APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000722-70.2021.4.03.6182
RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. JOHONSOM DI SALVO
APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
APELADO: ALEXANDRE FABIANO PANARELLO
Advogado do(a) APELADO: ANTONIO FERNANDO DOS SANTOS BARROS - GO25858-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000722-70.2021.4.03.6182 RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. JOHONSOM DI SALVO APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL APELADO: ALEXANDRE FABIANO PANARELLO Advogado do(a) APELADO: ANTONIO FERNANDO DOS SANTOS BARROS - GO25858-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Johonsom di Salvo, Relator: Trata-se de apelação interposta pela União Federal contra sentença proferida nos embargos à execução fiscal nº 5016193-63.2020.4.03.6182 ajuizada em face de Alexandre Fabiano Panarello, para a cobrança de imposto de renda pessoa física – IRPF, objeto do processo administrativo nº 10880.724413/2017-25 e da CDA nº 80.1.20.005220-80, no valor total de R$ 19.843.426,10 (em 06/07/2020). Narra o embargante em sua inicial, que a Receita Federal do Brasil lavrou auto de infração fiscal por suposta omissão parcial no recolhimento do imposto de renda sobre ganho de capital obtido na alienação de ações da empresa Panpharma, no percentual de 28,75% do capital social subscrito e integralizado. Afirma que o fundamento para tanto foi a glosa de custos inerentes às ações recebidas pelo embargante em razão da elevação do capital social da Panpharma Participações S.A, com a utilização de reserva de capital formada por ágio cobrado da empresa Admenta France, nos termos dos arts. 171 e 182 da Lei nº 6.404/76. Esclarece que a Panpharma se utilizou do saldo de reserva formada por ágio, que elevou o custo das ações do embargante e dos demais acionistas na proporção da participação deles no capital social da companhia. Sustenta que na declaração de imposto de renda observou rigorosamente as orientações da Receita Federal do Brasil, ou seja, declarou o acréscimo dos novos ativos, relacionou as ações recebidas na declaração de bens e informou o mesmo valor no quadro destinado aos rendimentos isentos. Todavia, foi lavrado referido auto infracional no valor total de R$ 16.789.030,54, ao argumento de que incluiu no custo de aquisição das ações o valor do aumento de capital social da Panpharma, em 08/05/2012, composto pela capitalização da reserva de lucros e da reserva de capital, formada em 26/08/2009 com o ágio decorrente do aporte financeiro feito pela Admenta France na Panpharma. Após contencioso administrativo, remanesceu parte significativa do lançamento. O valor é objeto da execução fiscal embargada. Argumenta que a glosa do custo originário de incorporação de reserva de capital formada por ágio na subscrição das ações é indevida. Aduz que a controvérsia diz respeito à possibilidade ou não da dedução dos custos das ações formados pelo aumento de capital com a utilização de reserva originária de ágio, conforme previsão dos artigos 3º da Lei nº 8.849/94, e 38, I, do Decreto-Lei 1.598/77. Alega que segundo o Fisco, o art. 10 da Lei nº 9.249/95 prevê o direito à dedução do custo gravado na ação somente quando a integralização for realizada por meio de incorporação de reservas de lucros, como consta do termo nº 8 da verificação fiscal, uma vez que o § 1º, ao mencionar “aumentos com lucros ou reservas constituídas com esses lucros” teria revogado o direito ao custo advindo de outras reservas. Também considerou que o ágio pago pela empresa Admenta France inviabilizaria a dedução, pois somente ela teria o direito de utilizar o custo correspondente. O embargante sustenta, contudo, que o direito à dedução dos custos para fins de apuração de ganho de capital na alienação de bens e direitos é regra assegurada a todos os contribuintes e a exceção deve ter previsão legal. A garantia, a seu ver, encontra-se no art. 16 da Lei nº 7.713/88, que contempla em seu § 4º uma única restrição, o aumento de capital com a utilização de lucros e reservas originárias de partes beneficiárias, título emitido na sociedade anônima com base no art. 47 da Lei nº 6.404/76. Defende que uma vez recebido e incorporado ao capital o ágio pago pela Admenta France, ele passa a integrar o patrimônio dos sócios e, em consequência, todos têm direito de acrescer o custo de suas ações na proporção de sua participação no capital social da companhia. Afirma que o ágio ou deságio é elemento que depende da cotação das ações a valor de mercado, sendo que a companhia emissora das ações o exige para conceder o direito à subscrição, quando o valor de face do título seja inferior ao da cotação. Quanto esses for inferior, concede-se o deságio. Argui que o ágio cobrado passa a integrar o patrimônio líquido da companhia e, por sua vez, pertence aos sócios, que são os reais detentores desses ativos. Assevera que o art. 10 da Lei nº 9.249/95 disciplinou unicamente a distribuição de lucros e a capitalização de reservas, sem aludir às demais formas de aquisições e respectivos custos previstos nos arts. 16 da Lei nº 7.713/88 e 3º da Lei nº 8.849/94. Invoca, ainda, o art. 2º, §§1º e 2º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, para concluir que os dispositivos mencionados não foram revogados e que não há incompatibilidade entre as normas. Defende, nesse sentido, que a Lei nº 9.249/95 introduziu modificação referente apenas à forma de tributação de lucros e dividendos, ao passo que a Lei nº 8.849/94 cuida de outras reservas e o art. 16 da Lei nº 7.713/88, que concede direito aos custos de forma irrestrita, continua vigente. Para reforçar sua tese, suscita, ainda o art. 12 da Lei Complementar nº 95/1998. Aduz a violação dos princípios da inalterabilidade do critério jurídico e da segurança jurídica. Cita o art. 24 da LINDB e afirma que à época do fato gerador o posicionamento do Fisco era favorável ao embargante, como na Solução de Consulta 43/2013. Alega que em 2016, apesar de não ter ocorrido modificação legal, o Fisco alterou seu entendimento para alcançar fatos pretéritos, em afronta ao art. 24 da LINDB e ao art. 146 do CTN, bem como a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Afirma que o art. 38 do Decreto-Lei nº 1.598/77 concedeu isenção ao beneficiário do ágio. A Lei nº 8.849/94 disciplinou a tributação de lucros e concedeu isenção à incorporação de reserva formada pelo ágio na subscrição de ações, revogada parcialmente pelo art. 10 da Lei 9.249/95, que se restringiu a tratar da tributação de lucros e dividendos, mediante a concessão de isenção para ganhos obtidos a partir de 01/01/96. O art. 3º da Lei nº 8.849/95 tratou de reservas de lucro em seu § 4º e de capital originário de ágio no § 5º. Nesse sentido, argui que as reservas formadas por ágio gozam de isenção plena, sem condicionantes, ainda que haja restituição aos sócios, o que equivale a reconhecer o direito ao custo para fins de apuração do ganho de capital e, assim, só incide imposto de renda sobre a parcela do valor da venda que exceder ao custo de aquisição. Atribui à causa o valor de R$ 19.843.426,10. Os embargos foram recebidos com efeito suspensivo (id 265788970). A União apresentou impugnação (id 265788973). Instadas a se manifestarem, a União requereu o julgamento antecipado da lide. O embargante ofereceu réplica (id 265788980) e postulou, igualmente, o julgamento antecipado da lide. Sobreveio sentença que julgou procedente o pedido e extinguiu o processo, nos termos do art. 487, I, do CPC, para desconstituir o título executivo e extinguiu a execução fiscal embargada, nos termos do art. 924, III, do CPC (id 265788981). Condenou a embargada ao pagamento de honorários advocatícios fixados nos patamares mínimos previstos no art. 85, § 3º, do CPC, incidente sobre o valor da causa atualizado conforme os índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal. Inconformada, apela a União (id 265789335). Alega que a cobrança, decorrente de auto de infração lavrado em 11/04/2017, em desfavor do embargante e referente a imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza da pessoa física, alusivo aos anos-calendário 2012 a 2014, com o consequente lançamento de crédito tributário no valor total de R$ 16.789.030,54, tem como fundamento a legislação vigente à época dos fatos geradores: arts. 3º, 16 e 21 da Lei nº 7.713/88, art. 21 da Lei nº 8.981/95, art. 10, § 1º, da Lei nº 9.249/95, arts. 43, 44 e 45 do CTN, arts. 117 a 123, 129, 130, 131, 135, 138, 140, 142 e 383, parágrafo único, do RIR/99, art. 153, III, da Constituição Federal. Sustenta que a fundamentação da sentença, no sentido de que houve violação ao art. 146 do CTN, porquanto o lançamento teve como base, além legislação vigente ao tempo dos fatos geradores, a interpretação consagrada na SC DISIT/SRRF04 nº 4.016/2016, que revogou a SC DISIT/SRRF04 nº 43/2013, vigente ao tempo dos fatos geradores (2012, 2013 e 2014) não deve prosperar. Reporta-se à sentença proferida nos embargos à execução fiscal nº 1012237-25.2021.4.01.3500, em que figura como embargante Adriana Cristina Panarello, em caso análogo, segundo a qual a Solução de Consulta DISIT/SRRF 04 nº 43/2013 não pode ser considerada vinculativa e, de igual forma, não pode ser negada vigência ao art. 10 da Lei nº 9.249/95. Insurge-se, ademais, contra a fixação dos honorários advocatícios, que obrigam a União ao pagamento dessa verba em importância superior a R$ 1.069.739,31. Alega que não desconhece a tese firmada com o julgamento dos REsps nºs 1.850.512/SP, 1.877.883/SP e 1.906.618/SP, sob a sistemática dos recursos repetitivos, mas aduz que a fixação dos honorários com base no art. 85, § 3º, do CPC não pode ser indiscriminadamente aplicada e que há necessidade de ponderação, conforme dispõem os §§2º e 8º do mesmo dispositivo, pois argumenta que a tese repetitiva viola os artigos 3º, I e IV, 5º, caput, e XXXV, 37, caput, e 66, § 1º, da Constituição Federal e resulta em ofensa à separação dos poderes e o devido processo legal – arts. 2º e 5º XXXIV, da Lei Maior. Em suma, postula a apreciação equitativa da verba honorária. Requer o provimento do apelo a fim de que seja declarada a regularidade do lançamento e da CDA nº 80.1.20.005220-80. Foram apresentadas contrarrazões (id 265789338). É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000722-70.2021.4.03.6182 RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. JOHONSOM DI SALVO APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL APELADO: ALEXANDRE FABIANO PANARELLO Advogado do(a) APELADO: ANTONIO FERNANDO DOS SANTOS BARROS - GO25858-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Johonsom di Salvo, Relator: Inicialmente, submeto o feito ao reexame necessário, nos termos do art. 496, I, do CPC. Como explicitado no apelo fazendário, a fundamentação da sentença registrou que o lançamento fiscal violou o art. 146 do CTN, porquanto se baseou na legislação consagrada na SC DISIT/SRRF04 nº 4.016/2016, que revogou a SC DISIT/SRRF04 nº 43/2013, vigente ao tempo dos fatos geradores (2012, 2013 e 2014). A eficácia e execução das decisões no processo administrativo e o processo de consulta são tratados nos artigos 42 a 58 do Decreto nº 70.235/72. As soluções de consulta passaram a ter efeito vinculante a partir da Instrução Normativa RFB nº 1.396/13, de 16 de setembro de 2013, conforme se depreende de seu artigo 9º, veja-se: Art. 9º A Solução de Consulta Cosit e a Solução de Divergência, a partir da data de sua publicação, têm efeito vinculante no âmbito da RFB, respaldam o sujeito passivo que as aplicar, independentemente de ser o consulente, desde que se enquadre na hipótese por elas abrangida, sem prejuízo de que a autoridade fiscal, em procedimento de fiscalização, verifique seu efetivo enquadramento. Nesse sentido: PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AGENTE MARITIMO. DL. 37/66. SOLUÇÃO DE CONSULTA N. 2 - COSIT. APELAÇÃO PROVIDA. (...) -Nos termos do art. 9º da Instrução Normativa RFB n. 1396/2013, as consultas possuem efeito vinculante no âmbito da RFB a todos os sujeitos passivos aos quais se aplicar. Assim, ainda que o Autor não tenha sido consulente, faz jus à sua aplicação. -Considerando o valor da causa (R$ 110.000,00 em 21/09/2013), bem como a matéria discutida nos autos, o trabalho realizado e o tempo exigido, inverto os ônus de sucumbência e condeno a União no pagamento dos honorários advocatícios, ora fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa. -Apelação provida. (TRF 3ª Região, 4ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0017845-05.2013.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal MONICA AUTRAN MACHADO NOBRE, julgado em 03/03/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 05/03/2020) Assim, fica afastada a tese que fundamentou a sentença impugnada. Nos termos do art. 1.013, § 2º, do CPC, passo a analisar os demais fundamentos suscitados pelo embargante. O embargante se insurge contra o entendimento da Fazenda no sentido de que, após a edição da Lei nº 9.249/95 e em razão de seu art. 10, a dedução do custo gravado na ação é assegurada quando a integralização for realizada por meio da incorporação de reserva de lucros, pois o § 1º de referido dispositivo teria revogado o direito ao custo advindo de outras reservas. Ademais, segundo a União, o ágio pago pela Admenta France inviabilizaria a dedução, pois somente ela teria direito a utilizar o custo correspondente. Alega, contudo, que recebido o ágio pela empresa e incorporado ao capital, ele integra o patrimônio dos sócios, que passam a ter direito a acrescer o custo de suas ações na proporção da participação de cada um no capital social da empresa. Sustenta que a garantia à dedução dos custos para fins de apuração do ganho de capital na alienação de bens e direitos é assegurada a todos os contribuintes e se encontra abrigada no art. 16 da Lei nº 7.713/88, a única exceção é atinente ao aumento de capital com utilização de lucros e reservas de partes beneficiárias, prevista no § 4º do dispositivo. Segundo a Receita Federal do Brasil (doc 2, id 265788963), a infração cometida consiste na “apuração incorreta do ganho de capital na alienação, em 10/05/2012, de 4.916.395 ações da Panpharma Participações S.A. para a Admenta France (por intermédio da Admenta do Brasil Participações Ltda. como está exposto no Termo nº 08 - Verificação Fiscal.”. O órgão fazendário considera que houve uma omissão parcial no recolhimento do imposto de renda incidente sobre esse ganho de capital, decorrente do cálculo do contribuinte do custo de aquisição das ações, que alcançou valor superior ao efetivo e, por esse motivo diminuiu a base de cálculo (ganho de capital) sobre a qual incide o tributo em questão. Esclarece que o pagamento do preço das ações foi recebido em três parcelas, em 2012, 2013 e 2014. O procedimento fiscal foi lavrado em 26/04/2016. Ao abordar o custo de aquisição, a Fazenda define que o ganho de capital é a diferença positiva entre o valor de alienação e o custo de aquisição do bem ou direito alienado. Alega que o custo de aquisição de títulos e valores para ser considerado no ganho de capital, por sua vez, é a média ponderada dos custos unitários, nos termos do art. 16, §§ 2º e 3º, da Lei nº 7.713/88. Afirma que o embargante se tornou acionista da Panpharma Participações S.A. em 28/04/2006, subscrevendo primeiramente, R$ 1.619.286 do capital social da Companhia, correspondente a 1.619.286 ações. Narra que foi celebrado um Contrato de Investimento e Outras Avenças, em 25/06/2009, entre Ester Rodrigues Panarello, Paulo Panarello Neto e Alexandre Fabiano Panarello, como acionistas da Panpharma Participações S.A. e Admenta France, uma holding, futura adquirente da Companhia por intermédio de sua controlada Admenta do Brasil Participações Ltda.. O capital da Admenta alcançava o valor de R$ 69.776.000,00, dividido em 69.776.000 ações ordinárias, da quais 18,588% pertenciam ao embargante. A venda das ações efetivou-se apenas em 10/05/2012. Houve um aporte de capital, previsto no contrato, por parte da Admenta France na Panpharma, que teve um aumento de seu capital social. Houve, ainda, um aumento do capital da Panpharma em 08/05/2012. Finalmente, em 10/05/2012 foi celebrado o Memorando de Fechamento entre a Admenta Brasil Participações Ltda., Ester Rodrigues Panarello, Alexandre Fabiano Panarello, Adriana Cristina Panarello, Ana Paula Panarello, Admenta France, Celesio AG e Panpharma Participações S.A. Na data de 10/05/2012, a Panpharma tinha o capital social de R$ 914.000.000,00 dividido em 34.266.736 ações ordinárias pertencentes aos acionistas mencionados. Conforme mencionado, o preço foi pago aos vendedores em três parcelas. Afirma que o embargante recebeu pela venda o montante de R$ 176.281.165,43 (em três parcelas, 10/05/12, 22/11/2013 e 02/07/2014), que apurou o ganho de capital que entendeu tributável e recolheu o IRPF correspondente. Segundo a descrição da infração, contudo, na apuração do ganho de capital correspondente à diferença entre o valor de venda e o custo de aquisição de suas ações da Panpharma, o contribuinte utilizou custo de aquisição incorreto, tendo o calculado em desconformidade com a legislação tributária, de forma que a incidência de imposto se deu sobre ganho de capital inferior ao efetivamente auferido com o negócio jurídico, pois indevidamente incluiu no custo de aquisição das ações da Panpharma o valor total do aumento do capital social da Companhia, ocorrido em 08/05/2012, composto pela capitalização tanto da reserva de lucros quanto da reserva de capital, sendo a reserva de capital formada em 26/08/2009 com o ágio do aporte financeiro feito pela Admenta France na Panpharma, em razão da subscrição do aumento de capital da Panpharma. A legislação, contudo, conforme a SRF, autoriza apenas a utilização das reservas de lucro para essa finalidade, pois o ágio que é destinado à reserva de capital e posteriormente é convertido em capital social se trata de recurso de natureza distinta, com outro tratamento contábil e jurídico do que é dado aos lucros e à reserva de lucros. Aduz que a tentativa de utilizar a capitalização da citada reserva de capital para aumentar o custo de aquisição das ações da Panpharma é inadmissível e que a redução da base de cálculo de tributos é reservada à lei, nos termos do art. 150, § 6º, da Constituição Federal e o art. 97, IV, do CTN e não pode decorrer de interpretação extensiva. Conclui que do ganho de capital decorrente das parcelas, foi subtraído o quantum já recolhido, nas três parcelas e que a diferença existe diz respeito apenas à primeira parcela, no total de R$ 7.406.162,84, que foi lançado de ofício. Assiste razão à União. O art. 10, § 1º, da Lei nº 9.249/95 prevê: Art. 10. Os lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir do mês de janeiro de 1996, pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, não ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, nem integrarão a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no País ou no exterior. § 1º No caso de quotas ou ações distribuídas em decorrência de aumento de capital por incorporação de lucros apurados, a partir do mês de janeiro de 1996, ou de reservas constituídas com esses lucros, o custo de aquisição será igual à parcela do lucro ou reserva capitalizado, que corresponder ao sócio ou acionista. Esclareço que o parágrafo primeiro desse dispositivo, incluído pela Lei nº 12.734/2014, tem a mesma redação que seu anterior parágrafo único. A regra é clara no sentido de que a incorporação ao capital social de lucros ou reserva de lucros impacta no custo de aquisição das participações societárias para os acionistas. De outra parte, portanto, as reservas de capital utilizadas para aumento do capital social não impactam no custo das ações. Como descreve a Fazenda, o valor total do aumento do capital social da Companhia, ocorrido em 08/05/2012, foi composto pela capitalização tanto da reserva de lucros quanto da reserva de capital. As reservas, contudo, tem tratamento contábil e jurídico distintos, conforme explicita a Lei nº 6.404/76: Art. 169. O aumento mediante capitalização de lucros ou de reservas importará alteração do valor nominal das ações ou distribuições das ações novas, correspondentes ao aumento, entre acionistas, na proporção do número de ações que possuírem. Art. 182. A conta do capital social discriminará o montante subscrito e, por dedução, a parcela ainda não realizada. § 1º Serão classificadas como reservas de capital as contas que registrarem: a) a contribuição do subscritor de ações que ultrapassar o valor nominal e a parte do preço de emissão das ações sem valor nominal que ultrapassar a importância destinada à formação do capital social, inclusive nos casos de conversão em ações de debêntures ou partes beneficiárias; (...) § 2° Será ainda registrado como reserva de capital o resultado da correção monetária do capital realizado, enquanto não-capitalizado. (...) § 4º Serão classificados como reservas de lucros as contas constituídas pela apropriação de lucros da companhia. Quanto à reserva de capital, a Lei nº 6.404/76, dispõe: Art. 200. As reservas de capital somente poderão ser utilizadas para: I - absorção de prejuízos que ultrapassarem os lucros acumulados e as reservas de lucros (artigo 189, parágrafo único); II - resgate, reembolso ou compra de ações; III - resgate de partes beneficiárias; IV - incorporação ao capital social; V - pagamento de dividendo a ações preferenciais, quando essa vantagem lhes for assegurada (artigo 17, § 5º). Parágrafo único. A reserva constituída com o produto da venda de partes beneficiárias poderá ser destinada ao resgate desses títulos. Conforme descrito no Termo de Verificação Fiscal nº 8, o aumento de capital da Panpharma em 08/05/2012 foi de R$ 879.733,264,00, por meio da capitalização de recursos da reserva de lucros (R$ 586.057.937,00) e de reserva de capital (R$ 293.675.327,00), sem a remissão de novas ações ordinária, conforme o art. 169, § 1º, da Lei das Sociedades Anônimas. Nesse sentido, o custo, que deve ser acrescido ao estoque de ações do contribuinte corresponde à reserva de lucros capitalizada, de forma proporcional à participação no capital social da empresa. O valor referente à reserva de capital, decorrente do aporte financeiro não faz parte desse custo. Nos termos do art. 153, III, § 2º, I, da Constituição Federal e do art. 43 do CTN, o imposto de renda incide sobre a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou proventos de qualquer natureza. A questão que se impõe diz respeito à possibilidade de utilização da reserva de capital como custo de aquisição, como fez o contribuinte. A reserva de capital, no entanto, não está disponível para distribuição aos acionistas e os valores que a compõe são alheios à atividade econômica da empresa, não advém da venda de produtos e serviços e não sofre tributação. Não transitam pelo resultado. No caso, ela foi formada em 26/08/20o9 com o ágio do aporte financeiro feito pela Admenta France na Panpharma, em razão da subscrição do aumento de capital da Panpharma. A legislação, contudo, conforme a SRF, autoriza apenas a utilização das reservas de lucro como custo de aquisição, pois o ágio é destinado à reserva de capital e posteriormente é convertido em capital social. Trata-se de recurso de natureza distinta, com outro tratamento contábil e jurídico do que é dado aos lucros e à reserva de lucros. Esse entendimento já foi acolhido pelo CARF no acórdão nº 2401-005.250, proferido pela 4ª Câmara /1ª Turma Ordinária, em sessão ocorrida no dia 5 de fevereiro de 2018. No que tange ao tema discutido a ementa do decisum consignou: CUSTO DE AQUISIÇÃO DA PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA. CAPITALIZAÇÃO DE RESERVAS E LUCROS. EFEITOS. Somente o aumento de capital, mediante a incorporação de lucros ou de reservas constituídas com lucros, possibilita o incremento no custo de aquisição da participação societária, em valor equivalente à parcela capitalizada dos lucros ou das reservas constituídas com esses lucros que corresponder à participação do sócio ou acionista na investida. Confira-se o seguinte excerto do voto do Relator: É oportuno repisar que somente o aumento de capital mediante a incorporação de lucros ou de reservas constituídas com esses lucros possibilita o aumento do custo de aquisição da participação societária, em valor equivalente à parcela capitalizada dos lucros ou das reservas que corresponder à participação do sócio ou acionista na investida, em conformidade com o disposto no art. 16, § 3°. da Lei n. 7.713/88 no art. 10 da Lei n. 9.249/95 e no art. 135 do Decreto-Lei n. 3.000/99 (RIR/99). Conforme depreende-se dos Autos, não estamos tratando de lucros e/ou reservas constituídas com esses lucros, mas sim de Reserva de Capital (correção monetária) e Reserva de Incentivos Fiscais, instrumentos e contas totalmente diversas das acima mencionadas. Note-se, por fim, que tal conclusão de impossibilidade de aplicação do art. 16, §3°. da Lei n° 7.713, de 1988 no caso de capitalização de Reserva de Correção Monetária e de Incentivos Fiscais. Note-se, por fim, que tal conclusão de impossibilidade de aplicação do art. 16, § 3º, da Lei nº 7.713, de 1988 no caso de capitalilzação de Reserva de Correção Monetária e de Incentivos Fiscais. Deve-se notar, também, que a Solução de Consulta mencionada pela recorrente refere-se à incorporação (capitalização) de lucros e rerserva de lucros, como entendimento encimado, não havendo, ainda, qualquer tipo de vinculação deste Colegiado a julgamento anterior deste Conselho não sumulado ou a atos administrativos emanados da RFB que adotem posicionamento diferente do presente. Assim, rejeita-se que a capitalização da Reserva de Incentivos Fiscais e Capital devam necessariamente compor o custo de aquisição com fulcro na legislação fiscal e societária”. (destaquei) Por fim, o art. 16, § 3º, da Lei n 7.713/88 dispõe: Art. 16. O custo de aquisição dos bens e direitos será o preço ou valor pago, e, na ausência deste, conforme o caso: (...) § 3º No caso de participação societária resultantes de aumento de capital por incorporação de lucros e reservas, que tenham sido tributados na forma do art. 36 desta Lei, o custo de aquisição é igual à parcela do lucro ou reserva capitalizado, que corresponder ao sócio ou acionista beneficiário. Está claro que o dispositivo em questão não tem a extensão que pretendida pelo embargante, mas deve ser entendido conjuntamente com os dispositivos já mencionados. Ressalte-se, ademais, como exposto pela autoridade administrativa em sua fiscalização, a delimitação da base de cálculo para a incidência do tributo deve ser veiculada por lei específica, nos termos do art. 150, § 6º, da Constituição Federal e do art. 97, IV, do CTN. Soluções de consulta feitas ao Fisco não vinculam o Judiciário. A Instrução Normativa n. 1.434/2013, da SRF, não impede, por óbvio, que o Judiciário decida de modo diverso das conclusões contidas na solução de consulta. Esse ato pode ser ultrapassado pelo Judiciário, especialmente nas situações "in concrecto" (STJ: AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.343.527/RS, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 19/11/2019, DJe de 3/12/2019.). Assim deve ser, também porque as soluções de consulta, representativas do pensamento do ente fiscal sobre determinada situação, são cambiáveis. Portanto, o recurso deve ser provido para reformar a sentença recorrida, a fim de julgar improcedentes os embargos à execução fiscal nº 5016193-63.2020.4.03.6182. Deixo de condenar o embargante ao pagamento de honorários advocatícios, tendo em vista que na fundamentação legal da CDA consta a cobrança do encargo de 20% previsto pelo Decreto-Lei nº1.025/69, que lhe faz as vezes. Ante o exposto, dou provimento ao apelo, bem como ao reexame necessário, nos termos explicitados. É como voto.
E M E N T A
TRIBUTÁRIO – IRPF – SUBMISSÃO AO REEXAME NECESSÁRIO – TERMO DE VERIFICAÇÃO FISCAL - VENDA ACIONÁRIA - RESERVA DE LUCROS E RESERVA DE CAPITAL INCLUÍDAS PELO CONTRIBUINTE NO CUSTO DE AQUISIÇÃO – SALDO DE IMPOSTO A PAGAR – RECURSO PROVIDO, DIANTE DO ACERVO DOCUMENTAL TRAZIDO AOS AUTOS E DEVIDAMENTE PERSCRUTADO – PROSSEGUIMENTO DO EXECUTIVO FISCAL.
1. Submissão do feito ao reexame necessário, nos termos do art. 496, I, do CPC.
2. Fundamentação da sentença afastada. Análise dos demais fundamentos suscitados pelo embargante, nos termos do art. 1.013, § 2º, do CPC.
3. O embargante alega que, recebido o ágio pela empresa e uma vez incorporado ao capital, ele integra o patrimônio dos sócios, que passam a ter direito a acrescer o custo de suas ações na proporção da participação de cada um no capital social da empresa, com amparo no art. 16 da Lei nº 7.713/88.
4. Segundo a Receita Federal do Brasil, houve infração na “apuração incorreta do ganho de capital na alienação, em 10/05/2012, de 4.916.395 ações da Panpharma Participações S.A. para a Admenta France (por intermédio da Admenta do Brasil Participações Ltda.) como está exposto no Termo nº 08 - Verificação Fiscal”. Considera que houve uma omissão parcial no recolhimento do imposto de renda incidente sobre esse ganho de capital, decorrente do cálculo do contribuinte do custo de aquisição das ações, que alcançou valor superior ao efetivo e, por esse motivo diminuiu a base de cálculo (ganho de capital) sobre a qual incide o tributo em questão. O procedimento fiscal foi lavrado em 26/04/2016. Segundo ele, o embargante se tornou acionista da Panpharma Participações S.A. em 28/04/2006, subscrevendo primeiramente, R$ 1.619.286 do capital social da Companhia, correspondente a 1.619.286 ações. Narra que foi celebrado um Contrato de Investimento e Outras Avenças, em 25/06/2009, entre Ester Rodrigues Panarello, Paulo Panarello Neto e Alexandre Fabiano Panarello, como acionistas da Panpharma Participações S.A. e Admenta France, uma holding, futura adquirente da Companhia por intermédio de sua controlada Admenta do Brasil Participações Ltda.. O capital da Admenta alcançava o valor de R$ 69.776.000,00, dividido em 69.776.000 ações ordinárias, da quais 18,588% pertenciam ao embargante. A venda das ações efetivou-se apenas em 10/05/2012.
5. Houve um aporte da capital, previsto no contrato, por parte da Admenta France na Panpharma, que teve um aumento de seu capital social e um novo aumento do capital da Panpharma em 08/05/2012. Finalmente, em 10/05/2012 foi celebrado o Memorando de Fechamento entre a Admenta Brasil Participações Ltda., Ester Rodrigues Panarello, Alexandre Fabiano Panarello, Adriana Cristina Panarello, Ana Paula Panarello, Admenta France, Celesio AG e Panpharma Participações S.A.
6. Na data de 10/05/2012, a Panpharma tinha o capital social de R$ 914.000.000,00 dividido em 34.266.736 ações ordinárias pertencentes aos acionistas mencionados. O preço foi pago aos vendedores em três parcelas. O embargante recebeu pela venda o montante de R$ 176.281.165,43, apurou o ganho de capital que entendeu tributável e recolheu o IRPF correspondente.
7. Na descrição da infração fiscal consta que na apuração do ganho de capital correspondente à diferença entre o valor de venda e o custo de aquisição de suas ações da Panpharma, o contribuinte utilizou custo de aquisição incorreto, tendo-o calculado em desconformidade com a legislação tributária, de forma que a incidência de imposto se deu sobre ganho de capital inferior ao efetivamente auferido com o negócio jurídico, pois indevidamente incluiu no custo de aquisição das ações da Panpharma o valor total do aumento do capital social da Companhia, ocorrido em 08/05/2012, composto pela capitalização tanto da reserva de lucros quanto da reserva de capital, sendo a reserva de capital formada em 26/08/2009 com o ágio do aporte financeiro feito pela Admenta France na Panpharma, em razão da subscrição do aumento de capital da Panpharma. A legislação, contudo, conforme a SRF, autoriza apenas a utilização das reservas de lucro para essa finalidade, pois o ágio que é destinado à reserva de capital e posteriormente é convertido em capital social se trata de recurso de natureza distinta, com outro tratamento contábil e jurídico do que é dado aos lucros e à reserva de lucros.
8. Assiste razão à União, em conformidade com o art. 10, § 1º, da Lei nº 9.249/95, no sentido de que a incorporação ao capital social de lucros ou reserva de lucros impacta no custo de aquisição das participações societárias para os acionistas, mas não as reservas de capital.
9. O valor total do aumento do capital social da Companhia, ocorrido em 08/05/2012, foi composto pela capitalização tanto da reserva de lucros quanto da reserva de capital. As reservas, contudo, tem tratamento contábil e jurídico distintos, conforme explicita a Lei nº 6.404/76 em seus artigos 169, 182, § 1º, a, §§ 2º e 4º. O art. 200 trata das reservas de capital.
10. O Termo de Verificação Fiscal nº 8 descreve o aumento de capital da Panpharma em 08/05/2012 para R$ 879.733,264,00, por meio da capitalização de recursos da reserva de lucros (R$ 586.057.937,00) e de reserva de capital (R$ 293.675.327,00), sem a remissão de novas ações ordinária, conforme o art. 169, § 1º, da Lei das Sociedades Anônimas. O custo que deve ser acrescido ao estoque de ações do contribuinte corresponde à reserva de lucros capitalizada, de forma proporcional à participação no capital social da empresa. O valor referente à reserva de capital, decorrente do aporte financeiro não faz parte desse custo.
11. Nos termos do art. 153, III, § 2º, I, da Constituição Federal e do art. 43 do CTN, o imposto de renda incide sobre a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou proventos de qualquer natureza.
12. A reserva de capital não está disponível para distribuição aos acionistas e os valores que a compõe são alheios à atividade econômica da empresa, não advém da venda de produtos e serviços e não sofre tributação. Não transitam pelo resultado. Foi formada em 26/08/2009 com o ágio do aporte financeiro feito pela Admenta France na Panpharma, em razão da subscrição do aumento de capital da Panpharma. A legislação, conforme a SRF, autoriza apenas a utilização das reservas de lucro como custo de aquisição, pois o ágio é destinado à reserva de capital e posteriormente é convertido em capital social. Trata-se de recurso de natureza distinta, com outro tratamento contábil e jurídico do que é dado aos lucros e à reserva de lucros. Entendimento acolhido pelo CARF no acórdão nº 2401-005.250, proferido pela 4ª Câmara /1ª Turma Ordinária, em sessão ocorrida no dia 05/02/2018.
13. O art. 16, § 3º, da Lei n 7.713/88 não tem a extensão pretendida pelo embargante, mas deve ser entendido conjuntamente com os dispositivos já mencionados.
14. Como exposto pela autoridade administrativa em sua fiscalização, a delimitação da base de cálculo para a incidência do tributo deve ser veiculada por lei específica, nos termos do art. 150, § 6º, da Constituição Federal e do art. 97, IV, do CTN.
15. Soluções de consulta feitas ao Fisco não vinculam o Judiciário. A Instrução Normativa n. 1.434/2013, da SRF, não impede, por óbvio, que o Judiciário decida de modo diverso das conclusões contidas na solução de consulta. Esse ato pode ser ultrapassado pelo Judiciário, especialmente nas situações "in concrecto" (STJ: AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.343.527/RS, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 19/11/2019, DJe de 3/12/2019.). Assim deve ser, também porque as soluções de consulta, representativas do pensamento do ente fiscal sobre determinada situação, são cambiáveis.
16. Analisado o caso à luz da legislação aplicação e do acervo documental entranhado nos autos, o recurso é provido para reformar a sentença recorrida, a fim de julgar improcedentes os embargos à execução fiscal nº 5016193-63.2020.4.03.6182.