Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000965-40.2019.4.03.6002

RELATOR: Gab. 03 - JUIZ CONVOCADO RENATO BECHO

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

APELADO: L. D. M. D.

Advogados do(a) APELADO: JACQUES CARDOSO DA CRUZ - MS7738-A, JESSICA VASCAM DE AZEVEDO - MS24265-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000965-40.2019.4.03.6002

RELATOR: Gab. 03 - JUIZ FED. CONVOCADO RENATO BECHO

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

 

APELADO: L. D. M. D.

Advogados do(a) APELADO: JACQUES CARDOSO DA CRUZ - MS7738-A, JESSICA VASCAM DE AZEVEDO - MS24265-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

Trata-se de Apelação interposta pela UNIÃO em face da sentença (ID136520026) proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal de Dourados/MS, que julgou procedente o pedido, ratificando a tutela de urgência,  com a condenação da UNIÃO ao restabelecimento do ressarcimento de despesas pelo FUSEX do tratamento multidisciplinar para autismo, nos moldes da Instruções Reguladoras para a Assistência Médico-Hospitalar aos Beneficiários do Fundo de Saúde do Exército (IR 30-38) e da reparação por danos morais e materiais decorrentes da negativa, nos seguintes termos:

(...)

Pelo exposto, nos termos do art. 487, I, CPC, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido, confirmando a tutela provisória concedida, nos termos da Decisão – ID  18286973, impondo à UNIÃO, a obrigação de fazer consubstanciada no restabelecimento do ressarcimento das despesas do tratamento nos moldes da IR 30-38, sem limitação do número de sessões, nos termos prescritos pelos médicos do Requerente.

Ainda, condena-se à União a:

- reparar os danos morais no importe de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), sobre o qual incidirão correção monetária a partir do arbitramento e os juros de mora a partir do evento danoso – interrupção da cobertura em abril/2019 – (súmulas 54 e 362 do Superior Tribunal de Justiça), calculados nos moldes do Manual de Cálculos da Justiça Federal.

- ressarcir os danos materiais em valor a ser apurado, ante a negativa de ressarcimento, seja em decorrência da não cobertura ou da imposição de limitação de sessões, na proporção da IR 30-38 (art. 68), com correção a partir do desembolso. Quanto a tais valores os juros moratórios devem fluir a partir do evento danoso (nos termos do art. 398 do CC/02 e da súmula 54 do STJ) e a correção monetária incide a partir da data do efetivo prejuízo (conforme súmula 43 do e. STJ), calculados nos moldes do Manual de Cálculos da Justiça Federal.

Causa não sujeita a custas.

A requerida é condenada ao pagamento de honorários de sucumbência de 10% do valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, §§ 2º e 3º, I, do Código de Processo Civil.(...)

 

A UNIÃO, em ID 136520141, informou que desde o dia 01.01.2019 já existe uma OCS credenciada (EXPANSÃO – NÚCLEO ESPECIALIZADO DE DESENVOLVIMENTO INFANTIL – EIRELI) com capacidade de realizar os tratamentos do autor pelo método ABA, que atende as necessidades clínicas do autor. Deste modo, pugnou pela alteração do cumprimento da tutela provisória, a fim de que o autor tenha o seu tratamento submetido ao NÚCLEO ESPECIALIZADO DE DESENVOLVIMENTO INFANTIL – EIRELI, organização civil de saúde credenciada junto ao FUSEX.

Em decorrência de fato novo superveniente, consistente no credenciamento Organização Civil de Saúde (EXPANSÃO – NÚCLEO ESPECIALIZADO DE DESENVOLVIMENTO INFANTIL – EIRELI) com capacidade de realizar os tratamentos do autor pelo método ABA, que atenderia as necessidades clínicas do autor, o MM Juiz, após manifestação da parte autora, pois termo à obrigação de ressarcimento das despesas realizadas com a terapia ABA por profissional não credenciado, revogando parcialmente a tutela de urgência deferida e confirmada na sentença.

Em razões de apelação (Id 136520145), a UNIÃO alega:

 - fato novo relevante consistente na contratação administrativa, desde 01.09.2019,  de pessoa jurídica com profissionais habilitados a ministrar os mesmos tipos de sessões terapêuticas diretamente contratadas pelos pais do autor e que implica a viabilidade de fruição dos serviços terapêuticos por entidade credenciada à rede de contratados pelo FUSEx;

- por conseguinte, a sentença merece ser alterada quanto ao “modo” de assistir o autor: ao invés de reembolso, seja modificada para assistência direta por credenciada atualmente contratada e enquanto houver credenciada apta as terapias de que necessita o autor e sem limitação quantitativa;

-  descabimento de imposição de dano moral, uma vez que somente houve interrupção do recebimento do reembolso, não houve descontinuidade das sessões terapêuticas e prejuízo à saúde mental do autor (menor impúbere);

- flagrante o erro de julgamento ao preceituar-se que os juros de mora devem ser computados a partir do evento danoso, enunciado nº 54 do STJ, o que pressupõe responsabilidade extracontratual, como se não existisse relação jurídico-material de administração entre o FUSEx (leia-se União) e o autor;

- mantida a reparação por dano moral, deve ser reformada a preceituação quanto ao termo inicial dos juros de mora, afastando-se a aplicação da súmula n. 54 do STJ e computado a partir da citação.

Com contrarrazões vieram os autos a este Regional.

Em parecer (Id 153243344), o MPF opinou pelo parcial provimento da apelação interposta pela UNIÃO FEDERAL.

Dispensada a revisão, nos termos regimentais.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 


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V O T O

 

 

Adiro ao entendimento do Exmo. Des. Fed. Hélio Nogueira:

Consta da inicial que o autor, LUIS DANIEL MADEIRO DIAS, menor, filho de militar,  após ser diagnosticado com transtorno do espectro autista iniciou tratamento multidisciplinar com fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e comportamentais, profissionais estes não credenciados do FUSEX.

O custo do tratamento, no valor de R$ 4.680,00, é pago pelos pais e o reembolso parcial era solicitado ao FUSEX por meio do procedimento previsto no artigo 21 da Instrução Regulamentadora 30-40 FUSEX, com o preenchimento de formulário para reembolso de valores até o dia 20 de cada mês, sendo a análise feita no mesmo mês e o reembolso programado para o mês subsequente.

Tal situação perdurou até 04.2019, quando houve a negativa do reembolso de acordo com do Parecer Técnico da Diretoria da Saúde do Exército Brasileiro, o Parecer Técnico nº 062 - D Sau/SRAM, o qual, a parte alega, posicionou-se “de modo desfavorável ao atendimento de saúde aos portadores de Transtorno de Espectro Autista nas áreas de reabilitação física e psicológica por meio do reembolso parcial feito pelo FUSEx”, inviabilizando o tratamento.

Refere que há  obrigatoriedade e garantia de tratamento trazido por leis e regulamentos próprios dos militares, mesmo que não sejam realizados dentro das próprias unidades de saúde militares, devem ocorrer em rede de tratamento particular e depois reembolsados pelo FUSEx.

Alega que o ressarcimento deveria ser integral e não parcial como vinha sendo feito, ou seja, limitado a 80% do valor das sessões realizadas, nos termos do artigo 38 da Portaria nº 048 – DGP de 28 de fevereiro de 2008, bem como com número restrito de sessões: 80% de 8 sessões de fonoaudiologia, 80% de 8 sessões de terapia ocupacional e 80% de 4 sessões de terapia comportamental intensiva domiciliar.  

Aduz, ainda, a parte autora, na inicial, que a negativa de atendimento além de gerar prejuízos à saúde, gera inequívoca ofensa à honra e dignidade do contratante, merecendo reparo indenizatório via dano moral.

Pleiteou deste modo:

1.Seja concedida a antecipação de tutela, para fins de determinar o IMEDIATO RESTABELECIMENTO DA COBERTURA DO TRATAMENTO PELA REQUERIDA EM SUA TOTALIDADE[4], nos mesmos termos e condições previstos pelos médicos do Requerente sob pena de multa diária, quais sejam: 8 sessões mensais de fonoaudiologia; 12 sessões mensais de terapia ocupacional; 20 sessões mensais de terapia comportamental intensiva domiciliar;

2. Ao final, contestados ou não, SEJA JULGADO TOTALMENTE PROCEDENTE os pedidos formulados por via desta ação a fim de confirmar a tutela antecipada, compelir a Requerida a garantir o tratamento do Requerente em sua totalidade e sem limitação do número de sessões nos termos prescritos pelos médicos do Requerente;

3. Tendo em vista o direito do Requerente em ter o seu tratamento coberto na totalidade requer o pagamento retroativo referentes as diferenças pagas pelo tratamento, que perfaz o montante de R$ 33.280,00 (trinta e três mil e duzentos e oitenta reais) - conforme planilha anexa;

4. Subsidiariamente, caso não seja o entendimento de Vossa Excelência, pelo reembolso da totalidade do tratamento, pugna pelo reestabelecimento do tratamento nos exatos termos previstos nas portarias, bem como, sem limitação do número de sessões nos termos prescritos pelos médicos do Requerente;

5. Nos termos do art. 292, inciso V do Código de Processo Civil, requer a condenação da Requerida ao pagamento de danos morais no valor de R$ 24.000,00 (vinte e quatro mil reais);

6. A prioridade de tramitação, por se tratar de interessado portador de deficiência nos termos do artigo 9º, inciso VII da lei nº 13.146/2015;

 

A UNIÃO justificou a negativa nos seguintes termos:

(...)as Instruções Reguladoras para o Processamento do Ressarcimento e da Restituição pelo FUSEx (IR 30-40), aprovadas pela Portaria nº 050-DGP, de 28 de fevereiro de 2008 (anexo), dispõem no seu artigo 3º que “O ressarcimento de despesas realizadas por beneficiário do FUSEx somente ocorrerá nos casos previstos nas IG 30-32”. Neste ínterim, o artigo 22 das IG 30-32 estabelece que “Os ressarcimentos aos contribuintes do FUSEx serão efetuados apenas quando os atendimentos aos beneficiários forem realizados por OCS, PSA ou estabelecimento comercial especializado e de acordo com a regulamentação específica”. Em relação às IG 30-32, o parágrafo 1º, do artigo 11, inclui áreas da saúde de interesse dos portadores de NE Esp na Assistência Médico-Hospitalar (AMH). Todavia, as IR 30-38, ao legislar sobre o atendimento nas áreas de reabilitação física e psicológica condicionam o atendimento desses beneficiários a regulamentação específica (percebe-se que a intenção do legislador não foi aplicar as regras de limitação da cobertura do atendimento para este universo nos casos de encaminhamento). Deste modo, quis o legislador das IR 30-38 conduzir o atendimento de saúde multidisciplinar especializado, nas áreas de reabilitação física e psicológica, aos beneficiários do FuSEx portadores de NE Esp à regulamentação específica, por força do artigo 40. 4. Tanto é verdade que, em caso de hospitalização, a cobertura e indenização somente dar-se-á quando os portadores de NE Esp forem acometidos por patologias sem relação com a deficiência de base. Tal ilação, contudo, não impede que os portadores de NE Esp se utilizem das normas de Atendimento Médico-Hospitalar (AMH) para tratamento de saúde não específico, ou seja, sem relação com a patologia de base, nas áreas de reabilitação física e psicológica estabelecidas no Capítulo V das IR 30-38, utilizando-se dos métodos tradicionais empregados pelos profissionais da OM ou OMS e da rede credenciada ao FuSEx, atendendo os limites de cobertura estabelecidos no artigo 38. Por conseguinte, é sabido que o atendimento aos portadores de NE Esp realizados pelas Instituições de Ensino Especiais (IE Esp) requer destes, um grupo multidisciplinar de profissionais da saúde (fisioterapeuta, fonoaudiólogo, psicoterapeuta, terapeuta ocupacional, psicopedagogo, etc.), que utilizam métodos especializados no tratamento e acompanhamento diário do desenvolvimento da saúde desta clientela, de tal forma que a assistência ao ensino e a assistência à saúde são indissociáveis e necessárias no atendimento efetivo aos portadores de NE Esp.

Cumpre ressaltar que as IR 30-53, legislação específica sobre o tema, tratam no artigo 6º dos objetivos da assistência dando enfoque maior ao ensino, mas o caput do artigo 7º não exclui a parte da assistência médica, que tenha relação com a patologia de base, ou seja, relacionadas ao atendimento específico, cuja forma de custeio das despesas dar-se-á através das Quotas de Assistência (QA) e Quotas de Participação (QP), pagas pelo Departamento-Geral do Pessoal (DGP) e o beneficiário titular. Desta forma, ao transplantar as necessidades de assistência ao ensino e de saúde relacionadas à patologia de base dos portadores de NE Esp para as IR 30-53, que regula especificamente a matéria, não se previu hipótese de ressarcimento que tenha amparo legal nas IR 30-40 ora vigente. Ante o exposto, os dependentes diretos de militares e pensionistas, com diagnóstico de TEA, são em potencial enquadrados nas “condutas típicas”, prevista no item II, artigo 3º, das IR 30- 35, considerados portanto, portadores de NE Esp, fazendo-se jus ao benefício assistencial tratado na referida norma. Diante disso, e adstrito ao princípio da legalidade, insculpido no art. 37, caput, da Constituição Federal, é que a Seção de Regulação e Auditoria de Contas Médicas da Diretoria de Saúde do Exército emitiu o Parecer Técnico n. 062, de 14/02/2019, juntado aos autos pelo autor, no sentido de ser “DESFAVORÁVEL ao atendimento de saúde específico (patologia de base) dos beneficiários portadores de NE Esp, nas áreas de reabilitação física e psicológica, através de encaminhamento para OCS e PSA pelo FUSEx, assim como é DESFAVORÁVEL às hipóteses de ressarcimento das despesas relacionadas ao atendimento de ensino e saúde, que tenha relação com a patologia de base, por não haver previsão legal na legislação específica (IR 30-53), que não seja o rateio do custo dessas despesas através das QA e QP, conforme dispõem os incisos X e XI, do artigo 3º, das IR 30-53, pagas pelo DGP e o beneficiário titular às IE Esp credenciadas”.

O MM Juiz a quo, em sentença proferida em 25.03.2020,  condenou a UNIÃO  ao restabelecimento do reembolso das despesas do tratamento nos moldes da IR 30-38, sem limitação do número de sessões, nos termos prescritos pelos médicos da parte autora, à reparação por dano moral e danos material pela negativa de ressarcimento do tratamento, destacando a inexistência nas normas de regência de previsão “da forma de ressarcimento das despesas relacionadas à assistência médica da patologia de base”  para os portadores de necessidade especiais, enfatizando que as normas de regência apenas estabelecem forma de custeio voltada para as atividades educacionais. Quanto às limitações de sessões, considerou que as previstas no art. 38, da IR 30-38, especialmente em seu inciso III, “não são compatíveis com o tratamento contínuo do autor e, portanto, não devem ser aplicadas”. Por fim, considerou que a negativa de tratamento contínuo e a incompletude dos normativos internos referentes aos portadores de necessidades especiais geram uma “proteção insuficiente aos beneficiários que possuem esta condição, o que revela conduta discriminatória por parte da requerida, merecendo reparo indenizatório”.

Deste modo condenou a UNIÃO A:

- obrigação de fazer consubstanciada no restabelecimento do ressarcimento das despesas do tratamento nos moldes da IR 30-38, sem limitação do número de sessões, nos termos prescritos pelos médicos do Requerente;

- reparar os danos morais no importe de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), sobre o qual incidirão correção monetária a partir do arbitramento e os juros de mora a partir do evento danoso – interrupção da cobertura em abril/2019 – (súmulas 54 e 362 do Superior Tribunal de Justiça), calculados nos moldes do Manual de Cálculos da Justiça Federal.

- ressarcir os danos materiais em valor a ser apurado, ante a negativa de ressarcimento, seja em decorrência da não cobertura ou da imposição de limitação de sessões, na proporção da IR 30-38 (art. 68), com correção a partir do desembolso. Quanto a tais valores os juros moratórios devem fluir a partir do evento danoso (nos termos do art. 398 do CC/02 e da súmula 54 do STJ) e a correção monetária incide a partir da data do efetivo prejuízo (conforme súmula 43 do e. STJ), calculados nos moldes do Manual de Cálculos da Justiça Federal.

 Posteriormente, em decorrência de fato novo superveniente, consistente no credenciamento Organização Civil de Saúde (EXPANSÃO – NÚCLEO ESPECIALIZADO DE DESENVOLVIMENTO INFANTIL – EIRELI) com capacidade de realizar os tratamentos do autor pelo método ABA, que atenderia as necessidades clínicas do autor, o MM Juiz, após manifestação da parte autora, pois termo à obrigação de ressarcimento das despesas realizadas com a terapia ABA por profissional não credenciado, revogando parcialmente a tutela de urgência deferida e confirmada na sentença, bem como determinou o ressarcimento das despesas efetuadas até 31.07.2020 e manteve a determinação de ressarcimento pelas despesas de fonoaudiologia e terapia ocupacional realizadas, do seguinte modo:

(...) 1) O credenciamento, junto ao FUSEX, de entidade de saúde capacitada para realizar intervenção comportamental método ABA põe termo à obrigação de ressarcimento das despesas realizadas com a terapia ABA por profissional não credenciado. 

Não se pode olvidar que o direito ao ressarcimento de despesas em OCS/PSA não conveniados é uma consequência do exaurimento da possibilidade de atendimento à demanda na OMS ou rede contratada, credenciada ou conveniada local, em caráter eletivo (art. 11, IV, da IG 30-32). Com a superveniência de credenciamento de organização de saúde com aptidão para realizar o tratamento requerido, tem fim o direito ao ressarcimento (CPC, 493). 

O autor tem direito ao ressarcimento de tudo o que já foi pago por despesas de intervenção comportamental método ABA até o dia 31/07/2020.

A utilização dos serviços prestados pela clínica credenciada é faculdade do autor. Eventual alegação de interrupção do tratamento com o profissional anterior constitui mero dissabor e não prevalece em relação ao princípio da legalidade. A norma legal é clara em dar primazia à utilização dos serviços prestados e conveniados ao FUSEX (art. 7º e 9º do Decreto 92.512/86). 

Eventuais contrariedades e alegações de imprestabilidade da credenciada para prestação do serviço de saúde de intervenção comportamental ABA demandam instrução probatória e vão além da causa de pedir destes autos. Sendo assim, em atenção ao princípio da adstrição, devem ser trazidas à juízo por meio de processo de conhecimento. 

Remanesce o direito de ressarcimento pelas despesas realizadas com fonoaudiólogo e terapeuta ocupacional, eis que não foram trazidas informações sobre capacidade do instituto quanto a estas especialidades. 

Serve-se desta como ofício ao Exército em Dourados – 4ª Brigada de Cavalaria Mecanizada - para restabelecimento do ressarcimento das despesas de saúde de Luis Daniel Madeiro Dias, filho do militar Barbaro Bianco de Olivera Dias,  em 15 dias, sob pena de multa de R$ 500,00 por dia de atraso. 

Autoriza-se o envio pelo meio mais expedito. 

O ressarcimento de despesas relativas à intervenção comportamental método ABA terminará em 31/07/2020, prazo razoável para que o autor, querendo, realize os procedimentos administrativos de adesão à clínica.(...)

 

A UNIÃO, em ID 136787530, juntou aos autos contrato de credenciamento da empresa Expansão – Núcleo Especializado de Desenvolvimento Infantil e documentos que apontam que a referida OCS possui em seu corpo clínico profissionais especializados nas áreas de Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia e Psicoterapia.

Manifestou-se a apelada em ID 143795340.

Pois bem.

Por primeiro, cumpre anotar que o a jurisprudência da Corte Superior é firme no sentido de que, nos termos do art. 493 do Código de Processo Civil, o fato não considerado na sentença que possa influir na solução do litígio, deve ser sopesado pelo Tribunal competente ao julgar a lide, desde que não altere a causa petendi.

Como bem pontuou o órgão ministerial, os órgãos jurisdicionais de 1ª, como de 2ª instância possuem competência para analisar provas ou fatos supervenientes, posto que  “para o julgador conceder a prestação jurisdicional (conclusão) adequada, ao empregar o raciocínio silogístico de aplicar a norma (premissa maior), aos fatos (premissa menor), deve fazê-lo em conformidade à situação no momento da solução da lide” , sendo irrazoável exigir que o apelante entre com uma nova ação, para alegar um fato superveniente que pode ser examinado pelo tribunal e sobre o qual as partes já se manifestaram em sede recursal.

Na hipótese, a UNIÃO trouxe aos autos informação de que já há Organização Civil de Saúde (OCS) credenciada ao FUSEX apta a fornecer tratamento médico para os casos de espectro autista o que incontestavelmente é um dado que possui aptidão para influir no julgamento da presente lide, e portanto não poderá ser desconsiderado.

Também é fato que o Decreto n. 92.512/86 autoriza o atendimento por profissionais e clinicas não credenciadas em situações de urgência, emergência e diante da indisponibilidade de profissionais credenciados e mediante autorização prévia da autoridade militar competente.

De outro turno, deve-se priorizar o adimplemento de deveres relacionados a prestações concretizadoras de direitos fundamentais por parte do Estado, notadamente quando se tratam de mandamentos constitucionais que visam, em sentido amplo, à tutela da dignidade da pessoa humana.

A Lei n. 12.764/2012 dispõe que a pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, enumera as diretrizes de políticas públicas voltadas a atendê-las, bem como define, de modo expresso, os respectivos direitos. Confira-se:

Art. 1º Esta Lei institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista e estabelece diretrizes para sua consecução.

§ 1º Para os efeitos desta Lei, é considerada pessoa com transtorno do espectro autista aquela portadora de síndrome clínica caracterizada na forma dos seguintes incisos I ou II:

I - deficiência persistente e clinicamente significativa da comunicação e da interação sociais, manifestada por deficiência marcada de comunicação verbal e não verbal usada para interação social; ausência de reciprocidade social; falência em desenvolver e manter relações apropriadas ao seu nível de desenvolvimento;

II - padrões restritivos e repetitivos de comportamentos, interesses e atividades, manifestados por comportamentos motores ou verbais estereotipados ou por comportamentos sensoriais incomuns; excessiva aderência a rotinas e padrões de comportamento ritualizados; interesses restritos e fixos.

§ 2º A pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais.

§ 3º Os estabelecimentos públicos e privados referidos na Lei nº 10.048, de 8 de novembro de 2000, poderão valer-se da fita quebra-cabeça, símbolo mundial da conscientização do transtorno do espectro autista, para identificar a prioridade devida às pessoas com transtorno do espectro autista.            (Incluído pela Lei nº 13.977, de 2020)

Art. 2º São diretrizes da Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista:

I - a intersetorialidade no desenvolvimento das ações e das políticas e no atendimento à pessoa com transtorno do espectro autista;

II - a participação da comunidade na formulação de políticas públicas voltadas para as pessoas com transtorno do espectro autista e o controle social da sua implantação, acompanhamento e avaliação;

III - a atenção integral às necessidades de saúde da pessoa com transtorno do espectro autista, objetivando o diagnóstico precoce, o atendimento multiprofissional e o acesso a medicamentos e nutrientes;

IV - (VETADO);

V - o estímulo à inserção da pessoa com transtorno do espectro autista no mercado de trabalho, observadas as peculiaridades da deficiência e as disposições da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente);

VI - a responsabilidade do poder público quanto à informação pública relativa ao transtorno e suas implicações;

VII - o incentivo à formação e à capacitação de profissionais especializados no atendimento à pessoa com transtorno do espectro autista, bem como a pais e responsáveis;

VIII - o estímulo à pesquisa científica, com prioridade para estudos epidemiológicos tendentes a dimensionar a magnitude e as características do problema relativo ao transtorno do espectro autista no País.

Parágrafo único. Para cumprimento das diretrizes de que trata este artigo, o poder público poderá firmar contrato de direito público ou convênio com pessoas jurídicas de direito privado.

Art. 3º São direitos da pessoa com transtorno do espectro autista:

I - a vida digna, a integridade física e moral, o livre desenvolvimento da personalidade, a segurança e o lazer;

II - a proteção contra qualquer forma de abuso e exploração;

III - o acesso a ações e serviços de saúde, com vistas à atenção integral às suas necessidades de saúde, incluindo:

a) o diagnóstico precoce, ainda que não definitivo;

b) o atendimento multiprofissional;

c) a nutrição adequada e a terapia nutricional;

d) os medicamentos;

e) informações que auxiliem no diagnóstico e no tratamento;

IV - o acesso:

a) à educação e ao ensino profissionalizante;

b) à moradia, inclusive à residência protegida;

c) ao mercado de trabalho;

d) à previdência social e à assistência social.

Parágrafo único. Em casos de comprovada necessidade, a pessoa com transtorno do espectro autista incluída nas classes comuns de ensino regular, nos termos do inciso IV do art. 2º , terá direito a acompanhante especializado.

 

Imperiosa a ponderação das circunstâncias do caso concreto, sob pena de incorrer-se em inobservância às normas fundamentais do ordenamento: “ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência” (art. 8º, do Código de Processo Civil – g.n.).

Neste contexto, considero que, inobstante a realização do tratamento em rede conveniada seja eventualmente mais econômico para FUSEX e haja possibilidade de composição de equipe multidisciplinar para o tratamento do autor na OCS credenciada, pois possui profissionais na área de psicologia, terapia ocupacional, fonoaudiologia, pedagogia e educação física, há de ressaltar que o Transtorno do Espectro Autista (TEA) que acomete o filho do militar, como consabido, compreende dentre outros dificuldade de comunicação e sociabilização e que o paciente em questão  uma criança de tenra idade, sendo de suma importância o vínculo terapeuta-paciente.

Neste contexto, não há como ignorar que a migração repentina do tratamento para a rede credenciada implicaria na interrupção planejamento terapêutico iniciado em 2017 com os profissionais que acompanham o menor desde então, prejudicando a continuidade e a evolução.

Há que se ressaltar, ainda, que o tratamento somente foi iniciado fora da rede credenciada pela indisponibilidade de profissionais credenciados e não por simples opção dos pais do menor.

Como anotado pelo órgão ministerial, Instruções Gerais para o Fundo de Saúde do Exército (IG) estabelecem uma ordem de preferência no fornecimento de tratamento médico aos beneficiários do FUSEx, consistente em: i) atendimento nas OM/OMS; ii) na impossibilidade de atendimento nas OM/ OMS, o atendimento será realizado em OCS/PSA contratados, credenciados ou conveniados, por solicitação de médico militar, e; iii) esgotadas as possibilidades de atendimento na rede conveniada, é facultado ao beneficiário o atendimento em OCS/PSA não conveniados mediante ressarcimento das despesas, desde que autorizado pela Região Militar. 

 Destaco, ainda que no art. 11, §7º das Instruções reguladoras para processamento do Ressarcimento e da Restituição do FUSEX consta que :“nos caSos em que o beneficiário optar pelo atendimento em prestador de serviço não conveniado ou não contratado, além dos documentos listados no caput deste artigo, os processos de solicitação de ressarcimento deverão conter documento da RM autorizando o procedimento.”

Neste contexto, considero que a resolução da lide perpassa pela ponderação dos princípios da legalidade e da dignidade da pessoa humana.

Deste modo, entendo que a manutenção do regime de reembolso, nos moldes do art. 68, das Instruções Reguladoras para a Assistência Médica Hospital, que impõe o limite de 80% ao ressarcimento, é o que melhor se adequa à hipótese, posto que se enquadra nos normativos militares, além de garantir a efetividade do tratamento multidisciplinar do menor pela continuidade do mesmo e manutenção do vínculo com os terapeutas, consideradas as particularidades do transtorno autista.

Por conseguinte, deve ser restabelecida a obrigação de ressarcimento das despesas realizadas com a terapia ABA por profissional não credenciado, nos moldes nos moldes da IR 30-38, sem limitação do número de sessões, nos termos prescritos pelos médicos do Requerente.

Danos morais

Inicialmente, convém salientar que o dano moral representa uma verdadeira transgressão à esfera subjetiva do indivíduo, materializada por intermédio de violação aos seus direitos da personalidade, acarretando-lhe dor, angústia, desespero e outras sensações de dissabor conectadas com o sofrimento humano, merecendo a mais ampla forma de reparação, nos termos do art. 5º, X, da CF/88 e nos arts. 186 a 188 c/c arts. 927 e ss, todos do atual Código Civil.   

Na hipótese, entendo descabidos.

De fato, como bem anotou o MPF não houve interrupção nos tratamentos, apenas o não recebimento do reembolso por dois meses consecutivos, o que não enseja a reparação por dano moral, devendo ser modificada a sentença no ponto, em vista da não comprovação.

Juros moratórios

Nos termos da Súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça os juros de mora fluem a partir do evento danos no caso de responsabilidade contratual, devendo a sentença ser mantida quanto ao ponto, no que tange ao dano material.

Encargos sucumbência

A distribuição do ônus da sucumbência deve ser mantida na forma estabelecida em sentença, ante a sucumbência mínima da parte autora.

Não incidência do art.85, §11, do CPC, pelo não preenchimento dos requisitos cumulativos, posto que, de acordo com precedentes do Colendo STJ, somente cabe a referida majoração nos casos de não conhecimento integral do recurso ou de desprovimento do mesmo.

Dispositivo

Ante o exposto, dou parcial provimento ao apelo da UNIÃO, apenas aa afastar o dano moral.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000965-40.2019.4.03.6002

RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. TORU YAMAMOTO

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

 

APELADO: L. D. M. D.

Advogados do(a) APELADO: JESSICA VASCAM DE AZEVEDO - MS24265-A, JACQUES CARDOSO DA CRUZ - MS7738-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

O Exmo. Desembargador Federal Toru Yamamoto (Relator):

 

Verifico, em juízo de admissibilidade, que o recurso ora analisado mostra-se formalmente regular, motivado (artigo 1.010 CPC) e com partes legítimas, preenchendo os requisitos de adequação (art. 1009 CPC) e tempestividade (art. 1.003 CPC). Assim, presente o interesse recursal e inexistindo fato impeditivo ou extintivo, recebo-o e passo a apreciá-lo nos termos do artigo 1.011 do Código de Processo Civil.

 

A controvérsia recursal cinge-se à existência de fato superveniente a embasar a reforma da decisão, qual seja, o credenciamento de rede multidisciplinar para atendimento ao tratamento de saúde do autor, menor impúbere diagnosticado com Transtorna do Espectro Autista (TEA), filho de militar, além de configuração de dano moral e do termo inicial de incidência de juros moratórios nas condenações pecuniárias.

 

Infere-se dos autos que o apelado, nascido em 10/07/2015 (ID 136519995, p. 20), é filho de militar, sendo dependente e beneficiário do FUSEx (ID 136519995, p. 21/22) e que, devido ao diagnóstico de autismo infantil (ID 136519995, p. 27/37), submete-se a tratamento multidisciplinar com profissionais autônomos (ID 136519995, p. 38/39), tendo em vista falta de rede credenciada no Fundo, sendo reembolsado em 80% dos gastos em até 30 dias.

 

Contudo, o reembolso das despesas com equipe multidisciplinar foi suspenso pelo FUSEx, com fundamento no Parecer Técnico nº 062-D Sal/SRAM (ID 136519995, p. 42/45) desfavorável ao atendimento de saúde aos portadores de Transtorno de Espectro Autista nas áreas de reabilitação física e psicológica.

 

Após a prolação da r. sentença, em razões de apelação, a União informou o credenciamento de rede multidisciplinar com profissionais habilitados no tratamento médico/terapêutico necessário ao autor (ID 136520146), pleiteando que “as sessões terapêuticas multidisciplinares sejam realizadas por entidade credenciada ao FUSEx”. Ato contínuo, em nova manifestação (ID 136787530), a apelante colacionou cópia do Termo de Credenciamento (ID 136787999).

 

De saída, noto que o apelado exerceu seu direito ao contraditório em ambos os atos processuais (ID 136520161 e 143795340), alegando que tal suposto fato ocorreu em momento anterior à pronunciação definitiva do juízo a quo, razão pela qual não pode ser entendido como fato novo e que a juntada de mais provas para modificar o resultado do julgamento da demanda configura abuso de poder.

 

Todavia, assiste razão ao apelante.

 

No caso dos autos, o credenciamento de rede/clínica com profissionais multidisciplinares habilitados no tratamento do autor, portador de TEA, somente ocorreu após o ajuizamento da ação e depois de apresentada a contestação pela União, sendo oportunizado à apelante falar novamente nos autos somente em sede recursal, já que o feito teve seu julgamento antecipado, diante da desnecessidade de produção de provas, e não houve apresentação de alegações finais pelas partes.

 

Além do mais, observa-se que a matéria versada nos presentes autos é de interesse público a autorizar seu conhecimento de ofício.

 

Nesse sentido:

 

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. JUNTADA DE DOCUMENTOS NOVOS. POSSIBILIDADE. MULTA COMINATÓRIA. FIXAÇÃO NA TUTELA ANTECIPADA. CONDIÇÃO RESOLUTIVA. PLEITO IMPROCEDENTE. INSUBSISTÊNCIA DA MEDIDA COERCITIVA. EFEITO RETROATIVO. PRECLUSÃO DA QUESTÃO. NÃO OCORRÊNCIA. EXAME DE OFÍCIO.

1. A jurisprudência deste Tribunal Superior é no sentido de ser possível a juntada de documentos novos na fase recursal, desde que não se trate de documento indispensável à propositura da ação, não haja má-fé na ocultação do documento e seja ouvida a parte contrária.

2. As astreintes fixadas em antecipação de tutela ficam pendentes de condição resolutiva, qual seja, a procedência do pedido principal. Logo, se improcedente o pleito formulado na ação, a multa cominatória perde efeito retroativamente. Precedentes.

3. A decisão que arbitra astreintes não faz coisa julgada material, visto que é apenas um meio de coerção indireta ao cumprimento do julgado, podendo ser modificada a requerimento da parte ou de ofício, seja para aumentar ou diminuir o valor da multa ou, ainda, para suprimi-la.

4. Agravo regimental não provido.

(AgRg no REsp 1362266/AL, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/09/2015, DJe 10/09/2015)

 

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO. ART. 1.021 DO CPC. PENSÃO POR MORTE. FILHO INVÁLIDO. INVALIDEZ APÓS A EMANCIPAÇÃO CIVIL / MAIORIDADE. INCAPACIDADE PARA O LABOR. COMPROVAÇÃO. JUNTADA DE DOCUMENTOS APÓS A PROLAÇÃO DA SENTENÇA. POSSIBILIDADE.

I – A decisão agravada apreciou a questão suscitada pela Autarquia com clareza, tendo firmado posição no sentido de que o filho inválido faz jus à pensão por morte e que a legislação não estabelece, para os filhos que se encontram em tal situação, a exigência cumulativa de que a invalidez seja anterior à maioridade.

II - O que justifica a manutenção do benefício de pensão por morte é a situação de invalidez do requerente e a manutenção de sua dependência econômica para com a pensão deixada pelo instituidor, sendo irrelevante o momento em que a incapacidade para o labor tenha surgido, ou seja, se antes da maioridade ou depois.

III – O laudo médico-pericial judicial elaborado por especialista em psiquiatria nos autos da ação em que o demandante pleiteia a concessão de benefício previdenciário por incapacidade atesta que aquele apresenta quadro psicopatológico compatível com diagnóstico de Transtorno Psicótico Orgânico (F06.2 de acordo com a CID10) associado a doença neurológica de base Epilepsia (G40 – CID10), encontrando-se incapaz, de forma total e permanente, desde 06.12.2016.

IV – A juntada de documentos apenas em momento posterior às razões de apelação não impede o conhecimento do seu teor, diante do comando legal contido no artigo 435 do Código de Processo Civil, até porque foi dada vista à parte adversa, respeitando-se o contraditório.

V - O juiz não está adstrito ao disposto no laudo pericial judicial produzido nos próprios autos, podendo, segundo sua livre convicção, decidir de maneira diversa.

VI – Agravo do INSS (art. 1.021 do CPC) improvido.

(TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5170259-93.2020.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal SERGIO DO NASCIMENTO, julgado em 30/09/2020, Intimação via sistema DATA: 02/10/2020)

                                        

Superada tal questão, verifica-se que a Lei nº 6.880/80 garante aos militares e aos seus dependentes o direito à assistência médico-hospitalar:

 

“Art. 50. São direitos dos militares:

(...)

 IV - nas condições ou nas limitações impostas por legislação e regulamentação específicas, os seguintes:   (Redação dada pela Lei nº 13.954, de 2019)

(…)

e) a assistência médico-hospitalar para si e seus dependentes, assim entendida como o conjunto de atividades relacionadas com a prevenção, conservação ou recuperação da saúde, abrangendo serviços profissionais médicos, farmacêuticos e odontológicos, bem como o fornecimento, a aplicação de meios e os cuidados e demais atos médicos e paramédicos necessários;”

 

Tal assistência médico-hospitalar detém como regulamento geral o Decreto nº 92.512/86 e, como regulamentos específicos as Instruções Gerais para o Fundo de Saúde do Exército (IG).

 

As Instruções Gerais para o Fundo de Saúde do Exército (IG 30-32), aprovadas pela Portaria nº 653/2005, dispõe:

 

Art. 3º Para os efeitos destas IG, define-se:

I - assistência médico-hospitalar – é o conjunto de atividades relacionadas com a prevenção de doenças, com a conservação ou recuperação da saúde e com a reabilitação dos pacientes, abrangendo os serviços profissionais médicos, odontológicos e farmacêuticos, o fornecimento e a aplicação de meios, os cuidados e os demais atos médicos e paramédicos necessários;

II - beneficiários do FUSEx – são os(as) militares do Exército, na ativa ou na inatividade, as(os) pensionistas, que são contribuintes do FUSEx, bem como os seus dependentes instituídos, de acordo com os arts. 4º, 5º e 6º destas IG, como também os incluídos legalmente com base em IG anteriores;

III - capacidade de pagamento – é o limite estabelecido para o pagamento de despesas médico-hospitalares por parte do beneficiário titular, conforme estabelecido em regulamentação específica;

(...)

VII - contribuintes ou beneficiários titulares ou titulares – são os militares do Exército na ativa, os na inatividade e os(as) pensionistas de militares, que contribuem para o Fundo de Saúde do Exército;

VIII - dependência econômica - para fins de cadastramento no FUSEx, é a situação em que uma pessoa vive às expensas de um(a) contribuinte, em razão da inexistência ou insuficiência de rendimentos para o sustento próprio, sendo que, para efeito de cadastramento no CADBEN/FUSEx, a dependência econômica fica configurada quando o valor máximo dos rendimentos auferidos pelo dependente não ultrapassar o valor do soldo do soldado do Efetivo Variável;

IX - FUSEx - é o fundo constituído de recursos financeiros oriundos de contribuições obrigatórias e indenizações de atendimento médico-hospitalar dos militares, na ativa e na inatividade, e de pensionistas de militares, destinado a complementar o custeio da assistência médico-hospitalar para si e para os seus beneficiários;

X - Organizações Civis de Saúde (OCS) – são os hospitais, as clínicas, as policlínicas, os laboratórios e as casas de saúde que poderão ser ou não conveniadas ou contratadas para atender aos beneficiários do FUSEx, sendo que as instituições educativas especiais credenciadas poderão ser consideradas OCS para efeito do que tratam estas IG;

XI - Organizações Militares de Saúde (OMS) – são as organizações militares (OM) do Serviço de Saúde do Exército, como hospitais, centros de recuperação, policlínicas, odontoclínicas, o Laboratório Químico Farmacêutico do Exército (LQFEx) e o Instituto de Biologia do Exército (IBEx);

(...)

XIII - Profissionais de Saúde Autônomos (PSA) – são os profissionais civis de saúde que poderão ser ou não credenciados para atender aos beneficiários do FUSEx;

(...)

XV - ressarcimento – é a devolução de recursos financeiros feita ao contribuinte do FUSEx, pelo pagamento por atendimento prestado a si ou a seus dependentes beneficiários do FUSEx, em OCS ou por PSA, de acordo com os casos previstos no Capítulo VIII destas IG;

(...)

XVII - Unidade Atendente (UAt) – é qualquer OM ou OMS, que tenha condições de prestar a assistência médico-hospitalar e (ou) ambulatorial; e

XVIII - Unidades Gestoras do FUSEx (UG/FUSEx) – são as OM e OMS responsáveis pela averbação das despesas referentes aos atendimentos prestados aos beneficiários do FUSEx e pelo pagamento das despesas realizadas em OCS ou PSA.

(...)

Art. 11. São benefícios concedidos aos beneficiários do FUSEx:

I - assistência médico-hospitalar em OMS ou, por intermédio de encaminhamento, em OCS ou com PSA contratados, credenciados ou conveniados, por solicitação de médico militar ou, na sua inexistência, por PSA credenciado, de acordo com IR específicas;

(...)

IV - Exaurida a possibilidade de atendimento na OMS ou rede contratada, credenciada ou conveniada local, em caráter eletivo, o beneficiário poderá requerer à Região Militar a que estiver vinculado, o atendimento em OCS/PSA não contratados ou conveniados ou estabelecimento comercial especializado. Havendo autorização da Região Militar, após consulta à Diretoria de Saúde, o ressarcimento das despesas médicas ocorrerá conforme regulado por IR específicas; e

(...)

§ 1º Os atendimentos nas áreas de odontologia, psicologia, psicomotricidade, fonoaudiologia, equoterapia, psicopedagogia, terapia ocupacional, terapias especiais, fisiologia, fisioterapia e nutrição, estão incluídos na assistência médico-hospitalar.

(...)

Art. 22. Os ressarcimentos aos contribuintes do FUSEx serão efetuados apenas quando os atendimentos aos beneficiários forem realizados por OCS, PSA ou estabelecimento comercial especializado e de acordo com a regulamentação específica.

Art. 23. Os ressarcimentos, de que trata o artigo anterior, somente serão permitidos para atendimentos enquadrados nos seguintes casos, de acordo com regulamentação específica:

(...)

II - quando, excepcionalmente, exaurida a possibilidade de atendimento na OMS ou rede contratada, credenciada ou conveniada local, em caráter eletivo, o beneficiário requerer a Região Militara que estiver vinculado, o atendimento em OCS, PSA não contratado ou conveniado ou estabelecimento comercial especializado. Havendo autorização da Região Militar, após consulta a Diretoria de Saúde, o ressarcimento das despesas médicas ocorrerá conforme regulado por IR;

(...)

 

Através da Portaria nº 048-DGP/2008, foram aprovadas as Instruções Reguladoras para a Assistência Médico-Hospitalar aos Beneficiários do Fundo de Saúde do Exército (IR 30-38), as quais dispõem:

 

Art. 34. O beneficiário do FUSEx tem direito ao atendimento nas áreas de psicomotricidade, fonoaudiologia, fisioterapia, terapia ocupacional e psicologia, dentro das prioridades estabelecidas no art. 13 destas IR, devendo as despesas serem indenizadas conforme previsto no Anexo A.

Art. 35. Para o atendimento ou tratamento nas áreas de reabilitação física e psicológica em OM ou OMS não haverá limites estabelecidos para o número de sessões.

Art. 36. O encaminhamento para OCS ou PSA deverá ser efetuado, prioritariamente, por médico militar, após verificado o parecer do médico especialista e quando esgotados todos os recursos existentes nas OMS.

Art. 37. Todos os casos de tratamento nas OCS ou PSA deverão ser, se possível, reavaliados, periodicamente, por médico militar, emitindo-se o correspondente parecer formal, a fim de acompanhar os procedimentos realizados e estabelecer a necessidade de continuidade ou não do tratamento.

Art. 38. Para os casos de tratamento em OCS ou PSA, ficam estabelecidos os seguintes limites de cobertura do FUSEx:

I - para psicomotricidade, fonoaudiologia, fisioterapia e terapia ocupacional, em 8 (oito) sessões, por área, em um período de 30 (trinta) dias;

II - para psicoterapia, em 2 (duas) sessões em um período de 30 (trinta) dias, podendo, em casos excepcionais, ser autorizada a realização de 4 (quatro) sessões no mesmo período, mediante justificativa formalizada do profissional prestador do serviço, desde que homologada por médico militar; e

III - número máximo de 200 (duzentas) sessões dentro de cada área, para o total do tratamento.

Parágrafo único. Quando o paciente necessitar de tratamento que envolva mais de uma área de reabilitação, serão considerados os limites relativos a cada especialidade, separadamente.

(...)

Art. 40. O atendimento de beneficiários portadores de necessidades educativas especiais será regulamentado em IR específicas.

 

A Portaria nº 226-DGP/2008 aprovou as Instruções Reguladoras para a Assistência Médico aos Portadores de Necessidades Educativas Especiais (IR 30-53):

 

Art. 1o Estas Instruções Reguladoras (IR) têm por finalidade regular a assistência aos portadores de Necessidades Educativas Especiais (NE Esp) no âmbito do Exército.

(...)

Art. 3o Para efeito destas IR, considera-se:

(...)

IX - Equipe de Avaliação (EA) – equipe nomeada pelo Cmt RM e constituída de profissionais especializados no tratamento de portadores de NE Esp, cuja missão é verificar as condições técnicas das Instituições de Ensino Especial (IE Esp), a adequabilidade do tratamento e a lisura dos procedimentos utilizados no atendimento aos portadores de deficiência, propondo, quando for o caso, a rescisão do contrato da(s) IE Esp que não corresponderem às expectativas;

X - Quota de Assistência (QA) - é a parcela dos recursos financeiros destinados ao pagamento mensal das IE Esp que cabe ao Departamento-Geral do Pessoal (DGP) e é sub-repassada às Regiões Militares (RM) por intermédio da Diretoria de Assistência ao Pessoal (DAP); e

XI - Quota de Participação (QP) - é a parcela dos recursos financeiros destinados ao pagamento mensal das IE Esp que cabe ao beneficiário titular.

Art. 4o A assistência tratada pelas presentes IR destina-se a custear parte das despesas com o atendimento aos portadores de NEEsp, dependentes diretos de militares e pensionistas, de forma proporcional ao nível salarial dos responsáveis e conforme estabelecido nas IG 30-32.

Art. 5o São considerados portadores de NEEsp, para efeito destas IR, os portadores de deficiência (auditiva, física, mental, visual e múltipla), portadores de condutas típicas e portadores de altas habilidades.

Art. 6o A assistência enfocada nas presentes IR será prestada pela RM por meio da QA, que tem o objetivo de colaborar no atendimento pedagógico, psicológico e metodológico educacional, específicos dos portadores de NEEsp.

Parágrafo único. O responsável pelo portador de NEEsp participa das despesas do atendimento por meio da QP, de acordo com o prescrito na tabela constante do ANEXO A a estas IR.

Art. 7o A assistência aos portadores de NEEsp não se destina a cobrir despesas relativas a órtese, prótese, diárias de acompanhantes e assistência médica, não relacionadas com o atendimento específico.

 

Logo, conclui-se pela existência de uma ordem de preferência na assistência médico-hospitalar para os beneficiários do FUSEx: em primeiro, faz atendimento nas OM/OMS; em segundo, o atendimento será realizado em OCS/PSA contratados, credenciados ou conveniados, por solicitação de médico militar na impossibilidade de atendimento nas OM/OMS; e, em terceiro,  é facultado ao beneficiário o atendimento em OCS/PSA não conveniados mediante ressarcimento das despesas, desde que autorizado pela Região Militar, quando esgotadas as possibilidades de atendimento na rede conveniada.

 

No caso dos autos, a superveniência de credenciamento de rede com profissionais multidisciplinares habilitados para o tratamento do autor impõe a reforma da r. sentença, devido a regulamentação expressa que apenas faculta ao beneficiário a contratação de profissionais autônomos quando não oferecido o tratamento pelo próprio Fundo, mediante rede de apoio.

 

No tocante ao pagamento de indenização ao autor pelos danos morais sofridos, entendo não configurado o ato ilícito danoso.

 

Conforme verificado nos autos, o autor realizada seu tratamento diretamente com equipe multidisciplinar contratada e paga por seus genitores e pleiteava posteriormente o reembolso que era ressarcido na proporção de 80% do valor apurado, no lapso temporal de 30 dias.

 

Assim, a suspensão comprovada nos autos foi do reembolso e não da paralisação no tratamento do apelado.

 

A corroborar, tem-se que o autor denuncia nos autos o descumprimento da tutela antecipatória pela União ao não ressarcir as despesas médicas ora apresentadas realizadas no decorrer do processo (ID 136520029/136520036).

 

Logo, mero dissabor financeiro, que no particular foi suportado por terceiros – pais do autor -, sem a ocorrência de maiores consequências ao apelado, não constitui dano moral:

 

Precedente:

 

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MATERIAIS E MORAIS. PLANO DE SAÚDE. ATENDIMENTO FORA DA REDE CREDENCIADA. REEMBOLSO. LIMITAÇÃO. PREÇOS DE TABELA EFETIVAMENTE CONTRATADOS COM A OPERADORA. DANO MORAL. NÃO RECONHECIDO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. MANUTENÇÃO. AGRAVO DESPROVIDO.

1. Nos casos em que não seja possível a utilização dos serviços médicos próprios, credenciados ou conveniados, a operadora de assistência à saúde deve responsabilizar-se pelo custeio das despesas médicas realizadas pelo segurado, mediante reembolso. O reembolso, porém, é limitado aos preços de tabela efetivamente contratados com a operadora de saúde, à luz do art. 12, VI, da Lei 9.656/98, sendo, portanto, lícita a cláusula contratual que prevê tal restrição, que conta com expressa previsão legal. Precedentes.

2. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o descumprimento contratual por parte da operadora de saúde, que culmina em negativa de cobertura para procedimento de saúde, somente enseja reparação a título de danos morais quando houver agravamento da condição de dor, abalo psicológico ou prejuízos à saúde já debilitada do paciente.

3. Na hipótese, deve ser confirmado o v. acórdão, no que tange à ausência do dever de indenizar, por considerar não ter ficado demonstrada situação capaz de colocar em risco a integridade física e psíquica da agravante, bem como de gerar abalo que ultrapasse o mero dissabor decorrente do inadimplemento contratual.

4. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt no AREsp 1400256/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 03/05/2021, DJe 28/05/2021)

 

Por fim, não merecem reparos os juros moratórios, posto que devem incidir a partir do evento danoso, a teor da Súmula 54, do STJ.

 

Impõe-se, por isso, a parcial reforma da r. sentença para suspender a obrigação da apelante de ressarcir o apelado, enquanto houver rede credenciada para o tratamento multidisciplinar, e, tão somente, após à devida inscrição e efetiva habilitação do autor.

 

A tutela antecipada fica mantida até que se comprove que o autor conseguiu realizar o mesmo tratamento multidisciplinar na rede credenciada no FUSEx. Para tanto, intime-se o apelado para proceder ao cadastramento junto ao respectivo estabelecimento de saúde no prazo de 60 dias.

 

Por tais fundamentos, dou parcial provimento à apelação.

 

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


E M E N T A

 

 

APELAÇÃO. FUSEX. REEMBOLSO. TRATAMENTO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA. PROFISSIONAIS NÃO CREDENCIADOS. FATO NOVO. PONDERAÇÃO. LEGALIDADE. DIGNIDADE. DANO MORAL DESCABIDO. RECURSO DA UNIÃO PARCIALEMENTE PROVIDO.

1. Apelação interposta pela UNIÃO em face da sentença (ID136520026) proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal de Dourados/MS, que julgou procedente o pedido, ratificando a tutela de urgência,  com a condenação da UNIÃO ao restabelecimento do ressarcimento de despesas pelo FUSEX do tratamento multidisciplinar para autismo, nos moldes da Instruções Reguladoras para a Assistência Médico-Hospitalar aos Beneficiários do Fundo de Saúde do Exército (IR 30-38) e da reparação por danos morais e materiais decorrentes da negativa.

2. Em decorrência de fato novo superveniente, consistente no credenciamento Organização Civil de Saúde (EXPANSÃO – NÚCLEO ESPECIALIZADO DE DESENVOLVIMENTO INFANTIL – EIRELI) com capacidade de realizar os tratamentos do autor pelo método ABA, que atenderia as necessidades clínicas do autor, o MM Juiz, após manifestação da parte autora, pois termo à obrigação de ressarcimento das despesas realizadas com a terapia ABA por profissional não credenciado, revogando parcialmente a tutela de urgência deferida e confirmada na sentença.

3. Consta da inicial que o autor, menor, filho de militar,  após ser diagnosticado com transtorno do espectro autista iniciou tratamento multidisciplinar com fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e comportamentais, profissionais estes não credenciados do FUSEX. Tal situação perdurou até 04.2019, quando houve a negativa do reembolso de acordo com do Parecer Técnico da Diretoria da Saúde do Exército Brasileiro, o Parecer Técnico nº 062 - D Sau/SRAM, o qual, a parte alega, posicionou-se “de modo desfavorável ao atendimento de saúde aos portadores de Transtorno de Espectro Autista nas áreas de reabilitação física e psicológica por meio do reembolso parcial feito pelo FUSEX”, inviabilizando o tratamento.

4. O MM Juiz a quo, em sentença proferida em 25.03.2020,  condenou a UNIÃO  ao restabelecimento do reembolso das despesas do tratamento nos moldes da IR 30-38, sem limitação do número de sessões, nos termos prescritos pelos médicos da parte autora, à reparação por dano moral e danos material pela negativa de ressarcimento do tratamento, destacando a inexistência nas normas de regência de previsão “da forma de ressarcimento das despesas relacionadas à assistência médica da patologia de base”  para os portadores de necessidade especiais, enfatizando que as normas de regência apenas estabelecem forma de custeio voltada para as atividades educacionais. Quanto às limitações de sessões, considerou que as previstas no art. 38, da IR 30-38, especialmente em seu inciso III, “não são compatíveis com o tratamento contínuo do autor e, portanto, não devem ser aplicadas”. Por fim, considerou que a negativa de tratamento contínuo e a incompletude dos normativos internos referentes aos portadores de necessidades especiais geram uma “proteção insuficiente aos beneficiários que possuem esta condição, o que revela conduta discriminatória por parte da requerida, merecendo reparo indenizatório”.

5. A UNIÃO, em ID 136787530, juntou aos autos contrato de credenciamento da empresa Expansão – Núcleo Especializado de Desenvolvimento Infantil e documentos que apontam que a referida OCS possui em seu corpo clínico profissionais especializados nas áreas de Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia e Psicoterapia.

6. a jurisprudência da Corte Superior é firme no sentido de que, nos termos do art. 493 do Código de Processo Civil, o fato não considerado na sentença que possa influir na solução do litígio, deve ser sopesado pelo Tribunal competente ao julgar a lide, desde que não altere a causa petendi. Como bem pontuou o órgão ministerial, os órgãos jurisdicionais de 1ª, como de 2ª instância possuem competência para analisar provas ou fatos supervenientes, posto que  “para o julgador conceder a prestação jurisdicional (conclusão) adequada, ao empregar o raciocínio silogístico de aplicar a norma (premissa maior), aos fatos (premissa menor), deve fazê-lo em conformidade à situação no momento da solução da lide” , sendo irrazoável exigir que o apelante entre com uma nova ação, para alegar um fato superveniente que pode ser examinado pelo tribunal e sobre o qual as partes já se manifestaram em sede recursal.

7. O Decreto n. 92.512/86 autoriza o atendimento por profissionais e clinicas não credenciadas em situações de urgência, emergência e diante da indisponibilidade de profissionais credenciados e mediante autorização prévia da autoridade militar competente. De outro turno, deve-se priorizar o adimplemento de deveres relacionados a prestações concretizadoras de direitos fundamentais por parte do Estado, notadamente quando se tratam de mandamentos constitucionais que visam, em sentido amplo, à tutela da dignidade da pessoa humana.

8. Não há como ignorar que a migração repentina do tratamento para a rede credenciada implicaria na interrupção planejamento terapêutico iniciado em 2017 com os profissionais que acompanham o menor desde então, prejudicando a continuidade e a evolução. Ressalta-se, ainda, que o tratamento somente foi iniciado fora da rede credenciada pela indisponibilidade de profissionais credenciados e não por simples opção dos pais do menor.

9. Considero que a resolução da lide perpassa pela ponderação dos princípios da legalidade e da dignidade da pessoa humana. Deste modo, entendo que a manutenção do regime de reembolso, nos moldes do art. 68, das Instruções Reguladoras para a Assistência Médica Hospital, que impõe o limite de 80% ao ressarcimento, é o que melhor se adequa à hipótese, posto que se enquadra nos normativos militares, além de garantir a efetividade do tratamento multidisciplinar do menor pela continuidade do mesmo e manutenção do vínculo com os terapeutas, consideradas as particularidades do transtorno autista.

10. Danos morais descabidos. Não houve interrupção nos tratamentos, apenas o não recebimento do reembolso por dois meses consecutivos, o que não enseja a reparação por dano moral, devendo ser modificada a sentença no ponto, em vista da não comprovação.

11. Nos termos da Súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça os juros de mora fluem a partir do evento danos no caso de responsabilidade contratual, devendo a sentença ser mantida quanto ao ponto, no que tange ao dano material.

12. Parcial provimento ao apelo da UNIÃO para afastar o dano moral.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Turma, por unanimidade, deu parcial provimento ao apelo da União, apenas a afastar o dano moral, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.