Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5011643-28.2021.4.03.6105

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA

APELANTE: CONSELHO REGIONAL DE FARMACIA DO ESTADO DE SAO PAULO
PROCURADOR: CONSELHO REGIONAL DE FARMACIA DO ESTADO DE SAO PAULO

APELADO: DROGARIA SAO PAULO S.A.

Advogado do(a) APELADO: RAFAEL AGOSTINELLI MENDES - SP209974-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5011643-28.2021.4.03.6105

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA

APELANTE: CONSELHO REGIONAL DE FARMACIA DO ESTADO DE SAO PAULO
PROCURADOR: CONSELHO REGIONAL DE FARMACIA DO ESTADO DE SAO PAULO

APELADO: DROGARIA SAO PAULO S.A.

Advogado do(a) APELADO: RAFAEL AGOSTINELLI MENDES - SP209974-A

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

Trata-se de apelação à sentença de procedência de embargos à execução fiscal, declarando inexigíveis inscrições, por serem as multas fixadas em salários mínimos, violando o artigo 7º, IV, da Constituição Federal, imposta verba honorária de 10% sobre o valor da execução. 

Apelou o CRF, alegando que: (1) a multa prevista no artigo 24, parágrafo único, da Lei 3.820/1960, recepcionada pela Constituição, possui natureza de sanção pecuniária, devendo ser fixada em patamar suficiente para impedir ou reduzir infrações e minimizar custos totais para a sociedade; (2) a vedação do artigo 7º, IV, CF, tem como finalidade a preservação do salário mínimo como instrumento de proteção do trabalhador, porém a multa administrativa não se confunde com indexador econômico, capaz de prejudicar tal proteção; (3) subsidiariamente, cabe efeito repristinatório à redação original do artigo 24 da Lei 3.820/1960, para valorar as multas no patamar de Cr$ 500,00 (quinhentos cruzeiros) a Cr$ 5.000,00 (cinco mil cruzeiros), atualizados pelo IGPM-DI; e (4) a condenação sucumbencial deve recair sobre o proveito econômico obtido pela parte contrária, e não como fixado sobre o valor da execução, que abrange outros débitos, além das multas punitivas.

Houve contrarrazões. 

É o relatório.

 

 


 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5011643-28.2021.4.03.6105

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA

APELANTE: CONSELHO REGIONAL DE FARMACIA DO ESTADO DE SAO PAULO
PROCURADOR: CONSELHO REGIONAL DE FARMACIA DO ESTADO DE SAO PAULO

APELADO: DROGARIA SAO PAULO S.A.

Advogado do(a) APELADO: RAFAEL AGOSTINELLI MENDES - SP209974-A

 

  

 

V O T O

 

 

Senhores Desembargadores, sobre a controvérsia suscitada, a adoção do salário mínimo na fixação das sanções pecuniárias impostas por órgão profissional foi assim prevista no artigo 1º da Lei 5.724/1971: 

 

"Art 1º As multas previstas no parágrafo único do artigo 24 e no inciso II do artigo 30 da Lei nº 3.820, de 11 de novembro de 1960, passam a ser de valor igual a 1 (um) salário mínimo a 3(três) salários mínimos regionais, que serão elevados ao dobro no caso de reincidência."

 

A controvérsia em torno da utilização do salário mínimo na fixação de multas administrativas foi dirimida pela Suprema Corte em reiterados e vetustos precedentes, desde a vigência da atual Constituição Federal.

Ilustrativamente:

 

RE 237.965, Rel. Min. MOREIRA ALVES, julgado em 10/02/2000: "Fixação de horário de funcionamento para farmácias no Município. Multa administrativa vinculada a salário mínimo. - Em casos análogos ao presente, ambas as Turmas desta Corte (assim a título exemplificativo, nos RREE 199.520, 175.901 e 174.645) firmaram entendimento no sentido que assim vem sintetizado pela ementa do RE 199.520: "Fixação de horário de funcionamento para farmácia no Município. Lei 8.794/78 do Município de São Paulo. Matéria de competência do Município. Improcedência das alegações de violação aos princípios constitucionais da isonomia, da livre concorrência, da defesa do consumidor, da liberdade de trabalho e da busca ao pleno emprego. Precedente desta Corte. Recurso extraordinário conhecido, mas não provido". - Dessa orientação não divergiu o acórdão recorrido. - O Plenário desta Corte, ao julgar a ADIN 1425, firmou o entendimento de que, ao estabelecer o artigo 7º, IV, da Constituição que é vedada a vinculação ao salário mínimo para qualquer fim, "quis evitar que interesses estranhos aos versados na norma constitucional venham a ter influência na fixação do valor mínimo a ser observado". Ora, no caso, a vinculação se dá para que o salário mínimo atue como fator de atualização da multa administrativa, que variará com o aumento dele, o que se enquadra na proibição do citado dispositivo constitucional. - É, portanto, inconstitucional o § 1º do artigo 4° da Lei 5.803, de 04.09.90, do Município de Ribeirão Preto. Recurso extraordinário conhecido em parte e nela provido, declarando-se a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 4º da Lei 5.803, de 04.09.90, do Município de Ribeirão Preto".

 

De forma ainda mais específica, no caso do próprio artigo 24 da Lei 3.820/1960, a que se refere a Lei 5.724/1971, prevalece, conforme recentes precedentes de ambas as Turmas da Suprema Corte, o entendimento pela inconstitucionalidade da indexação de multa administrativa ao valor do salário mínimo.

A propósito: 

 

RE 1.363.921 AgR, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, 2ª Turma, DJe 24/08/2022: “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. MULTA ADMINISTRATIVA. LEI 5.724/71. VINCULAÇÃO A MÚLTIPLOS DO SALÁRIO MÍNIMO. INCONSTITUCIONALIDADE. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I - A Jurisprudência desta Corte é no sentido de que é inconstitucional a fixação de multa administrativa com base em múltiplos do salário mínimo. II - Agravo regimental a que se nega provimento.”

 

RE 1.364.310 AgR, Rel. Min. NUNES MARQUES, 2ª Turma, DJe 29/06/2022: “AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA. MULTA ADMINISTRATIVA. IMPOSSIBILIDADE DE VINCULAÇÃO A MÚLTIPLOS DE SALÁRIO MÍNIMO. ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM DIVERGENTE DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO. 1. A jurisprudência do Supremo é firme no sentido da impossibilidade de fixação de multa administrativa com base em salário mínimo. 2. Agravo interno desprovido.”

 

RE 1.366.146 AgR, Rel. Min. ROSA WEBER, 1ª Turma, DJe 28/06/2022: “DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MULTA ADMINISTRATIVA FIXADA EM MÚLTIPLOS DO SALÁRIO MÍNIMO. IMPOSSIBILIDADE. CONSONÂNCIA DA DECISÃO ORA RECORRIDA COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. O entendimento assinalado na decisão agravada não diverge da jurisprudência firmada no Supremo Tribunal Federal. Ao julgamento do ARE 1.255.399-AgR-ED-EDv-AgR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, o Plenário desta Suprema Corte decidiu pela “inconstitucionalidade da fixação de multa administrativa com base em múltiplos do salário mínimo, estabelecida no art. 1º da Lei 5.724/1971”. 2. As razões do agravo interno não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada. 3. Agravo interno conhecido e não provido.”

 

RE 1.364.145 ED-AgR, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, 1ª Turma, DJe 13/05/2022: “AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EXECUÇÃO FISCAL. CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA. MULTA ADMINISTRATIVA. UTILIZAÇÃO DO SALÁRIO MÍNIMO COMO REFERÊNCIA: IMPOSSIBILIDADE. ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM DIVERGENTE DA JURISPRUDÊNCIA DESTE SUPREMO TRIBUNAL. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.”

 

Assim sendo, considerando o posicionamento da Suprema Corte quanto à vedação ao uso do salário mínimo como base para fixação de multa administrativa, não pode prevalecer o artigo 1º da Lei 5.724/1971, que vinculou ao salário mínimo o valor das multas previstas no artigo 24, parágrafo único, da Lei 3.820/1960, devendo ser restabelecida, portanto, a redação originária com a multa podendo ser fixada entre os limites de quinhentos e cinco mil cruzeiros, convertida e atualizada tal expressão monetária de acordo com o previsto na legislação. 

Não cabe reputar constitucional a distorção, que se pretende, com cobrança de multas administrativas automática e anualmente reajustadas pelo valor do salário mínimo, já que a lei anual editada para tal efeito é destinada, especificamente, a concretizar garantia fundamental a favor dos segurados da Previdência Social e trabalhadores nas condições exclusivas do artigo 201, § 2º, e artigo 7º, IV e VII, ambos da Lei Maior, não extensível sequer aos demais segurados e trabalhadores. Logo, não existe na Constituição Federal tratamento de vinculação, indexação e reajuste automático ao salário mínimo, prevista para categorias sociais especialmente protegidas, capaz de ser aproveitável ou extensível à categoria normativa de multas administrativas, que são sanções cujo privilégio não pode ser maior do que o conferido, em geral, a proventos e salários neste tocante. 

Saliente-se, outrossim, que a hipótese dos autos não versa sobre multa processual penal por abandono do processo (ADI 4.398), mas sobre multa administrativa, objeto de reiterados julgamentos específicos da Suprema Corte, cujo montante é diretamente indexado ao salário mínimo, de tal sorte que o respectivo valor sofre atualização anual, assim como o próprio fator a que indexado, exatamente o efeito de vinculação que é constitucionalmente vedado (artigo 7º, IV, CF).

Declarada a inconstitucionalidade da norma que alterou anterior, esta tem sua eficácia restabelecida pelo efeito repristinatório de nulidade decretada, conforme assente na jurisprudência constitucional: 

 

RE-AgR-AgR 418.958, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 20/05/2014: "CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. RECEITA BRUTA. COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUÇÃO RURAL E EMPREGADORES. ARTIGO 25 DA LEI Nº 8.212/91, COM A REDAÇÃO DADA PELAS LEIS Nº 8.540/92 E 9.528/97. INCONSTITUCIONALIDADE. REPRISTINAÇÃO. O Pleno, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 363.852/MG, proclamou a invalidade da contribuição. Subsiste norma anterior alterada ou revogada pelo dispositivo declarado inconstitucional. MULTA. AGRAVO. ARTIGO 557, § 2º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. Surgindo do exame do agravo o caráter manifestamente infundado, impõe-se a aplicação da multa prevista no § 2º do artigo 557 do Código de Processo Civil."

 

Não se trataria, assim, de anular a autuação e reputar inexistente a infração, cabendo apenas apurar o valor da multa aplicável, restabelecendo a eficácia da norma originária, com a observância das regras de atualização e conversão de moeda previstas na legislação. A eventual inexequibilidade de multa (se resultar em valor irrisório), divergência na sua apuração e questões correlatas devem ser tratadas na esfera administrativa ou em ação própria.

Afastado o fundamento adotado na sentença, cabe o exame das demais questões suscitadas pela embargante e discutidas no processo, nos termos do artigo 1.013, § 2º, CPC.

A execução fiscal abrange seis inscrições, porém somente duas tratam de multa punitiva (CDA 362676/20 e CDA 362677/20), objeto de autos de infração (AI 291.327 e AI 287.516).

Quanto à alegação de nulidade formal de certidões de dívida ativa, por divergência entre fundamento legal das autuações administrativas, que geraram inscrição em dívida ativa, e a própria fundamentação legal do título executivo, que lastreou a execução fiscal, não procede. 

Com efeito, o AI 291.327 apurou que “no ato da inspeção, o estabelecimento encontra-se em atividade sem farmacêutico devidamente protocolado junto ao CRF/SP”, com infração aos artigos 10, c, e 24, da Lei 3.820/1960; 3º, 5º, 6º e 12, da Lei 13.021/2014; 1º da Lei 6.839/1980; e 7º da Resolução CFF 577/2013 (ID 257597983, f. 1 e 28/30). Ainda registrou que “o estabelecimento está sendo notificado a protocolar junto ao CRF/SP a comprovação de vínculo no prazo de cinco dias úteis da dra. [...], que encontra-se presente no estabelecimento, mas não possui nenhum documento protocolado junto ao CRF/SP”. A certidão de dívida ativa descreveu, coerentemente, como fundamento legal da infração os artigos 24, parágrafo único, da Lei 3.820/60 c/c 3º, 5º e 6º, I, da Lei 13.021/2014 (ID 257597986, f. 7), que tratam da obrigatoriedade do exercício de responsabilidade técnica, por farmácia ou drogaria, por profissional habilitado e registrado no Conselho Regional de Farmácia.

O fundamento do AI 287.516, por sua vez, foi a infringência aos artigos 10, c, e 24, da Lei 3.820/1960; e 15, § 1º, da Lei 5.991/1973, pois “a dra. [...] encontra-se afastada do estabelecimento no período de [...] pelo motivo de licença maternidade. Portanto o estabelecimento encontra-se em situação irregular sem a devida prestação de assistência farmacêutica” (ID 257597984, f. 1 e 17/8). A certidão de dívida ativa descreveu, em convergência, como infringidos os artigos 24, parágrafo único, da Lei 3.820/1960 c/c 15, § 1º, da Lei 5.991/1973 (ID 257597986, f. 6), que assim dispõem:

 

“Art. 24. - As empresas e estabelecimentos que exploram serviços para os quais são necessárias atividades de profissional farmacêutico deverão provar perante os Conselhos Federal e Regionais que essas atividades são exercidas por profissional habilitado e registrado.”

 

"Art. 15 - A farmácia e a drogaria terão, obrigatoriamente, a assistência de técnico responsável, inscrito no Conselho Regional de Farmácia, na forma da lei.

§ 1º - A presença do técnico responsável será obrigatória durante todo o horário de funcionamento do estabelecimento.”

 

Inexiste, pois, a alegada nulidade.

Invocou-se, ainda, inconstitucionalidade no curso do processo administrativo, pois condicionada a interposição recursal ao pagamento de valores, a título de despesas de porte de remessa e retorno dos autos do processo administrativo ao Conselho Federal de Farmácia, conforme previsão contida no artigo 15 da Resolução CFF 566/2012.

A exigência impugnada, como visto, ao estipular condição para exercício do direito ao recurso administrativo, sequer tem base legal e, embora se sustente em ato infralegal, este não é suficiente para tornar válida a cobrança, pois a prestação de serviço público da espécie em cogitação, relacionada à tramitação de processo administrativo, não é remunerada por preço público, como aventado.

É assente a conclusão da Corte no sentido da ilegalidade da exigência e, uma vez que esta tenha obstado o exercício do direito ao recurso administrativo, é inequívoca a inconstitucionalidade da decisão que, em prejuízo do administrado, não tenha conhecido do recurso por falta de recolhimento de tais despesas, afetando, assim, a higidez do procedimento administrativo e, no caso da inscrição em dívida ativa, da validade da própria execução fiscal.

Neste sentido, os seguintes precedentes:

 

ApCiv 5001170-54.2020.4.03.6125, Rel. Des. Fed. NERY JÚNIOR, Intimação via sistema 20/07/2022: “EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA. RECURSO ADMINISTRATIVO. PORTE DE REMESSA E RETORNO. CONDIÇÃO. INDEVIDO.APELAÇÃO IMPROVIDA.   1.O C. Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 1976, fixou o entendimento de que "é inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo", conforme Súmula Vinculante 21/STF. 2.Verifica-se nos autos que a embargante foi notificada a recolher o valor da multa, quando apresentou recurso administrativo que não prosperou ao fundamento de que “não pode ser tramitado visto que o recurso somente poderia ser encaminhado ao Conselho Federal de Farmácia após o pagamento dos custos de envio, conforme definido pela referida resolução. Esclarecemos que o prazo para interposição de recurso ao Conselho Federal de Farmácia é de 15 dias (artigo 15, res 566/12): portanto, novo recurso ao Conselho Federal de Farmácia, referente a esta multa, será intempestivo.”. 3.Esta Corte já se pronunciou no sentido de ser indevida a exigência de pagamento das despesas do porte de remessa e retorno dos autos do procedimento administrativo ao Conselho Federal de Farmácia, calcado no artigo 15 da Resolução 566/12 do Conselho Federal de Farmácia 4.Apelação improvida.”

 

ApCiv 0004133-80.2019.4.03.6182, Rel. Des. Fed. MARLI FERREIRA, Intimação via sistema 23/06/2022: “ADMINISTRATIVO. EMBARGOS A EXECUÇÃO FISCAL. CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA. MULTA ADMINISTRATIVA FIXADA EM SALÁRIOS MÍNIMOS. ILEGALIDADE. A fixação da multa administrativa com base em salários mínimos, no entanto, esbarra no disposto na parte final do inciso IV do artigo 7º da Constituição Federal, que veda a vinculação do salário mínimo para qualquer fim. O Plenário do E. Supremo Tribunal Federal no RE 237.965 firmou o entendimento nesse sentido, conforme assentado na ADI 1.425. Sendo predominante a gratuidade de processo administrativo, conclui-se que a exigência do pagamento de porte de remessa e retorno para o recebimento do recurso administrativo, constante da Resolução do CFF, fere a garantia constitucional à ampla defesa, devendo, assim, ser afastada. Não deve prosperar o pleito subsidiário da apelante, para que seja atribuído efeito repristinatório tácito à redação original do parágrafo único do artigo 24 da Lei nº 3.820/1960. Apelação improvida.”

 

ApCiv 5017945-70.2020.4.03.6182, Rel. Des. Fed. JOHONSOM DI SALVO, Intimação via sistema 11/04/2022: “AGRAVO INTERNO. ARTIGO 1.021 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. NULIDADE DA CDA. CERCEAMENTO DE DEFESA NA ESFERA ADMINISTRATIVA. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Relativamente à alegação de cerceamento de defesa em razão da cobrança de taxa – porte de remessa e retorno para interposição de recurso administrativo prevista na Resolução nº 566/2012, por se encontrar em contrariedade com a Súmula Vinculante do STF, que dispõe: “É inconstitucional a exigência de depósito prévio ou arrolamento prévios de bens e dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo”. 2. Com efeito, inexistindo disposição legal específica sobre as custas processuais, prevalece o princípio da gratuidade no processo administrativo, disposto no artigo 2º, parágrafo único, inciso XI, da Lei nº 9.784, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.” 3. No caso dos presentes autos a embargante comprovou que formulou pedido para o afastamento da cobrança do porte de remessa e retorno, para o consequente processamento do recurso administrativo. 4. No entanto, o recurso não fora encaminhado ao Conselho Federal de Farmácia pela ausência de pagamento do porte de remessa (artigo 15 da Resolução 566/12 do CFF). Dessa forma, a embargante comprovou que houve cerceamento de defesa na esfera administrativa pelo não processamento do recurso interposto, sendo nulas as CDAs em cobro. 5. Agravo interno não provido.”

 

Na espécie, o primeiro recurso dirigido ao CRF foi processado e desprovido, com notificação para o recolhimento da multa, sem embargo da possibilidade de “recorrer ao Conselho Federal de Farmácia, por intermédio do Conselho Regional, dentro do prazo legal, mediante prévio pagamento do porte de remessa, conforme Regulamento do Processo Administrativo Fiscal dos Conselhos Regionais de Farmácia, aprovado pela Res. CFF 566/12” (ID 257597983, f. 28/30 e ID 257597984, f. 17/8).

Em relação ao AI 287.516 houve recurso dirigido ao Conselho Federal (ID 257597984, f. 19/36), decidindo-se que não pode ser tramitado, visto que o recurso somente poderia ser encaminhado ao Conselho Federal de Farmácia após o pagamento dos custos de envio, conforme definido pela referida resolução” (f. 37). É flagrante o cerceamento de defesa na fase recursal administrativa, a obstar a inscrição em dívida ativa da multa respectiva.

Todavia, no tocante à multa do AI 291.327 não foi demonstrada a interposição e não conhecimento do recurso por falta de prévio pagamento do porte de remessa (ID 257597983), de sorte a gerar nulidade.

Alegou-se, ainda, quanto a tal autuação, que teria sido “totalmente insubsistente, irregular, ilegal e arbitrário o auto de infração em questão”, pois “a Embargante somente contrata profissionais para o exercício de atividades de farmacêutico mediante a apresentação de Carteiras/Cédulas de Identidade Profissional, que comprovem a devida habilitação e registro perante o Conselho”. Nada foi provado, porém, quanto ao ponto, tratando-se de narrativa genérica, que não é apta a desconstituir a presunção de liquidez e certeza do título executivo, pois incumbe à embargante o ônus da prova do fato constitutivo do direito alegado. 

No que se refere à alegação de excesso da multa aplicada acima do mínimo legal sem devida motivação, a despeito da acolhida da tese de inconstitucionalidade a exigir nova fixação do valor da multa, cabe realçar que o artigo 1º da Lei 5.724/1971, além de atualizar montantes mínimo e máximo da multa prevista no artigo 24, parágrafo único, da Lei 3.820/1960, dispôs que tais valores “serão elevados ao dobro no caso de reincidência”.

Assim, embora haja previsão legal para multa ser fixada em montante máximo e até mesmo duplicada em casos de reincidência, é firme a jurisprudência no sentido de que a dosimetria deve ser necessária e minimamente motivada.

Neste sentido, os seguintes precedentes da Turma:

 

ApCiv 5018146-33.2018.4.03.6182, Rel. Juíza Convocada DENISE AVELAR, e - DJF3 25/08/2020: "EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA DO ESTADO DE SÃO PAULO. ANUIDADE DE 2012. PRESCRIÇÃO. AFASTADA. TOTAL COBRADO DAS ANUIDADES DE 2012, 2015, 2016 E 2017. VALOR DO MONTANTE EXECUTADO SUPERIOR AO DISPOSTO NO ART. 8º DA LEI N.º 12.514/11.  MULTA. VALOR APLICADO ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO. REDUÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. 1. Trata-se de embargos à execução fiscal, opostos contra o Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo, para afastar a cobrar anuidades de 2012, 2015, 2016 e 2017, bem como multa prevista no art. 24, parágrafo único, da Lei 3.820/60 c\c artigos 5º e 6º, da Lei nº 13.021/2014 (ID de n.º 8713764, páginas 2-6, da execução fiscal de n.º 5007811-52.2018.4.03.6182). 2. O artigo 8º da Lei nº 12.514, de 28 de outubro de 2011, que dispôs sobre as contribuições devidas aos conselhos profissionais em geral, estabelece, verbis: "Os Conselhos não executarão judicialmente dívidas referentes a anuidades inferiores a 4 (quatro) vezes o valor cobrado anualmente da pessoa física ou jurídica inadimplente. Parágrafo único. O disposto no caput não limitará a realização de medidas administrativas de cobrança, a aplicação de sanções por violação da ética ou a suspensão do exercício profissional". O referido diploma legal, que regularizou a questão relativa à cobrança de anuidades pelos Conselhos Profissionais, dispõe como limitação à execução fiscal dos débitos a necessidade de que o valor cobrado corresponda a, pelo menos, o valor da soma de 4 (quatro) anuidadesConsiderando a limitação de valor mínimo para fins de execução nos termos do art. 8º da Lei nº 12.514/11 para o ajuizamento da execução, o prazo prescricional dever ter início somente quando o crédito se tornar exequível, ou seja, quando o total da dívida inscrita, acrescida dos respectivos consectários legais, atingir o valor mínimo exigido pela norma. 3. Assim, o prazo prescricional para cobrança de anuidades devidas aos Conselhos Profissionais somente pode ser exigido quando o crédito se tornar exequível, ou seja, quando o total da dívida inscrita, acrescida dos respectivos consectários legais, atingir o patamar mínimo exigido no art. 8º da Lei em comento (precedentes do STJ e deste Tribunal). Nesse contexto, em relação à anuidade prevista para o ano de 2012, o termo inicial para a cobrança não é o vencimento previsto para 07/04/2012 (CDA de ID de n.º 8713764, página 02, da execução fiscal de n.º 5007811-52.2018.4.03.6182), mas sim a partir do momento que o crédito se tornou exequível, ou seja, a partir da cobrança da anuidade prevista para o ano de 2017. O que afasta a decretação da prescrição da anuidade de 2012. 4. A limitação prevista no art. 8º da Lei n.º 12.514/11 de valor mínimo para propositura da execução fiscal se refere ao valor do montante executado, e não a cobrança pura e simples de quatro anuidades (precedente do STJ). 5. No caso sub judice, o valor da anuidade cobrada de pessoa física na época da propositura da presente execução (ano de 2018) era de R$ 725,28 (setecentos e vinte e cinco reais e vinte e oito centavos) (Resolução 650/2017, do Conselho Federal de Farmácia. Assim, o valor correspondente a 04 (quatro) anuidades corresponde a R$ 2.901,12 (dois mil, novecentos e um reais e doze centavos), sendo que na presente execução, o valor cobrado das anuidades de 2012, 2015, 2016 e 2017 é de R$ 3.819,38 (três mil, oitocentos e dezenove reais e trinta e oito centavos), ou seja, superior ao estabelecido no art. 8º da Lei nº 12.514/11. Desse modo, atendida a condição legal, não existe razão para extinção da execução em relação às anuidades cobradas. 6. No caso dos autos, o Conselho Regional de Farmácia, ao aplicar a multa, não obstante fixada nos termos do artigo 24, parágrafo único, da Lei nº 3.820/60, a arbitrou acima do mínimo legal, sem, entretanto, ter fundamentado tal procedimento. Assim, ausente a motivação por parte do Conselho embargado, deve o valor da multa ser reduzido ao mínimo previsto no art. 1º da Lei n.º 5.724/71, que atualizou o valor das multas previstas no parágrafo único do art. 24 e no inciso II do art. 30 da Lei n.º 3.820/60, não merecendo reparos a sentença neste ponto. 7. In casu, considerando a redução do valor da multa aplicada, e a determinação do prosseguimento da execução fiscal em relação à cobrança das anuidades, fixo a condenação em honorários advocatícios em 10 % (dez por cento) sobre o valor dado a causa na execução fiscal, a serem proporcionalmente distribuídos, conforme o disposto no art. 86, caput,  do Código de Processo Civil. 8. Apelação parcialmente provida."

 

ApCiv 5003806-39.2018.4.03.6100, Rel. Des. Fed. NELTON DOS SANTOS, e - DJF3 10/03/2020: "ADMINISTRATIVO. CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA. REGISTRO DE RESPONSÁVEL TÉCNICO. ART. 24 DA LEI Nº 3.820/60. REDUÇÃO DO VALOR DA MULTA. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. 1. Conforme entendimento consolidado na jurisprudência, a aplicação de penalidades na seara administrativa também obedece ao princípio da individualização das penas, assim como aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. 2. Assim, cumpre à Administração Pública, no exercício do poder de polícia, verificar a situação fática configuradora da infração administrativa para fixar a pena a ser aplicada, dentro dos parâmetros instituídos pela lei de regência, explicitando os motivos que ensejaram aquela dosimetria. Precedentes. 3. Na espécie, em que pese a subsunção formal da conduta ao disposto nos arts. 10 c.c a art. 24 da Lei nº 3.820/60, há que se levar em consideração as especificidades do caso concreto. 4. Em 10.05.2012 (sexta-feira) o CRF-SP notificou a apelante a respeito da efetivação da baixa e concedeu o prazo de 5 (cinco) dias úteis para sanar as irregularidades do registro do responsável técnico perante o CRF-SP (Id 1827040, p. 9). Em 15.05.2013 (quarta-feira), ou seja, apenas três dias úteis após, a apelante compareceu perante o CRF com os documentos necessários para o registro, tendo o CRF-SP emitido boleto de pagamento no valor de R$ 372,00 (trezentos e setenta e dois reais) com vencimento apenas em 22.05.2013 (Id 1827040, p. 11), que foi pontualmente pago (Id 1827040, p. 12) com o Protocolo 055313/2013 entregue ao CRF-SP em 23.05.2013 (Id 1827040, p. 13). 5. Não são razoáveis os argumentos do CRF-SP, “ainda que a autora possa ter comparecido no dia 15 de maio, o protocolo somente foi efetuado e a regularização efetivada no dia 23 de maio de 2013, pois para que seja possível tramitar um pedido de assunção de responsabilidade técnica, necessário o comparecimento do interessado para preenchimento do formulário, com a declaração do horário de assistência, a apresentação da CTPS ou contrato de prestação de serviço autônomo, que comprove o vínculo com a empresa. Estando em ordem a documentação apresentada, essa é devolvida juntamente com boleto para pagamento da taxa correspondente, advertindo o interessado que somente a devolução do documento com a taxa paga é que será considerado válido o protocolo, conforme exposto anteriormente” grifos no original (Id 1827055, p. 4). 6. Ora, o boleto com vencimento em 22.05.2013 foi emitido pelo próprio CRF-SP, o que pressupõe que o pagamento pontual seria apto a sanar qualquer irregularidade, sob pena de configuração de má-fé. 7. Ademais, ao fixar o valor da multa em seu máximo, independentemente do exame dos fatos, o CRF-SP acabou por violar os aludidos princípios, em exercício abusivo de suas prerrogativas enquanto autarquia fiscalizadora da atividade profissional. Embora não caiba ao Judiciário intervir nos critérios discricionários da Administração Pública na atribuição de penalidades ao infrator sujeito ao poder de polícia do Poder Público; o Judiciário, em obediência aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, pode vetar que as autoridades e agentes administrativos imponham invariavelmente a pena máxima, sem qualquer ponderação da parte deles sobre o fato e suas circunstâncias. 8. Assim, diante das especificidades do caso concreto, impõe-se a redução da multa para o valor mínimo legal, nos termos do art. 24, da Lei nº 3.820/60. 9. Quanto à verba honorária, diante da sucumbência recíproca e do baixo valor da condenação, reputo razoável fixá-la em R$ 500,00, devida por cada um dos litigantes, nos termos do art. 85, §8º e 14. 10. Apelação parcialmente provida."

 

No caso, não houve juntada integral do respectivo processo administrativo, inexistindo cópia da decisão administrativa, que manteve a autuação lavrada, fixando o valor da penalidade impugnada, senão apenas da respectiva notificação, prejudicando, assim, o exame da alegação de falta de fundamentação ou justificativa para fixação acima do mínimo legal.

Em suma, fica mantida em parte a sentença com o acolhimento integral dos embargos à execução fiscal quanto à multa do AI 287.516 e respectiva inscrição, por nulidade na fase administrativa recursal, e parcial acolhimento face à multa do AI 291.327 e respectiva inscrição, pois, inconstitucional a vinculação da multa a número de salários mínimos, o valor da penalidade deve ser calculado conforme critérios da legislação precedente. 

No tocante à sucumbência do conselho-embargado, a verba honorária deve ser apurada com base nos percentuais mínimos previstos nos incisos do § 3º do artigo 85, CPC, por faixas aplicáveis, considerado o proveito econômico auferido, a partir do montante a ser excluído por excesso de execução.

Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação, nos termos supracitados.

É como voto.


Apelação interposta pelo CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA DO ESTADO DE SÃO PAULO contra sentença que julgou procedentes em parte os embargos à execução fiscal.

O eminente Relator votou para dar provimento parcial ao recurso por entender que:

Declarada a inconstitucionalidade da norma que alterou anterior, esta tem sua eficácia restabelecida pelo efeito repristinatório de nulidade decretada

Com a devida vênia, divirjo.

As sanções pecuniárias do Conselho Regional de Farmácia são estabelecidas pela Lei n° 5.724/71, que assim dispõe em seu artigo 1º, verbis:

Art. 1º As multas previstas no parágrafo único do artigo 24 e no inciso II do artigo 30 da Lei nº 3.820, de 11 de novembro de 1960, passam a ser de valor igual a 1 (um) salário-mínimo a 3 (três) salários-mínimos regionais, que serão elevados ao dôbro no caso de reincidência.

O Pleno do Supremo Tribunal Federal examinou questão análoga no RE 237.965 e considerou que a fixação da multa administrativa nos termos do dispositivo mencionado, vale dizer, em número de salários mínimos, ofende o artigo 7º, inciso IV, da Constituição Federal, conforme havia sido assentado na ADI 1.425. Eis a ementa:

"Fixação de horário de funcionamento para farmácias no Município. Multa administrativa vinculada a salário mínimo. - Em casos análogos ao presente, ambas as Turmas desta Corte (assim a título exemplificativo, nos RREE 199.520, 175.901 e 174.645) firmaram entendimento no sentido que assim vem sintetizado pela ementa do RE 199.520: "Fixação de horário de funcionamento para farmácia no Município. Lei 8.794/78 do Município de São Paulo. - Matéria de competência do Município. Improcedência das alegações de violação aos princípios constitucionais da isonomia, da livre concorrência, da defesa do consumidor, da liberdade de trabalho e da busca ao pleno emprego. Precedente desta Corte. Recurso extraordinário conhecido, mas não provido". - Dessa orientação não divergiu o acórdão recorrido. - O Plenário desta Corte, ao julgar a ADIN 1425, firmou o entendimento de que, ao estabelecer o artigo 7º, IV, da Constituição que é vedada a vinculação ao salário-mínimo para qualquer fim, "quis evitar que interesses estranhos aos versados na norma constitucional venham a ter influência na fixação do valor mínimo a ser observado". Ora, no caso, a vinculação se dá para que o salário-mínimo atue como fator de atualização da multa administrativa, que variará com o aumento dele, o que se enquadra na proibição do citado dispositivo constitucional. - É, portanto, inconstitucional o § 1º do artigo 4º da Lei 5.803, de 04.09.90, do Município de Ribeirão Preto. Recurso extraordinário conhecido em parte e nela provido, declarando-se a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 4º da Lei 5.803, de 04.09.90, do Município de Ribeirão Preto". (RE nº 237.965, Rel. Min. Moreira Alves, j. 10.02.2000, Plenário, Dj 31/03/2000)

Veja-se ainda outro julgado mais recente da 1ª Turma daquela Corte Suprema:

SALÁRIO MÍNIMO - VINCULAÇÃO - Esbarra na cláusula final do inciso IV do artigo 7º da Constituição Federal a tomada do salário mínimo como parâmetro de cálculo de multa. (STF; RE 445.282; Min. MARCO AURÉLIO; j. em 07/04/2009; Primeira Turma).

Desse modo, inexigíveis as multas aplicadas, à vista da não recepção da norma prevista no artigo 1º da Lei nº 5.724/71 pela Constituição Federal (CF, artigo 7º, inciso IV) e, como consequência, cabível extinguir os respectivos débitos.

Destaquem-se os preceitos da Lei Magna que outorgam ao Supremo Tribunal Federal a incumbência de garantir a inteireza e unificar a interpretação do direito constitucional. Assim, à vista do posicionamento firmado pela Corte Suprema sobre o tema, entende-se superada a invocada constitucionalidade da fixação da multa pelo CRF SP defendida.

 

Sublinhe-se que, consoante anteriormente articulado em casos análogos, o Código Penal não estabelece que a sanção pecuniária deva ser fixada em salário mínimo, porque sempre o é em reais ou na moeda vigente. Apenas se cuida de parâmetros limítrofes entre o mínimo e o máximo para o valor da quantia a ser arbitrada na sentença, in verbis:

Art. 49 - A pena de multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias- multa. Será, no mínimo, de 10 (dez) e, no máximo, de 360 (trezentos e sessenta) dias- multa. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

§ 1º - O valor do dia-multa será fixado pelo juiz não podendo ser inferior a um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior a 5 (cinco) vezes esse salário. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

§ 2º - O valor da multa será atualizado, quando da execução, pelos índices de correção monetária.

 

O mesmo entendimento se estende ao artigo 265 do CPP, cuja inconstitucionalidade foi questionada perante o STF na ADI nº 4398/DF, a qual foi julgada improcedente, porquanto se entendeu que a norma traz parâmetros quantitativos para a fixação da multa, razão pela qual não representa ofensa à norma constitucional mencionada. Tal não se estende, como visto, à penalidade fixada pela autarquia pelas razões já mencionadas, que são distintas desse caso analisado pela corte suprema.

Ressalta-se, outrossim, que a alteração da redação do artigo 24 da Lei nº 3.820/60 pelo artigo 1º da Lei nº 5.724/71 não produz o efeito repristinatório almejado pelo conselho.

Ante o exposto, nego provimento ao apelo do CRF-SP.

É como voto

ANDRÉ NABARRETE

DESEMBARGADOR FEDERAL

mcc

EXMA SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL CONSUELO YOSHIDA:

Revendo posicionamento anterior, perfilho-me à recente jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que reputa inconstitucional, por ofensa ao art. 7º, IV, da CF/1988, a fixação do valor da multa administrativa em múltiplos do salário mínimo, prevista pelo art. 1º da Lei 5.724/1971.

Confira-se os seguintes precedentes da Corte Superior:

 

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. EXECUÇÃO FISCAL. MULTA ADMINISTRATIVA APLICADA PELO CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA. VINCULAÇÃO AO SALÁRIO MÍNIMO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES.

1. O acórdão recorrido, ao decidir que não seria possível a aplicação de multa administrativa vinculada ao salário mínimo, decidiu a causa em consonância com a orientação do Plenário desta Corte: ARE 1.255.399-AgR-ED-EDv-AgR. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. Mantida a decisão agravada quanto aos honorários advocatícios, eis que já majorados nos limites do art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC.

(ARE 1361517 AgR, Relator(a): EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 22/08/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-171  DIVULG 26-08-2022  PUBLIC 29-08-2022)

 

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. MULTA ADMINISTRATIVA. LEI 5.724/71. VINCULAÇÃO A MÚLTIPLOS DO SALÁRIO-MÍNIMO. INCONSTITUCIONALIDADE. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

I - A Jurisprudência desta Corte é no sentido de que é inconstitucional a fixação de multa administrativa com base em múltiplos do salário mínimo. II - Agravo regimental a que se nega provimento.

(RE 1363921 AgR, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 22/08/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-169  DIVULG 24-08-2022  PUBLIC 25-08-2022)

 

Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Multa administrativa. Impossibilidade de fixação em múltiplos de salário mínimo. Lei 5.724/1971. Jurisprudência da Corte. Precedentes. 3. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. Agravo regimental a que se nega provimento.

(RE 1356120 AgR-segundo, Relator(a): GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 27/06/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-129  DIVULG 30-06-2022  PUBLIC 01-07-2022)

 

DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MULTA ADMINISTRATIVA FIXADA EM MÚLTIPLOS DO SALÁRIO MÍNIMO. IMPOSSIBILIDADE. CONSONÂNCIA DA DECISÃO ORA RECORRIDA COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. O entendimento assinalado na decisão agravada não diverge da jurisprudência firmada no Supremo Tribunal Federal. Ao julgamento do ARE 1.255.399-AgR-ED-EDv-AgR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, o Plenário desta Suprema Corte decidiu pela “inconstitucionalidade da fixação de multa administrativa com base em múltiplos do salário-mínimo, estabelecida no art. 1º da Lei 5.724/1971”. 2. As razões do agravo interno não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada. 3. Agravo interno conhecido e não provido.

(RE 1366146 AgR, Relator(a): ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 27/06/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-126  DIVULG 28-06-2022  PUBLIC 29-06-2022)

 

DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MULTA ADMINISTRATIVA EM MÚLTIPLOS DE SALÁRIO MÍNIMO. IMPOSSIBILIDADE. 1. O Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento no sentido da “inconstitucionalidade da fixação de multa administrativa com base em múltiplos do salário-mínimo, estabelecida no art. 1º da Lei 5.724/1971” (ARE 1.255.399-AgR-ED-EDv-AgR, Rel. Min. Alexandre de Moraes). 2. Nos termos do art. 85, § 11, do CPC/2015, fica majorado em 25% o valor da verba honorária fixada anteriormente, observados os limites legais do art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC/2015. 3. Agravo interno a que se nega provimento.

(RE 1363922 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 23/05/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-106  DIVULG 31-05-2022  PUBLIC 01-06-2022)

 

AGRAVO INTERNO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. MULTA ADMINISTRATIVA. LEI 5.724/1971, ART. 1º. IMPOSSIBILIDADE DE VINCULAÇÃO A MÚLTIPLOS DO SALÁRIO-MÍNIMO. ADI 4.398. INAPLICABILIDADE. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA ENTRE OS PRECEDENTES COLOCADOS EM CONFRONTO. 1. A Primeira Turma negou provimento ao Agravo Interno no Recurso Extraordinário com Agravo, ao fundamento de que o acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região decidiu em conformidade com a jurisprudência desta CORTE, no sentido da inconstitucionalidade da fixação de multa administrativa com base em múltiplos do salário-mínimo, estabelecida no art. 1º da Lei 5.724/1971. 2. A situação fática analisada na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.398 é diversa da hipótese ora em debate, pois, conforme assentado no voto condutor daquela ação, “questiona-se a validade constitucional do art. 265 do Código de Processo Penal, na norma alterada pela Lei n. 11.719/2008, na qual se prevê a aplicação de multa ao advogado que abandonar o processo, salvo por motivo imperioso”. 3. Ausente a simetria entre o acórdão embargado e o precedente apresentado pelo embargante, não podem ser admitidos os Embargos de Divergência. 4. Agravo Interno a que se nega provimento.

(ARE 1255399 AgR-ED-EDv-AgR, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 28/06/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-134  DIVULG 05-07-2021  PUBLIC 06-07-2021)

Em face do exposto, acompanho o Sr. Relator.

 

Egrégia Turma, 

 

Conquanto tenha seguido a d. divergência em inúmeros casos precedentes, tem-se que, recentemente, o Supremo Tribunal Federal analisou precisamente a hipótese de que tratam os presentes autos, concluindo no sentido do voto do e. relator. 

Assim, hei por bem de, em respeito à jurisprudência superior, acompanhar o voto do e. relator. 

É como voto. 

 

Nelton dos Santos

Desembargador Federal


E M E N T A

 

DIREITO CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. CONSELHO PROFISSIONAL. VALOR DA MULTA FIXADO EM NÚMERO DE SALÁRIOS MÍNIMOS (ARTIGO 1º DA LEI 5.724/1971). ARTIGO 7º, IV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NULIDADE DO TÍTULO EXECUTIVO POR DISSOCIAÇÃO DE BASE LEGAL INEXISTENTE. NULIDADE DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. PORTE DE REMESSA E RETORNO EM RECURSOS ADMINISTRATIVOS. RESOLUÇÃO CFF 566/2012. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA DE INFRACIONAL E EXCESSO NA DOSIMETRIA. IMPROCEDÊNCIA. SUCUMBÊNCIA.  

1. Quanto à inconstitucionalidade do critério legal de cálculo do valor da multa, cabe registrar que foi aventada em relação à infração prevista no artigo 24 da Lei 3.820/1960, que é a que consta da execução fiscal, porém não corresponde à descrição contida nos autos de infração (artigo 15 da Lei 5.991/1973), conforme acima destacado. Seja como for, junto à Suprema Corte, prevalecem precedentes, específicos quanto à norma legal em referência, no sentido da inconstitucionalidade da exigência de multa administrativa vinculada a número de salários mínimos, em violação ao artigo 7º, IV, da Constituição Federal. Não cabe reputar constitucional a distorção, que se pretende, com cobrança de multas administrativas automática e anualmente reajustadas pelo valor do salário mínimo, já que a lei anual editada para tal efeito é destinada, especificamente, a concretizar garantia fundamental a favor dos segurados da Previdência Social e trabalhadores nas condições exclusivas do artigo 201, § 2º, e artigo 7º, IV e VII, ambos da Lei Maior, não extensível sequer aos demais segurados e trabalhadores. Logo, não existe na Constituição Federal tratamento de vinculação, indexação e reajuste automático ao salário mínimo, prevista para categorias sociais especialmente protegidas, capaz de ser aproveitável ou extensível à categoria normativa de multas administrativas, que são sanções cujo privilégio não pode ser maior do que o conferido, em geral, a proventos e salários neste tocante. A hipótese dos autos não versa sobre multa processual penal por abandono do processo (ADI 4.398), mas sobre multa administrativa, objeto de julgamentos específicos da Suprema Corte, cujo montante é diretamente indexado ao salário mínimo, de tal sorte que o respectivo valor sofre atualização anual, assim como o próprio fator a que indexado, exatamente o efeito de vinculação que é constitucionalmente vedado (artigo 7º, IV, CF). Declarada inconstitucionalidade da norma que alterou anterior, esta tem sua eficácia restabelecida pelo efeito repristinatório de nulidade decretada, conforme assente na jurisprudência constitucional. Não se trataria, assim, de anular a autuação e reputar inexistente a infração, cabendo apenas apurar o valor da multa aplicável, restabelecendo a eficácia da norma originária, com a observância das regras de atualização e conversão de moeda previstas na legislação.

2. Afastado o fundamento adotado na sentença, prossegue-se no exame das demais questões suscitadas pela embargante e discutidas no processo, nos termos do artigo 1.013, § 2º, CPC.

3. Quanto à alegação de nulidade formal de certidões de dívida ativa, em razão da divergência entre o fundamento legal das autuações administrativas, que geraram a inscrição em dívida ativa, e a própria fundamentação legal do título executivo, que lastreou a execução fiscal, não procede. Não existe dissociação essencial entre conduta fática imputada e fundamento legal da autuação, de modo a afastar a materialidade da infração, à luz da legislação. 

4. Procede, contudo, o cerceamento na via administrativa, por exigência de pagamento de porte de remessa e retorno para a admissão de recurso administrativo, pois previsto apenas em ato normativo interno (artigo 15 da Resolução CFF 566/2012), sem fundamento legal específico, não se tratando de despesa passível de ser custeada ou remunerada por preço público, considerada a natureza do serviço prestado. A par de ilegal, firme a conclusão de que viola a garantia da ampla defesa a exigência de valor cuja falta de recolhimento impeça o acesso à instância recursal, tornando nula a decisão que não conhece do recurso por falta de pagamento do porte de remessa e retorno, previsto em mera norma infralegal.

5. O cerceamento de defesa foi provado apenas em relação ao AI 287.516, mas não quanto ao AI 291.327. No tocante a este, a mera alegação de arbitrariedade da autuação ou inexistência de infração não elide a presunção de liquidez e certeza do título executivo nem exime a embargante do ônus de provar o fato constitutivo do direito alegado. Sobre a falta de motivação da multa aplicada acima do mínimo legal, a despeito da acolhida da tese de inconstitucionalidade a exigir nova fixação do valor da multa, cabe realçar que o artigo 1º da Lei 5.724/1971, além de atualizar montantes mínimo e máximo da multa do artigo 24, parágrafo único, da Lei 3.820/1960, dispôs que tais valores “serão elevados ao dobro no caso de reincidência”. Pode ser fixada multa acima do mínimo legal desde que motivada, mas, na espécie,  não houve juntada integral do respectivo processo administrativo, inexistindo cópia da decisão administrativa, que manteve a autuação lavrada, fixando o valor da penalidade impugnada, senão apenas da respectiva notificação, a obstar o exame da impugnação deduzida. 

6. Acolhimento integral dos embargos à execução fiscal quanto à multa do AI 287.516 e respectiva inscrição, por nulidade na fase administrativa recursal, e parcial acolhimento face à multa do AI 291.327 e respectiva inscrição, pois, inconstitucional a vinculação da multa a número de salários mínimos, o valor da penalidade deve ser calculado conforme critérios da legislação precedente. 

7. No tocante à sucumbência do conselho-embargado, a verba honorária deve ser apurada com base nos percentuais mínimos previstos nos incisos do § 3º do artigo 85, CPC, por faixas aplicáveis, considerado o proveito econômico auferido, a partir do montante a ser excluído por excesso de execução.

8. Apelação parcialmente provida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Turma, após retificação de voto, por maioria, deu parcial provimento à apelação, nos termos do voto do Relator, vencido o Des. Fed. ANDRE NABARRETE, que lhe negava provimento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.