APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000692-97.2006.4.03.6004
RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE
APELANTE: COMPANHIA DE CIMENTO CAMBA S.A. (COCEGA S.A.)
Advogado do(a) APELANTE: PEDRO LUIZ DE SOUZA LACERDA - MS4807
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000692-97.2006.4.03.6004 RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE APELANTE: COMPANHIA DE CIMENTO CAMBA S.A. (COCEGA S.A.) Advogado do(a) APELANTE: PEDRO LUIZ DE SOUZA LACERDA - MS4807 APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: jcc R E L A T Ó R I O Apelação interposta pela COMPANHIA DE CIMENTO CAMBA S.A. (COCEGA S.A. - Id. 95636595 - fls. 151/160) contra sentença que, em sede de mandado de segurança, julgou improcedente o pedido e denegou a ordem (Id. 95636595 - fls. 137/144). Alega, em síntese, que: a) desconhecia o fato de que a empresa que locou seu veículo pretendia ingressar no Brasil; b) o bem pertence a uma empresa boliviana, foi locado por um brasileiro residente e domiciliado na Bolívia e sua documentação estava regular; c) o automóvel não estava em exposição para venda, em circulação comercial nem tinha sido importado irregularmente, de maneira que se trata de mera infração administrativa, sendo descabida a pena de perdimento, em obediência ao princípio da proporcionalidade e da razoabilidade; d) a Instrução Normativa SRF n° 285/03 permite a internação de bem usado, sem considerá-lo nacionalizado. O regime temporário prevê a entrada do bem usado em território nacional, com a consequente suspensão do pagamento de tributos (Lei nº 9.503/97, arts. 118 e 119). Já a Instrução Normativa 69/91 dispõe que viajante não residente, o que é o caso em tese, poderá adentrar no país. Contrarrazões apresentadas no Id. 95636595 (fls. 186/190), nas quais a União requer seja desprovido o recurso. Parecer ministerial juntado aos autos no Id. 95636595 (fls. 193/201), no qual opina seja dado provimento ao apelo. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000692-97.2006.4.03.6004 RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE APELANTE: COMPANHIA DE CIMENTO CAMBA S.A. (COCEGA S.A.) Advogado do(a) APELANTE: PEDRO LUIZ DE SOUZA LACERDA - MS4807 APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: jcc V O T O Apelação interposta pela COMPANHIA DE CIMENTO CAMBA S.A. (COCEGA S.A. - Id. 95636595 - fls. 151/160) contra sentença que, em sede de mandado de segurança, julgou improcedente o pedido e denegou a ordem (Id. 95636595 - fls. 137/144). I - Dos Fatos Narra a petição inicial que a impetrante é proprietária do veículo Toyota Hillux, cor branca, placa 1131 GIM, chassis n° 0190369, registrado na Bolívia, e alugado para a empresa boliviana GRANBOLIVIA SRL. Em 17 de agosto de 2006, no Posto ESDRA da fronteira entre o Brasil e a Bolívia, em barreira efetuada pela Inspetoria da Receita Federal em Corumbá, o veículo foi apreendido por estar sendo conduzido pelo Sr. Gonçalo Sidney de Amorim, brasileiro, gerente da empresa GRANBOLIVIA SRL, com residência em Puerto Suarez, calle Israel Mendia, n° 9, na Bolívia. Foi impetrado o presente mandamus para liberação do veículo, ao argumento de que a apreensão é ilegal, pois se trata de bem de propriedade de uma empresa boliviana, usado em serviço e conduzido por pessoa devidamente autorizada, bem como que a introdução em território brasileiro é livre, em razão de tratados de livre trânsito firmados entre o Brasil e a Bolívia. O juiz a quo julgou improcedente o pedido e denegou a ordem. Irresignada, apela a impetrante. II - Da aplicação da lei processual Inicialmente, ressalta-se que sentença recorrida foi proferida em outubro de 2006 (Id. 95636595 - fls. 145/146), razão pela qual, aplicada a regra do tempus regit actum, segundo a qual os atos jurídicos se regem pela lei vigente à época em que ocorreram, o recurso será analisado à luz do Diploma Processual Civil de 1973 (Enunciados Administrativos n.º 01 e 03/2016, do STJ). III – Da apreensão do veículo Cinge-se a questão à análise da legalidade da apreensão do veículo de origem boliviana em trânsito no território brasileiro. Sobre o tema dispunham os artigos 306 do Decreto n.º 4.543/02 e as Instruções Normativas SRF n° 285/03 e n.º 69/91, vigente à época dos fatos, verbis: Decreto n.º 4.543/02 Art. 306. O regime aduaneiro especial de admissão temporária é o que permite a importação de bens que devam permanecer no País durante prazo fixado, com suspensão total do pagamento de tributos, ou com suspensão parcial, no caso de utilização econômica, na forma e nas condições deste Capítulo. Instrução Normativa DPRF n.º 285/03 Art. 1º O regime aduaneiro especial de admissão temporária é o que permite a importação de bens que devam permanecer no País durante prazo fixado, com suspensão total do pagamento de tributos, ou com suspensão parcial, no caso de utilização econômica, na forma e nas condições previstas nesta Instrução Normativa. Instrução Normativa DPRF n.º 69/91 Art. 1º Independentemente de procedimentos administrativos, são considerados automaticamente incluídos no regime aduaneiro especial de admissão temporária os veículos estrangeiros de uso particular, matriculados em país vizinho, que adentrarem o território nacional em ponto de fronteira alfandegado. § 1º A admissão temporária ficará geograficamente limitada ao perímetro urbano do município sede do ponto de fronteira alfandegado. § 2º Os veículos estrangeiros, cujos condutores pretendem sua internação a outros pontos do território nacional, estarão sujeitos aos procedimentos normais de admissão temporária de veículos de turista. [destaquei] De acordo com as normas colacionadas, é permitido o ingresso temporário de veículos estrangeiros, matriculados em país integrante do MERCOSUL e conduzidos por viajantes não residentes no país. No caso dos autos, restou comprovado que o veículo pertence a empresa boliviana (Id. 95636595 - fls. 105/106), foi locado a empresa também boliviana (Id. 95636595 - fls. 108/110) e estava sendo utilizado pelo gerente desta última para fins profissionais, que, embora brasileiro, tem residência na Bolívia (Id. 95636595 - fls. 102/103). Dessa forma, não restou caracterizada a importação irregular de bem no país, tampouco a utilização indevida do veículo ou, ainda, a sua internação com caráter definitivo a ensejar a aplicação da pena de perdimento. Nesse sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: 1. As regras de Direito Tributário devem ser aplicadas sem perquirir o intérprete a intenção do contribuinte. 2. Diferentemente, as regras que impõem sanção administrativa devem ser aplicadas dentro dos critérios da razoabilidade e da proporcionalidade, quando as circunstâncias fáticas, devidamente comprovadas, demonstram a não-intenção do agente no cometimento do ilícito. 3. Brasileiro residente em país estrangeiro vizinho, que ingressa de automóvel para permanência temporária no país, sem nenhuma intenção de deixar internalizado o veículo utilizado. 4. Aplicação exacerbada e desproporcional da pena de perdimento. 5. Recurso especial improvido. (STJ, REsp 597.606/SC, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, j. em 28.06.2005). Confira-se também: ADUANEIRO. REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ALEGAÇAO DE NULIDADE NÃO CONHECIDA. PRINCÍPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE. VEÍCULO ESTRANGEIRO EM TRÂNSITO NO TERRITÓRIO BRASILEIRO. MERCOSUL. PENA DE PERDIMENTO AFASTADA. REEXAME DESPROVIDO. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO. TRIBUTÁRIO. VEÍCULO ESTRANGEIRO. LIVRE CIRCULAÇÃO. DUPLO DOMICÍLIO. PARAGUAI E BRASIL. INEXISTÊNCIA DE DANO AO ERÁRIO. - O proprietário de veículo estrangeiro tem direito à livre locomoção no território brasileiro, desde que seja ele domiciliado no país de procedência do bem ou, ainda que tenha domicílio no Brasil, existindo razões concretas para o trânsito entre os países, tais como vínculos de natureza familiar e negocial. Não havendo fraude na internalização do veículo, é afastada a apreensão e a pena de perdimento. - A Resolução MERCOSUL 35/2002, que permite o ingresso de veículos comunitário do MERCOSUL, de uso particular e exclusivo de turistas, não esgota as possibilidades de internação temporária. (TRF 4ª Região, AC 5002408-16.2013.4.04.7002, Primeira Turma, Rel. Maria de Fátima Freitas Labarrère, j. 19.08.2014, destaquei). MANDADO DE SEGURANÇA - DIREITO ADUANEIRO - APREENSÃO DE VEÍCULO POR SUPOSTA IMPORTAÇÃO IRREGULAR - BRASILEIRO COM DUPLO DOMICÍLIO - TRATADO DO MERCOSUL - LIVRE CIRCULAÇÃO DE PESSOAS E BENS - APREENSÃO ILEGAL - CONCESSÃO DE SEGURANÇA - REMESSA OFICIAL DESPROVIDA. I - A jurisprudência desta E. Corte, do TRF da 4ª Região, reforçada com precedentes do Eg. STJ, tem assentado que o duplo domicílio em países integrantes do MERCOSUL do condutor/proprietário de veículo estrangeiro em trânsito no Brasil afasta a caracterização de dano ao erário e consequente pena de perdimento veículos ou mercadorias (a que se referem os arts. 617 e 618/624 do Decreto nº 4.543/2002), posto não se tratar de uma importação irregular, mas apenas de livre trânsito de cidadãos do MERCOSUL (conforme art. 1º do Tratado de Assunção, incorporado no direito interno brasileiro pelo Decreto Legislativo nº 197/1991 e que prevalece sobre as demais regras legais com ele incompatíveis em face de sua especialidade, o qual apregoa a livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países signatários, por intermédio da eliminação de barreiras alfandegárias, entre outras medidas tendentes à integração dos países que o compõem), e não podendo o caso ser enquadrado simplesmente como de turistas do Mercosul que estariam livres para ingresso nos países membros com seus veículos nos termos do atual Decreto nº 5.635/2005 (que aprovou no âmbito interno os termos da Resolução nº 35/2002, do Grupo Mercado Comum - GMC) ou do antigo Decreto nº 1.765/1995 (que aprovou a anterior Res. Mercosul GMC nº 131/1994, que dispunha no mesmo sentido e foi revogada sem perda de efeitos), por isso também não incidindo na espécie os termos da Portaria MF 16/95, devendo, no caso, prevalecer a garantia de livre locomoção no território brasileiro (art. 5°, XV, da Constituição Federal), cuja restrição somente poderia ser admitida por força de lei. II - No caso em exame, não ficou demonstrada a intenção de praticar dano ao erário, pois, conforme exposto na sentença, ficou demonstrado que o impetrante, cidadão brasileiro, é titular de pessoa jurídica individual comercial registrada no Paraguai, com o nome fantasia MP MULTIMARCAS, com documentação sobre apresentação de imposto de renda naquele País, com autorização da empresa para pessoa física transitar com o veículo apreendido no território do Mercosul, nota fiscal do produto em nome da empresa, emplacamento do veículo firmada por empresa Paraguaia para circular no Mercosul, disso se depreendendo que o veículo é utilizado apenas para seus deslocamentos em nosso País, sem demonstração de intenção de importação com burla às regras alfandegárias. III - Remessa oficial desprovida. (TRF 3ª Região, ReeNec 0001117-84.2007.4.03.6006, Terceira Turma, Rel. Juiz Conv. Souza Ribeiro, j. 27.10.2011, destaquei). Em conclusão, de rigor a reforma da sentença para fim de liberação do veículo apreendido em observância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Quanto aos honorários advocatícios, é descabida sua fixação, ex vi do disposto nas Súmulas nº 105 do Superior Tribunal de Justiça e nº 512 do Supremo Tribunal Federal, bem como no artigo 25 da Lei nº 12.016/2009. IV – Do dispositivo Ante o exposto, voto para dar provimento à apelação a fim de reformar a sentença para julgar procedente o pedido e conceder a ordem para determinar a restituição do veículo Toyota Hillux, cor branca, placa 1131 GIM, chassis n° 0190369, registrado na Bolívia. Sem honorários advocatícios, conforme anteriormente explicitado. Custas ex lege.
ADMINISTRATIVO. PENA DE PERDIMENTO. VEÍCULO IMPORTADO INTERNADO NO BRASIL.
- A sentença recorrida foi proferida em antes da vigência da Lei n.º 13.105/2015 (NCPC), razão pela qual, aplicada a regra do tempus regit actum, segundo a qual os atos jurídicos se regem pela lei vigente à época em que ocorreram, o recurso será analisado à luz do Diploma Processual Civil de 1973 (Enunciados Administrativo n.º 01 e 03/2016, do STJ).
- Em razão dos princípios da taxatividade e da unirrecorribilidade, bem como do instituto jurídico da preclusão consumativa a alegação de nulidade, objeto do Agravo de Instrumento n.º 0009433-18.2014.4.03.0000, não pode ser conhecida.
- De acordo com o artigo 356 do Decreto n.º 6.759/09, os veículos matriculados em qualquer dos países integrantes do MERCOSUL, de propriedade de pessoas físicas nele residentes, utilizados em viagens de turismo, circularão livremente no Brasil, com observância das condições previstas na Decreto nº 5.637, de 26 de dezembro de 2005.
- A impetrante, proprietária do veículo apreendido, é brasileira residente e domiciliada no Paraguai, país integrante do MERCOSUL, e, em razão disso, é desnecessária a apresentação de declaração simplificada – DSI, bem como a comprovação da condição de turista, inexigível de cidadão brasileiro, de modo que se revela ilegal a aplicação da pena de perdimento pela autoridade aduaneira.
- Remessa oficial desprovida. Apelação parcialmente conhecida e desprovida.
(TRF 3ª Região, 4ª Turma, ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 0000266-80.2014.4.03.6109, Rel. Desembargador Federal ANDRE NABARRETE NETO, julgado em 06/07/2022, Intimação via sistema DATA: 08/07/2022)
E M E N T A
ADUANEIRO. APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. VEÍCULO ESTRANGEIRO EM TRÂNSITO NO TERRITÓRIO BRASILEIRO. MERCOSUL. PENA DE PERDIMENTO AFASTADA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. NÃO INCIDÊNCIA. RECURSO PROVIDO.
- De acordo com o disposto nos artigos 306 do Decreto n.º 4.543/02 e as Instruções Normativas SRF n° 285/03 e n.º 69/91, vigente à época dos fatos, é permitido o ingresso temporário de veículos estrangeiros, matriculados em país integrante do MERCOSUL e conduzidos por viajantes não residentes no país. No caso dos autos, restou comprovado que o veículo pertence a empresa boliviana, foi locado a empresa também boliviana e estava sendo utilizado pelo gerente desta última para fins profissionais, que, embora brasileiro, tem residência na Bolívia. Dessa forma, não restou caracterizada a importação irregular de bem no país, tampouco a utilização indevida do veículo ou, ainda, a sua internação com caráter definitivo a ensejar a aplicação da pena de perdimento.
. Quanto aos honorários advocatícios, é descabida sua fixação, ex vi do disposto nas Súmulas nº 105 do Superior Tribunal de Justiça e nº 512 do Supremo Tribunal Federal, bem como no artigo 25 da Lei nº 12.016/2009.
- Apelação provida.