APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006836-68.2021.4.03.6103
RELATOR: Gab. 03 - JUIZ CONVOCADO RENATO BECHO
APELANTE: TATIANE LOPES DA SILVA, LUCIANO HENRIQUE DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: RENATO ALVES DE SOUZA - SP286323-A
APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006836-68.2021.4.03.6103 RELATOR: Gab. 03 - JUIZ CONVOCADO RENATO BECHO APELANTE: TATIANE LOPES DA SILVA, LUCIANO HENRIQUE DA SILVA Advogado do(a) APELANTE: RENATO ALVES DE SOUZA - SP286323-A APELADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de ação ordinária ajuizada por Tatiane Lopes da Silva e Luciano Henrique da Silva contra a Caixa Econômica Federal – CEF objetivando a condenação da referida instituição financeira ao pagamento de indenização por danos morais. Afirmam que celebraram contrato de financiamento imobiliário com a CEF e que não conseguiram pagar as prestações, apesar de tentarem por todos os modos, inclusive com o saldo da conta vinculada ao FGTS, questões que foram discutidas em processo outro. Alegam que apesar da referida ação ter sido julgada improcedente interpuseram recurso, e a CEF levou o imóvel a leilão antes de seu julgamento, e agora o referido recurso foi provido em segunda instância. Aduzem que mesmo assim a CEF se recusa a cumprir aquele julgado, e que também foram surpreendidos com outra ação em que lhes foi retirada a posse do imóvel. Sustentam que “depois do “despejo”, ficaram morando de aluguel, além de terem vivido de favor em casa de parentes. Tudo isso resultou em dor e sofrimento e humilhação perante os vizinhos, pois a CEF, ao invés de aguardar o julgamento da ação judicial, deliberou vender o imóvel que estava sob litígio judicial, conduta que causou os danos morais que pretende ver indenizados.” Foi proferida sentença de improcedência do pedido (Id 263287555) e a parte autora foi condenada ao pagamento de honorários fixados em 10% sobre o valor da causa, observados os benefícios da justiça gratuita. Apela a parte autora, reiterando os pedidos e fundamentos da inicial. Com contrarrazões, subiram os autos. É o relatório.
Advogado do(a) APELANTE: RENATO ALVES DE SOUZA - SP286323-A
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006836-68.2021.4.03.6103 RELATOR: Gab. 03 - JUIZ CONVOCADO RENATO BECHO APELANTE: TATIANE LOPES DA SILVA, LUCIANO HENRIQUE DA SILVA Advogado do(a) APELANTE: RENATO ALVES DE SOUZA - SP286323-A APELADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Adiro ao entendimento do Exmo. Des. Fed. Hélio Nogueira: Conheço da apelação, recebendo-a em seus regulares efeitos (art. 1.012, caput, do CPC). Compulsados os autos verifica-se que o contrato foi assinado em 06/07/2010 e possui cláusula de alienação fiduciária, representando espécie de propriedade resolúvel, de modo que, conforme disposto pela própria Lei n. 9.514/97, inadimplida a obrigação pelo fiduciante a propriedade se consolida em mãos do credor fiduciário. Nos termos do artigo 22 da Lei 9.514/1997, a alienação fiduciária "é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel". O contrato de financiamento foi firmado nos moldes do artigo 38 da Lei n. 9.514/97, com alienação fiduciária em garantia, cujo regime de satisfação da obrigação (artigos 26 e seguintes) diverge dos mútuos firmados com garantia hipotecária. A impontualidade na obrigação do pagamento das prestações pelo mutuário acarreta o vencimento antecipado da dívida e a imediata consolidação da propriedade em nome da instituição financeira. Com efeito, nos termos do artigo 252 da Lei nº 6.015/1973 "o registro, enquanto não cancelado, produz todos os seus efeitos legais ainda que, por outra maneira, se prove que o título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido", sendo o cancelamento feito apenas em cumprimento de decisão judicial transitada em julgado, nos termos do artigo 250, inciso I do referido diploma legal. Ademais, a referida Lei de Registros Públicos prevê, para a hipótese dos autos, o registro da existência da ação, na forma do artigo 167, I, 21, para conhecimento de terceiros da possibilidade de anulação do registro. Não consta, nos autos, evidências de que a instituição financeira não tenha tomado as devidas providências para tanto, nos termos do art. 26, da Lei 9.514/97. Verifica-se que o ato de constituição em mora da fiduciante pelo agente fiduciário se deu nos exatos termos do art. 26 da Lei 9.514/97, tendo havido intimação dos mutuários por intermédio do Cartório de Imóveis em 10/02/2017 (Id 263287518 - Pág. 19), tendo decorrido o prazo sem que os fiduciantes purgassem a mora, conforme documentos juntados nos autos. É válido afirmar que os devedores tentaram pagar a dívida com o saldo de sua conta vinculada ao FGTS, questão que foi discutida no âmbito do processo n.º 5002913-73.2017.4.6103, entretanto, quando o leilão ocorreu havia sido proferida sentença de improcedência do pedido nos autos referidos. Também não houve concessão de liminar para obstar o leilão, portanto a CEF agiu em exercício regular de direito. Conforme disposto na sentença “Pode-se até afirmar que seria uma atitude de prudência da CEF interromper os procedimentos executivos no caso de um imóvel que estava sub judice. Mas, juridicamente, não havia nada que impedisse a continuidade daqueles procedimentos. Aliás, a própria demora dos autores em buscarem uma medida judicial para a utilização do saldo de FGTS contribuiu, em alguma medida, para que a perda do imóvel se consumasse. Também age em exercício regular de direito o arrematante do imóvel em leilão que, subsequentemente, propõe uma imissão na posse. Portanto, sem prejuízo das medidas que o Juízo da ação anterior venha a adotar, para o fim de restabelecer o status quo ante, restituir a posse do imóvel aos autores e restabelecer os termos do contrato de financiamento, nenhuma conduta da CEF é caracterizadora de danos morais indenizáveis.” Assim sendo, estando consolidado o registro não é possível que se impeça a apelada de exercer o direito de dispor do bem, que é consequência direta do direito de propriedade que lhe advém do registro, considerando que não havia qualquer empecilho judicial para tanto. Nesse sentido situa-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça e desta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região: SFI - SISTEMA FINANCEIRO IMOBILIÁRIO. LEI 9.514/97. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL. INADIMPLEMENTO DO FIDUCIANTE. CONSOLIDAÇÃO DO IMÓVEL NA PROPRIEDADE DO FIDUCIÁRIO. LEILÃO EXTRAJUDICIAL. SUSPENSÃO. IRREGULARIDADE NA INTIMAÇÃO. PRETENSÃO, DO CREDOR, A OBTER A REINTEGRAÇÃO DA POSSE DO IMÓVEL ANTERIORMENTE AO LEILÃO DISCIPLINADO PELO ART. 27 DA LEI 9.514/97. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DA LEI. 1. Os dispositivos da Lei 9.514/97, notadamente seus arts. 26, 27, 30 e 37-A, comportam dupla interpretação: é possível dizer, por um lado, que o direito do credor fiduciário à reintegração da posse do imóvel alienado decorre automaticamente da consolidação de sua propriedade sobre o bem nas hipóteses de inadimplemento; ou é possível afirmar que referido direito possessório somente nasce a partir da realização dos leilões a que se refere o art. 27 da Lei 9.514/97. 2. A interpretação sistemática de uma Lei exige que se busque, não apenas em sua arquitetura interna, mas no sentido jurídico dos institutos que regula, o modelo adequado para sua aplicação. Se a posse do imóvel, pelo devedor fiduciário, é derivada de um contrato firmado com o credor fiduciante, a resolução do contrato no qual ela encontra fundamento torna-a ilegítima, sendo possível qualificar como esbulho sua permanência no imóvel. 3. A consolidação da propriedade do bem no nome do credor fiduciante confere-lhe o direito à posse do imóvel. Negá-lo implicaria autorizar que o devedor fiduciário permaneça em bem que não lhe pertence, sem pagamento de contraprestação, na medida em que a Lei 9.514/97 estabelece, em seu art. 37-A, o pagamento de taxa de ocupação apenas depois da realização dos leilões extrajudiciais. Se os leilões são suspensos, como ocorreu na hipótese dos autos, a lacuna legislativa não pode implicar a imposição, ao credor fiduciante, de um prejuízo a que não deu causa.4. Recurso especial não provido. (STJ, REsp 1155716/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/03/2012, DJe 22/03/2012) AGRAVO LEGAL. DECISÃO MONOCRÁTICA. CPC, ART. 557. CABIMENTO. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. INADIMPLÊNCIA. CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE. - Somente o depósito integral das prestações tem o condão de ilidir os efeitos da mora. - Na realização de contrato de financiamento imobiliário com garantia por alienação fiduciária do imóvel, o fiduciante assume o risco de, em se tornando inadimplente, possibilitar o direito de consolidação da propriedade do imóvel em favor do credor/fiduciário, observadas as formalidades do artigo 26 da Lei n° 9.514/97, e autoriza a realização de leilão público na forma do artigo 27 do mesmo diploma legal. - Se a decisão agravada apreciou e decidiu a questão de conformidade com a lei processual, nada autoriza a sua reforma. - Agravo legal desprovido. (TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, AI 0022130-08.2013.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, julgado em 12/11/2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA:19/11/2013) AGRAVO LEGAL. DECISÃO MONOCRÁTICA. CPC, ART. 557. SISTEMA FINANCEIRO IMOBILIÁRIO. FORMALIDADES DO PROCEDIMENTO DE EXECUÇÃO. - Na alienação fiduciária em garantia o imóvel financiado remanesce na propriedade do agente fiduciário, até que se verifiquem adimplidas as obrigações do adquirente/fiduciante. Ao devedor é dada a posse indireta sobre a coisa dada em garantia. - O inadimplemento dos deveres contratuais por parte do fiduciante enseja a consolidação da propriedade na pessoa do fiduciário, observadas as formalidades do artigo 26 da Lei n° 9.514/97, e autoriza a realização de leilão público na forma do artigo 27 do mesmo diploma legal. - A alegação de falta de notificação só teria sentido se a parte demonstrasse interesse em efetivamente exercer o direito, o que não foi sequer objeto do pedido, e muito menos restou demonstrado nos autos. - Se a decisão agravada apreciou e decidiu a questão de conformidade com a lei processual, nada autoriza a sua reforma. - Agravo legal desprovido. (TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, AC 0003907-62.2012.4.03.6104, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, julgado em 18/12/2012, e-DJF3 Judicial 1 DATA:07/01/2013) Honorários advocatícios Considerando que o recurso foi interposto sob a égide do CPC/2015, aplica-se o artigo 85 do referido diploma legal. Ressalte-se, ainda, que, nos termos do Enunciado Administrativo nº 7, elaborado pelo Superior Tribunal de Justiça para orientar a comunidade jurídica acerca da questão do direito intertemporal, tratando-se de recurso interposto contra decisão publicada posteriormente a 18/03/2016, é possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do artigo 85 , § 11, do CPC/2015: Enunciado administrativo número 7 Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do artigo 85, § 11, do novo CPC. Assim, condeno a parte apelante ao pagamento dos honorários advocatícios sucumbenciais, os quais devem ser majorados, modificando-se o patamar originalmente arbitrado para o montante de 11% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §§ 1º, 2º e 11, do CPC, observadas as condições do art. 98, § 3.º do mesmo diploma legal. Dispositivo Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
Advogado do(a) APELANTE: RENATO ALVES DE SOUZA - SP286323-A
E M E N T A
APELAÇÃO. SFH. MÚTUO COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL. INADIMPLEMENTO. CONSOLIDAÇÃO EM FAVOR DO CREDOR. LEI N. 9.514/97. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. REGULARIDADE DO PROCEDIMENTO DE EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. INEXISTÊNCIA DE ÓBICE JUDICIAL PARA A REALIZAÇÃO DO LEILÃO.
1. Compulsados os autos verifica-se que o contrato foi assinado em 06/07/2010 e possui cláusula de alienação fiduciária, representando espécie de propriedade resolúvel, de modo que, conforme disposto pela própria Lei n. 9.514/97, inadimplida a obrigação pelo fiduciante a propriedade se consolida em mãos do credor fiduciário.
2. Nos termos do artigo 22 da Lei 9.514/1997, a alienação fiduciária "é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel".
3. O contrato de financiamento foi firmado nos moldes do artigo 38 da Lei n. 9.514/97, com alienação fiduciária em garantia, cujo regime de satisfação da obrigação (artigos 26 e seguintes) diverge dos mútuos firmados com garantia hipotecária.
4. A impontualidade na obrigação do pagamento das prestações pelo mutuário acarreta o vencimento antecipado da dívida e a imediata consolidação da propriedade em nome da instituição financeira.
5. Com efeito, nos termos do artigo 252 da Lei nº 6.015/1973 "o registro, enquanto não cancelado, produz todos os seus efeitos legais ainda que, por outra maneira, se prove que o título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido", sendo o cancelamento feito apenas em cumprimento de decisão judicial transitada em julgado, nos termos do artigo 250, inciso I do referido diploma legal. Ademais, a referida Lei de Registros Públicos prevê, para a hipótese dos autos, o registro da existência da ação, na forma do artigo 167, I, 21, para conhecimento de terceiros da possibilidade de anulação do registro.
6. Não consta, nos autos, evidências de que a instituição financeira não tenha tomado as devidas providências para tanto, nos termos do art. 26, da Lei 9.514/97.
7. Verifica-se que o ato de constituição em mora da fiduciante pelo agente fiduciário se deu nos exatos termos do art. 26 da Lei 9.514/97, tendo havido intimação dos mutuários por intermédio do Cartório de Imóveis em 10/02/2017 (Id 263287518 - Pág. 19), tendo decorrido o prazo sem que os fiduciantes purgassem a mora, conforme documentos juntados nos autos.
8. É válido afirmar que os devedores tentaram pagar a dívida com o saldo de sua conta vinculada ao FGTS, questão que foi discutida no âmbito do processo n.º 5002913-73.2017.4.6103, entretanto, quando o leilão ocorreu havia sido proferida sentença de improcedência do pedido nos autos referidos. Também não houve concessão de liminar para obstar o leilão, portanto a CEF agiu em exercício regular de direito.
9. Conforme disposto na sentença “Pode-se até afirmar que seria uma atitude de prudência da CEF interromper os procedimentos executivos no caso de um imóvel que estava sub judice. Mas, juridicamente, não havia nada que impedisse a continuidade daqueles procedimentos. Aliás, a própria demora dos autores em buscarem uma medida judicial para a utilização do saldo de FGTS contribuiu, em alguma medida, para que a perda do imóvel se consumasse. Também age em exercício regular de direito o arrematante do imóvel em leilão que, subsequentemente, propõe uma imissão na posse. Portanto, sem prejuízo das medidas que o Juízo da ação anterior venha a adotar, para o fim de restabelecer o status quo ante, restituir a posse do imóvel aos autores e restabelecer os termos do contrato de financiamento, nenhuma conduta da CEF é caracterizadora de danos morais indenizáveis.”
10. Assim sendo, estando consolidado o registro não é possível que se impeça a apelada de exercer o direito de dispor do bem, que é consequência direta do direito de propriedade que lhe advém do registro, considerando que não havia qualquer empecilho judicial para tanto.
11. Recurso desprovido.