoridade julgadora nos limites de sua competência funcional, isto sem tolher o discricionarismo da Administração quanto à escolha da pena aplicável dentre as consignadas na lei ou regulamento do serviço, à graduação quantitativa da sanção e à conveniência ou oportunidade de sua imposição. O Poder Judiciário pode, se provocado, examinar os motivos e o conteúdo do ato de demissão, para julgar se ele é, ou não, legítimo frente à lei e aos princípios, em especial os da proporcionalidade e razoabilidade. Em suma, o que se nega ao Judiciário é o poder de substituir ou modificar penalidade disciplinar a pretexto de fazer justiça, pois, ou a punição é legal, e deve ser confirmada, ou é ilegal, e há que ser anulada; (...)”. (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 42ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2006. P. 833). Além disso, a validade do ato administrativo deve ser analisada à luz da motivação indicada pela própria Administração Pública, sendo irrelevantes outros elementos fáticos que possam, em tese, justificar o ato. Neste ponto, veja-se a lição de Hely Lopes Meirelles: “A teoria dos motivos determinantes funda-se na consideração de que os atos administrativos, quando tiverem sua prática motivada, ficam vinculados aos motivos expostos, para todos os efeitos jurídicos. Tais motivos é que determinam e justificam a realização do ato, e, por isso mesmo, deve haver perfeita correspondência entre eles e a realidade. Mesmo os atos discricionários, se forem motivados, ficam vinculados a esses motivos como causa determinante de seu cometimento e se sujeitam ao confronto da existência e legitimidade dos motivos indicados. Havendo desconformidade entre os motivos determinantes e a realidade, o ato é inválido”. (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 42ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2006. P. 223-224). Não é outra a lição de Celso Antonio Bandeira de Mello: “A propósito dos motivos da motivação, é conveniente, ainda, lembrar a ‘teoria dos motivos determinantes’. De acordo com esta teoria, os motivos que determinaram a vontade do agente, isto é, os fatos que serviram de suporte à sua decisão, integram a validade do ato. Sendo assim, a invocação dos ‘motivos de fato’ falsos, inexistentes ou incorretamente qualificados vicia o ato mesmo quando, conforme já se disse, a lei não haja estabelecido, antecipadamente, os motivos que ensejariam a prática do ato, uma vez enunciados pelo agente os motivos em que se calçou, ainda quando a lei não haja expressamente imposto a obrigação de enunciá-los, o ato só seria válido se estes realmente ocorreram e o justificavam”. (in Curso de Direito Administrativo, 17ª Edição, 2004, p. 370). Com efeito, entendo que a decisão administrativa contrária às provas constantes de processo administrativo é ilegal e, portanto, deve ser anulada judicialmente. Veja-se: a decisão contrária às provas dos autos administrativos é ilegal; a apreciação destas provas pela autoridade administrativa, no entanto, se insere no mérito administrativo, de sorte que não é cabível a mera reapreciação judicial das provas valoradas administrativamente. Neste sentido: “DIREITO ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. DECISÃO ADMINISTRATIVA CONTRÁRIA ÀS PROVAS CONSTANTES DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. VIOLAÇÃO DO DEVER DE URBANIDADE E IMPESSOALIDADE POR MANIFESTAÇÃO DE DESAPREÇO NÃO DEMONSTRADA. EXERCÍCIO DA LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO E DA LIBERDADE DE ATUAÇÃO SINDICAL. MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ART. 85, § 11, DO CPC. SENTENÇA MANTIDA. JULGAMENTO NÃO UNÂNIME. SUBMISSÃO AO ART. 942 DO CPC/15. APELAÇÃO DESPROVIDA. 1. Diante do resultado não unânime, o julgamento teve prosseguimento conforme o disposto no art. 942 do CPC/15. 2. Mantida a sentença de procedência do pedido em relação ao coautor Ivanilton Morais Mota, por ter sido ele punido administrativamente sem sequer ter sido indiciado em sindicância. 3. A decisão administrativa contrária às provas constantes de processo administrativo é ilegal e, portanto, deve ser anulada judicialmente. 4. A apreciação destas provas pela autoridade administrativa, no entanto, se insere no mérito administrativo, de sorte que não é cabível a mera reapreciação judicial das provas valoradas administrativamente. 5. No caso concreto, contudo, tem-se que a decisão administrativa se afigura contrária às provas dos autos. 6. O caso dos autos se encontra em algum lugar entre a tênue linha que divide a liberdade de manifestação do pensamento - e a liberdade de atuação sindical, que lhe é conexa - e os deveres de urbanidade e de impessoalidade que devem ser observados pelos servidores públicos - tanto os chefes quanto os seus subordinados. 7. O que houve foi uma manifestação de descontentamento de alguns servidores com a atuação do Diretor da Penitenciária, que entendem ter privilegiado alguns colegas e prejudicado outros, mormente por meio de avaliações funcionais que, no entender de alguns servidores, serviram como mera forma de retaliação do Diretor contra parte deles. 8. Embora essa possível perseguição pretérita não tenha sido objeto direto da sindicância ora em análise, se de fato ela aconteceu, isso reforça a tese dos autores, porque torna muito mais crível que também essa sindicância tenha servido de mero instrumento de vingança do dirigente contra seus desafetos. 9. Apesar da ausência de prova testemunhal nesses autos, impossível ignorar que há elementos robustos nos autos que apontam para uma clara indisposição entre o Diretor da Penitenciária e alguns dos agentes penitenciários. 10. Reforça-se com isso, a possibilidade de a sindicância em comento ter sido instaurada com desvio de finalidade, porquanto não destinada, verdadeiramente, à apuração de possíveis infrações funcionais pelos servidores, mas com o claro fito de retaliar os desafetos do dirigente, como bem reconhecido em sentença. 11. Nesse contexto fático, tem-se que a conduta dos autores revela críticas à atuação do Diretor da Penitenciária nessa qualidade, e não desapreço à sua pessoa - como quis a Administração fazer parecer, por meio da indigitada sindicância -, sem que se tenha transbordado os limites de uma civilizada crítica à atuação do dirigente daquela instituição. 12. A imposição de sanção disciplinar aos autores por uma suposta violação de dever de urbanidade e por manifestação de desapreço (art. 116, XI e art. 117, V, ambos da Lei n° 8.112/90) se revela claramente contrária às provas dos autos da sindicância administrativa, devendo ser anulada. 13. Considerando que a sentença foi publicada após 18 de março de 2016, que houve condenação ao pagamento de honorários advocatícios em valor abaixo dos limites do § 3º, inciso I do art. 85 do Código de Processo Civil de 2015 e o não provimento do recurso (STJ, EDcl no AgInt no RESP n° 1.573.573 RJ. Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze. Terceira Turma. DJe 08/05/2017), majoram-se os honorários advocatícios devidos pela União para R$ 3.000,00 (três mil reais), com fundamento no artigo 85, § 11 do CPC/2015. 14. Apelação desprovida” (destaquei). (TRF da 3ª Região, Apelação Cível n° 0004678-32.2010.4.03.6000/SP, Rel. Desembargador Federal Wilson Zauhy, Primeira Turma, julgamento em 12/08/2022, DJEN: 16/08/2022). “ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. PROCESSO ADMINISTRATIVO E SINDICÂNCIA. RESPEITO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. MÉRITO DO ATO ADMINISTRATIVO. VEDAÇÃO AO PODER JUDICIÁRIO. SEPARAÇÃO DOS PODERES. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. APELAÇÃO DESPROVIDA. (...) 10. É possível o reexame do ato administrativo à luz da razoabilidade, mas não cabe ao Poder Judiciário, como pretende a parte autora, imiscuir-se no juízo e discricionariedade administrativos, reapreciando provas administrativamente apresentadas e devidamente rebatidas, uma vez que não se trata de ato ilegal ou de abuso de poder, em respeito ao princípio da separação de poderes”. (...) (TRF da 3ª Região, Apelação Cível n° 5017962-32.2018.4.03.6100/SP, Rel. Desembargador Federal Hélio Nogueira, Primeira Turma, julgamento 02/02/2021, intimação via sistema em 11/02/2021). Bem estabelecidas essas premissas, verifico que a sanção disciplinar imposta ao autor fundou-se nos incisos I, III e XLII do artigo 43, da Lei n° 4.878/65, in verbis: “Art. 43. São transgressões disciplinares: (Vide ADPF 353) I - referir-se de modo depreciativo às autoridades e atos da administração pública, qualquer que seja o meio empregado para êsse fim; (Vide ADPF 353) (...) III - promover manifestação contra atos da administração ou movimentos de aprêço ou desaprêço a quaisquer autoridades; (Vide ADPF 353) (...) XLII - dirigir-se ou referir-se a superior hierárquico de modo desrespeitoso; (Vide ADPF 353) (...)”. Cumpre consignar que são inaplicáveis ao caso concreto as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF 353, uma vez que o Pretório Excelso reconheceu a não recepção do inciso I do art. 43 da Lei n° 4.878/65 em efeitos ex nunc, a partir de 18/06/2021, e a decisão administrativa é anterior a essa data. O Juízo Sentenciante acolheu parcialmente o pedido por entender que a conduta do autor subsume-se unicamente ao inciso I do artigo 43 da Lei n° 4.878/65, e não aos incisos III e XLII do mesmo artigo, como revela o seguinte trecho da fundamentação (ID 133648442 - pág. 38/39 e ID 133648443 - pág. 01/05): “(...) Da imputação de ‘promover manifestação contra atos da administração ou movimentos de apreço ou desapreço a quaisquer autoridades. Diversamente da imputação anterior, há evidente falta de subsunção, é dizer, a conduta do autor não se adequa ao tipificado no inciso III, da Lei n. 4878/65. A decisão da autoridade competente em tipificar a conduta do autor como incursa no mencionado dispositivo configura erro invencível, o que resultou na inadequação da penalidade aplicada, a justificar a intervenção do Poder Judiciário, sem contudo, implicar ingerência ao princípio constitucional da separação de poderes. (...) Do exame dos autos, forçosa a conclusão que a conduta do autor não se enquadra no tipo legal pretendido no processo administrativo disciplinar em seu desfavor, pois ele manifestou seu pensamento ao qualificar como ‘ridículos’ os PADS instaurados em desfavor do APF Carlos, e não ‘promoveu manifestação’ no âmbito do trabalho, como forma de perturbar a ordem no ambiente do trabalho, há nitidamente erro invencível da parte, pois a conduta do autor não é típica em relação ao inciso ora analisado, daí inexistir justa causa para sua apenação. (...) Da imputação ‘dirigir-se ou referir-se a superior hierárquico de modo desrespeitoso’; Ao autor também foi imputado o cometimento da infração de ‘dirigir-se ou referir-se a superior hierárquico de modo desrespeitoso’. Na mesma linha das análises anteriores, necessário averiguarmos se estão presentes a tipicidade, culpabilidade e antijuridicidade. Para configuração da tipicidade imprescindível a adequação da conduta do autor aos elementos do tipo disciplinar descrito no inciso XLII, do artigo 43, da Lei n. 4878/65. Objetivamente, passo a discorrer sobre a elementar ‘superior hierárquico’, trazendo o conceito de hierarquia como ‘Ordem de subordinação dos poderes eclesiásticos, civis e militares. 2. Graduação da autoridade, correspondente às várias categorias de funcionários públicos; classe’. Assim, para que haja superior hierárquico, necessário um escalonamento dentro de um determinado contexto. Do cotejo do conceito descrito acima com o contexto da colheita de prova oral - a saber oitiva do autor desta demanda na qualidade de testemunha do PAD - perante o presidente da Comissão Processante, asseguro que não se encontra presente a subordinação hierárquica, pois apesar de fazerem parte de uma organização pública hierarquizada, no cenário de audiência de instrução de processo administrativo, ausente uma escala de nível inferior ao superior. Não há graus de posição, e sim papeis distintos a serem desempenhadas para elucidação de um determinado caso concreto, o que não exclui a necessidade de respeito e urbanidade entre os envolvidos. Em reforço, vejamos decisões exaradas no contexto de subordinação hierárquica: (...) Ademais, do conjunto probatório existente nos autos há nítida demonstração que ‘as críticas de Juraci Volpato não eram direcionadas à Comissão ou aos seus membros, mas à Administração em geral (...) não tecendo nenhuma crítica ao Presidente, nem aos demais membros da Comissão (fls, 172V); (···) Não houve críticas diretas ao Presidente da Comissão e seus membros, salvo engano (f1. 173). Ainda, o presidente da Comissão afirmou em seu depoimento (fls 87) " (...) que não existe relação de subordinação hierárquica entre as testemunhas, ainda que servidores, e os membros da Comissão. (...) que durante os depoimentos não ouviu críticas do ora acusado contra os membros da Comissão. Diante da atipicidade da conduta do autor nas elementares descritas nos incisos II e XLII, do artigo 43, da Lei n. 4878/65, impõe-se a revisão do processo administrativo disciplinar instaurado pela Portaria n 878/2015-SR/DPF/MS, de 10 de setembro de 2015, para tanto, há amparo na lei e nos precedentes judiciais, conforme transcrito a seguir: (...)” (destaquei). Pois bem. Consoante relatado, as possíveis infrações disciplinares atribuídas ao autor teriam sido cometidas por ele enquanto era ouvido, na qualidade de testemunho, nos autos do processo administrativo disciplinar referente a outro servidor. De fato, os elementos dos autos deixam dúvidas sobre qual foi a efetiva conduta do requerente naquela oportunidade. A tese autoral é de que os membros da Comissão Processante teriam se indisposto com o demandante por ter ele defendido “interesses da categoria”, enquanto a ré alega que o autor teria adotado comportamento inadequado, ora sentando-se de forma desleixada, ora respondendo às perguntas com outras perguntas, com ironia e mau humor. Em que pese não ser possível saber exatamente o que se passou naquela oportunidade, tenho que a sentença há de ser integralmente mantida. Isto porque não há dúvidas de que a conduta imputada ao autor - de, ao prestar depoimento da qualidade de testemunha em processo administrativo disciplinar de terceiro, qualificar como “ridículos” outros PADs instaurados em desfavor daquele servidor - não configura promoção de manifestação ou de movimento de apreço ou desapreço a quem quer que seja, de sorte que não se amolda ao inciso III do art. 43 da Lei n° 4.878/65. Embora relevante a argumentação recursal de que “não é dado a qualquer testemunha, seja no âmbito judicial ou administrativo, emitir juízo de valor sobre os fatos dos quais está sendo inquirida”, entendo que isso, por si só, não configura a mencionada infração disciplinar, por falta de previsão legal. Do mesmo modo, inexistente vínculo hierárquico entre o autor e os membros da Comissão Processante, não cabe falar na infração prevista no inciso XLII do art. 43 da Lei n° 4.878/65. Com efeito, tem razão a União ao argumentar que deve o autor, como qualquer outro servidor, portar-se adequada e respeitosamente perante a Comissão Disciplinar. Nada obstante, entendo que não é possível alargar o conceito legal de “superior hierárquico” como pretende a União, sob pena de se criar, pela via jurisdicional, tipificação disciplinar não prevista em lei. Deixo de analisar eventual subsunção da conduta imputada ao autor a outro tipo disciplinar em razão da teoria dos motivos determinantes supramencionada. Nada há que se reparar na sentença, portanto. Condeno a apelante em honorários recursais fixados em 1% sobre o valor atualizado da causa. Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação e condenar a apelante em honorários recursais fixados em 1% sobre o valor atualizado da causa. É como voto. São Paulo, 26 de janeiro de 2023.
E M E N T A
DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. SERVIDOR OUVIDO NA QUALIDADE DE TESTEMUNHA EM OUTRO PAD. DEPOIMENTO QUE NÃO CONFIGURA PROMOÇÃO DE MANIFESTAÇÃO OU MOVIMENTO DE APREÇO OU DESAPREÇO. INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO HIERÁRQUICO COM MEMBROS DA COMISSÃO PROCESSANTE. CONDUTA QUE NÃO SE SUBSUME AOS INCISOS III E XLII DO ART. 13 DA LEI 4.878/65. HONORÁRIOS RECURSAIS.
1. Pretende o autor a anulação de sanção disciplinar imposta em seu desfavor. Caso em que foi aplicada pena de suspensão ao demandante com fundamento nos incisos I, III e XLII do artigo 43, da Lei n° 4.878/65 (“referir-se de modo depreciativo às autoridades e atos da administração pública, qualquer que seja o meio empregado para êsse fim”, “promover manifestação contra atos da administração ou movimentos de aprêço ou desaprêço a quaisquer autoridades” e “dirigir-se ou referir-se a superior hierárquico de modo desrespeitoso”). As possíveis infrações disciplinares atribuídas ao autor teriam sido cometidas por ele enquanto era ouvido, na qualidade de testemunho, nos autos do processo administrativo disciplinar referente a outro servidor.
2. A conduta imputada ao autor - de, ao prestar depoimento da qualidade de testemunha em processo administrativo disciplinar de terceiro, qualificar como “ridículos” outros PADs instaurados em desfavor daquele servidor - não configura promoção de manifestação ou de movimento de apreço ou desapreço a quem quer que seja, de sorte que não se amolda ao inciso III do art. 43 da Lei n° 4.878/65.
3. Inexistente vínculo hierárquico entre o autor e os membros da Comissão Processante, não cabe falar na infração prevista no inciso XLII do art. 43 da Lei n° 4.878/65.
4. Deixa-se de analisar eventual subsunção da conduta imputada ao autor a outro tipo disciplinar em razão da teoria dos motivos determinantes. Doutrina de Hely Lopes Meirelles.
5. Condena-se a apelante em honorários recursais fixados em 1% sobre o valor atualizado da causa.
6. Apelação não provida.