Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000017-98.2019.4.03.6002

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: BIANCA RAISSA BUENO MINELLA

Advogado do(a) APELANTE: BRUNA PAVAO PASSOS - MS26316-A

APELADO: ANTONIA SOARES BARBOSA, CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000017-98.2019.4.03.6002

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: BIANCA RAISSA BUENO MINELLA

Advogado do(a) APELANTE: BRUNA PAVAO PASSOS - MS26316-A

APELADO: ANTONIA SOARES BARBOSA, CAIXA ECONOMICA FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de apelação interposta por BIANCA RAISSA BUENO MINELLA contra sentença proferida nos autos da ação de reintegração de pose, ajuizada pela Caixa Econômica Federal, que julgou procedente os pedidos, nos seguintes termos (Id. Num. 261965301):

(…) Assim, deve ser julgado procedente o pedido.

Extingue-se o feito com resolução do mérito, na forma do art. 487, inciso I, do CPC, julgando procedente o pedido inicial.

Declara-se rescindido o contrato 872002233046, com condenação da ré Bianca Raissa Bueno Minella ao pagamento de taxa de ocupação do imóvel. A Caixa Econômica Federal será reintegrada na posse do imóvel Apartamento 304, Bloco 4, do Condomínio Residencial Roma I, localizado na Rua Umbria, 10, Dourados-MS, matriculado sob o número 122.608 – CRI Dourados-MS.

Concede-se a antecipação de tutela. A fundamentação desta sentença representa a probabilidade do direito. O periculum in mora, por sua vez, resulta da impossibilidade de a autora destinar o bem a outra família que se enquadre no programa.

Serve-se desta como mandado de intimação/reintegração de posse, concedendo-se às rés Bianca Raissa Bueno Minella, CPF 055.794.261-60, e Antonia Soares Barbosa, ou aos eventuais ocupantes do imóvel, o prazo de 60 dias corridos para desocupação voluntária. Transcorrido o prazo, proceda o Oficial de Justiça à desocupação forçada com auxílio de força policial, se necessário. Serve-se desta como ofício ao Delegado da Polícia Federal para requisição de força policial.

Imóvel a ser reintegrado: Apartamento 304, Bloco 4, do Condomínio Residencial Roma I, localizado na Rua Umbria, 10, Dourados-MS, matriculado sob o número 122.608 – CRI Dourados-MS.

Condena-se a defesa ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% do valor da condenação (CPC, 85, § 2º).

Sentença não sujeita à remessa necessária.

P.R.I. Oportunamente, arquivem-se.”

(negrito original)

 

Em suas razões de apelação a requerida argumentando, em síntese, que o imóvel objeto do presente contrato é destinado à moradia própria e de sua família, cumprindo, assim, sua função social, ao permitir o desenvolvimento de um núcleo familiar e garantindo-lhe a satisfação do direito fundamental à moradia. Sustenta ser ilegal e inconstitucional, com base nos dispositivos mencionados, à reintegração de posse e rescisão contratual. Não há, assim, necessidade, adequação, proporcionalidade e nem mesmo fundamento jurídico suficiente para a decretação da medida pleiteada pela CEF, ainda mais quando não desvirtuou a finalidade da residência. Requer, ao final, a concessão de prazo adicional para que a Apelante pudesse desocupar o imóvel que habita, em atenção ao princípio da proporcionalidade e razoabilidade, em razão da necessidade de preponderar o direito à saúde e à dignidade da pessoa humana. Pugna pela concessão de efeito suspensivo. (Id. Num. 261965306)

Com contrarrazões da CEF (Id. Num. 262050818), os autos subiram a esta Eg. Corte e vieram-me conclusos.

Proferida decisão indeferindo o pedido de efeito suspensivo, com fundamento nas provas produzidas nos autos, que denotam a cessão irregular do imóvel. (Id. Num. 262430527)

Cumprido o mandado de intimação e reintegração de posse em 22 de agosto de 2022, conforme certificado pelo Oficial de Justiça nos autos de origem (Id. Num. 260586985)

 É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 


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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000017-98.2019.4.03.6002

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V O T O

 

A controvérsia dos autos trazida a esta Eg. Corte gira em torno da reintegração de posse de imóvel objeto de arrendamento residencial (PAR), que é regido pelas disposições da Lei nº 10.188/2001.

Examinando os autos, verifico que em 26.09.2016 as partes celebraram Contrato de Compra e Venda de Imóvel, Mútuo, Caução de Depósitos e Alienação Fiduciária em Garantia no Sistema Financeiro da Habitação – Carta de Crédito Individual FGTS/Programa Minha Casa Minha Vida – Recursos FGTS – CCFGTS/PMCMV – SFH/FAR segundo as regras da Lei nº nº 10.188/2001 (Num. 28849196 – Pág. 1/5 do processo de origem) que em sua cláusula décima quinta e décima sexta prevê os casos de vencimento antecipado da dívida e de rescisão do contrato, nos seguintes termos:

15 – VENCIMENTO ANTECIPADO DA DÍVIDA – A dívida será considerada antecipadamente vencida, nas seguintes hipóteses: (…) b) destinação do imóvel alienado que não para residência do beneficiário e de sua família; c) transferência ou cessão a terceiros, no todo ou em parte, dos direitos e obrigações decorrentes deste contrato, sem autorização da CAIXA; d) abandono do imóvel; (…) e j) descumprimento das obrigações estipuladas em lei ou neste contrato. (…) 16. RESCISÃO DE PLENO DIREITO – O descumprimento de quaisquer das cláusulas previstas neste instrumento autorizará a rescisão de pleno direito do Contrato. (…)

No caso concreto, o documento Num. 261964330 – Pág. 20 revela que a apelada foi informada da ocupação irregular do imóvel debatido nos autos, dando conta de que havia sido locado a terceiros. Por tal razão, encaminhou ao endereço do imóvel Notificação ao Ocupante – Ocupação Irregular Imóvel – PMCMV – Faixa 1 – Recursos FAR (Num. 261964330 – Pág. 21/24).

Todavia, as notificações encaminhadas em 28.08.2017, 25.09.2018 (2) e 01.12.2017 foram recebidas por Mateus Leoncio, Kleber (…) da Silva, Dihana Ramires e Joyce F. Bitencourt, como revelam os documentos Num. 261964330 – Pág. 25/30, inexistindo nos autos qualquer alegação ou comprovação de que se tratam se familiares da requerente.

Não há indícios suficientes, portanto, que corroborem com as afirmações lançadas nas razões de apelação, no sentido de que o imóvel estaria sendo ocupado pela irmã biológica da Apelante.

Ademais, consta da contestação apresentada em 22.02.2017 – após a celebração do contrato com a requerida – pela empresa B R Minella Transportes Ltda. ME, da qual a requerente é sócia conforme documento Num. 261965175 – Pág. 40/42, nos autos da reclamatória trabalhista nº 0024819-92.2016.5.24.0051 em trâmite na Vara do Trabalho de Novo Mundo/MS, a declaração de que possui domicílio na Rua São Paulo nº 159, Itaquiraí/MS, endereço diverso do imóvel debatido nos autos.

Segundo consta da sentença recorrida, há, ainda, a informação de que em 06.08.2018 a requerente teria declarado endereço na Rua Analia Tenorio 171, Itaquiraí/MS ao oficial de justiça, em cumprimento a mandado expedido nos autos do processo nº 0024819-92.2016.5.24.0051 (Num. 261965302 – Pág. 7).

Desta forma, como bem anotado pela sentença recorrida, “A prova documental é robusta no sentido do abandono do apartamento em Dourados-MS” (Num. 261965302 – Pág. 8).

Nestas condições, resta demonstrada a destinação do bem para finalidade diversa da moraria da agravante/arrendatária e seus familiares, situação que autoriza a rescisão do contrato de arrendamento residencial celebrado pelas partes.

O § 1º do artigo 8º da Lei 10.188/2010 também apresenta vedação quanto à alienação e disposição do imóvel adquirido por meio do arrendamento residencial. Nesse sentido:

Art. 8º O contrato de aquisição de imóveis pelo arrendador, as cessões de posse e as promessas de cessão, bem como o contrato de transferência do direito de propriedade ou do domínio útil ao arrendatário, serão celebrados por instrumento particular com força de escritura pública e registrados em Cartório de Registro de Imóveis competente.("Caput" do artigo com redação dada pela Lei nº 10.859, de 14/4/2004)

§ 1º O contrato de compra e venda referente ao imóvel objeto de arrendamento residencial que vier a ser alienado na forma do inciso II do § 7° do art. 2° desta Lei, ainda que o pagamento integral seja feito à vista, contemplará cláusula impeditiva de o adquirente, no prazo de 24 (vinte e quatro) meses, vender, prometer vender ou ceder seus direitos sobre o imóvel alienado.

No caso dos autos verifica-se o efetivo descumprimento das cláusulas do contrato, na medida em que o imóvel não estava sendo ocupado pelos arrendatários ou sua família, houve a cessão irregular do imóvel a terceiros e foi dada destinação diversa daquela estipulada pelo contrato de arrendamento residencial, o que por si só enseja a resolução do contrato.

Em assim sendo, finda a relação jurídica de arrendamento, diante do descumprimento de suas cláusulas, o elemento que justifica a posse direta do bem imóvel pelo arrendatário desaparece e a posse do bem imóvel passa a ser precária.

Nesse sentido, a jurisprudência dos Tribunais Regionais:

PROCESSUAL CIVIL. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. APELAÇÃO CÍVEL. PROGRAMA DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL. LEI 10.188/2001. DESCUMPRIMENTO DE CLÁUSULA CONTRATUAL. IMÓVEL OCUPADO POR TERCEIROS ESTRANHOS À RELAÇÃO CONTRATUAL. HIPÓTESE DE RESCISÃO CONTRATUAL. REINTEGRAÇÃO DE POSSE MANTIDA. 1. O Programa de Arrendamento Residencial (PAR) foi instituído pela Lei nº 10.188/2001 para atendimento da necessidade de moradia da população de baixa renda, sob a forma de arrendamento Residencial Com Opção de Compra, competindo sua operacionalização à Caixa Econômica Federal. 2. O contrato celebrado entre a Caixa Econômica Federal e Juliana Gessica da Silva Alves em 15/08/2008 prevê cláusula expressa de rescisão contratual no caso de transferência/cessão dos direitos decorrentes do contrato, sob pena de caracterização de esbulho possessório, circunstância autorizadora da propositura da ação de reintegração de posse. 3. Compulsados os autos verifica-se que a arrendatária Juliana transferiu o imóvel aos réus Cynhia e Bruno em 09/09/2008, menos de um mês após a assinatura do contrato de arrendamento4. O atendimento da destinação do imóvel à moradia do arrendatário e de sua família é condição estabelecida no contrato e na lei de regência, não podendo o imóvel ser transferido ou cedido a outrem, sob pena de se desviar a finalidade do Programa de Arrendamento Residencial. 5. Constatada a irregular ocupação do imóvel adstrito ao PAR, tendo havido notificação regular para promover a desocupação do imóvel, resta configurado o esbulho possessório. 6. Diante desse contexto, se tanto a lei quanto o contrato estabelecem a impossibilidade de venda, não há plausibilidade jurídica. 7. A esse respeito, o STJ firmou entendimento de que a transferência de bem alienado fiduciariamente sem anuência do credor fiduciário (possuidor indireto por força legal) perfaz ato clandestino, que não induz posse, sendo impossível, portanto, sua proteção. 8. Não é demais reforçar que a execução da política habitacional do Governo está atrelada a condições pessoais do beneficiário, que justificam seja obstada a cessão subsequente de direitos, sob pena de descaracterização dos objetivos elementares do programa e de burla à ordem de prioridades legalmente estabelecida. 9. Também o argumento de que a apelante já ocupa há muito tempo o imóvel e que pretende assumir as prestações e despesas do imóvel as prestações encontram-se adimplidas não encontra guarida, uma vez que o adimplemento das prestações deve ser observada cumulativamente com as demais condições estabelecidas no contrato e na lei de regência, o que não ocorreu. 10. Recurso desprovido.” (negritei)

(TRF 3ª Região, Primeira Turma, ApCiv/MS 0002436-32.2012.4.03.6000. Relator Desembargador Federa Hélio Nogueira, DJEN 08/09/2021)

 

"PROCESSO CIVIL. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. CONTRATO DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL COM OPÇÃO DE COMPRA. CESSÃO DE DIREITOS. OCUPAÇÃO POR TERCEIRO. ART. 9º DA LEI N. 10.188/2001. IMPOSSIBILIDADE.

I - O Contrato por Instrumento Particular de arrendamento residencial com Opção de Compra, tendo por objeto imóvel adquirido com recursos do PAR - Programa de arrendamento residencial é regulado pela Lei n. 10.188/2001.

II - Na hipótese de cessão de direitos relativos ao contrato, fica configurado esbulho possessório que autoriza o arrendador a propor a competente ação de reintegração de posse, por consistir uma das obrigações do arrendatário que ele reside no imóvel.

III - Apelação a que se nega provimento."

(TRF 1ª Região, AC nº 2004.34.00.009720-9, Quinta Turma, Rel. Des. Fed. João Batista Moreira, DJF1 17/04/2009, p. 424)

 

"PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE - SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTE O FEITO COM A RESOLUÇÃO DO MÉRITO - RECURSO DE APELAÇÃO RECEBIDA NO EFEITO DEVOLUTIVO - INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 558 DO CPC - AGRAVO IMPROVIDO.

1. A apelação será recebida somente no efeito devolutivo, nos termos da norma prevista no artigo 520 do Código de Processo Civil.

2. A sentença de primeiro grau, ao mesmo tempo em que julgou procedente o pedido de reintegração de posse deduzido pela autora, deferiu o pedido de liminar, para determinar seja a Caixa Econômica Federal reintegrada na posse do imóvel objeto do recurso.

3. Impõe-se o recebimento do recurso de apelação tão somente no efeito devolutivo, na medida em que o deferimento da liminar na sentença produz os mesmos efeitos da confirmação da antecipação dos efeitos da tutela, nos termos da norma prevista no artigo 520, VII, do Código de Processo Civil.

4. Ao recurso de apelação poderá ser atribuído o efeito suspensivo, nos termos do art. 558 do CPC, se relevante o fundamento e presente o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, o que não é o caso dos autos.

5. A sentença impugnada pela via do recurso de apelação julgou procedente o pedido da CEF para reintegrá-la definitivamente na posse do imóvel, sob o fundamento de que não há qualquer validade na transferência ou cessão de direitos, que possa ter sido firmado entre a arrendatária Aparecida Silva Hizume e a ré, Elaine da Silva.

6. Evidenciada a transferência ou cessão de direitos decorrentes do contrato de arrendamento residencial a terceiro, tenho como configurado o esbulho possessório, pela ocupação irregular, autorizando o deferimento da liminar de reintegração de posse na própria sentença.

7. Agravo improvido."

(TRF3, AI 00247771520094030000, Quinta Turma, Rel. Des. Fed. Ramza Tartuce, e-DJF3 Judicial 1, 22/03/2012)

"ADMINISTRATIVO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. PROGRAMA DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL .

I - O Juiz singular observou os requisitos do artigo 927 do Código de Processo Civil na decisão agravada.

II - O escopo do Programa de arrendamento residencial , voltado à população de baixa renda, diz com a destinação do imóvel para a moradia do arrendatário e de sua família, sendo que o descumprimento de tal finalidade é causa suficiente a rescindir o Contrato de arrendamento residencial . Caso dos autos. Precedentes.

III - Agravo de instrumento improvido."

(TRF 4ª Região, AI 2008.04.00.0005623-5, Terceira Turma, Rel. Juiz Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, D.E. 18/06/2008)

In casu, não há que se falar em conduta abusiva ou mesmo inconstitucional, consistente na ofensa ao direito social à moradia (CF, art. 6º), na medida em que a possibilidade de retomada do imóvel visa preservar a continuidade do programa, que foi criado justamente para ajudar estados e municípios a atenderem à necessidade de moradia da população de baixa renda e que vive em centros urbanos.

E, justamente por essa razão, é que se justifica a vedação à transferência ou cessão dos direitos decorrentes dos contratos, na medida em que esta prática ofende efetivamente a destinação social originariamente prevista do imóvel.

Cumpre ressaltar que o PAR é programa subsidiado pelo Poder Público, com a utilização de dinheiro público. Como todo programa subsidiado, de cunho social, exige a presença de certas condições para adesão. Dentre elas, está a seleção de pessoas dentro de determinada faixa de renda - nem sem renda alguma, que impeça o pagamento das prestações, nem acima de R$ 1.800,00, a ponto de significar o pagamento, por toda a sociedade, de subsídio que reduza as prestações em favor de quem não precise.

As exigências impostas pelo programa são elevadas, mas isso decorre do fato que os benefícios dele advindos são igualmente significativos, o que justifica o estabelecimento de restrições contratuais e legais acima expostas.

Desta forma, a cessão irregular do imóvel à terceiros estranhos ao contrato de arrendamento, ainda que mantido o adimplemento das taxas mensais de arrendamento e condomínio inicialmente assumidas pelo arrendatário, configura o esbulho possessório, legitimando a CEF a propor a presente ação de reintegração de posse, porquanto preenchidos os requisitos previstos no art. 561 do CPC/15, sob pena de importar em inviabilidade do Programa de Arrendamento Residencial.

Com efeito, eventual alteração da responsabilidade do financiamento entre os coproprietários, bem como da composição de renda para fins securitários, dependeria, necessariamente da anuência da Apelada, por se tratar da transferência não só das obrigações do contrato, como também dos direitos dele decorrentes, o que configura verdadeira cessão da posição contratual mediante a assunção de dívida alheia.

Consigno, nesse ponto, que a CEF não está obrigada a reconhecer a legitimidade do cessionário para o cumprimento da obrigação, tendo em vista a própria restrição havida em lei, bem como no próprio contrato de arrendamento residencial, que como visto, possui cláusula expressa que veda a alienação no curso do arrendamento.

Neste sentido já decidiu o Superior Tribunal de Justiça e este Tribunal Regional Federal da 3ª Região:  

"PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. LEGITIMIDADE ATIVA DO OCUPANTE. FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO. PROGRAMA DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL. CESSÃO DE DIREITO SEM A ANUÊNCIA DO AGENTE FINANCEIRO. VEDAÇÃO CONTRATUAL. MANUTENÇÃO DA POSSE. IMPOSSIBILIDADE. POSSE INJUSTA. APELAÇÃO DESPROVIDA.  

1. Aplica-se a Lei n. 13.105/2015 aos processos pendentes, respeitados, naturalmente, os atos consumados e seus efeitos no regime do CPC de 1973.  

2. Se o embargante não parte passiva na ação de reintegração de posse movida pela CEF, ostenta ele legitimidade ativa para opor embargos de terceiro, consoante artigo 1.046 do CPC/73.   

3. Cuida-se de pedido de manutenção de posse sob a alegação de ser cessionário do contrato de arrendamento residencial firmado pelo PAR entre Mariozã Martins dos Santos Júnior e a CEF, objeto de ação de reintegração de posse processo n. 201160000133082.   

4. Expressamente vedado pelo contrato originário a transferência do imóvel a terceiros sem a anuência do agente financeiro, não se reconhece boa-fé do cessionário, que admite ter pago as prestações em nome do titular originário e estava ciente (ou deveria estar) da vedação imposta, já que constante do termo de cessão de direito.   

5. Efetivada a transferência do contrato e, de conseguinte, do imóvel, sem que para tanto tivesse havido o assentimento da CEF, há fundamento à reintegração pretendida, não se cogitando da manutenção do cessionário na posse, porque conquistada sem a necessária boa-fé.   

6. O princípio da dignidade da pessoa humana e o direito à moradia não asseguram a ocupação do imóvel vinculado ao PAR, de que trata a Lei n. 10.188/2001, adquirido do arrendatário fora das formalidades legais.   

7. Apelação a que se nega provimento. Sentença mantida.  

(TRF3, AC 00010619320124036000, AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1818916, Relator Desembargador Federal Hélio Nogueira, Primeira Turma, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/10/2016)" . (g.n.)

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. TEMPESTIVIDADE DO RECURSO. PROGRAMA DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL. CESSÃO DE DIREITOS: IMPOSSIBILIDADE. OCUPAÇÃO IRREGULAR. RECUSA NA DESOCUPAÇÃO. ESBULHO CARACTERIZADO. HONORÁRIOS RECURSAIS: NÃO CABIMENTO. RECURSO NÃO PROVIDO. 
1, A intimação do defensor dativo do autor deu-se em 14/02/2012. Por sua vez, o protocolo da peça recursal é de 28/02/2012, dentro do prazo de quinze dias outorgado pelo artigo 508 do Código de Processo Civil de 1973. 
2. O contrato de arrendamento residencial é regulado pelas normas da Lei nº 10.188/2001, que instituiu o Programa de Arrendamento Residencial - PAR para atendimento da necessidade de moradia da população de baixa renda, sob a forma de arrendamento residencial com opção de compra. 
3. A transferência ou cessão de direitos decorrentes do contrato dá ensejo à rescisão contratual, independentemente de aviso ou interpelação. 
4. A ocupação do imóvel por terceiros, estranhos à relação contratual, seguida da sua não devolução, converte o arrendamento em esbulho, o que enseja o manejo da ação de reintegração de posse para a retomada do bem. 
5. No caso em exame, foi realizada a notificação pessoal do apelante, visando à desocupação do imóvel por conta da ocupação irregular. 
6. O instrumento particular firmado entre o apelante e os arrendatários não é apto a produzir efeitos no mundo jurídico, na medida em que opera a alienação de imóvel de propriedade alheia. A manutenção da posse pelo apelante, por sua vez, contraria cláusula contratual expressa, não podendo ser admitida. 
7. Considerando que o recurso foi interposto sob a égide do CPC/1973 e, nos termos do Enunciado Administrativo nº 7, elaborado pelo Superior Tribunal de Justiça para orientar a comunidade jurídica acerca da questão do direito intertemporal, tratando-se de recurso interposto contra decisão publicada anteriormente a 18/03/2016, não é possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do artigo 85,§ 11, do CPC/2015. 
8. Apelação não provida. 
(TRF3, Ap00109807920084036119,Ap- APELAÇÃO CÍVEL - 1861434, DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA, PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:26/04/2017). (g.n.)

 

AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE. PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA. FUNDO DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL. LEI 10.188/2001. IMÓVEL OCUPADO POR TERCEIRO. SENTENÇA MANTIDA.

1. Pedido de justiça gratuita prejudicado, em razão de ter sido anteriormente apreciado.

2. A ocupação irregular do imóvel é conduta que viola as disposições contratuais e o disposto na Lei nº 10.188/01. Eventual tolerância a tal conduta pode implicar a inviabilidade do programa de arrendamento.

3. Restou comprovado nos autos que o imóvel foi alienado em 02/03/2017 pela beneficiária do PAR (mutuária) ao apelante, conforme contrato de ID 221129169. Outrossim, segundo vistorias realizadas segundo vistorias realizadas em 23 de janeiro de 2019 por agente da Prefeitura Municipal de Araraquara/SP, não estava sendo o referido imóvel destinado à residência da contratante e de sua família, havendo sido vendido ao autor (ID 221129172).

4. No contrato de compra e venda de imóvel residencial com parcelamento e alienação fiduciária, regido pelo Programa Minha Casa, Minha Vida - PMCMV, com recursos do Fundo de Arrendamento Residencial, dispõe o parágrafo primeiro da cláusula primeira, acerca da destinação do imóvel que será utilizado exclusivamente à moradia própria do contratante e de sua família, sendo certo que o desvio desta finalidade importará no vencimento antecipado da dívida.

5. Ademais, a cláusula décima segunda do contrato dispõe expressamente que: “a dívida será considerada antecipadamente vencida e imediatamente exigível pela credora, após prévia notificação, podendo ensejar cobrança administrativa ou execução do contrato e de sua respectiva garantia, nas seguintes hipóteses: I - transferência ou cessão a terceiros, a qualquer título, no todo ou em parte, dos direitos e obrigações decorrentes deste instrumento; II - quando a destinação do imóvel for outra que não para residência do(s) BENEFICIÁRIO(S) e sua família; (...) (...) X - descumprimento de qualquer das obrigações estipuladas neste instrumento e nas normas que lhe são aplicáveis.”

6. A jurisprudência é firme no sentido da impossibilidade de transferência ou cessão do uso do imóvel para terceiros, sem a necessária intervenção do agente financeiro, nos termos previstos no referido contrato.

7. Apelação desprovida.

(TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5001389-82.2020.4.03.6120, Rel. Desembargador Federal LUIZ PAULO COTRIM GUIMARAES, julgado em 17/03/2022, DJEN DATA: 23/03/2022)

Nesse sentido, admitir que os  atuais ocupantes permaneçam na posse do imóvel arrendado é que atenta contra a função social do PAR, impedindo que outras pessoas necessitadas dele também possam participar.

Desse modo, a manutenção da sentença é medida que se impõe.

Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso de apelação.

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

APELAÇÃO. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. PROGRAMA DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL - PAR. LEI 10.188/2001. DESCUMPRIMENTO DE CLÁUSULA CONTRATUAL. CESSAO IRREGULAR DO IMÓVEL. RESCISÃO CONTRATUAL. ESBULHO POSSESSÓRIO CARACTERIZADO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO ASSEGURADO À ARRENDADORA. CONSTITUCIONALIDADE. APELO NÃO PROVIDO.

1. A controvérsia gira em torno da reintegração de posse de imóvel objeto de arrendamento residencial (PAR), que é regido pelas disposições da Lei nº 10.188/2001.

2. O Contrato de Compra e Venda de Imóvel, Mútuo, Caução de Depósitos e Alienação Fiduciária em Garantia no Sistema Financeiro da Habitação – Carta de Crédito Individual FGTS/Programa Minha Casa Minha Vida – Recursos FGTS – CCFGTS/PMCMV – SFH/FAR celebrado entre as partes,  segundo as regras da Lei nº nº 10.188/2001 prevê em sua cláusula décima quinta e décima sexta as situações que ensejam o vencimento antecipado da dívida e de rescisão do contrato.

3. No caso dos autos, resta demonstrada a destinação do bem para finalidade diversa da moraria da agravante/arrendatária e seus familiares, situação que autoriza a rescisão do contrato de arrendamento residencial celebrado pelas partes.

4. O § 1º do artigo 8º da Lei 10.188/2010 também apresenta vedação quanto à alienação e disposição do imóvel adquirido por meio do arrendamento residencial.

5. Finda a relação jurídica de arrendamento, diante do descumprimento de suas cláusulas, o elemento que justifica a posse direta do bem imóvel pelo arrendatário desaparece e a posse do bem imóvel passa a ser precária.

6. Não há que se falar em conduta abusiva ou mesmo inconstitucional, consistente na ofensa ao direito social à moradia (CF, art. 6º), na medida em que a possibilidade de retomada do imóvel visa preservar a continuidade do programa, que foi criado justamente para ajudar estados e municípios a atenderem à necessidade de moradia da população de baixa renda e que vive em centros urbanos.

7. O PAR é programa subsidiado pelo Poder Público, com a utilização de dinheiro público. Como todo programa subsidiado, de cunho social, exige a presença de certas condições para adesão. Dentre elas, está a seleção de pessoas dentro de determinada faixa de renda - nem sem renda alguma, que impeça o pagamento das prestações, nem acima de R$ 1.800,00, a ponto de significar o pagamento, por toda a sociedade, de subsídio que reduza as prestações em favor de quem não precise.

8. Precedente do C. STJ.

9. A cessão irregular do imóvel à terceiros estranhos ao contrato de arrendamento, ainda que mantido o adimplemento das taxas mensais de arrendamento e condomínio inicialmente assumidas pelo arrendatário, configura o esbulho possessório, legitimando a CEF a propor a presente ação de reintegração de posse, porquanto preenchidos os requisitos previstos no art. 561 do CPC/15, sob pena de importar em inviabilidade do Programa de Arrendamento Residencial.

10. Eventual alteração da responsabilidade do financiamento entre os coproprietários, bem como da composição de renda para fins securitários, dependeria, necessariamente da anuência da Apelada, por se tratar da transferência não só das obrigações do contrato, como também dos direitos dele decorrentes, o que configura verdadeira cessão da posição contratual mediante a assunção de dívida alheia.

11. A CEF não está obrigada a reconhecer a legitimidade do cessionário para o cumprimento da obrigação, tendo em vista a própria restrição havida em lei, bem como no próprio contrato de arrendamento residencial, que como visto, possui cláusula expressa que veda a alienação no curso do arrendamento.

12. A jurisprudência é firme no sentido da impossibilidade de transferência ou cessão do uso do imóvel para terceiros, sem a necessária intervenção do agente financeiro, nos termos previstos no referido contrato.

13. Desta forma, a manutenção dos atuais ocupantes na posse do imóvel arrendado atenta contra a função social do PAR, pois impede que outras pessoas necessitadas dele também possam participar.

14. Recurso de apelação a que se nega provimento.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Turma, por unanimidade, negou provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.