APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005286-35.2021.4.03.6104
RELATOR: Gab. 03 - JUIZ CONVOCADO RENATO BECHO
APELANTE: UNIÃO FEDERAL
APELADO: CELESTE PANTAROTTO DUTRA, UBIRATAN DUTRA GARCIA JUNIOR, HUMBERTO PANTAROTTO DUTRA
Advogado do(a) APELADO: FABRICIO FARAH PINHEIRO RODRIGUES - SP228597-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005286-35.2021.4.03.6104 RELATOR: Gab. 03 - JUIZ CONVOCADO RENATO BECHO APELANTE: UNIÃO FEDERAL APELADO: CELESTE PANTAROTTO DUTRA, UBIRATAN DUTRA GARCIA JUNIOR, HUMBERTO PANTAROTTO DUTRA Advogado do(a) APELADO: FABRICIO FARAH PINHEIRO RODRIGUES - SP228597-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de Apelação interposta pela União contra sentença que julgou procedente o pedido da parte autora, para declarar a inexigibilidade da taxa de ocupação e laudêmio, referentes ao imóvel situado na Av. Bartolomeu de Gusmão n. 41, ap. 97 em Santos/SP, determinou o cancelamento do RIP º 70710021158-72 junto à Secretaria do Patrimônio da União – SPU e ratificou a tutela antecipada que determinou a exclusão do nome da autora no CADIN em razão de tais débitos. Condenada a ré ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, nos termos do art. 85, § 4º, inciso III, do CPC, devidamente atualizados monetariamente: Diante do exposto, nos termos do artigo 487, inciso I, do CPC, JULGO PROCEDENTE o pedido para anular todos os atos de constituição de débitos relativos a taxas de ocupação anual e laudêmio, referentes ao bem imóvel situado na Avenida Bartolomeu de Gusmão, 41, apartamento 97, bairro do Embaré, em Santos - SP, objeto da matrícula nº 18.124, anotada perante o 2º Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Santos, cancelando-se, consequentemente, o RIP nº 70710021158-72. Em razão da sucumbência, condeno a ré a arcar com os honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, à luz dos critérios estabelecidos no artigo 85, § 4º, inciso III, do CPC, devidamente atualizados monetariamente. Custas na forma da lei. Ratifico a tutela provisória deferida pela decisão id. 135423456. Sentença não sujeita ao reexame necessário (CPC, artigo 496, § 3º, I). P. I. Em suas razões recursais, a União pretende a reforma da sentença, pelos seguintes argumentos: a) ausência de cópia ou certidão de inteiro teor da decisão definitiva que teria declarado usucapião sobre o apartamento ocupado; b) as certidões do Cartório de Registro de Imóveis de Santos em que se apoia a r. sentença para reconhecer a existência da coisa julgada, não podem substituir as cópias do processo ou certidões judiciais do feito, para tal fim, pois, através delas, não é possível, com segurança, se estabelecer exatamente o que foi decidido na vetusta ação c) impossibilidade de declaração incidental de usucapião de um bem público em uma ação de execução fiscal, não podendo a decisão fazer coisa julgada material. d) ocorrência de usucapião do imóvel objeto da ação, em favor da União, com base na Súmula 237 do C. STF e arts. 550 CC/1916 e 1238 CC/2002, uma vez que houve pagamento dos encargos referentes ao imóvel em questão, pelos Autores/seus antecessores, para a SPU, por mais de vinte anos, reconhecendo os autores que eram meros ocupantes do imóvel, e não seus proprietários por mais de duas décadas. Com as contrarrazões da parte autora, subiram os autos a esta Corte Regional. Dispensada a revisão, nos termos regimentais. É o relatório.
Advogado do(a) APELADO: FABRICIO FARAH PINHEIRO RODRIGUES - SP228597-A
Advogado do(a) APELADO: FABRICIO FARAH PINHEIRO RODRIGUES - SP228597-A
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005286-35.2021.4.03.6104 RELATOR: Gab. 03 - JUIZ CONVOCADO RENATO BECHO APELANTE: UNIÃO FEDERAL APELADO: CELESTE PANTAROTTO DUTRA, UBIRATAN DUTRA GARCIA JUNIOR, HUMBERTO PANTAROTTO DUTRA Advogado do(a) APELADO: FABRICIO FARAH PINHEIRO RODRIGUES - SP228597-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Adiro ao entendimento do Exmo. Des. Fed. Hélio Nogueira: O recurso é próprio e tempestivo, razão pela qual dele conheço. Da usucapião de terreno da marinha A parte autora ajuizou a presente demanda visando a anulação de todos os débitos relativos a taxas de ocupação anual e do laudêmio oriundos do RIP nº 70710021158-72, referentes ao bem imóvel situado na Avenida Bartolomeu de Gusmão, 41 - apartamento 97, no bairro do Embaré, em Santos/SP, objeto da matrícula nº 18.124, registrada no 2º Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Santos, a expedição de mandado de averbação junto à matrícula nº 18.124, do 2º Cartório de Registro de Imóveis de Santos, para fazer constar que o imóvel não é de propriedade da União, a exclusão do nome da autora do CADIN por débitos decorrentes das taxas de ocupação e laudêmios referente ao RIP nº 70710021158-72 constituídos no CADIN, e o cancelamento da inscrição no RIP nº 70710021158-72 junto à SPU para que não haja mais qualquer cobrança. A autora insurge-se contra a cobrança das taxas de ocupação e laudêmio, alegando, em síntese, ser proprietária do imóvel descrito e que, por força de sentença transitada em julgado nos autos de ação executiva fiscal, foi determinada a averbação à margem das transcrições n. 6.607, 6.608 e 8.120, da alodialidade dos terrenos da marinha em que se construiu o edifício onde se encontra o bem, e o antigo proprietário do imóvel situado na Avenida Bartolomeu de Gusmão, 41, Santos/SP, teria obtido declaração judicial reconhecendo a usucapião em seu favor, a fim de que as transcrições relativas ao referido imóvel se processem independentemente de quaisquer formalidades junto ao Serviço de Patrimônio da União (SPU). Aduz ter seu direito amplamente resguardado, por tratarem-se tanto a aquisição do bem quanto sua transcrição imobiliária de ato jurídico perfeito, pelo qual passou a possuir o direito adquirido à propriedade do imóvel em questão. A União, por sua vez, sustenta ser legítima a cobrança dos débitos relativos ao imóvel em referência, em razão da impossibilidade de se declarar a usucapião de um bem público em ação de execução fiscal; que os documentos apresentados pela autora não comprovam a existência de ação de usucapião julgada em favor de seus antecessores; e questiona a legitimidade do registro imobiliário, por não ter sido demonstrada a regularidade da cadeia sucessória e originaria do domínio público e por não ser o terreno da marinha passível de usucapião. Não desconheço que os terrenos da marinha são considerados bens da União (art. 20, VII, da Constituição da República) e que, conforme previsão no ordenamento pátrio e orientação jurisprudencial, não são passíveis de serem adquiridos por usucapião. Nesse sentido, dispõem o art. 183, §3º, e o art. 191, parágrafo único, da Constituição da República; o art. 102 do Código Civil de 2002; bem como a Súmula nº 340 do Supremo Tribunal Federal e a Súmula 496 do Superior Tribunal de Justiça: Constituição Federal Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. § 1º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. § 2º Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. § 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade. Parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. Código Civil de 2002 Art. 102. Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião. Súmula n. 340 do STF: "Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião". Súmula n. 496 do STJ: "Os registros de propriedade particular de imóveis situados em terrenos de marinha não são oponíveis à União". Como é cediço, tratando-se de imóvel edificado em terreno de marinha, não é possível o usucapião do domínio pleno ou útil em favor de particular, face à imprescritibilidade dos bens públicos (art. 183, § 3º, da Constituição da República). Não desconheço ainda que a ação de execução fiscal não se presta para analisar aquisição de propriedade imóvel por usucapião, especialmente considerada a impossibilidade de usucapião de bem público. Contudo, é de se observar o caso em tela o fenômeno da coisa julgada, ainda que em processo de ação de execução fiscal, quanto ao reconhecimento do usucapião do terreno situado na Av. Bartolomeu Gusmão, 41, Santos/SP em favor de José Bento de Carvalho, bem como que à época estava em vigor ordenamento jurídico diverso. Com efeito, depreende-se da documentação apresentada que a Fazenda Nacional ajuizou a ação de execução fiscal contra José Bento de Carvalho para cobrança de taxa de ocupação de terreno da marinha e multa, relativo ao exercício de 1941. Foi realizada penhora em dinheiro. A defesa sustentou (a) ser o terreno era alodial, eis que situado fora da faixa de marinha, e (b) mesmo que não o fosse, já teria adquirido o domínio do imóvel por usucapião em 1861. O Juiz de Direito da 2ª Vara da Comarca de Santos/SP julgou subsistente a penhora e procedente a ação fiscal, ao fundamento que os bens imóveis da União, qualquer que seja a sua natureza não podem ser adquiridos por usucapião, a teor do art. 200 do Decreto lei 9760, de 05.09.1946, bem como que o imóvel estava situado, em sua maior área, dentro da faixa da marinha. A Segunda Turma do Tribunal Federal de Recursos confirmou à unanimidade a sentença, decidindo que, nas ações executivas fiscais, não é admissível a defesa fundada em usucapião, bem como que, na ausência de prova inequívoca em contrário decorrente da presunção de certeza e liquidez da certidão de dívida, devem ser julgados não provados os embargos do executado, e assim, procedente a ação fiscal. Publicada 16.05.1950 A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, na sessão de julgamento de 21.09.1951, por unanimidade, conheceu do recurso extraordinário e negou-lhe provimento, ao fundamento que os bens públicos, qualquer que seja a sua natureza, não se sujeitam à usucapião (artigo 200 do Decreto-lei n. 9760, de 05.09.1946), e que na ação executiva para cobrança de dívida fiscal, não é oponível defesa fundada em prescrição aquisitiva, ainda defronte o artigo 16 do Decreto-lei 960, de 17.12.1938, que deve ser entendido com harmonia com outros preceitos legais. Quando do julgamento dos embargos de declaração opostos pelo executado no RE 17.705, na sessão de julgamento de 12.09.1952, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, acolheu em parte os embargos, para que os autos baixassem à instância originária para que fosse apreciada a defesa cabível no executivo fiscal. Restou decidido que, consoante o artigo 16 do Decreto-lei 960, de 17.12.1938, a defesa poderia alegar toda matéria útil à defesa na ação executiva, inclusive usucapião, determinando assim que o juízo de primeira instancia verificasse se ocorreu a prescrição aquisitiva antes do advento do Código Civil. Quanto ao ponto, ressalto o voto dos Ministros Orozimbo Nonato e Hahnemann Guimarães (fls. 6/7, 11/12, 15/16, id 261642471): O Sr. Ministro Orozimbo Nonato: (...) Subiu o feito, em recuso extraordinário, a este Tribunal. E a 2ª turma, relator o eminente Sr. Ministro Afranio Costa conheceu do apêlo, negando-lhe, entretanto, provimento, posto reconhecesse a amplitude da defesa nos executivos fiscais, ex-vi do art. 16, do decreto-lei 960, de 1938. O art. 16 citado, na verdade, não contém a exclusão pretendida, verbis: "Art. 16. O réu deduzirá a sua defesa por meio de embargos (...). Nesse prazo deverá alegar, de uma só vez articuladamente, toda a matéria útil à defesa, indicar ou requerer as provas etc (...)' Mas, a alegação, como se vê dos autos, se prende a usucapião consumado antes do advento do Código Civil. E então era ele possível, pela posse qualificada, de boa-fé e de quarenta anos, pela prescrição extraordinária do direito antigo. (...) Ora, no caso o juiz repeliu imediatamente a alegação de usucapião, por se tratar de terrenos de marinha, olvidando que a alegação abrangia período maior de quarenta anos no regime do direito precodificado. E, a essa conta, não examinou a ocorrência ou não dos extremos da defesa. O E. tribunal Federal de Recursos tem a defesa como incabível em executivo fiscal, o que, data vênia, e como disse não aceito. E, a essa conta, não se examina se os requisitos do usucapião focam ou não provados. Nestes termos, tratando-se de defesa admissível e não examinada, e para não eliminar uma instancia, recebo os embargos em parte para que o juíza quo, admita a defesa de que se trata, verifique de sua procedência ou improcedência. O Sr. Ministro Hahnemann Guimarães: (...) A matéria era controvertida, antes do Decreto n. 22.785, de 31 de maio de 1933, art. 3º, que diz: "Os bens públicos, seja qual fôr sua natureza, não estão sujeitos a usucapião". O Supremo Tribunal Federal, porém, tem entendido que é possível usucapir bens públicos, antes do Código Civil, pela posse ad usucapionem, durante 40 anos, isto é, pela praescriptio longissumi temporis, bem como é possível alegar usucapião em executivo fiscal. Assim, acompanho o voto do Eminente Revisor, no sentido de mandar que o juiz de primeira instância verifique se ocorreu usucapião antes do Código Civil. Assim, os autos da ação de execução fiscal retornaram ao juízo de origem, tendo o Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Santos/SP proferido sentença em 16/03/1954, acolhendo os embargos do executado e julgando improcedente a ação e insubsistente a penhora, ao fundamento que as escrituras demonstram que desde 1821 os antecessores mantinham domínio e posse do terreno em questão, a qual fora transmitida por sucessivas escrituras públicas, na quais jamais contou que fossem ou estivessem compreendidas na faixa marinha, bem como que a mesma jamais foi contestada por quem quer que seja, inclusive pela União, reconhecendo em favor do réu o alegado usucapião, por preenchimentos dos requisitos, ou seja, posse mansa e pacifica por mais de quarenta anos, na conformidade do direito anterior do Código Civil, uma vez que somente em 1939 ou 1940 passou a cobrar taxa de ocupação, que a União somente determinou a linha de preamar em 1938, que os antecessores ocupavam o terreno desde 1821, mantendo sob o mesmo posse mansa e pacifica, com verdadeiro animo de dono, consumando a usucapião em 1861, muito antes da vigência do Código Civil (fls. 17/21, id 261642471). A Segunda Turma do Tribunal Federal de Recursos apreciou o recurso de oficio, nos termos do artigo 53 do Decreto-lei 960/1938, confirmando a sentença em 29/09/1954 (fls.21/29, id 261642471), em acórdão assim ementado (fl. 27, id 261642471), que assim transitou em julgado: "Usucapião de terreno de marinha - taxa de ocupação. É possível usucapir bens públicos, antes do Código Civil, pela posse ad usucapionem, durante 40 anos, após o que não há como cobrar a taxa de ocupação de que trata o art. 9º do Decreto-lei n. 14.595, de 31/12/1920." Por fim, o Juiz de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Santos expediu em 13/06/1955 mandado ao Cartório de Registro de Imóveis em Santos, por meio da qual foi determinado que, em cumprimento a decisão e a requerimento de Jose Bento de Carvalho nos autos da ação executiva fiscal, fosse procedida a averbação na margem das transcrições n. 6.607, 6.608 e 8.120, da alodialidade dos terrenos da marinha, ou seja, a declaração de usucapião reconhecida em favor dos ocupantes relativamente ao prédio situado nesta cidade, à Av. Avenida Bartolomeu de Gusmão, 41, a fim de que, doravante as transações relativas ao referido imóvel se processem independentemente de quaisquer formalidades junto ao Serviço do Patrimônio da União", conforme as decisões acima transcritas. Com efeito, consoante certidão constante no (id 261642470) expedida pelo 2º Registro de Imóveis de Santos, por sentença transitada em julgado, foi determinada a averbação da alodialidade do prédio localizado na Avenida Bartolomeu de Gusmão, nº 41, em virtude do reconhecimento de usucapião em favor dos ocupantes do referido imóvel, bem como que as transcrições relativas ao referido imóvel se processassem independentemente de quaisquer formalidades junto ao Serviço do Patrimônio da União: "CERTIFICO QUE (...) por Mandado assinado pelo Doutor José Manoel Arruda, M. Juiz de Direito Titular da 2ª Vara Cível, desta Comarca de Santos, passada em 13 de junho de 1.955, pelo escrevente autorizado do Cartório do Ofício Privativo dos Feitos das Fazendas Públicas, desta Comarca, a requerimento de José Bento de Carvalho, nos autos da ação executiva fiscal que lhe mova a Fazenda Nacional, foi determinada esta averbação à margem das transcrições números 6.607, 6.608, 6.609 e 8.120, da alodialidade dos terrenos da marinha, ou seja, a declaração do usucapião reconhecido em favor dos ocupantes relativamente ao prédio sito à Avenida Bartolomeu de Gusmão número 41, a fim de que doravante as transcrições relativas ao referido imóvel se processem independentemente de quaisquer formalidades junto ao Serviço do Patrimônio da União." Dessa forma, a pretensão da União em ver reconhecido o imóvel como terreno da marinha, sujeito à cobrança de taxa de ocupação, configuraria, via transversa, ofensa à coisa julgada na ação executiva fiscal, que declarou a ocorrência de usucapião, atribuindo a propriedade do imóvel em favor de particular, ainda que outrora considerada como terreno da marinha. Quanto aos efeitos da coisa julgada a terceiro, correta a decisão do juiz a quo ao ponderar que os efeitos da sentença que declarou usucapião do imóvel situado na Av. Bartolomeu de Gusmão, n. 41, Santos/SP, se estende aos adquirentes ou cessionários, nos termos do art. 42, §3º, do CPC/73, atualmente previsto no art. 109, §3º do CPC/2015: “Portanto, até onde se pode cogitar das provas produzidas até o momento, é verossímil a alegações (sic) da regularidade da cadeia dominial do bem imóvel, cujo registro competente e sem eiva de ilicitude constitui, em princípio, título legítimo de sua propriedade pela autora. A respeito da coisa julgada, cumpre transcrever os dispositivos seguintes do CPC: Art. 467. Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário. Art. 468. A sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas. Art. 472. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros. O estabelecimento de limites subjetivos da coisa julgada pela lei (artigo 472 do CPC) justifica-se na medida em que não seria razoável impedir que aquele que não participou do processo - e via de consequência não expôs seu interesse na causa, nem ofereceu os motivos que poderiam influir no livre convencimento do juiz - de debater o conteúdo da decisão judicial dele resultante em outra demanda eventual, mormente quando do julgado advirem para ele prejuízo de qualquer espécie. No entanto, tais limites não são absolutos, contendo o próprio dispositivo legal analisado, em sua segunda parte, exceção à regra que veicula na primeira. Outro exemplo de eficácia ultra partes da coisa julgada está positivado no artigo 42, 3º, do CPC. De acordo com o que ali se prescreve, a sentença que manifesta a autoridade da coisa julgada logrará atingir não apenas as partes da ação processual em que foi proferida, mas também o terceiro que seja adquirente ou cessionário do direito ou coisa em virtude da qual se instalou o litígio. Leia-se (g. n.): Art. 42. A alienação da coisa ou do direito litigioso, a título particular, por ato entre vivos, não altera a legitimidade das partes. 1º O adquirente ou o cessionário não poderá ingressar em juízo, substituindo o alienante, ou o cedente, sem que o consinta a parte contrária. 2º O adquirente ou o cessionário poderá, no entanto, intervir no processo, assistindo o alienante ou o cedente. 3º A sentença, proferida entre as partes originárias, estende os seus efeitos ao adquirente ou ao cessionário. A questão sub judice não é outra senão a exposta acima, na medida em que a autora é adquirente de unidade autônoma que compõe bem imóvel edificado em terreno cujo domínio foi judicialmente afastado da União Federal, e convertido em propriedade particular - a qual, por seu turno, foi transmitida na cadeia sucessória dominial, começando com José Bento de Carvalho, executado na ação fiscal que anteriormente se abordou. Com isso, impõem-se elementos de convicção bastantes para reconhecer a verossimilhança da alegação, assegurado, em verdade, pela res judicata, cuja salvaguarda é posta constitucionalmente (artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal), com a finalidade maior de promover a segurança jurídica e, ao limiar, pacificar as relações sociais, impedindo a perpetuação dos litígios.” Quanto à alegação de ilegitimidade do registro imobiliário, por não ter sido demonstrada a regularidade da cadeia sucessória e originária do domínio público, registro que a certidão ID 261642470 reconheceu a alodialidade dos terrenos de marinha sobre o qual foi construído o edifício situado na Av. Bartolomeu de Gusmão, n. 41, afastando assim o domínio que a União exercia, passando a propriedade para José Bento de Carvalho, "a fim de que doravante as transcrições relativas ao referido imóvel se processem independentemente de quaisquer formalidades junto ao Serviço do Patrimônio da União"; que as certidões e escrituras id 261642464/261642465, demonstram que a autora é adquirente de unidade autônoma que compõem bem imóvel edificado em terreno cujo domínio foi judicialmente afastado da União Federal, e convertido em propriedade particular, que por sua vez, foi transmitido na cadeia sucessória dominial, começando com José Bento de Carvalho, executado na ação fiscal. Assim, correta a sentença que determinou o cancelamento do RIP 70710021158-72 junto à Secretaria do Patrimônio da União, para que não haja mais cobrança dessa natureza, tal como formulado na inicial. Por fim, rejeito o pedido subsidiário da União, de reconhecimento de usucapião extraordinária do imóvel objeto da lide, com fulcro na Súmula 237 do STF e arts. 550 CC/1916 e 1238 CC/2002, uma vez que a União não demonstrou ter a posse mansa, pacífica e ininterrupta do imóvel, limitando-se a alegar que a parte autora efetuou o pagamento da taxa de ocupação por mais de vinte anos, como se a União fosse proprietária e a parte autora meros ocupantes. Como mencionado, os efeitos da sentença que declarou a usucapião do imóvel situado na Av. Bartolomeu de Gusmão, n. 41, Santos/SP, deve se estender aos adquirentes ou cessionários, nos termos do art. 109, §3º do CPC/2015. Ademais, não pode a União Federal ser entendida como terceiro, por ter integrado ambos os processos, sujeitando-se, desde logo, aos efeitos da coisa julgada Dessa forma, de rigor a manutenção da r. sentença que concluiu que a declaração de usucapião, modo de aquisição originária da propriedade em favor do executado, subtraiu o domínio útil da União, passando a se tratar de propriedade privada e não mais terreno de marinha, não se submetendo ao pagamento da taxa de ocupação e laudêmio, com a consequente exclusão do nome da autora no CADIN em razão de tais débitos e o cancelamento do RIP º 70710021158-72 junto à Secretaria do Patrimônio da União – SPU, para que não haja mais cobrança dessa natureza, tal como formulado na inicial. Dos honorários recursais Mantida a decisão em grau recursal, impõe-se a majoração dos honorários, por incidência do disposto no §11 do artigo 85 do NCPC. Assim, com base no art. 85, §3º, I e §11 do NCPC, devem ser majorados os honorários advocatícios levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, os quais acresço 1% sobre percentual fixado na sentença. Do dispositivo Ante o exposto, nego provimento à apelação da União. É o voto.
Advogado do(a) APELADO: FABRICIO FARAH PINHEIRO RODRIGUES - SP228597-A
Advogado do(a) APELADO: FABRICIO FARAH PINHEIRO RODRIGUES - SP228597-A
E M E N T A
ADMINISTRATIVO. TAXA DE OCUPAÇÃO. TERRENO DA MARINHA. USUCAPIÃO RECONHECIDA ANTES DO ADVENTO DO CODIGO CIVIL CANCELAMENTO DO RIP. INDEVIDA COBRANÇA DE TAXA DE OCUPAÇÃO. APELAÇÃO DESPROVIDA
1. 1. Apelação interposta pela União contra sentença que julgou procedente o pedido da parte autora, para declarar a inexigibilidade da taxa de ocupação e laudêmio, referentes ao imóvel situado na Av. Bartolomeu de Gusmão n. 41, ap. 97 em Santos/SP, determinou o cancelamento do RIP º 70710021158-72 junto à Secretaria do Patrimônio da União – SPU e ratificou a tutela antecipada que determinou a exclusão do nome da autora no CADIN em razão de tais débitos. Condenada a ré ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, nos termos do art. 85, § 4º, inciso III, do CPC, devidamente atualizados monetariamente.
2. Não desconheço que os terrenos da marinha são considerados bens da União (art. 20, VII, da Constituição da República) e que, conforme previsão no ordenamento pátrio e orientação jurisprudencial, não são passíveis de serem adquiridos por usucapião. Nesse sentido, dispõem o art. 183, §3º, e o art. 191, parágrafo único, da Constituição da República; o art. 102 do Código Civil de 2002; bem como a Súmula nº 340 do Supremo Tribunal Federal e a Súmula 496 do Superior Tribunal de Justiça. Tratando-se de imóvel edificado em terreno de marinha, não é possível o usucapião do domínio pleno ou útil em favor de particular, face à imprescritibilidade dos bens públicos (art. 183, § 3º, da Constituição da República).
3. Não desconheço ainda que a ação de execução fiscal não se presta para analisar aquisição de propriedade imóvel por usucapião, especialmente considerada a impossibilidade de usucapião de bem público.
4. Depreende-se da documentação apresentada que a Fazenda Nacional ajuizou a ação de execução fiscal contra José Bento de Carvalho para cobrança de taxa de ocupação de terreno da marinha e multa, relativo ao exercício de 1941. Foi realizada penhora em dinheiro. A defesa sustentou (a) ser o terreno era alodial, eis que situado fora da faixa de marinha, e (b) mesmo que não o fosse, já teria adquirido o domínio do imóvel por usucapião em 1861.
5. Quando do julgamento dos embargos de declaração opostos pelo executado no RE 17.705, na sessão de julgamento de 12.09.1952, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, acolheu em parte os embargos, para que os autos baixassem à instância originária para que fosse apreciada a defesa cabível no executivo fiscal. Restou decidido que, consoante o artigo 16 do Decreto-lei 960, de 17.12.1938, a defesa poderia alegar toda matéria útil à defesa na ação executiva, inclusive usucapião, determinando assim que o juízo de primeira instancia verificasse se ocorreu a prescrição aquisitiva antes do advento do Código Civil.
6. Assim, os autos da ação de execução fiscal retornaram ao juízo de origem, tendo o Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Santos/SP proferido sentença em 16/03/1954, acolhendo os embargos do executado e julgando improcedente a ação e insubsistente a penhora, ao fundamento que as escrituras demonstram que desde 1821 os antecessores mantinham domínio e posse do terreno em questão, a qual fora transmitida por sucessivas escrituras públicas, na quais jamais contou que fossem ou estivessem compreendidas na faixa marinha, bem como que a mesma jamais foi contestada por quem quer que seja, inclusive pela União, reconhecendo em favor do réu o alegado usucapião, por preenchimentos dos requisitos, ou seja, posse mansa e pacifica por mais de quarenta anos, na conformidade do direito anterior do Código Civil, uma vez que somente em 1939 ou 1940 passou a cobrar taxa de ocupação, que a União somente determinou a linha de preamar em 1938, que os antecessores ocupavam o terreno desde 1821, mantendo sob o mesmo posse mansa e pacifica, com verdadeiro animo de dono, consumando a usucapião em 1861, muito antes da vigência do Código Civil.. A Segunda Turma do Tribunal Federal de Recursos apreciou o recurso de oficio, nos termos do artigo 53 do Decreto-lei 960/1938 e confirmou a sentença em 29/09/1954, que assim transitou em julgado.
7. Consoante certidão expedida pelo 2º Registro de Imóveis de Santos, por sentença transitada em julgado, foi determinada a averbação da alodialidade do prédio localizado na Avenida Bartolomeu de Gusmão, nº 41, em virtude do reconhecimento de usucapião em favor dos ocupantes do referido imóvel, bem como que as transcrições relativas ao referido imóvel se processassem independentemente de quaisquer formalidades junto ao Serviço do Patrimônio da União.
8. A pretensão da União em ver reconhecido o imóvel como terreno da marinha, sujeito à cobrança de taxa de ocupação, configuraria, via transversa, ofensa à coisa julgada na ação executiva fiscal, que declarou a ocorrência de usucapião, atribuindo a propriedade do imóvel em favor de particular, ainda que outrora considerada como terreno da marinha.
9. Quanto aos efeitos da coisa julgada a terceiro, correta a decisão do juiz a quo ao ponderar que os efeitos da sentença que declarou usucapião do imóvel situado na Av. Bartolomeu de Gusmão, n. 41, Santos/SP, se estende aos adquirentes ou cessionários, nos termos do art. 42, §3º, do CPC /73, atualmente previsto no art. 109, §3º, e art. 509 do CPC/2015.
10. Majoração dos honorários sucumbenciais (art. 85, §11 do CPC).
11. Apelação desprovida.