Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5036871-20.2021.4.03.6100

RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. CARLOS MUTA

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

APELADO: RICARDO DE BABO MENDES

Advogados do(a) APELADO: DEBORA PEREIRA BERNARDO - SP305135-A, GUSTAVO BERNARDO DOS SANTOS PEREIRA - SP369631-A, JULIO CESAR GOMES - SP436321-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5036871-20.2021.4.03.6100

RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

 

APELADO: RICARDO DE BABO MENDES

Advogados do(a) APELADO: JULIO CESAR GOMES - SP436321-A, DEBORA PEREIRA BERNARDO - SP305135-A, GUSTAVO BERNARDO DOS SANTOS PEREIRA - SP369631-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

 

 

 

 

 

Trata-se apelação em mandado de segurança interposta pela União Federal contra sentença que julgou procedente o pedido e concedeu a segurança para determinar o cancelamento do débito referente ao “laudêmio de cessão” exigido pela autoridade impetrada, referente à cessão de direito ocorrida em 12.04.2007, relacionado ao Registro Imobiliário Patrimonial (RIP) n. 6213.0103292-15.

 

Em suas razões, a União pede a reforma da sentença, pelos seguintes argumentos:

a) não há que se falar em prescrição quinquenal retroativa para cobrança do laudêmio, pois o lançamento do crédito fazendário ocorreu logo após o referido órgão ter conhecimento do negócio oneroso translativo do domínio útil;

b) a transferência do direito de ocupação sobre o imóvel objeto da ação foi efetuada por instrumento firmado sem a anuência da União, constituindo, assim, ajuste particular imponível à Administração, de modo que a prescrição jamais poderia ter início da data da assinatura;

c) para efeito de gerar a relação obrigacional com prestação de pagar laudêmio, tanto o acontecimento da transferência (ou transmissibilidade) de domínio útil, quanto o acontecimento contratual de “cessão de direitos” estão autonomamente previstos no texto da regra obrigacional como “fonte” da obrigação;

d) a regra de inexigibilidade, prevista no artigo 47, parágrafo 1º, da Lei nº 9.636/98, invocada pelo apelado na petição inicial, não se aplica ao laudêmio, porque voltada para receitas periódicas (taxa de ocupação e foro), ao passo que o laudêmio se constitui em receita esporádica.

 

 

Com as contrarrazões do autor, subiram os autos a esta Corte Federal.

 

O Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso de apelação interposto pela União.

 

Dispensada a revisão, nos termos regimentais.

 

É o relatório.

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5036871-20.2021.4.03.6100

RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

 

APELADO: RICARDO DE BABO MENDES

Advogados do(a) APELADO: JULIO CESAR GOMES - SP436321-A, DEBORA PEREIRA BERNARDO - SP305135-A, GUSTAVO BERNARDO DOS SANTOS PEREIRA - SP369631-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

 

 

 

Tempestivo o recurso, dele conheço.

 

 

RICARDO DE BABO MENDES impetrou mandado de segurança em face do Sr. Superintendente da Coordenação e Governança do Patrimônio da União em São Paulo para o fim de ser declarada a inexigibilidade de cobrança efetuada a título de laudêmio incidentes sobre a transferência do domínio útil do imóvel aforado, cadastrado na SPU/SP sob o Registro Imobiliário Patrimonial - RIP nº 6213.0103292-15, relativo a cessão de direito realizada em 12/04/2007, consoante artigo 47, parágrafo 1º, da Lei n. 9.636/98 e o artigo 20, inciso III, da Instrução Normativa SCGPU n. 01/2007

 

O juízo sentenciante julgou procedente o pedido para reconhecer a inexigibilidade do crédito de laudêmio por considerar que o contrato de compromisso de cessão dos direitos não levado a registro não constituiu causa de efetiva transferência do domínio útil do imóvel e porque a limitação temporal prevista no artigo 47, §1º, da Lei nº 9.636/1998, não se aplica exclusivamente às receitas periódicas:

 

Ao que se constata, o débito de laudêmio aqui discutido tem como período de apuração 12/04/2007, tendo a Administração Pública recepcionado em 20/10/2020, o requerimento de averbação de transferência do domínio útil do imóvel certificando a transmissão do domínio útil do imóvel, certificando a transmissão onerosa havida em 12/04/2007.

Portanto, no caso em exame, embora não tenha se operado a decadência na constituição do crédito, o fato é que a cobrança encontra-se prescrita, vez que a hipótese de incidência (12/04/2007) remonta a épocas anteriores aos cinco anos contados da data do conhecimento do fato pela Administração (conhecimento, esse que se deu em 20/10/2020) Ou seja, embora a transferência do domínio útil do terreno da União tenha ocorrido em 12/04/2007, certo é que o conhecimento dessa operação pela Administração somente ocorreu em 20/10/2020, data em que a cobrança questionada, que deveria ter sido iniciada em 2007, já se encontrava fulminada pela prescrição.

Questão de direito parelha foi submetida ao E. TRF-2, na Apelação em AC n.º 00030719320134025001, tendo a MM Relatora Desembargadora Salete Maccalóz, esgrimindo a legislação de regência, proferido a decisão que segue, reconhecendo a ocorrência da prescrição, a fulminar o crédito tributário discutido.

(...)

“Por outro lado, o § 1º do referido artigo 47, ao estabelecer o prazo decadencial de dez anos para a constituição do crédito patrimonial, limita em cinco anos, o prazo de cobrança dos créditos relativos a período anterior ao conhecimento, pela administração da hipótese de incidência da receita patrimonial.

Destarte, embora não tenha operado a decadência na constituição do crédito, a sua cobrança encontra-se prescrita, tendo em vista que a hipótese de incidência remonta a período anterior aos cinco anos contados do seu conhecimento pela Administração, ou seja, ao ano de 2001. Tal como dito na sentença, a transferência do domínio útil do terreno da União ocorreu em 2001 e o conhecimento dessa operação só se deu em 10/08/2012, tal como reconheceu a União na transcrição feita anteriormente, data em que a cobrança questionada, que deveria ter sido iniciada em 2001, já se encontrava fulminada pela prescrição.”

 

 

A sentença é de ser mantida.

 

Consoante documentação anexada na impetração, por meio da Escritura de Venda e Compra de 09.09.2020, o adquirente Rogério José Bonato recebeu o domínio útil do imóvel dos vendedores Espólio de Pedro Conde, Espólio de Arlindo Conde e Espólio de Antonio Grisi Filho; a Escritura foi registrada na matrícula do imóvel nº 213.514 perante o Cartório de Registro de Imóveis de Barueri em 27/10/2020; o adquirente comunicou a transferência do domínio útil à SPU em 29/10/2020.

Consoante referida escritura, ocorreram as seguintes transações:

a) instrumento particular de compromisso de venda e compra celebrado em 24/06/1999, não levado a registro, em que os vendedores acima citados prometeram vender o imóvel a Carlos Alberto Duque;

b) instrumento particular de cessão de direitos e obrigações celebrado em 02/08/2001, não levado a registro, em que Carlos Alberto Duque cedeu e transferiu os direitos sobre o domínio do imóvel a Wedmeyer do Carmo e Rosalba Moro do Carmo;

c) instrumento particular de cessão de direitos e obrigações celebrado em 11/07/2003, não levado a registro, em que Wedmeyer do Carmo e Rosalba Moro do Carmo cederam e transferiram os direitos sobre o domínio do imóvel a Sebastião Rosa e Regina Acipreste Rosa;

d) instrumento particular de cessão de direitos e obrigações celebrado em 01/08/2007, não levado a registro, em que Sebastião Rosa e Regina Acipreste Rosa cederam e transferiram os direitos sobre o domínio do imóvel ao impetrante Ricardo de Babo Mendes;

e) instrumento particular de cessão de direitos e obrigações celebrado em 12/04/2007, não levado a registro, em que Sebastião Rosa e Regina Acipreste Rosa cederam e transferiram os direitos sobre o domínio do imóvel ao impetrante Ricardo de Babo Mendes;

f) instrumento particular de cessão de direitos e obrigações celebrado em 12/04/2007, não levado a registro, em que o impetrante Ricardo de Babo Mendes cedeu e transferiu os direitos sobre o domínio do imóvel a Rogerio Jose Bonato;

e) instrumento de venda e compra dos vendedores Espólio de Pedro Conde, Espólio de Arlindo Conde e Espólio de Antonio Grisi Filho para o adquirente Rogerio Jose Bonato em 09/09/2020.

 

A SPU expediu a cobrança de laudêmio no valor de R$ 100.492,50 em nome de Ricardo de Babo Mendes, relativo ao período de apuração 12/04/2007, com vencimento em 07/12/2020.

 

 

 

Da prescrição / da decadência

 

 

A Secretaria do Patrimônio da União regulamentou os procedimentos administrativos correspondentes ao lançamento e à caracterização da ocorrência de decadência ou prescrição de créditos originados em receitas patrimoniais por meio da Portaria SPU 08, de 01.02.2001, publicado no DOU em 02.02.2001:

 

Art. 3º Sujeitam-se à decadência os direitos relativos a circunstâncias e fatos que caracterizam a hipótese de incidência da receita patrimonial, contando-se, conforme a sua natureza, contratual ou extracontratual, o prazo estabelecido em lei.

§ 1º A decadência de direito a receitas patrimoniais de origem extracontratual, assim entendidas aquelas que decorram de imposição legal, exemplificativamente, laudêmios e diferenças de laudêmios exigíveis até 15 de fevereiro de 1997, taxas de ocupação e multas por comportamento ilícito previsto em lei, será reconhecida quando decorrer o prazo de dez anos contados do conhecimento, por iniciativa da União ou por solicitação do interessado, das circunstâncias e fatos que caracterizam a hipótese de incidência da respectiva receita patrimonial. (Redação dada ao parágrafo pela Portaria SPU nº 204, de 11.11.2004, DOU 18.11.2004)

§ 2º Caso a data do conhecimento seja anterior a 30 de dezembro de 1998, conta-se a partir desta última o prazo decadencial previsto em lei.

§ 3º São inexigíveis os créditos que antecederem:

I - cinco anos do instante do conhecimento, por iniciativa da União ou por solicitação do interessado, das circunstâncias e fatos que caracterizam a hipótese de incidência da respectiva receita patrimonial;

II - cinco anos contados a partir de 30 de dezembro de 1998, caso a data do conhecimento seja anterior a esta data. (Redação dada ao parágrafo pela Portaria SPU nº 204, de 11.11.2004, DOU 18.11.2004)

§ 4º Os créditos inexigíveis deverão ser excluídos dos sistemas informatizados desta Secretaria. (NR) (Parágrafo acrescentado pela Portaria SPU nº 204, de 11.11.2004, DOU 18.11.2004)

Art. 4º Sujeitam-se à prescrição os créditos originados em receitas patrimoniais inscritos ou não em Dívida Ativa da União, observados os procedimentos correspondentes estabelecidos em lei, inclusive quanto às causas interruptivas da contagem do transcurso do prazo de cinco anos para a exigência do correspondente crédito.

§ 1º A prescrição de direito a receitas patrimoniais contratuais, assim entendidas as que decorrem de contrato administrativo, exemplificativamente, foros, aluguéis por locação ou arrendamento, remunerações de cessão de uso, parcelas de amortização de preço de compra e venda, e respectivos encargos moratórios, será reconhecida quando decorrer o prazo de cinco anos contados do correspondente vencimento.

§ 2º Para as obrigações vencidas anteriormente a 18 de maio de 1998 a prescrição será reconhecida no menor prazo prescricional verificado para a sua ocorrência, adotando-se a regra da prescrição vintenária a partir do vencimento da obrigação, ou a prescrição qüinqüenária contada a partir de 18 de maio de 1998.

Art. 5º Caracterizada, na forma desta Portaria, a decadência do direito à receita patrimonial ou a prescrição de sua exigibilidade, incumbirá ao órgão competente da estrutura local da SPU promover a anotação da respectiva ocorrência e o cancelamento do crédito no sistema correspondente.

Parágrafo único. Para o efeito da caracterização da ocorrência de caducidade e adoção das providências de reintegração da posse do imóvel, quando for o caso, deverão ser mantidas anotações que indiquem os créditos alcançados pela prescrição.

 

A Secretaria do Patrimônio da União ainda dispôs na Instrução Normativa SPU n. 01, de 23.07.2007, publicada no D.O.U. 24.07.2007, sobre o lançamento e a cobrança de créditos originados em Receitas Patrimoniais, que assim tratou sobre o tema:

 

Art. 9º - O laudêmio é a receita patrimonial correspondente à compensação que a União recebe pelo não exercício do direito de consolidar o domínio pleno sempre que se realize transação onerosa de transferência ou promessa de transferência do domínio útil ou da ocupação de imóvel da União, verificados:

I - como hipótese de incidência, a transmissão da titularidade do domínio útil de terreno da União ou de direitos sobre benfeitorias nele construídas, a transmissão da ocupação e a cessão de direitos relativos às referidas transmissões.

II - como sujeito passivo, o alienante ou cedente;

III - o valor, aplicando-se a alíquota de 5% (cinco por cento) do valor atualizado do domínio pleno do terreno da União e das benfeitorias nele construídas, calculado conforme o normativo da SPU.

§ 1º O laudêmio deverá ser recolhido previamente à expedição do instrumento em que a SPU autorizar a transferência onerosa do domínio útil ou da ocupação, nos termos do art. 3º do Decreto-lei nº 2.398, de 1987.

§ 2º O lançamento do laudêmio dar-se-á com a averbação da transferência ou o registro da cessão no sistema SIAPA, momento em que a SPU verificará se o montante recolhido na forma do §1º deste artigo corresponde ao valor efetivamente devido.

§ 3º Nas transações onerosas realizadas a partir de 22 de dezembro de 1987, sempre que o título aquisitivo comprovar valor da transação ou valor de mercado do imóvel na data da transação maior do que o valor do imóvel sobre o qual incidiu o laudêmio efetivamente pago, será devida a Diferença de laudêmio.

 § 4º Não serão consideradas no cálculo do laudêmio as benfeitorias que, comprovadamente, tenham sido realizadas pelo adquirente ou cessionário.

 

Art. 20º - É inexigível o crédito não constituído originado em receita patrimonial cujo fato gerador anteceda cinco anos ou mais da data do conhecimento das circunstâncias e fatos que caracterizam a hipótese de incidência da respectiva receita, considerando-se como fato gerador:

I - para os créditos de foro e taxa de ocupação, a data em que deveria ter ocorrido o lançamento estabelecido conforme o disposto no art. 3º.

II - para o crédito de diferença de laudêmio, a data do título aquisitivo quando ocupação, e de seu registro quando aforamento.

 III - para o crédito de laudêmio sobre cessão, a data da transação, se estiver definida, ou à míngua de definição da data, a data do instrumento que a mencione. §

1º Para o crédito de multa de transferência, são inexigíveis as parcelas que antecederem a sessenta meses da data do conhecimento.

§ 2º Quando a data do conhecimento for anterior a 30 de dezembro de 1998, são inexigíveis os créditos não constituídos anteriores a 30 de dezembro de 1993.

Art. 21º - Os créditos decorrentes de receitas patrimoniais, quando regularmente constituídos, sujeitam-se ao prazo prescricional de cinco anos, observados os procedimentos correspondentes estabelecidos em lei, inclusive quanto às causas interruptivas ou suspensivas da contagem do transcurso do prazo para a exigência do correspondente crédito.

§ 1º Conta-se o prazo prescricional a partir da data do lançamento do crédito, determinada conforme §§ 1º e 2º do art. 3º desta IN.

§ 2º Para as obrigações vencidas anteriormente a 18 de maio de 1998, a prescrição será reconhecida no menor prazo prescricional verificado para a sua ocorrência, adotando-se a regra da prescrição vintenária a partir do vencimento da obrigação, ou a prescrição qüinqüenária contada a partir de 18 de maio de 1998.

 

Até o advento da Lei n. 9.636/98, a prescrição da taxa de ocupação, foro e laudêmio era de cinco anos, nos termos do art. 1º do Decreto nº 20.910/32, não se aplicando as disposições do Código Civil, por se tratar de dívida de natureza administrativa/não tributária.

A Lei n. 9.636/98, publicada no D.O.U. de 18.5.1998, estabeleceu o prazo de cinco anos para a prescrição das receitas patrimoniais, consoante art. 47, em sua redação original, nada mencionando acerca da decadência.

A Medida Provisória 1.787, que entrou em vigor e 30.12.1998, (convertida na Lei 9.821/99, publicada em 24.08.1999), deu nova redação ao art. 47 da Lei 9.636/98, instituindo o prazo decadencial de cinco anos para constituição do crédito oriundos das receitas patrimoniais, mediante lançamento, mantendo-se, todavia, o prazo prescricional de cinco anos para a sua exigência.

Posteriormente, o prazo decadencial inicial de cinco anos foi ampliado para dez anos, com o advento da Lei n. 10.852/2004, publicada em 30 de março de 2004, aplicando-se a alteração àqueles "em curso para constituição de créditos originários de receita patrimonial" (artigo 2º, da Lei nº 10.852/2004).

Oportuno registrar que a ampliação do prazo decadencial de cinco para dez anos, feita pela última legislação acima indicada (Lei n. 10.852/2004), não pode incidir de forma retroativa.

O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso especial representativo de controvérsia (REsp 1.133.696 - PE), firmou entendimento no sentido de que as relações de direito material que ensejam o pagamento de taxa de ocupação, foro e laudêmio de terrenos públicos têm natureza eminentemente pública, sendo regidas pelas regras do Direito Administrativo, e que os créditos gerados na vigência da Lei nº 9.821/99 estão sujeitos a prazo decadencial de cinco anos (art. 47), que passou a ser de dez anos após a vigência da lei 11.852/2004, ao passo que o prazo prescricional é de 5 anos, independentemente do período considerado, uma vez que os débitos posteriores a 1998 se submetem ao prazo quinquenal do o artigo 47 da Lei 9.636/98, e os anteriores à vigência da citada lei, se submetem ao prazo previsto no art. 1º do Decreto-Lei n. 20.910/1932.

Resumidamente, levando-se em consideração as datas de publicação dos dispositivos legais acima referidos, a Corte Especial estabeleceu que:

 

[...] Em síntese, a cobrança da taxa in foco, no que tange à decadência e à prescrição, encontra-se assim regulada:

(a) o prazo prescricional, anteriormente à edição da Lei 9.363/98, era quinquenal, nos termos do art. 1º, do Decreto 20.910/32;

(b) a Lei 9.636/98, em seu art. 47, institui a prescrição qüinqüenal para a cobrança do aludido crédito;

(c) o referido preceito legal foi modificado pela Lei 9.821/99, que passou a vigorar a partir do dia 24 de agosto de 1999, instituindo prazo decadencial de cinco anos para constituição do crédito, mediante lançamento, mantendo-se, todavia, o prazo prescricional qüinqüenal para a sua exigência;

(d) consectariamente, os créditos anteriores à edição da Lei nº 9.821/99 não estavam sujeitos à decadência, mas somente a prazo prescricional de cinco anos (art. 1º do Decreto nº 20.910/32 ou 47 da Lei nº 9.636/98);

(e) com o advento da Lei 10.852/2004, publicada no DOU de 30 de março de 2004, houve nova alteração do art. 47 da Lei 9.636/98, ocasião em que foi estendido o prazo decadencial para dez anos, mantido o lapso prescricional de cinco anos, a ser contado do lançamento [...] (Primeira Seção, Rel. Min. LUIZ FUX, DJE 17/12/.2010).

 

Logo, a questão fica assim equacionada:

a) para os créditos anteriores à Lei 9.636/98 e até a alteração promovida pela Lei 9.821/1999, deve ser computado, apenas, o prazo prescricional de cinco anos (por aplicação do Decreto 20.910/32 ou por aplicação da Lei 9.636/98 - redação original): neste caso, o prazo prescricional é computado ininterruptamente, sem a aplicação do prazo decadencial estabelecido pela Lei 9.821/99;

b) para os créditos posteriores à vigência da Lei 9.821/1999 e até a vigência da Lei 10.852/2004, deve ser observado o prazo decadencial de cinco anos, para constituição do crédito, e adicionado o prazo prescricional de cinco anos;

c) para os créditos posteriores à vigência da Lei 10.852/2004, deve ser aplicado o prazo decadencial de dez anos, para constituição do crédito, imediatamente seguido do prazo prescricional de cinco anos.

 

No caso dos autos, a relevância do fundamento invocado reside no fato de que a mudança interpretativa promovida pela SPU, que reativou créditos decorrentes de laudêmio alcançados pelo instituto da inexigibilidade, não encontra amparo legal.

 

Consoante Memorando n. 10040/2047-MP da Secretaria do Patrimônio da União, “a exigibilidade e, portanto a cobrança do crédito de laudêmio objeto do questionamento apresentado, está amparada na manifestação da CONJUR contida no Parecer nº 0088-5.9-2013-DPC-CONJUR-MP-CGU-AGU, documento (4391919), no sentido de que de que a inexigibilidade prevista no art. 47, parágrafo 1º, do Decreto 9.638/98, não se aplica ao Laudêmio, conforme transcrito a seguir: 7. Não obstante, cumpre-nos de plano trazer à baila entendimento manifestado no PARECER/MP /CONJUR/DPC/Nº 0471 - 5.9 / 2010, oportunidade na qual afirmamos que, em regra, a inexigibilidade, prevista no art. 47, parágrafo 1º, da Lei nº 9.639/98, não se aplica ao laudêmio, porquanto aquele instituto tem seu campo de atuação voltado para as receitas periódicas (taxa de ocupação e foros). Como o laudêmio é uma receita esporádica, eventual, que não se reproduz regularmente no tempo, incidente apenas quando da ocorrência de transferências onerosas, a ela não se aplica o instituto da inexigibilidade”.

 

O parágrafo 1º do artigo 47 da Lei nº 9.636/1998 não foi revogado por lei superveniente, de sorte que continua vigente a limitação a cinco anos da cobrança de créditos relativos a período anterior ao conhecimento do ocorrido, sob pena de inexigibilidade. Ademais, não se encontra nesse dispositivo nenhuma ressalva quanto à sua aplicação exclusivamente a receitas periódicas (taxa de ocupação e foro), não havendo impedimento de aplicabilidade ao laudêmio. In verbis:

 

Art. 47.  O crédito originado de receita patrimonial será submetido aos seguintes prazos:

I - decadencial de dez anos para sua constituição, mediante lançamento; e

II - prescricional de cinco anos para sua exigência, contados do lançamento.

§ 1o O prazo de decadência de que trata o caput conta-se do instante em que o respectivo crédito poderia ser constituído, a partir do conhecimento por iniciativa da União ou por solicitação do interessado das circunstâncias e fatos que caracterizam a hipótese de incidência da receita patrimonial, ficando limitada a cinco anos a cobrança de créditos relativos a período anterior ao conhecimento.

§ 2o  Os débitos cujos créditos foram alcançados pela prescrição serão considerados apenas para o efeito da caracterização da ocorrência de caducidade de que trata o parágrafo único do art. 101 do Decreto-Lei no 9.760, de 1946, com a redação dada pelo art. 32 desta Lei.

 

 

Assim, somente estão alcançadas pela inexigibilidade as receitas de laudêmio anteriores a cinco anos contados do conhecimento da Secretaria do Patrimônio da União acerca do registro do imóvel, o que se afigura no caso em tela.

Destarte, no caso dos autos, a SPU tomou conhecimento em 29/10/2020, consoante documentação anexada, e busca a cobrança das receitas de laudêmio relativo ao período de apuração 12/04/2007.

Deve-se ter em mente, ainda, que o fato gerador do laudêmio não consiste na celebração do contrato de compra e venda nem na sua quitação, mas sim no registro do imóvel em cartório. 

 

 

 

Da cobrança do laudêmio

 

 

No caso, deve-se ter em mente que o fato gerador do laudêmio não consiste na celebração do contrato de compra e venda nem na sua quitação, mas sim no registro do imóvel em cartório.

O laudêmio constitui espécie de compensação assegurada ao senhorio direto, por força de lei, em face do proprietário do domínio útil do imóvel, pelo não exercício, por parte do senhorio direto, da faculdade legal de exigir para si a volta do domínio útil do terreno de marinha ou dos direitos sobre benfeitorias nele construídas. O fato gerador de tal vantagem, portanto, consubstancia-se na alienação desse domínio ou de tais direitos.

Dessa forma, o ordenamento confere ao senhorio o direito de receber o laudêmio pela transferência onerosa do domínio útil, caracterizada pela venda ou pela dação em pagamento.

Tratando-se a enfiteuse de direito real sobre coisa alheia (art. 674, I, do Código Civil de 1916), que somente se adquire com o registro do respectivo título no Cartório Registro de Imóveis (art. 1.227, do Código Civil de 2002), depreende-se que, enquanto não devidamente registrado o título translativo, o alienante continua a ser havido como titular do domínio útil. Nesse sentido, dispõe o artigo 116, do Decreto-lei nº 9.760/1946, que o adquirente do domínio útil deverá requerer a transferência de cadastro após a transcrição do título no Registro de Imóveis. Tal norma é reiterada, ainda, pelo artigo 3º, caput e § 4º, do Decreto-lei nº 2.398/1987, na redação dada pela Lei nº 9.636/1998, que dispõe que a transferência onerosa, entre vivos, do domínio útil e da inscrição de ocupação de terreno da União ou de cessão de direito a eles relativos dependerá do prévio recolhimento do laudêmio pelo vendedor, devendo o adquirente requerer a transferência dos registros cadastrais para o seu nome.

Conforme se depreende da análise dos autos, o instrumento particular de Promessa de Cessão de Direitos firmado em 12/04/2007 entre o cedente Ricardo de Babo Mendes e o cessionário Ricardo de Babo Mendes, não foi registrado no Cartório de Registro de Imóveis e tampouco na Secretaria do Patrimônio da União. Por conseguinte, nos termos dos artigos 221 e 1.417, ambos do Código Civil de 2002, o referido contrato produz efeitos somente entre as partes contratantes, não adquirindo o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.

A mera celebração de compromisso de compra e venda não se trata de negócio jurídico hábil a ensejar a transferência do direito real de ocupação do imóvel, não constituindo, portanto, fato gerador da incidência de laudêmio, nos termos o art. 3º, do Decreto-lei nº 2.398/1987, na redação dada pela Lei n. 9.636/98, vigente na data do instrumento particular de cessão de direitos, em respeito ao princípio do “tempus regit actum”.

Somente com o advento da Lei n. 13.139/2015, que alterou o disposto no artigo 3º do Decreto-lei 2.398/1987, e demais leis que se sucederam (Lei n. 13.240/2015, Medida Provisória n. 759/2016, Lei n. 13.465/2017), é que a cessão de direito foi incluída como hipótese de incidência do laudêmio, o que não se aplica ao caso, uma vez que o instrumento particular de Promessa de Cessão de Direitos não levado a registro foi firmado em data anterior, em 12/04/2007.

A transferência do domínio útil do imóvel somente ocorreu entre os vendedores Espólio de Pedro Conde, Espólio de Arlindo Conde e Espólio de Antonio Grisi Filho e o comprador Rogério José Bonato, consoante registro nº 4, na matricula 213.514, de 27.10.2020, constante da certidão de matricula do bem objeto da transação.

Em suma, a efetiva transferência do domínio útil do imóvel - fato gerador da exação - realizou-se, tão somente, por meio de negócio jurídico celebrado entre vendedores Espólio de Pedro Conde, Espólio de Arlindo Conde e Espólio de Antonio Grisi Filho e o adquirente Rogério Jose Bonato, havendo o respectivo título translativo foi devidamente levado a registo, consoante dispõe o art. 3º, do Decreto-lei nº 2.398/1987.

Nesses termos, deve ser afastada a cobrança de laudêmio incidente sobre a suposta cessão de direitos decorrentes de contrato de compromisso de compra e venda, sendo o laudêmio exigível somente em face da efetiva transferência do domínio útil do imóvel, consubstanciada pelo registro do respectivo título translativo no Cartório Registro de Imóveis (artigo 1.227, do Código Civil de 2002).

Nesse sentido:

 

ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. TRANSMISSÃO DE DOMÍNIO ÚTIL. FATO GERADOR DA OBRIGAÇÃO DE PAGAR O LAUDÊMIO. REGISTRO DO IMÓVEL EM CARTÓRIO. BENFEITORIAS REALIZADAS APÓS A CELEBRAÇÃO DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA DO TERRENO E ANTERIORES AO FATO GERADOR. EXCLUSÃO NA BASE DE CÁLCULO DO LAUDÊMIO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Cuida-se, na origem, de mandado de segurança impetrado pelos ora recorrentes contra ato do Gerente do Serviço do Patrimônio da União em Fortaleza, cuja ordem, que objetivava afastar do cálculo do laudêmio as benfeitorias realizadas em terreno de marinha após a celebração do contrato de compra e venda deste, foi denegada. 2. Em verdade, laudêmio é a compensação assegurada ao senhorio direto por este não exigir a volta do domínio útil do terreno de marinha às suas mãos ou de direitos sobre benfeitorias nele construídas. Tal vantagem tem por fato gerador a alienação desse domínio ou desses direitos e uma base de cálculo previamente fixada pelo art. 3º do Decreto n. 2.398/87. 3. A propósito, o art. 3º do Decreto n. 95.760/88, ao fixar como será efetuado o cálculo do valor do laudêmio, não deixa dúvidas. 4. Como se depreende da redação dos dispositivos acima, a base de cálculo do laudêmio consiste não meramente no valor atualizado do domínio pleno, mas também das benfeitorias. 5. Por sua vez, esta Corte já firmou que o fato gerador da debatida exação não ocorre quando da celebração do contrato de compra e venda nem da sua quitação, mas, sim, da data do registro do imóvel em Cartório de Registro de Imóveis, momento da transferência do domínio útil do aludido direito real, razão pela qual deveriam incidir 5%, não meramente sobre o valor do imóvel ao tempo do ajuste, mas sobre o valor Atualizado do bem. 6. Nesse sentido, diante do princípio da legalidade e da indisponibilidade dos bens ou faculdades inerentes à titularidade do domínio público, muito embora as benfeitorias tenham sido comprovadamente construídas após a celebração do acordo de compra e venda, estas não podem ser excluídas da base de cálculo do laudêmio, sobretudo se ainda não ocorreu o registro do imóvel em Cartório de Registro de Imóveis. 7. Recurso especial conhecido e não provido.

(STJ, REsp 1.257.565/CE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, T2 - Segunda Turma, DJe 30/08/2011)

 

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. ALEGADO CERCEAMENTO DE DEFESA. FUNDAMENTAÇÃO RECURSAL DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO. TERRENO DE MARINHA. TRANSFERÊNCIA ONEROSA DO DIREITO DE OCUPAÇÃO NÃO CARACTERIZADA. INEXIGIBILIDADE DA COBRANÇA DE LAUDÊMIO.

1. Considera-se deficiente a fundamentação quando o recurso especial suscita tese a ser apreciada pelo STJ mas deixa de indicar precisamente o dispositivo legal supostamente violado (Súmula 284/STF).

2. O conhecimento da divergência jurisprudencial pressupõe demonstração, mediante a realização do devido cotejo analítico, da existência de similitude das circunstâncias fáticas e do direito aplicado nos acórdãos recorrido e paradigmas, nos moldes dos arts. 541 do CPC e 255 do RISTJ.

3. Não enseja a cobrança de laudêmio a mera cessão de direitos decorrentes de contrato de promessa de compra e venda relativo a benfeitoria que nem sequer estava pronta à época da transação, sendo o laudêmio exigível somente quando for transferido o próprio direito real de ocupação.

4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido.

(STJ, REsp 1.254.326/SE, Rel. Min. Eliana Calmon, T2 - Segunda Turma, DJe 29/11/2013)

 

ADMINISTRATIVO - TERRENO DE MARINHA - TRANSMISSÃO DE DOMÍNIO ÚTIL - FATO GERADOR DA OBRIGAÇÃO DE PAGAR O LAUDÊMIO - REGISTRO DO IMÓVEL EM CARTÓRIO.

1. A controvérsia do presente recurso especial consiste em fixar qual o momento do fato gerador da obrigação de pagar o laudêmio ao senhorio direto.

2. A transferência do domínio útil de um imóvel, por se tratar de direito real, não ocorre no momento da celebração do contrato de compra e venda e nem na sua quitação, mas sim quando do registro do imóvel em Cartório de Registro de Imóveis, conforme expressa disposição do art. 1.227 do Código Civil de 2002.

3. O fato gerador da obrigação de pagar o laudêmio só surge no momento do registro do imóvel em cartório, motivo pelo qual é sobre o valor atual do imóvel que devem incidir os 5% devidos ao senhorio direto, como compensação por não exercer o seu direito de preferência na alienação do bem, em conformidade com o que dispõe o art. 3º do DL n. 2.398/87.

(STJ, REsp 911.345/PR, Rel. Min. Humberto Martins, T2 - Segunda Turma, DJe 14/04/2009)

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. LAUDÊMIO. FATO GERADOR DA OBRIGAÇÃO DE PAGAR O LAUDÊMIO. REGISTRO DO IMÓVEL EM CARTÓRIO. PRECEDENTES STJ.

1. O C. Superior Tribunal de Justiça já assentou o entendimento de que o fato gerador do laudêmio ocorre tão somente com o registro do imóvel em cartório e não quando celebração do contrato de compra e venda ou de sua quitação. (Precedentes)

2. Remessa oficial não provida, com fulcro no art. 932, incisos IV do novo CPC, devendo ser mantida a r. sentença.

(TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA,  ReeNec - REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL - 1937107 - 0008828-22.2011.4.03.6000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY, julgado em 07/06/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/06/2016 )                             

 

 

 

Dessa forma, descabida a cobrança de laudêmio referente ao período de apuração 12/04/2007 em nome do requerente Ricardo de Babo Mendes.

Assim sendo, e de se reconhecer a inexigibilidade do crédito de laudêmio pretendida.

 

 

Dessa forma, a manutenção da sentença de origem é medida que se impõe.

 

 

 

 

Dispositivo

 

Ante o exposto, nego provimento ao recurso de apelação.

Sem honorários, a teor das Súmulas 512/STF e 105/STJ, bem como do disposto no art. 25 da Lei n. 12.016/2009. Custas ex lege.

É o voto.

 


Desembargador Federal Wilson Zauhy:

Trata-se de apelação interposta pela UNIÃO contra sentença que concedeu a segurança pleiteada pela impetrante para declarar a inexigibilidade do laudêmio lançado. Trata-se de mandado de segurança impetrado por RICARDO DE BABO MENDES objetivando o reconhecimento da inexigibilidade do laudêmio.

Em suas razões recursais, a UNIÃO alega, em síntese, que deve ser afastada a hipótese de inexigibilidade do crédito em cobro.

O Eminente Relator manifesta entendimento no sentido do desprovimento da apelação, reconhecendo a ilegalidade da cobrança do laudêmio, baseando-se no fato de que a mera cessão de direitos decorrentes de contrato de compromisso de compra e venda ocorrida em 2007 não enseja a cobrança de laudêmio, sendo o laudêmio exigível somente em face da efetiva transferência do domínio útil do imóvel, consubstanciada pelo registro do respectivo título translativo no Cartório Registro de Imóveis ocorrida em 2020.

Com a devida vênia, divirjo do relator na medida em que o fato gerador (hipótese material de incidência) se dá com a cessão (ou cessões) ou com a escritura, pois a hipótese de incidência prevista na lei refere-se à expressão “transferência onerosa entre vivos” ou à “cessão de direito” do domínio útil de imóvel de propriedade da União.

Portanto, é passível de sofrer a incidência do laudêmio toda e qualquer “transferência onerosa entre vivos”, atinente ao domínio útil de imóvel de propriedade da União, incluída aqui a mera cessão de direito.

Com relação ao prazo decadencial, no entanto, só se inicia, para efeito de constituição, mediante lançamento, a partir do conhecimento pela UF (SPU) das transações então noticiadas na escritura.

É pacífica a jurisprudência do c. Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o pagamento de laudêmio também é devido nas cessões, e não apenas no registro das operações no cartório de Imóveis.

O laudêmio tem natureza de receita administrativa patrimonial originária da União, de forma que não é considerado um tributo e não se submete às disposições do Código Tributário Nacional. Com relação à decadência e prescrição, com a edição da Lei 10.852/2004, publicada em 30 de março de 2004, houve alteração do art. 47 da Lei 9.636/98, sendo estendido o prazo decadencial para dez anos, mantendo-se o prazo prescricional quinquenal, a contar do lançamento.

Sendo assim, considera-se como termo inicial do prazo decadencial a data do conhecimento do fato gerador pela União.

No caso concreto, a administração teve conhecimento das cessões em 09.09.2020 (ainda que a transferência do imóvel propriamente dita tenha ocorrido em 2007), de modo que se conclui que o lançamento do laudêmio poderia ser efetuado até 09.09.2030 (dez anos após o conhecimento do fato).

Não há que se falar, portanto, em decadência e tampouco há que se cogitar ser o caso de prescrição. A incidência de laudêmio sobre as benfeitorias deve ser afastada. Com o advento do Código Civil de 2002, adveio proibição expressa de cobrança de laudêmio "ou prestação análoga" sobre o valor das construções ou plantações (benfeitorias) nos aforamentos até então existentes:

Art. 2.038. Fica proibida a constituição de enfiteuses e subenfiteuses, subordinando-se as existentes, até sua extinção, às disposições do Código Civil anterior, Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916 , e leis posteriores.

§ 1º Nos aforamentos a que se refere este artigo é defeso:

I - cobrar laudêmio ou prestação análoga nas transmissões de bem aforado, sobre o valor das construções ou plantações;

II - constituir subenfiteuse.

§ 2º A enfiteuse dos terrenos de marinha e acrescidos regula-se por lei especial.

Diante desse cenário legislativo, o que se tem é que até a superveniência do Código Civil de 2002, o laudêmio incidia sobre o valor do terreno, acrescido das benfeitorias e, após a novel legislação, as benfeitorias deixaram de integrar sua base de cálculo. A exclusão das benfeitorias da base de cálculo do laudêmio veio a ser reiterada pela edição da Lei nº 13.240, de 30 de dezembro de 2015, que alterou o artigo 3° do Decreto-lei nº 2.398/1987. A exclusão das benfeitorias da base de cálculo do laudêmio foi mantida também pela Lei nº 13.465/17.

Desse modo, voto pela exclusão das benfeitorias da base de cálculo do laudêmio, tendo em vista que a transferência do imóvel propriamente dita ocorreu em 2007, após o advento do Código Civil de 2002.

Dessa forma, o cálculo do laudêmio deve ser realizado com a exclusão das benfeitorias.

Portanto, voto por dar parcial provimento à apelação, mantendo a cobrança do laudêmio, com exclusão das benfeitorias da sua base de cálculo.

É como voto.


E M E N T A

 

 

 

 

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. RECEITA DECORRENTE DE LAUDÊMIO. COBRANÇA LIMITADA A CINCO ANOS ANTERIORES AO CONHECIMENTO.  TRANSFERÊNCIA DE DIREITOS E OBRIGAÇÕES DECORRENTES DE CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. FATO GERADOR. LAUDÊMIO. FATO GERADOR: REGISTRO DO IMÓVEL. INEXIGIBILIDADE DA EXAÇÃO. RECURSO DE APELAÇÃO PROVIDO.

1. Apelação em mandado de segurança interposta pela União Federal contra sentença que julgou procedente o pedido e concedeu a segurança para determinar o cancelamento do débito referente ao “laudêmio de cessão” exigido pela autoridade impetrada, referente à cessão de direito ocorrida em 12.04.2007, relacionado ao Registro Imobiliário Patrimonial (RIP) n. 6213.0103292-15.

2. O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso especial representativo de controvérsia (REsp 1.133.696 - PE), firmou entendimento no sentido de que as relações de direito material que ensejam o pagamento de taxa de ocupação, foro e laudêmio de terrenos públicos têm natureza eminentemente pública, sendo regidas pelas regras do Direito Administrativo, e que os créditos gerados na vigência da Lei nº 9.821/99 estão sujeitos a prazo decadencial de cinco anos (art. 47), que passou a ser de dez anos após a vigência da lei 11.852/2004, ao passo que o prazo prescricional é de 5 anos, independentemente do período considerado, uma vez que os débitos posteriores a 1998 se submetem ao prazo quinquenal do o artigo 47 da Lei 9.636/98, e os anteriores à vigência da citada lei, se submetem ao prazo previsto no art. 1º do Decreto-Lei n. 20.910/1932.

3. O parágrafo 1º do artigo 47 da Lei nº 9.636/1998 não foi revogado, de sorte que continua vigente a limitação a cinco anos da cobrança de créditos relativos a período anterior ao conhecimento do ocorrido, sob pena de inexigibilidade. Ademais, não se encontra nesse dispositivo nenhuma ressalva quanto à sua aplicação exclusivamente a receitas periódicas.

4. O fato gerador do laudêmio não consiste na celebração do contrato de compra e venda nem na sua quitação, mas sim no registro do imóvel em cartório. Assim, no caso dos autos, somente estão alcançadas pela inexigibilidade as receitas de laudêmio anteriores a cinco anos contados do registro do imóvel. Precedentes.

5. A mera celebração de compromisso de compra e venda não se trata de negócio jurídico hábil a ensejar a transferência do direito real de ocupação do imóvel, não constituindo, portanto, fato gerador da incidência de laudêmio, nos termos o art. 3º, do Decreto-lei nº 2.398/1987, na redação dada pela Lei n. 9.636/98, vigente na data do instrumento particular de cessão de direitos, em respeito ao princípio do “tempus regit actum”.

6. Somente com o advento da Lei n. 13.139/2015, que alterou o disposto no artigo 3º do Decreto-lei 2.398/1987, e demais leis que se sucederam (Lei n. 13.240/2015, Medida Provisória n. 759/2016, Lei n. 13.465/2017), é que a cessão de direito foi incluída como hipótese de incidência do laudêmio, o que não se aplica ao caso, uma vez que o instrumento particular de Promessa de Cessão de Direitos não levado a registro foi firmado em data anterior.

7. A efetiva transferência do domínio útil do imóvel - fato gerador da exação - realizou-se, tão somente, por meio de negócio jurídico celebrado entre o vendedor e o adquirente, havendo o respectivo título translativo foi devidamente levado a registo, consoante certidão de matricula do bem objeto da transação.

8. Somente é exigível o laudêmio em face da efetiva transferência do domínio útil do imóvel, consubstanciada pelo registro do respectivo título translativo no Cartório Registro de Imóveis (artigo 1.227, do Código Civil de 2002). Precedentes.

9. Recurso de apelação desprovido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, prosseguindo no julgamento, nos termos do artigo 942 do Código de Processo Civil, a Primeira Turma, por maioria, negou provimento ao recurso de apelação, nos termos do voto do senhor Juiz Federal Convocado Alexandre Saliba (relator), acompanhado pelo voto do senhor Desembargador Federal Valdeci dos Santos e do senhor Juiz Federal Convocado Alessandro Diaferia; vencidos o senhor Desembargador Federal Wilson Zauhy e a senhora Juíza Federal Convocada Audrey Gasparini, que lhe davam parcial provimento, mantendo a cobrança do laudêmio, com exclusão das benfeitorias da sua base de cálculo, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.