HABEAS CORPUS CÍVEL (1269) Nº 5003532-76.2022.4.03.6119
RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA
IMPETRANTE: VARINDER KAUR
IMPETRADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
OUTROS PARTICIPANTES:
HABEAS CORPUS CÍVEL (1269) Nº 5003532-76.2022.4.03.6119 RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA IMPETRANTE: VARINDER KAUR, SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE GUARULHOS/SP - 1ª VARA FEDERAL IMPETRADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de habeas Corpus impetrado por Varinder Kaur, em face de ato do Delegado da Delegacia Especial da Polícia Federal no Aeroporto Internacional de São Paulo/Guarulhos DEAIN/SR/PF/SP, objetivando obter provimento jurisdicional a fim de suspender o efeito de eventual Termo de Repatriação e garantir o direito de admissão excepcional no Brasil e de solicitar refúgio. Narra a paciente, de nacionalidade indiana, que chegou ao Aeroporto Internacional de Guarulhos proveniente de Bogotá em 24 de março. Aduz que por se considerar em situação de fundado temor de perseguição por razões diversas, ou ainda vítima de grave e generalizada violação de direitos humanos em seu país de origem, como preconiza o art. 1º da Lei nº 9.474/97, manifestou seu interesse em solicitar o reconhecimento de sua condição de pessoa refugiada. Sustenta que por força de norma de exceção editada pelo governo federal sob pretexto de combate à pandemia de COVID-19 – Portaria Interministerial nº 670/2022 – a pessoa foi inadmitida por força de “inabilitação de pedido de refúgio” nela prevista, e, segundo informações disponíveis, foi determinada sua repatriação, ou seja, a devolução ao país de origem ou de procedência. Alega que a dita “inabilitação de pedido de refúgio” seguida da sanção de “deportação imediata” decorreu da ausência de comprovante de vacinação, medida que infelizmente não pode ser sanada e, por isso, a paciente está custodiada de modo absolutamente precário há 28 dias na zona restrita do Aeroporto Internacional, em hotel de trânsito, sem possibilidade de acessar qualquer serviço, e injustamente privada do direito ao refúgio. Aduz que a ordem de repatriação foi descabida e ilegal, à revelia do que determina a Lei de Refúgio brasileira (Lei nº 9.474/97) e a Lei de Migração (Lei nº 13.445/17), sendo justificada a ordem ora demandada. Foi concedida a liminar para que a autoridade coatora apresente informações no prazo de 48 horas e se abstenha de deportar a paciente até o desfecho deste Habeas Corpus. Por meio de sentença, o MM Juízo a quo concedeu parcialmente a ordem para autorizar o ingresso de VARINDER KAUR em território nacional, condicionando a realização do exame PCR com resultado negativo, devendo ser juntado aos autos no prazo de 48(quarenta e oito) horas (Id. 258161759 e 258161767). Sem recursos voluntários, os autos foram remetidos a esta E. Corte. O Ministério Público Federal, em seu parecer nesta instância, manifesta-se pelo não provimento da remessa oficial (Id. 259047448). É o relatório.
HABEAS CORPUS CÍVEL (1269) Nº 5003532-76.2022.4.03.6119 RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA IMPETRANTE: VARINDER KAUR, SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE GUARULHOS/SP - 1ª VARA FEDERAL IMPETRADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Trata-se de reexame necessário de sentença que concedeu parcialmente a ordem de Habeas Corpus, para autorizar o ingresso de Varinder Kaur, de nacionalidade indiana, no território nacional, condicionando à realização do exame PCR com resultado negativo, e para que a autoridade sanitária no Aeroporto de São Paulo, em Guarulhos realizasse o teste de Covid-19, na paciente, em caráter emergencial (id. 258161763 e 258161767). A Defensoria Pública da União impetrou Habeas Corpus, com pedido liminar, em favor de Varinder Kaur, de nacionalidade indiana, requerendo a suspensão do efeito de eventual Termo de Repatriação, e a garantia de admissão excepcional no Brasil e de solicitação de refúgio (id. 258161746). Sobreveio a sentença, que concedeu parcialmente a ordem, para autorizar o ingresso da paciente no território nacional, condicionando à realização do exame PCR, com resultado negativo, a ser juntado aos autos no prazo de 48 (quarenta e oito) horas. A sentença foi prolatada sob os seguintes fundamentos: “Segundo consta dos autos a paciente tentou ingressar no país, e manifestou interesse em requerer refúgio, sob a alegação de suposta perseguição por razões diversas, e violação de direitos humanos. Contudo, a paciente se encontra impedida de entrar no Brasil devido a não apresentação de comprovante de vacinação, conforme estabelece o artigo 3º da Portaria Interministerial nº 670/2022. Não se constata qualquer outro óbice nas informações. A Portaria Interministerial nº 670/2022, dispõe em seus artigos 3º: Art. 3º Fica autorizada a entrada no País, por via aérea, do viajante de procedência internacional, brasileiro ou estrangeiro, desde que seja apresentado à companhia aérea responsável pelo voo, antes do embarque, comprovante de vacinação, impresso ou em meio eletrônico, nos termos do art. 14. – grifo nosso. Os artigos 16 inciso III, da referida Portaria dispõem: Art. 16. O descumprimento do disposto nesta Portaria implicará, para o agente infrator:(...) III - inabilitação de pedido de refúgio. Nota-se que, nos termos do referido artigo 3º da Resolução acima citada, para brasileiros e estrangeiros somente é exigido a comprovação da vacinação impresso ou em meio eletrônico, ficando dispensados da apresentação de documento comprobatório de realização de teste para Covid-19. Pois bem. Referida Portaria dispõe sobre a restrição excepcional de entrada no País, por motivos sanitários relacionados com o risco de contaminação e disseminação do Coronavírus SARS-COV-2 (COVID 19). Como bem ressaltou o Ministério Público Federal o art. 4º, da Portaria Interministerial nº 661, de 08/12/2021 dispõe sobre a possibilidade de o viajante cumprir quarentena, nos seguintes termos: Art. 4º Os viajantes que não possuírem o comprovante de vacinação, cuja aplicação da última dose ou dose única tenha ocorrido, no mínimo, quatorze dias antes da data do embarque, poderão ingressar no território brasileiro, desde que aceitem a realizar quarentena no território brasileiro, nos termos estipulados: I - quarentena, por cinco dias, na cidade do seu destino final e no endereço registrado na Declaração de Saúde do Viajante - DSV; II - ao final do prazo de quarentena, de que trata o inciso I do caput, deverão realizar teste de antígeno ou RT-PCR e, caso o resultado seja negativo ou não detectável, a quarentena será encerrada; e III - no caso de recusa à realização de um dos testes, a que se refere o inciso II do caput, ou no caso do resultado de qualquer um dos testes detectar a infecção pelo coronavírus SARS-CoV-2 (covid-19), o viajante permanecerá em quarentena de acordo com os critérios estabelecidos pelo Ministério da Saúde no Guia de Vigilância Epidemiológica Covid-19, disponível no sítio eletrônico: https://www.gov.br/saude/pt-br/coronavirus/publicacoes-tecnicas/guias-eplanos/guia-de-vigilancia-epidemiologica-co § 1º O aceite dos termos da quarentena pelos viajantes, de que trata os incisos I, II e III do caput, será incluído, expressamente, na Declaração de Saúde do Viajante – DSV. § 2º As informações dos viajantes submetidos à medida de quarentena, especificadas na Declaração de Saúde do Viajante - DSV, serão encaminhadas aos Centros de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde (CIEVS) - Nacional, que os enviarão aos CIEVS nas suas áreas de abrangências que farão o monitoramento dos respectivos viajantes. Desta forma, considerando que a paciente chegou no Aeroporto Internacional de Guarulhos, em 24/03/2022 e permanece até a presente data em aérea restrita do aeroporto às expensas do transportador, ou seja, tempo superior do exigido para quarentena, entendo ser cabível a realização do teste antígeno ou RT-PCR, nos termos da referida resolução, e posterior autorização de ingresso no país. Assim, acolho a manifestação do Ministério Público Federal e CONCEDO PARCIALMENTE A ORDEM pleiteada, para autorizar o ingresso de VARINDER KAUR de nacionalidade indiana em território nacional, condicionando a realização do exame PCR com resultado negativo, devendo ser juntado aos autos no prazo de 48(quarenta e oito).” Na espécie, denota-se que a paciente estava com a sua liberdade de locomoção restringida, porquanto encontra-se na iminência de ser repatriada pela companhia aérea, permanecendo em hotel na área restrita do aeroporto, sendo obstada de solicitar refúgio, diante da ausência de comprovante de vacinação exigido pela Portaria Interministerial nº 670/2022 e já aguardava há 28 (vinte e oito) dias na zona restrita do aeroporto, sob responsabilidade da companhia aérea. A Portaria Interministerial nº 670, de 1º de abril de 2022, utilizada como fundamento pela autoridade coatora, estabelecia restrições, medidas e requisitos excepcionais e temporários para entrada no Brasil, em decorrência dos riscos de contaminação e disseminação do coronavírus (covid-19), entre eles a apresentação de comprovante de vacinação, impresso ou em meio eletrônico. Também estabelecia que o descumprimento do disposto na referida Portaria acarretaria o impedimento da entrada, no território brasileiro, de estrangeiros, pela autoridade migratória, bem como a repatriação ou deportação imediata e/ou a inabilitação de pedido de refúgio. Quando a paciente ingressou no Brasil, em 24 de março de 2022, estava em vigor a Portaria Interministerial nº 666, de 20 de janeiro de 2022 (que previa, além da necessidade de comprovação de vacinação, a apresentação de teste negativo), enquanto a Portaria Interministerial nº 661, de 08 de dezembro de 2021 (citada na fundamentação da sentença) foi revogada pela Portaria Interministerial nº 663, de 20 de dezembro de 2021. Não obstante, todas as referidas Portarias previam que a apresentação do comprovante de vacinação será dispensada, entre outros, “em virtude de questão humanitária”, como se insere o caso em questão. Para esses casos, a Portaria Interministerial nº 670, de 1º de abril de 2022, estabelece que devem ser tomadas as seguintes medidas: “Art. 19. Os Ministérios poderão encaminhar à Casa Civil da Presidência da República, de forma fundamentada, casos omissos nesta Portaria e pedidos de casos excepcionais, quanto ao cumprimento de determinações sanitárias, para o atendimento do interesse público ou de questões humanitárias. § 1º Os pedidos excepcionais de que trata o caput deverão ser encaminhados à Casa Civil da Presidência da República, com antecedência mínima de cinco dias úteis da data de entrada no País. § 2º A Casa Civil da Presidência da República solicitará, em prazo adequado à urgência da demanda, a manifestação: I - da Anvisa; II - de outros órgãos ou entidades cuja pertinência temática tenha relação com o caso, se entender necessário; e III - dos Ministérios signatários deste normativo. § 3º A decisão, por consenso, dos Ministérios signatários será comunicada pela Casa Civil da Presidência da República. § 4º A fundamentação deverá demonstrar a razoabilidade e proporcionalidade do pedido de caso excepcional para atendimento do interesse público ou de questões humanitárias.” Desta feita, diante da urgência do caso, de estrangeira que alega temor de perseguição por razões diversas, e que já se encontrava no país e na iminência de ser repatriada, a exigência de apresentação de comprovante de vacinação da Portaria Interministerial nº 670, de 1º de abril de 2022, merecia, excepcionalmente, ser afastada. Assim, não merece reparos a r. sentença que concedeu parcialmente a ordem, para autorizar o ingresso da paciente, estrangeira, condicionado à realização do exame PCR com resultado negativo, possibilitando, assim, que iniciasse os trâmites de solicitação de refúgio. Por fim, impende consignar que foi realizado o exame da PCR-Covid na paciente, tendo testado negativo, havendo, nos autos, a informação de que já iniciou o pedido de refúgio. Ante ao exposto, nego provimento à remessa oficial. É como voto.
E M E N T A
REMESSA NECESSÁRIA. HABEAS CORPUS. PEDIDO DE REFÚGIO. EXIGÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DE COMPROVANTE DE VACINAÇÃO AUTORIZAÇÃO PARA O INGRESSO DE ESTRANGEIRA NO TERRITÓRIO NACIONAL.
1. Na espécie, denota-se que a paciente estava com a sua liberdade de locomoção restringida, porquanto encontra-se na iminência de ser repatriada pela companhia aérea, permanecendo em hotel na área restrita do aeroporto, sendo obstada de solicitar refúgio, diante da ausência de comprovante de vacinação exigido pela Portaria Interministerial nº 670/2022 e já aguardava há 28 (vinte e oito) dias na zona restrita do aeroporto, sob responsabilidade da companhia aérea.
2. A Portaria Interministerial nº 670, de 1º de abril de 2022, utilizada como fundamento pela autoridade coatora, estabelecia restrições, medidas e requisitos excepcionais e temporários para entrada no Brasil, em decorrência dos riscos de contaminação e disseminação do coronavírus (covid-19), entre eles a apresentação de comprovante de vacinação, impresso ou em meio eletrônico. Também estabelecia que o descumprimento do disposto na referida Portaria acarretaria o impedimento da entrada, no território brasileiro, de estrangeiros, pela autoridade migratória, bem como a repatriação ou deportação imediata e/ou a inabilitação de pedido de refúgio.
3. Quando a paciente ingressou no Brasil, em 24 de março de 2022, estava em vigor a Portaria Interministerial nº 666, de 20 de janeiro de 2022 (que previa, além da necessidade de comprovação de vacinação, a apresentação de teste negativo), enquanto a Portaria Interministerial nº 661, de 08 de dezembro de 2021 (citada na fundamentação da sentença) foi revogada pela Portaria Interministerial nº 663, de 20 de dezembro de 2021.
4. Não obstante, todas as referidas Portarias previam que a apresentação do comprovante de vacinação será dispensada, entre outros, “em virtude de questão humanitária”, como se insere o caso em questão.
5. Diante da urgência do caso, de estrangeira que alega temor de perseguição por razões diversas, e que já se encontrava no país e na iminência de ser repatriada, a exigência de apresentação de comprovante de vacinação da Portaria Interministerial nº 670, de 1º de abril de 2022, merecia, excepcionalmente, ser afastada.
6. Não merece reparos a r. sentença que concedeu parcialmente a ordem, para autorizar o ingresso da paciente, estrangeira, condicionado à realização do exame PCR com resultado negativo, possibilitando, assim, que iniciasse os trâmites de solicitação de refúgio.
7. Remessa oficial desprovida.