APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5026830-96.2018.4.03.6100
RELATOR: Gab. 08 - JUIZ CONVOCADO RENATO BECHO
APELANTE: ROD ESTACIONAMENTO - EIRELI, MARCIO AUGUSTO TABET
Advogado do(a) APELANTE: MARA CRISTINA BARBOSA PERSINOTTO - SP222015
APELADO: CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA - CADE
PROCURADOR: PROCURADORIA DO CADE
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5026830-96.2018.4.03.6100 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA APELANTE: ROD ESTACIONAMENTO - EIRELI, MARCIO AUGUSTO TABET Advogado do(a) APELANTE: MARA CRISTINA BARBOSA PERSINOTTO - SP222015 R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação à sentença de improcedência de ação anulatória de decisão administrativa do Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE, fixada verba honorária nos percentuais mínimos do artigo 85, §§ 3º e 4º, I, do CPC. Alegou-se: (1) nulidade da sentença por cerceado direito de defesa e contraditório (artigos 5º, LV, CF, e 1.022, CPC), pois não teve pleno acesso à busca e apreensão nem ao procedimento administrativo; (2) nulidade da sentença por falta de alegação de ilegalidade, tipicidade e abusividade no procedimento administrativo; (3) não houve formação de cartel com outras empresas para explorar estacionamentos, não tendo sequer participado da concorrência em que baseada a condenação; (4) há nulidade no procedimento administrativo quanto às provas obtidas em procedimento com objeto diverso, bem como em relação à falta de individualização das condutas e acusações dirigidas aos investigados; e (5) a multa violou os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Houve contrarrazões. É o relatório.
APELADO: CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA - CADE
PROCURADOR: PROCURADORIA DO CADE
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5026830-96.2018.4.03.6100 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA APELANTE: ROD ESTACIONAMENTO - EIRELI, MARCIO AUGUSTO TABET Advogado do(a) APELANTE: MARA CRISTINA BARBOSA PERSINOTTO - SP222015 V O T O Senhores Desembargadores, a busca e apreensão 0006268-64.2012.403.6100 tramitou em segredo de justiça e em Juízo diverso (22ª Vara Federal de São Paulo), sendo por este indeferido o requerimento de acesso aos autos. Assim, não há pretensão exercitável nestes autos, em trâmite perante a 6ª Vara Federal da mesma Subseção, a respeito do alegado. Caberia ao apelante postular a pretensão na ação própria ou, sendo o caso, por meio mandado de segurança, mas não peticionar a Juízo diverso quando já analisado e indeferido o pleito pelo legalmente competente. Quanto ao procedimento administrativo junto ao CADE, esclareceu o Juízo, que instados a especificarem provas, os autores quedaram-se silentes, restando preclusa a faculdade processual. Ademais, reputou suficientes elementos de prova constantes dos autos. As demais questões são afetas ao mérito. Discute-se a legalidade do processo administrativo 08012.004422/2012-79, que tramitou perante o CADE para apuração do cometimento de infração à ordem econômica consistente na formação de cartel por empresas do setor de estacionamentos. Consta dos autos que os fatos versados originaram-se dos elementos levantados no processo administrativo para análise de ato de concentração econômica 08012.011323/2010-81 (ID 260697597, f. 1), posteriormente convolado em inquérito sigiloso, e em cumprimento da ordem judicial na ação de Busca e Apreensão 0006268-64.2012.403.6100 (ID 260697605, f. 1), apurando indícios de acertamento de preços entre as empresas ParkSal, Estapar, FacPark Estacionamentos Ltda-ME e Yard Estacionamentos Ltda, para a exploração comercial de estacionamentos na cidade de São Paulo (Rua Tomás Gonzaga, bairro da Liberdade). Ademais, imputou-se a participação fraudulenta em procedimentos seletivos privados, por meio de ajustamento de preços e de propostas fictícias ou de cobertura, garantindo vitória de uma das empresas do grupo cartelizado. Houve exercício de contraditório e ampla defesa pelos investigados, tendo alguns, inclusive, formalizado termo de compromisso de cessação de conduta - TCC, com expresso reconhecimento da participação nos fatos investigados e assunção da obrigação de recolher contribuição pecuniária ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, bem como do dever de colaborar com a apuração. Ao final, o Tribunal Administrativo do CADE reconheceu, por maioria de votos, que os autores da presente ação cometeram infração à ordem econômica prevista no artigo 36 da Lei 12.529/2011, aplicando-lhes multa no importe de R$ 496.655,76 (R$ 437.018,47 para Rod Estacionamento Eireli - EPP e R$ 52.442,22 para Marcio Augusto Tabet). A sentença rejeitou a nulidade do procedimento, validando as provas localizadas no cumprimento da busca e apreensão, asseverando a legitimidade do encontro fortuito de provas, instituto conhecido como serendipidade. De fato, mesmo no âmbito do direito penal, em que o direito probatório é mais restrito face à possibilidade de privação da liberdade do indivíduo, é pacífica a jurisprudência no sentido que são lícitas provas encontradas em investigação de crime diverso, mesmo que não conexas ao crime objeto do mandado, podendo subsidiar denúncia do Ministério Público. Neste sentido, o precedente da Suprema Corte: RHC 182520, Rel. Min. GILMAR MENDES, Dje 01/06/2020: “Agravo regimental no recurso ordinário em habeas corpus. 2. Penal e Processual Penal. 3. Mandado de busca e apreensão. 4. Arrecadação de documentos não especificados pelo tribunal de origem. 5. Possibilidade. 6. Encontro fortuito de provas. 7. Decisão em consonância com a jurisprudência do STF. 8. Agravo regimental desprovido.” A mesma compreensão é retirada da jurisprudência desta Corte: ApCrim 5004661-41.2020.4.03.6102, Rel. Des. JOSE LUNARDELLI, Intimação via sistema 17/02/2021: “APELAÇÃO CRIMINAL. CONTRABANDO. DENÚNCIA APÓCRIFA. AUSÊNCIA DE ORDEM JUDICIAL. ENCONTRO FORTUITO DE PROVAS. VALIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOLO DEMONSTRADO. DOSIMETRIA. PENA-BASE. FIXAÇÃO NO PATAMAR MÍNIMO LEGAL. REINCIDÊNCIA E CONFISSÃO ESPONTÂNEA. COMPENSAÇÃO EM PATAMAR SUPERIOR AO DA SENTENÇA. ESTABELECIMENTO DO REGIME INICIAL SEMIABERTO. PRISÃO PREVENTIVA MANTIDA. APELOS DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDOS. […] 4. Além disso, os Tribunais Superiores têm decidido que não há ilicitude a ser declarada quando ocorre a descoberta de fatos por meio do encontro fortuito de provas, com base na teoria da serendipidade. […] 15. Apelos da defesa parcialmente providos.” Cite-se, ainda, ser plenamente possível a utilização de tais provas em processos administrativos: MS 28.003 ED, Rel. Min. ROSA WEBER, Dje 05/02/2018: “E M E N T A EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. INSTAURAÇÃO. PERÍODO ANTERIOR À EC 61/2009. SESSÃO PRESIDIDA POR CONSELHEIRO NÃO INTEGRANTE DO STF. LEGITIMIDADE À ÉPOCA. COMPETÊNCIA DO CNJ. NÃO SUBSIDIARIEDADE. DESNECESSIDADE DE PRÉVIA SINDICÂNCIA NO ÂMBITO DO TRIBUNAL LOCAL. DILIGÊNCIAS SUFICIENTES. INVESTIGAÇÃO NA ESFERA CRIMINAL. ENCONTRO FORTUITO DE PROVAS. UTILIZAÇÃO EM PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. POSSIBILIDADE. INFRINGÊNCIA À PRERROGATIVA DE FORO. AUSÊNCIA. DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA. APROVEITAMENTO DE PROVAS. LEGITIMIDADE. OMISSÃO. CONTRADIÇÃO. INOCORRÊNCIA. CARÁTER MERAMENTE INFRINGENTE. DECLARATÓRIOS OPOSTOS SOB A VIGÊNCIA DO CPC/1973. 1. Inexistente descompasso lógico entre os fundamentos adotados e a conclusão do julgado, a afastar a tese veiculada nos embargos declaratórios de que contraditório o decisum. 2. Não se prestam os embargos de declaração, não obstante sua vocação democrática e a finalidade precípua de aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, para o reexame das questões de fato e de direito já apreciadas no acórdão embargado. 3. Ausente contradição e omissão justificadoras da oposição de embargos declaratórios, nos termos do art. 535 do CPC de 1973, a evidenciar o caráter meramente infringente da insurgência. 4. Embargos de declaração rejeitados.” Cabe ressaltar, ainda, que para reconhecimento de nulidades, tanto em âmbito judicial quanto administrativo, não é indiferente a comprovação do prejuízo ao exercício do contraditório e ampla defesa: ApCiv 5005529-41.2018.4.03.6182, Rel. Des. Fed. NELTON DOS SANTOS, Intimação via sistema 01/08/2022: “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. INDEFERIMENTO DE PERÍCIA. NULIDADE DA SENTENÇA POR CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. ILEGITIMIDADE PASSIVA. AFASTADA. MULTA ADMINISTRATIVA. INMETRO. DIVERGÊNCIA ENTRE PESO REAL E PESO NOMINAL. REPROVAÇÃO DO PRODUTO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADES NA PERÍCIA ADMINISTRATIVA. VALOR DA MULTA APLICADA DENTRO DOS LIMITES DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APELAÇÃO DESPROVIDA.Caso em que a empresa-embargante sofreu a autuação administrativa em decorrência da divergência do peso constante na embalagem do produto e o apurado pela fiscalização.Alegação de nulidade da sentença por cerceamento de defesa afastada. A realização de perícia sobre produtos semelhantes coletados na fábrica é irrelevante para o deslinde da controvérsia. Isso porque a perícia recairia sobre lotes de épocas diferentes, os quais não poderiam servir como parâmetro para invalidar a perícia do INMETRO sobre os produtos recolhidos nos pontos de venda em data pretérita.Alegação de ilegitimidade passiva da NESTLE BRASIL LTDA afastada. A empresa NESTLÉ NORDESTE ALIMENTOS E BEBIDAS LTDA. é uma das empresas do grupo econômico NESTLÉ, razão pela qual a NESTLÉ BRASIL LTDA. responde por ela (Código de Defesa do Consumidor – CDC art. 28, §2º). Ressalte-se ainda que a defesa administrativa foi realizada pela NESTLÉ BRASIL LTDA., não tendo sido alegado, naquela seara, a ilegitimidade que ora é lançada como argumento de nulidade da autuação neste processo judicial.A apelante não demonstrou o alegado prejuízo ao contraditório decorrente do procedimento adotado pela autoridade administrativa. Assim, não havendo prejuízo para qualquer das partes, nenhum ato processual será declarado nulo, conforme o brocardo "pas de nullité sans grief".O ato administrativo é revestido pela presunção de veracidade e legitimidade. Referida presunção não é absoluta, uma vez que pode ser afastada caso sejam trazidos elementos probatórios suficientes para comprovar eventual ilegalidade. No caso dos autos, não se trata de atribuir à perícia administrativa valor absoluto, mas, de outro modo, de constatar que a autuada não trouxe elementos robustos capazes de infirmar tal presunção.De acordo com o que restou apurado pela fiscalização, a autora é fabricante de produto reprovado no critério individual por divergência entre o peso encontrado e o que consta na embalagem, violando, pois, a legislação metrológica acerca da matéria.A violação aos direitos consumeristas atrai a responsabilidade objetiva e solidária do fabricante por vícios de quantidade dos produtos, nos termos do art. 18 do CDC.Tratando-se de responsabilidade objetiva, descabe fazer incursão no elemento subjetivo do fabricante, ou seja, se teve culpa ou dolo no tocante ao vício do produto verificado pela autoridade. Mesmo porque a responsabilização marcada por sua natureza solidária inviabiliza que sejam acolhidas as alegações da fabricante no sentido de existir a possibilidade de o vício ter se originado no transporte ou acondicionamento do produto.É dever do fabricante adotar as medidas adequadas para assegurar que o produto chegue ao consumidor com o peso indicado na embalagem. Por esse motivo, é possível que as amostras sejam colhidas fora do estabelecimento do fabricante, pois a fiscalização deve, de fato, recair sobre todas as fases da comercialização.O produto está sujeito a perdas previsíveis inerentes ao transporte e acondicionamento, a infração se configura diante da omissão do fabricante em diligenciar que ao curso da cadeia de fornecimento seja preservada a fidelidade quantitativa da mercadoria em que apõe sua marca. Quanto à fixação e quantificação da penalidade a ser aplicada, se advertência ou multa, encontram-se no campo de discricionariedade da Administração Pública, competindo ao Poder Judiciário, tão somente, verificar se foram obedecidos os parâmetros legais.Além do caráter punitivo e repressivo no caso da ocorrência da infração, a multa também possui viés preventivo no que se refere à coerção sobre o comportamento do fabricante dos produtos para que observe a legislação protetiva ao consumidor.Apelação não provida." (g.n.) No caso, porém, os autores não comprovaram qualquer prejuízo juridicamente relevante à defesa, sendo válidas as provas encontradas fortuitamente em investigações paralelas, inexistindo, assim, nulidade a ser declarada. No tocante às sucessivas prorrogações de prazo do inquérito administrativo, os fatos investigados envolveram várias pessoas e diversas operações, sendo apreendido considerável volume de documentos (ID 260697691, f. 2), justificando-se tal prorrogação nos termos do artigo 66, § 9º, da Lei 12.529/2011. De outro lado, quanto à falta de individualização das imputações, constata-se que a Nota Técnica 274/2014 (ID 260697732) declinou circunstanciadamente as condutas dos investigados integrantes do suposto cartel, correlacionando-as para narrar a estratégia de atuação colusiva e concertada entre estes. Ademais, apresentou, para corroborar a acusação, e-mails trocados pelos envolvidos tratando do acertamento artificial (propostas balizadas) de preços para participação conjunta na concorrência privada ocorrida no estacionamento do Centro Empresarial das Nações Unidas – CENU (Avenida Nações Unidas, 12.901, São Paulo/SP). Não se verifica, assim, o propalado “emaranhado confuso de práticas de supostas condutas”, pois, como dito na sentença, a prática do cartel pressupõe condutas concertadas entre pessoas para determinação do preço e/ou limitação da concorrência, estando tais fatos fundamentadamente descritos na Nota Técnica 274/2014, que instaurou procedimento administrativo em face dos denunciados. Saliente-se que poderia a autora, no limite, arguir inépcia da acusação ao próprio órgão julgador, possibilitando que analisasse a alegação, o que se verifica não ter sido feito (ID 260697754). Destarte, proferida decisão definitiva em âmbito administrativo, a exemplo do que ocorre nos processos judiciais, resta superada a questão, cabendo apenas a discussão quanto ao mérito. Assim, também neste aspecto não houve nulidade no processo administrativo. Noutro giro, reputa-se indevida a ingerência judicial nos aspectos fáticos e jurídicos expostos pelo CADE para reconhecimento de infração à ordem econômica, nos termos da Lei 12.529/20011, mormente considerando a singularidade e especificidade da matéria concorrencial, afeta ao órgão da União. A respeito constou o seguinte do voto condutor da Conselheira Polyanna Ferreira Silva Vilanova (ID 260697763): “[…] IV. INDIVIDUALIZAÇÃO DAS CONDUTAS E PENALIDADES 82. Com base na descrição acima, concluo que os contatos realizados entre representantes da Allpark, Netpark e Rod têm potencial lesivo e configuram a existência de um cartel difuso relacionado à licitação do CENU. 83. Os contatos realizados e as informações trocadas tinham o intuito de alterar as relações de livre concorrência relacionadas a esse contrato. Conforme descrito acima, desde o início a Allpark tinha a intenção de neutralizar a atuação de concorrentes na referida licitação, o que foi tentado por meio dos contatos com a Netpark e a Rod. 84. A proximidade e frequência com que os contatos realizados pela Allpark com Netpark e Rod ocorreram, levam à conclusão de que não haveria outra explicação racional e lícita, senão a tentativa de colusão entre as empresas para frustrar a concorrência do CENU. 85. Nesse sentido, o interesse de ambas as empresas em serem adquiridas pelo grupo Allpark, faz com que houvesse um claro racional para o favorecimento da Allpark na licitação do CENU. […] 87. Considerando o exposto acima, passarei a analisar, de forma individualizada, a participação dos Compromissários e dos Representados Netpark, Roberto Naman, Rod e Márcio Tabet na conduta ora em análise. Ademais, seguindo os termos dos artigos 37 e 45 da Lei nº 12.529/2011, passo a realizar a dosimetria das multas a eles aplicáveis, considerando os seguintes critérios: Gravidade da infração: as condutas verificadas no presente caso são de grave potencial lesivo, tendo em vista que configuram prática de cartel. As trocas de informações sensíveis e os contatos entre os concorrentes revelaram a tentativa de falsear a livre concorrência na contratação do CENU, por meio de balizamento de propostas. A ausência de institucionalidade e perenidade fazem com que o enquadramento da conduta seja de cartel difuso. Boa-fé: não houve boa-fé de nenhuma das partes, tendo em vista o claro objetivo de frustrar a concorrência do CENU. Vantagem auferida ou pretendida : as Representadas Allpark, Netpark e Rod, ao trocarem informações sensíveis e tentarem balizar as propostas a serem apresentadas para o CENU, claramente, realizaram condutas com o potencial de prejudicar os demais concorrentes, bem como manter ou elevar o percentual de remuneração da Allpark, em detrimento do CENU. Consumação: conforme reconhecido pelos próprios Compromissários, o balizamento das propostas foi malsucedido, tendo em vista que das empresas concorrentes não apresentaram o percentual discutido com Nilton Bagattini. Grau de lesão: apesar de potencial, o perigo de lesão à livre concorrência decorrente das condutas tem um grau elevado. Tratou-se de cartel para aumento do preço ao cliente CENU e, consequentemente, ao consumidor final. Efeitos negativos: apesar de serem potenciais, os efeitos prejuízos que poderiam ter decorrido do balizamento das propostas, bem como do compartilhamento das informações sensíveis constantes do edital, eram possíveis. Isso porque, poderia haver proposta vencedora da licitação com melhores condições e qualidades do que o contrato renegociado pela Allpark. Situação econômica dos infratores: os elementos nos autos permitem concluir pela estabilidade financeira das Representadas. Reincidência: não houve reincidência. 88. Quanto à metodologia de cálculo, adoto o posicionamento majoritariamente adotado por este Tribunal, considerando: Pessoas jurídicas: percentual entre 0,1% e 20% do valor do faturamento bruto da empresa, grupo ou conglomerado obtido, no último exercício anterior à instauração do processo administrativo, no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração; e Pessoas físicas administradoras: percentual de 1% a 20% da multa aplicada à pessoa jurídica. […] IV.1.2. ROD E MÁRCIO TABET 91. Entendo que a Representada Rod e seu Sócio-Diretor Marcelo Tabet estiveram envolvidos na conduta ora verificada. Os diversos e-mails e registros telefônicos e de torpedos demonstram a troca de informações sensíveis e a tentativa de balizamento de proposta a ser apresentada na licitação do CENU. Concluo, também, que esses Representados tiveram atuação ainda mais gravosa, considerando a efetiva troca de informações sensíveis, por meio do envio do edital de licitação. 92. Quanto à Rod, por se tratar de pessoa jurídica e considerando o enquadramento da conduta praticada como cartel difuso, estabeleço como multa a ser aplicada o valor de R$ 437.018,47 (quatrocentos e trinta e sete mil e dezoito reais e quarenta e sete centavos), equivalente a 12% da base de cálculo. 93. Em relação a Márcio Tabet, por se tratar de pessoa física administradora e considerando a efetividade da troca de informação sensível como agravante, estabeleço como multa a ser aplicada o valor de R$ 52.442,22 (cinquenta e dois mil, quatrocentos e quarenta e dois reais e vinte e dois centavos), equivalente a 12% da multa aplicada à Rod. Tal percentual deve-se, principalmente, ao fato de que a aplicação de alíquota inferior levaria à aplicação de multa inferior a R$ 50.000,00, mínimo legal previsto para outras pessoas físicas que não são administradores, o que não seria razoável[29] [...]” Portanto, o tribunal administrativo explicitamente motivou a conduta e o enquadramento jurídico aplicável ao caso, mensurando a penalidade de acordo com parâmetros da Lei 12.529/2011, inserindo-se a condenação no contexto do mérito administrativo sindicável somente por ilegalidade flagrante, o que não se vislumbra no caso. Neste sentido, aliás, a jurisprudência da Turma: ApCiv 5000461-84.2017.4.03.6105, Rel. Des. Fed. ANTONIO CEDENHO, Intimação via sistema 06/08/2021: “ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. CADE. FORMAÇÃO DE CARTEL CARACTERIZADA. PENA DE MULTA. REDUÇÃO. SUCUMBÊNCIA MÍNIMA. APELAÇÕES NÃO PROVIDAS. 1. Consta dos autos que diversas clínicas oncológicas, dentre elas a apelante Instituto do Radium, firmaram contrato com a Unimed Campinas para prestação de serviços referentes a procedimentos de diagnóstico e de terapia na especialidade de oncologia clínica, sendo certo que o fornecimento de medicamentos necessários estaria incluso e seria pago pela própria clínica e posteriormente seriam reembolsados pela UNIMED. 2. Ocorre que, segundo consta, os valores referentes a tais medicamentos estavam muito acima dos valores praticados no mercado, o que ensejou uma tomada de atitude por parte da UNIMED perante às credenciadas a fim de ajustar os preços. 3. Entretanto, aparentemente, as clínicas entenderam que a UNIMED teria imposto de forma unilateral e arbitrária novo critério de pagamento, o que as fez rescindir conjuntamente os contratos firmados com a cooperativa. 4. Da análise dos autos, contudo, extrai-se que o CADE concluiu que as clínicas, dentre elas a autora/apelante, em verdade agiram em conluio a fim de manter os preços anteriormente praticados. 5. A tal conclusão se chegou tendo em vista o fato de as notificações extrajudiciais de rescisão contratual enviadas pelas clínicas à UNIMED, dentre elas a autora/apelante, terem sido apresentadas no mesmo dia e contendo exatamente a mesma redação e a mesma formatação. 6. Além disso, diversas outras condutas foram tomadas pelas mesmas pessoas jurídicas de forma igual e coordenada, o que se pode concluir pela juntada da Ata de Assembleia, pela apresentação de contranotificação, reunião dos representantes das clínicas comprovada por notícia de jornal para avaliar os fatores operacionais, pela sentença transcrita na decisão do CADE proferida pelo TJ/SP em que se concluiu que “se as apelantes não concordam com os termos do novo contrato, não pode este juízo coibir a Unimed a contratar com regras das quais não mais lhes são favoráveis.” Assim, entendeu o CADE pela ocorrência da infração. 7. No mesmo sentido, é o posicionamento do Ministério Público Federal ao concluir que “as provas dos autos levaram a SG a concluir que a Unimed pretendia apenas reduzir os custos na oncologia clínica, redução essa que atentava contra os interesses e lucros das representadas, levando-as a formalizar um cartel, que visa unicamente a manter preços homogêneos entre concorrentes (representadas), com uma taxa uniforme e linear sobre serviços prestados.” 8. Ausente qualquer ilegalidade na conclusão do CADE, a qual se encontra devidamente embasada. Veja-se que ao Judiciário não cabe adentrar no mérito administrativo, mas tão somente analisar a decisão no tocante à sua legalidade. […] 16. Apelações não providas.” (g.n.) Nesta linha, afasta-se violação aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade quanto à multa imposta, pois, constatada a infração à ordem econômica, a gradação da penalidade, dentro dos patamares legais e observados os critérios de dosimetria do artigo 45 da Lei 12.529/2011 (gravidade da infração; a boa-fé do infrator; a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator; a consumação ou não da infração; o grau de lesão, ou perigo de lesão, à livre concorrência, à economia nacional, aos consumidores, ou a terceiros; os efeitos econômicos negativos produzidos no mercado; a situação econômica do infrator; e a reincidência), é de competência exclusiva do órgão administrativo, não se avistando ilegalidade passível de ser corrigida por excepcional intervenção judicial no mérito administrativo. Logo, não comprovaram as apelantes ilegalidade ou nulidade no procedimento, mantendo-se integralmente a sentença. Em razão da sucumbência recursal, condena-se a apelante em verba honorária pelo decaimento nesta instância, a ser acrescida à originária, no equivalente a 5% do valor atualizado da causa, observados os critérios do grau de zelo profissional, lugar da prestação do serviço, natureza e importância da causa, trabalho realizado e tempo exigido, em conformidade com o artigo 85, § 11, CPC. Ante o exposto, nego provimento à apelação. É como voto.
APELADO: CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA - CADE
PROCURADOR: PROCURADORIA DO CADE
E M E N T A
DIREITO ADMINISTRATIVO. CADE. CARTEL. LICITAÇÕES PRIVADAS. ESTACIONAMENTOS. PREÇOS ACORDADOS. COMPROVAÇÃO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. NULIDADES INEXISTENTES. SANÇÃO PECUNIÁRIA. GRADAÇÃO LEGAL. OBSERVÂNCIA.
1. A busca e apreensão 0006268-64.2012.403.6100 tramitou em segredo de justiça e em Juízo diverso (22ª Vara Federal de São Paulo), sendo por este indeferido o requerimento de acesso aos autos. Assim, não há pretensão exercitável nestes autos, em trâmite perante a 6ª Vara Federal da mesma Subseção, a respeito do alegado. Caberia ao apelante postular pretensão na ação própria ou, sendo o caso, por meio mandado de segurança, mas não peticionar a Juízo diverso quando já analisado e indeferido o pleito pelo legalmente competente.
2. Quanto ao procedimento administrativo junto ao CADE, esclareceu o Juízo, que instados os autores a especificarem provas, quedaram-se silentes, restando preclusa a faculdade processual. Ademais, reputou suficientes os elementos de prova constantes dos autos.
3. No mérito, os fatos versados originaram-se dos elementos levantados no processo administrativo para análise de ato de concentração econômica 08012.011323/2010-81, convolado posteriormente em inquérito sigiloso, e do cumprimento da ordem judicial proferida na ação de busca e apreensão 0006268-64.2012.403.6100, em que apurados indícios de acertamento de preços entre as empresas ParkSal, Estapar, FacPark Estacionamentos Ltda-ME e Yard Estacionamentos Ltda, para exploração comercial de estacionamentos na cidade de São Paulo (Rua Tomás Gonzaga, bairro da Liberdade). Ademais, imputou-se participação fraudulenta em procedimentos seletivos privados, por meio de ajustamento de preços e de propostas fictícias ou de cobertura, garantindo a vitória de uma das empresas do grupo cartelizado.
4. Houve exercício de contraditório e ampla defesa, tendo sido em alguns, inclusive, formalizado termo de compromisso de cessação de conduta - TCC, com o reconhecimento expresso da participação nos fatos investigados e assunção da obrigação de recolher contribuição pecuniária ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, bem como do dever de colaborar com a apuração.
5. Pacífica a jurisprudência no sentido que são lícitas provas encontradas em investigação de crime diverso, mesmo que não conexas ao crime objeto do mandado, podendo subsidiar denúncia do Ministério Público (RHC 182520, Rel. Min. GILMAR MENDES, Dje 01/06/2020). Cite-se, ainda, ser plenamente possível a utilização de tais provas em processos administrativos (MS 28.003 ED, Rel. Min. ROSA WEBER, Dje 05/02/2018).
6. No tocante às sucessivas prorrogações de prazo do inquérito administrativo, os fatos investigados envolveram várias pessoas e diversas operações, sendo apreendido considerável volume de documentos, justificando tal prorrogação nos termos do artigo 66, §9º, da lei 12.529/2011.
7. De outro lado, quanto à falta de individualização das imputações, constata-se que a Nota Técnica 274/2014 declinou circunstanciadamente as condutas dos investigados integrantes do suposto cartel, correlacionando-as para narrar a estratégia de atuação colusiva e concertada entre estes. Ademais, apresentou, para corroborar a acusação, e-mails trocados pelos envolvidos, tratando do acertamento artificial (propostas balizadas) de preços para participação conjunta na concorrência privada ocorrida no estacionamento do Centro Empresarial das Nações Unidas – CENU (Avenida Nações Unidas, 12.901, São Paulo/SP).
8. Não se verifica, assim, o propalado “emaranhado confuso de práticas de supostas condutas”, pois, como ressaltado pela sentença, a prática do cartel pressupõe condutas concertadas entre pessoas para determinação do preço e/ou limitação da concorrência, estando tais fatos fundamentadamente descritos na Nota Técnica 274/2014, que instaurou o procedimento administrativo em face dos denunciados.
9. Reputa-se indevida a ingerência judicial nos aspectos fáticos e jurídicos expostos pelo CADE para reconhecimento de infração à ordem econômica, nos termos da Lei 12.529/20011, mormente considerando a singularidade e especificidade da matéria concorrencial, afeta ao órgão da União. O tribunal administrativo motivou explicitamente conduta e enquadramento jurídico aplicável, mensurando a penalidade de acordo com os parâmetros da Lei 12.529/2011, configurando a condenação mérito administrativo sindicável somente em caso de ilegalidade flagrante, o que não se vislumbra no caso.
10. Inexistente violação aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade na multa imposta, pois, apurada a infração à ordem econômica, a gradação da penalidade, dentro dos patamares legais e observados os critérios de dosimetria inscritos no artigo 45 da Lei 12.529/2011 (gravidade da infração; a boa-fé do infrator; a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator; a consumação ou não da infração; o grau de lesão, ou perigo de lesão, à livre concorrência, à economia nacional, aos consumidores, ou a terceiros; os efeitos econômicos negativos produzidos no mercado; a situação econômica do infrator; e a reincidência), é de competência exclusiva do órgão administrativo, não se avistando ilegalidade passível de ser corrigida por excepcional intervenção judicial no mérito administrativo.
11. Fixada verba honorária pelo trabalho adicional em grau recursal, em observância ao comando e critérios do artigo 85, §§ 2º a 6º, e 11, do Código de Processo Civil.
12. Apelação desprovida.