AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5003717-17.2017.4.03.0000
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. TÂNIA MARANGONI
AUTOR: ANA RODRIGUES
Advogado do(a) AUTOR: JOSE CARLOS GOMES PEREIRA MARQUES CARVALHEIRA - SP139855-N
RÉU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5003717-17.2017.4.03.0000 RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. TÂNIA MARANGONI AUTOR: ANA RODRIGUES Advogado do(a) AUTOR: JOSE CARLOS GOMES PEREIRA MARQUES CARVALHEIRA - SP139855 RÉU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS R E L A T Ó R I O A Desembargadora Federal TÂNIA MARANGONI (Relatora): Cuida-se de ação rescisória ajuizada por Ana Rodrigues, em 09/04/2017, com fulcro no art. 966, incisos V (violação manifesta da norma jurídica), VII (prova nova) e VIII (erro de fato), do Código de Processo Civil/2015, em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, visando desconstituir decisão que negou o benefício de pensão por morte à autora, em razão da não comprovação da união estável. O decisum transitou em julgado em 08/06/2015. Sustenta, em síntese, que o julgado rescindendo incidiu em violação manifesta da norma jurídica e em erro de fato porque restou comprovado por início de prova material, corroborado pela prova testemunhal, a convivência da autora com o falecido companheiro e que dele era dependente. Além do que, a decisão rescindenda contrariou a Súmula 63 da Turma Nacional de Uniformização, segundo a qual, “a comprovação de união estável para efeito de concessão de pensão por morte prescinde de início de prova material”, sendo a prova exclusivamente testemunhal suficiente para a demonstração da união estável. Junta, ainda, provas novas, que entende serem aptas a alterarem o resultado do julgado rescindendo. Pede a desconstituição do julgado e prolação de novo decisum, com a procedência do pedido originário. Pleiteia, por fim, os benefícios da justiça gratuita. A inicial veio instruída com documentos. Foram deferidos os benefícios da gratuidade da justiça à autora, nos termos do artigo 98 do CPC/2015 e determinada a citação do réu. Regularmente citado, o INSS apresentou contestação, alegando preliminar de carência da ação, tendo em vista o caráter recursal da demanda, requerendo a extinção do feito, sem análise do mérito. No mérito, sustenta a inexistência da alegada violação da norma jurídica, do erro de fato e da prova nova apta a alterar o julgado rescindendo, pugnando pela improcedência da ação. Em caso de procedência do pedido, requer que o termo inicial do benefício e dos juros de mora sejam fixados na data da citação da presente demanda. E como a parte autora recebe o benefício assistencial, desde 31/10/2016, pede seja determinada a cessação do referido benefício, bem como a compensação dos valores recebidos. Juntou informações do Sistema Dataprev. Houve réplica. As partes apresentaram razões finais. O Ministério Público Federal manifestou-se pela desnecessidade de sua intervenção. Convertido o julgamento em diligência para que a parte autora juntasse a cópia integral da ação de investigação de paternidade. Cumprida a determinação (ID 4786016), o INSS (ID 6427885) e o Ministério Público Federal (ID 6622099) tomaram ciência dos documentos juntados. É o relatório.
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5003717-17.2017.4.03.0000 RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. TÂNIA MARANGONI AUTOR: ANA RODRIGUES Advogado do(a) AUTOR: JOSE CARLOS GOMES PEREIRA MARQUES CARVALHEIRA - SP139855-N RÉU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A Desembargadora Federal TÂNIA MARANGONI (Relatora): Cuida-se de ação rescisória ajuizada por Ana Rodrigues, em 09/04/2017, com fulcro no art. 966, incisos V (violação manifesta da norma jurídica), VII (prova nova) e VIII (erro de fato), do Código de Processo Civil/2015, em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, visando desconstituir decisão que negou o benefício de pensão por morte à autora, em razão da não comprovação da união estável. A preliminar de carência da ação será analisada com o mérito. Examino inicialmente o pedido de rescisão do julgado com base na alegação de violação manifesta da norma jurídica (inciso V) e de erro de fato (inciso VIII) do artigo 966, do CPC/2015. O inciso V do artigo 966, do CPC/2015, assim dispõe: Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: (...) V - violar manifestamente norma jurídica. O anterior CPC/1973 previa a possibilidade de rescisão quando houvesse "violação literal a disposição de lei" (art. 485, inciso V) e a jurisprudência assentou entendimento de que o vocábulo lei deveria ser interpretado em sentido amplo, seja de caráter material ou processual, em qualquer nível, abrangendo, desta forma, inclusive a Constituição Federal, o que resultou na alteração do termo no Novo CPC/2015, que autoriza a desconstituição de qualquer "norma jurídica". Mas é preciso que a violação seja manifesta. Se, ao contrário, o julgado elege uma dentre as interpretações cabíveis, ainda que não seja a melhor, a ação rescisória não pode prosperar, por não se tratar de recurso ordinário. E o C. Supremo Tribunal Federal, ao examinar objetivamente o cabimento da ação rescisória, com fulcro no art. 485, V, do anterior CPC/1973, sumulou a questão, fazendo-o nos termos seguintes: "Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais." (Súmula 343) Já quanto ao erro de fato, o inciso VIII, bem como o § 1º, do artigo 966, do CPC/2015, assim preveem: Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: (...) VIII - for fundada em erro de fato verificável do exame dos autos. § 1º Há erro de fato quando a decisão rescindenda admitir fato inexistente ou quando considerar inexistente fato efetivamente ocorrido, sendo indispensável, em ambos os casos, que o fato não represente ponto controvertido sobre o qual o juiz deveria ter se pronunciado. Para efeitos de rescisão do julgado, o erro de fato configura-se quando o julgador não percebe ou tem falsa percepção acerca da existência ou inexistência de um fato incontroverso e essencial à alteração do resultado da decisão. Não se cuida, portanto, de um erro de julgamento, mas de uma falha no exame do processo a respeito de um ponto decisivo para a solução da lide. É, ainda, indispensável para o exame da rescisória, com fundamento em erro de fato, que o fato não represente ponto controvertido sobre o qual o juiz deveria ter se pronunciado, e que o erro se evidencie nos autos do feito em que foi proferida a decisão rescindenda, sendo inaceitável a produção de provas, para demonstrá-lo, na ação rescisória. Neste caso, a autora Ana Rodrigues ajuizou a demanda originária, em 11/2008, pleiteando a concessão do benefício de pensão em razão da morte do companheiro Joaquim Francisco da Silva, trabalhador rural, ao argumento de que com ele manteve união estável, com quem teve três filhos. Juntou como início de prova material, documentos dos quais destaco: certidões de nascimento dos filhos Cristiano Rodrigues, em 09/07/83 e Juliano Rodrigues, em 18/10/86, constando em ambas somente o nome da mãe, a autora Ana Rodrigues; certidão de óbito de Joaquim Francisco da Silva, ocorrido em 12/10/2008, solteiro, trabalhador rural, constando como causa da morte “acidente vascular cerebral hemorrágico, hipertensão arterial e alcoolismo” e como declarante a autora que afirmou que o falecido “vivia em concubinato há 26 anos com a declarante Sra. Ana Rodrigues, de cuja união deixa 03 filhos maiores”. Foram ouvidas duas testemunhas, cujos depoimentos transcrevo: Luzia Barbosa da Silva - Conheço a família da parte autora há quarenta anos. Era formada pela Sra. Ana, seu esposo e filhos. O nome do esposo era Joaquim. Sempre trabalhou como rurícola nas lavouras da região, fazendo todo tipo de serviço rural, como plantar, colher e carpir, nas plantações de café, arroz, feijão e milho, dentre outras. Sei que o esposo da parte autora trabalhou para os proprietários rurais Jair Noguiera, João Leite, Celso Luck, Jair boiadeiro e Jair Herculano. Tais propriedades ficam localizadas nos bairros rurais Santo Antonio e Cruzeirinho. O esposo da parte autora era levado ao trabalho pelos “gatos” Vado, Neco e José Simão. O esposo da parte autora faleceu há um ano, aproximadamente. Até o momento antes da morte o esposo da parte autora trabalhava como “bóia-fria” e morava com a parte autora. Sei desses fatos, porque eu trabalhava com a parte autora. Noel dos Santos - Conheço a família da parte autora há trinta e cinco anos. Era formada pela Sra. Ana, seu esposo e filhos. O nome do esposo era Joaquim. Sempre trabalhou como rurícola nas lavouras da região, fazendo todo tipo de serviço rural, como plantar, colher e carpir, nas plantações de café, batatinha, arroz, feijão e milho, dentro outras. Sei que o esposo da parte autora trabalhou para os proprietários rurais João Leite, Antonio Chácara, Antonio Dias, Jair Nogueira, Celso Luch, Jair boiadeiro e Baleia. Tais propriedades ficam localizadas nos bairros rurais Cruzeirão, São Paulinho, Coqueirinho, Onça, Silvas, Samambaial, Santo Antonio e Cruzeirinho. O esposo da parte autora era levado ao trabalho pelo “gatos” Dito Soares, Maneco, Eugenio, Gato Preto e Cidão. O esposo da parte autora faleceu há um ano, aproximadamente. Até o momento antes da morte o esposo da parte autora trabalhava como “bóia-fria” e morava com a parte autora. Sei desses fatos, porque eu trabalhei com o falecido. O MM. Juiz de primeiro grau julgou improcedente o pedido, em 15/07/2009 e, em razão do apelo da parte autora, foi proferida decisão monocrática nesta E. Corte, em 24/09/2014, negando seguimento ao recurso, mantida em sede de agravo legal e embargos de declaração, pela E. Sétima Turma, nos seguintes termos: “(...) Objetiva a parte autora a concessão da pensão por morte, em decorrência do falecimento do Sr. JOAQUIM FRANCISCO DA SILVA, ocorrido em 12/10/2008, conforme faz prova a certidão de óbito acostada às fls. 23 dos autos. Para a obtenção do benefício da pensão por morte, faz-se necessário a presença de dois requisitos: qualidade de segurado e condição de dependência. No que tange à qualidade de segurado, a autora trouxe aos autos cópia da certidão de óbito (fls. 23), onde o falecido está qualificado como trabalhador rural. Alega a autora que vivia em união estável com o falecido, trouxe aos autos cópia da certidão de nascimento dos filhos (fls. 14/16), onde consta apenas o nome da autora. Com efeito, a autora não se desincumbiu de trazer aos autos início de prova material da alegada união estável com o falecido, sendo certo que os documentos juntados com a inicial não se prestam a tal finalidade. Igualmente, a prova testemunhal produzida nos autos às fls. 91/92 alegam o labor rural do de cujus, bem como a união estável alegada pela autora, porém somente a prova testemunhal não é suficiente para tal comprovação. Assim, no caso dos autos, entendo que a união estável mantida entre a autora e o falecido não restou suficientemente demonstrada. Desse modo, não há qualquer prova de que a autora tenha vivido maritalmente com o de cujus, de modo que sua dependência econômica com relação a este não pode ser presumida. Diante do exposto, com fundamento no art. 557 do Código de Processo Civil, NEGO SEGUIMENTO à apelação da parte autora, mantendo a sentença recorrida em seus exatos termos.” Neste caso, o que se verifica é que, analisando a prova produzida no feito subjacente, o decisum entendeu que não restou comprovada a alegada união estável entre a requerente e o falecido Sr. Joaquim Francisco da Silva. A autora alegou na inicial da ação originária que viveu em união estável com o Sr. Joaquim Francisco da Silva, até o óbito, com quem teve três filhos e deixou de juntar qualquer documento que comprovasse a convivência. Juntou somente a certidão de óbito que não serviu para comprovar a união estável, uma vez que foi lavrada com as declarações prestadas pela própria autora. Embora as testemunhas tenham confirmado a alegada convivência, o julgado entendeu que não era possível o seu reconhecimento somente com a prova testemunhal. Esclareça-se que, não se desconhece a existência de entendimento jurisprudencial no sentido de se reconhecer a união estável somente com base em prova oral e, neste sentido, é a Súmula 63 da Turma Nacional de Uniformização. Ocorre que a interpretação adotada pela decisão rescindenda também encontra respaldo em julgados desta E. Corte, conforme segue: "PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-RECLUSÃO. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. UNIÃO ESTÁVEL NÃO RECONHECIDA. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. BENEFÍCIO INDEVIDO. I - Segundo o disposto no art. 80, caput, da Lei nº 8.213/91, "O auxílio-reclusão será devido, nas mesmas condições da pensão por morte, aos dependentes do segurado recolhido à prisão, que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, de aposentadoria ou de abono de permanência em serviço"; o parágrafo único do mesmo dispositivo legal estatui, a seu turno, que "O requerimento do auxílio-reclusão deverá ser instruído com certidão do efetivo recolhimento à prisão, sendo obrigatória, para a manutenção do benefício, a apresentação de declaração de permanência na condição de presidiário". II - À semelhança do que ocorre em relação ao benefício previdenciário de pensão por morte, a concessão de auxílio-reclusão independe do cumprimento do período de carência, nos expressos termos do art. 26, I, da Lei nº 8.213/91. III - Sobre a dependência econômica da parte autora em relação ao recluso, a Lei 8.213/1991, art. 16, prevê que "são beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado: I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido; II - os pais; III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido". Por sua vez, o § 4º desse mesmo artigo estabelece que "a dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das demais deve ser comprovada". IV- A valoração da prova exclusivamente testemunhal da dependência econômica e da união estável é válida se apoiada em indício razoável de prova material. V - A autora não logrou produzir o início de prova documental exigido. VI - Apelação da parte autora improvida. (8ª Turma - Apelação Cível nº 2016.03.99.029594-6/SP - Rel. Des. Fed. David Dantas - Julgado em 17/10/2016) - grifei PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. TEMPUS REGIT ACTUM. EX-CÔNJUGE. SEPARAÇÃO DE FATO. CONDIÇÃO DE DEPENDENTE NÃO COMPROVADA. - Em atenção ao princípio tempus regit actum, aplica-se, no tocante à concessão de benefícios previdenciários, a lei vigente à época do fato que o originou. - Cumpre apreciar a demanda à luz do artigo 74 da Lei n. 8.213/91, com a redação que lhe foi ofertada pela Medida Provisória n. 1.596-14, de 10/11/97, posteriormente convertida na Lei n. 9.528, de 10/12/97, vigente na data do óbito, ocorrido em 20/11/2012. - Consoante a certidão de casamento, a autora era casada civilmente com o de cujus. - A presunção juris tantum atribuída em favor do cônjuge pode, em tese, ser infirmada por prova em contrário, como, v.g., a demonstração da ocorrência de separação de fato do casal na data do óbito, sem pagamento de pensão alimentícia. - Conforme se extrai do conjunto probatório, o casal estava separado de fato. - Por ocasião do procedimento administrativo pelo qual foi deferido o benefício assistencial à autora, em 15/07/2009, ela declarou estar separada de fato e residir sozinha. O mencionado benefício estava ativo na ocasião do óbito. - Inexistem elementos nestes autos que demonstrem alteração nessa situação, já que não há comprovação de que o casal tenha voltado a se relacionar e residir juntos na época do óbito. - A prova testemunhal, exclusivamente, não tem força probatória no caso para a comprovação da convivência marital. - Segundo o artigo 76, § 2º, da Lei n. 8.213/91, somente o cônjuge separado que dependa economicamente do segurado tem direito à pensão. A contrario sensu, o que não tenha dependência econômica do segurado não faz jus ao benefício. - A prova dos fatos constitutivos do direito alegado pela autora é bastante precária, aplicando-se ao caso o disposto no artigo 333, I, do CPC/73. - Condição de dependente não demonstrada. Benefício indevido. - Apelação desprovida. (9ª Turma - Apelação Cível nº 2016.03.99.016405-0 - Rel. Juiz Fed. Convocado Rodrigo Zacharias - Julgado em 15/08/2016) - grifei Assim, é de se concluir que o decisum adotou uma das soluções possíveis para a questão. Logo, o julgado rescindendo não incorreu na alegada violação manifesta da norma jurídica, nos termos do inciso V, do artigo 966, do Código de Processo Civil/2015. Da mesma forma, a decisão rescindenda não considerou um fato inexistente, nem inexistente um fato efetivamente ocorrido, não incidindo no alegado erro de fato, conforme inciso VIII e § 1º do artigo 966, do Código de Processo Civil/2015, devendo a presente rescisória ser julgada improcedente quanto a estes pleitos. Passo, então, a apreciação do pedido de rescisão com base na prova nova. O artigo 966, inciso VII, do Novo Código de Processo Civil/2015, trouxe a alteração do termo "documento novo" para "prova nova", conforme segue: "Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: (...) VII - obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova, cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável;" A prova apta a autorizar o decreto de rescisão, é aquela cuja existência era ignorada pelo autor da ação rescisória, ou que dela não pôde fazer uso. A prova deve ser de tal ordem que, por si só, seja capaz de alterar o resultado do decisum e assegurar pronunciamento favorável. Como ensina JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, comentando o anterior Código de Processo Civil/1973: "o documento deve ser tal que a respectiva produção, por si só, fosse capaz de assegurar à parte pronunciamento favorável. Em outras palavras: há de tratar-se de prova documental suficiente, a admitir-se a hipótese de que tivesse sido produzida a tempo, para levar o órgão julgador a convicção diversa daquela a que chegou. Vale dizer que tem de existir nexo de causalidade entre o fato de não se haver produzido o documento e o de se ter julgado como se julgou" (Comentários ao Código de Processo Civil (1973), 10ª Edição, Volume V, Rio de Janeiro, Editora Forense, 2002, pp. 148-149) - grifei. Importante frisar ser inconteste a dificuldade daquele que desempenha atividade braçal comprovar documentalmente sua qualidade; situação agravada sobremaneira pelas condições desiguais de vida, educação e cultura a que é relegado aquele que desempenha funções que não exigem alto grau de escolaridade. No caso específico do trabalhador rural, inclusive, analisando a hipótese de rescisão pelo inciso VII do artigo 485 do anterior CPC/1973, é tranquila a orientação do E. STJ, no sentido de que é possível inferir a inexistência de desídia ou negligência da não utilização de documento preexistente, quando do ingresso da ação original, aplicando-se, no caso, a solução pro misero. Confira-se: PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. APOSENTADORIA POR IDADE. RURÍCOLA. DOCUMENTO NOVO. ART. 485, INCISO VII, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. SOLUÇÃO PRO MISERO. PRECEDENTES. 1. Segundo a jurisprudência da 3.ª Seção desta Corte Superior de Justiça, levando em consideração as condições desiguais em que se encontram os trabalhadores rurais e, adotando a solução pro misero, devem ser considerados para efeito do art. 485, inciso VII, do Código de Processo Civil, os documentos colacionados aos autos, mesmo que preexistentes à propositura da ação originária. 2. Agravo regimental desprovido. (STJ, 5ª Turma, AGA 1361956, rel. Min. Laurita Vaz, j. 12/06/2012, DJE 25/06/2012). PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. DEPÓSITO PRÉVIO. BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA. DISPENSA. DOCUMENTO NOVO. ADMISSIBILIDADE. ATIVIDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. CERTIDÃO DE CASAMENTO. QUALIFICAÇÃO DO MARIDO COMO LAVRADOR. EXTENSÃO À ESPOSA. 1. Os beneficiários da justiça gratuita estão dispensados do depósito prévio de que trata o art. 488, II, do Código de Processo Civil. 2. Ainda que o documento apresentado seja anterior à ação originária, esta Corte, nos casos de trabalhadores rurais, tem adotado solução pro misero para admitir sua análise, como novo, na rescisória. 3. Os documentos apresentados constituem início de prova material apto para, juntamente com os testemunhos colhidos no processo originário, comprovar o exercício da atividade rural. 4. A qualificação do marido, na certidão de casamento, como lavrador estende-se à esposa, conforme precedentes desta Corte a respeito da matéria. 5. Ação rescisória procedente. (STJ, 3ª Seção, AR 3046, rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 24/04/2013, DJE 08/05/2013). A autora junta como prova nova os seguintes documentos: 1. Cópia do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo, efetivada junto ao sítio eletrônico https://www.cadastrounico.caixa.gov.br, relativa à família da autora, constando a autora Ana Rodrigues como responsável familiar, os filhos Cristiano Rodrigues, Cristiane Rodrigues e Juliano Rodrigues e Joaquim Francisco da Silva. Consta, ainda, como data da inclusão da família em 09/12/2002 e data da atualização, em 16/09/2015 e o trabalho realizado pela família como temporário em área rural; 2. Decisão de 25/10/2016, concedendo a aposentadoria por idade rural à autora Ana Rodrigues no processo nº 2010.03.99.001766-0/SP; 3. Cópia da petição inicial da Ação de Investigação de Paternidade Post Mortem, datada de 19/01/2011; e após juntou a cópia integral de referida ação; e 4. Certidões de nascimentos dos filhos Cristiano Rodrigues da Silva, Cristiane Rodrigues da Silva e Juliano Rodrigues da Silva, em 09/07/83, 18/05/85 e 18/10/86, respectivamente, todas emitidas em setembro de 2013 e constando o pai Joaquim Francisco da Silva. Esclareça-se que da cópia da Ação de Investigação de Paternidade Post Mortem, que tramitou perante a Vara Única de Itaporanga/SP, juntada posteriormente, extrai-se que a demanda foi ajuizada pelos filhos Cristiane Rodrigues, Juliano Rodrigues e Cristiano Rodrigues em face da autora Ana Rodrigues, ao argumento de se tratar de única herdeira de Joaquim Francisco da Silva. Inicialmente, o MM Juiz de Direito daquela demanda determinou que a parte autora comprovasse a ausência de herdeiros do falecido, por meio de competentes certidões, tendo os requerentes esclarecido que jamais tiveram qualquer contato com irmãos ou os pais do de cujus, que dizia, quando vivo, que estes não existiam mais. O Ministério Público opinou pela citação da requerida e a produção de outras provas. Determinada a citação, a ré Ana Rodrigues foi regularmente citada e apresentou contestação alegando a carência da ação, por se tratar de pedido juridicamente impossível, diante de sua ilegitimidade para figurar no polo passivo daquela demanda, tendo em vista não haver nos autos qualquer prova da união estável com o falecido, não sendo, portanto, herdeira do de cujus. O Ministério Público opinou pela rejeição da preliminar, sendo que o MM Juiz de Direito proferiu despacho, afastando a preliminar e dando vista às partes para especificarem as provas que pretendiam produzir. Requerida pela parte autora a produção de prova testemunhal, foram ouvidas duas testemunhas - Noel dos Santos e Marilza Antonia de Barros Oliveira - que declararam conhecer a requerida, que conviveu com o Joaquim durante vinte e seis anos e que os autores são filhos do falecido. O MM Juiz, então, julgou procedente o pedido, em 05/05/2013, declarando que Cristiane Rodrigues, Juliano Rodrigues e Cristiano Rodrigues são filhos de Joaquim Francisco da Silva. Sem recursos, o feito transitou em julgado em 06/06/2013. Analisando os documentos apresentados, verifico que não podem ser aceitos como prova nova, tendo em vista que se constassem do processo originário, não alterariam o resultado do julgado rescindendo. Isto porque, o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo é feito unilateralmente junto ao site do governo (https://www.cadastrounico.caixa.gov.br), sem qualquer participação de um servidor público, não fornecendo segurança quanto aos dados informados, bem como quanto ao momento do seu preenchimento. Já a Ação de Investigação de Paternidade Post Mortem foi ajuizada contra a autora Ana Rodrigues e não houve comprovação de que seria a herdeira do falecido, portanto, legítima para figurar no polo passivo daquela demanda. E a procedência da ação se deu com base na certidão de óbito, já constante do processo originário e nas testemunhas, sendo que uma delas é a mesma ouvida no processo originário. Não foi realizado teste de DNA, nem tampouco pesquisa a respeito da existência de eventuais herdeiros do falecido. Da mesma forma, a decisão que concedeu a aposentadoria por idade rural à autora e as certidões retificadas de nascimento dos filhos não podem ser aceitas como provas novas porque se deram com base na decisão proferida na ação de investigação de paternidade, que, repita-se, baseou-se em prova exclusivamente testemunhal. Logo, não foi juntado qualquer documento que comprove a alegada convivência por 26 anos e não é crível que tenha convivido por todo esse período e não haja um só documento contemporâneo à época da convivência. Assim, a prova apresentada é insuficiente para comprovar a alegada convivência, pelo que não restou configurada a hipótese de rescisão da decisão passada em julgado, nos termos do artigo 966, inciso VII, do Código de Processo Civil/2015, sendo improcedente também este pleito. O que pretende a requerente é o reexame da causa, o que mesmo que para correção de eventuais injustiças, é incabível em sede de ação rescisória. Ante o exposto, julgo improcedente a ação rescisória. Condeno a parte autora no pagamento dos honorários advocatícios fixados em R$1.000,00 (hum mil reais), observando-se o disposto no artigo 98, § 3º do CPC/2015, por ser beneficiária da gratuidade da justiça. É o voto.
E M E N T A
AÇÃO RESCISÓRIA. PENSÃO POR MORTE DE TRABALHADOR RURAL. VIOLAÇÃO MANIFESTA DA NORMA JURÍDICA E ERRO DE FATO NÃO CONFIGURADOS. PROVA NOVA. REQUISITOS DO INCISO VII DO ARTIGO 966 NÃO PREENCHIDOS. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.
- Ação rescisória ajuizada por Ana Rodrigues, com fulcro no art. 966, incisos V (violação manifesta da norma jurídica), VII (prova nova) e VIII (erro de fato), do Código de Processo Civil/2015, em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, visando desconstituir decisão que negou o benefício de pensão por morte à autora, em razão da não comprovação da união estável.
- A autora alegou na inicial da ação originária que viveu em união estável com o Sr. Joaquim Francisco da Silva, até o óbito, com quem teve três filhos e juntou somente a certidão de óbito que não serviu para comprovar a união estável, uma vez que foi lavrada com as declarações prestadas pela própria autora.
- Embora as testemunhas tenham confirmado a alegada convivência, o julgado entendeu que não era possível o seu reconhecimento somente com a prova testemunhal.
- Não se desconhece a existência de entendimento jurisprudencial no sentido de se reconhecer a união estável somente com base em prova oral e, neste sentido, é a Súmula 63 da Turma Nacional de Uniformização.
- Ocorre que a interpretação adotada pela decisão rescindenda também encontra respaldo em julgados desta E. Corte. Precedentes. É de se concluir que o decisum adotou uma das soluções possíveis para a questão.
- O julgado rescindendo não incorreu na alegada violação manifesta da norma jurídica, nos termos do inciso V, do artigo 966, do Código de Processo Civil/2015.
- Da mesma forma, o decisum não considerou um fato inexistente, nem inexistente um fato efetivamente ocorrido, não incidindo no alegado erro de fato, conforme inciso VIII e § 1º do artigo 966, do Código de Processo Civil/2015.
- Analisando os documentos apresentados, verifico que não podem ser aceitos como prova nova, tendo em vista que se constassem do processo originário, não alterariam o resultado do julgado rescindendo.
- O Cadastro Único para Programas Sociais do Governo é feito unilateralmente junto ao site do governo (https://www.cadastrounico.caixa.gov.br), sem qualquer participação de um servidor público, não fornecendo segurança quanto aos dados informados, bem como quanto ao momento do seu preenchimento.
- A Ação de Investigação de Paternidade Post Mortem foi ajuizada contra a autora Ana Rodrigues e não houve comprovação de que seria a herdeira do falecido, portanto, legítima para figurar no polo passivo daquela demanda.
- E a procedência da ação se deu com base na certidão de óbito, já constante do processo originário e nas testemunhas, sendo que uma delas é a mesma ouvida no processo originário.
- Não foi realizado teste de DNA, nem tampouco pesquisa a respeito da existência de eventuais herdeiros do falecido.
- A decisão que concedeu a aposentadoria por idade rural à autora e as certidões retificadas de nascimento dos filhos não podem ser aceitas como provas novas porque se deram com base na decisão proferida na ação de investigação de paternidade, que, repita-se, baseou-se em prova exclusivamente testemunhal.
- Não foi juntado qualquer documento que comprove a alegada convivência por 26 anos e não é crível que tenha convivido por todo esse período e não haja um só documento contemporâneo à época da convivência.
- A prova apresentada é insuficiente para comprovar a alegada convivência, pelo que não restou configurada a hipótese de rescisão da decisão passada em julgado, nos termos do artigo 966, inciso VII, do Código de Processo Civil/2015, sendo improcedente também este pleito.
- O que pretende a requerente é o reexame da causa, o que mesmo que para correção de eventuais injustiças, é incabível em sede de ação rescisória.
- Rescisória julgada improcedente. Honorários advocatícios fixados em R$1.000,00 (hum mil reais), observando-se o disposto no artigo 98, § 3º do CPC/2015, por ser a parte autora beneficiária da gratuidade da justiça.