APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000563-49.2021.4.03.6111
RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY
APELANTE: JOAO BERNARDINO DE SOUZA, SIRLENE APARECIDA CAMPOS DE SOUZA
Advogado do(a) APELANTE: JAIRO FLORENCIO CARVALHO FILHO - SP205892-A
APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, EMPRESA GESTORA DE ATIVOS - EMGEA
Advogado do(a) APELADO: LARISSA NOLASCO - SP401816-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000563-49.2021.4.03.6111 RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY APELANTE: JOAO BERNARDINO DE SOUZA, SIRLENE APARECIDA CAMPOS DE SOUZA Advogado do(a) APELANTE: JAIRO FLORENCIO CARVALHO FILHO - SP205892-A APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, EMPRESA GESTORA DE ATIVOS - EMGEA Advogado do(a) APELADO: LARISSA NOLASCO - SP401816-A R E L A T Ó R I O Trata-se de recurso de apelação interposto por SIRLENE APARECIDA CAMPOS DE SOUZA e JOÃO BERNARDINO DE SOUZA em face da sentença que extinguiu o feito, sem resolução de mérito, em relação à CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, e julgou parcialmente procedentes os pedidos em relação à EMPRESA GESTORA DE ATIVOS – EMGEA apenas para condená-la ao pagamento de R$ 6.410,40 a título de indenização por danos morais (ID 269615762). Alegam, em suma, que a CEF é parte legítima para figurar no polo passivo do feito, uma vez que o contrato de mútuo habitacional ora discutido foi celebrado com ela. Aduzem que a cessão do crédito à EMGEA não altera a legitimidade da cedente, bem como que não foram notificados do referido ato para com ele anuir. Portanto, postulam a reforma da sentença a fim de que a CEF também seja condenada à indenização por danos morais (ID 269615765). Contrarrazões da CEF (ID 269615772). É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000563-49.2021.4.03.6111 RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY APELANTE: JOAO BERNARDINO DE SOUZA, SIRLENE APARECIDA CAMPOS DE SOUZA Advogado do(a) APELANTE: JAIRO FLORENCIO CARVALHO FILHO - SP205892-A APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, EMPRESA GESTORA DE ATIVOS - EMGEA Advogado do(a) APELADO: LARISSA NOLASCO - SP401816-A V O T O A controvérsia recursal diz somente acerca da legitimidade da Caixa para figurar no polo passivo de ação em que se discute contrato de mútuo habitacional cedido à EMGEA, afastada na origem pelos seguintes fundamentos (ID 269615762): Contestação da CAIXA: Cumpre-se verificar que a CAIXA apresenta contestação, defendendo-se de fatos que não se relacionam com a presente causa. Com razão a parte autora nesse ponto. Desta forma, não há justificativa nas preliminares levantadas e, muito menos, no questionamento feito pela aludida ré quanto aos pedidos formulados na inicial, pois a sua peça de defesa não tem pertinência com os fatos. Assim, decreto a revelia da CAIXA. Anote-se. Contudo, não atribuo à empresa pública a confissão ficta, tendo em conta que a EMGEA apresentou a sua contestação de forma razoavelmente pertinente (art. 345, I, CPC). De qualquer sorte, os fatos que dizem com essa ação não se referem à CAIXA ECONÔMICA. O imóvel foi adjudicado pela EMGEA; a ação de consignação tem como polo passivo exclusivo a EMGEA e era a EMGEA a titular do crédito, tido como prescrito. Note-se que esse ponto foi objeto de análise na sentença da ação de consignação: “O contrato pactuado de renegociação (fl. 147) indica como credor a EMGEA – EMPRESA GESTORA DE ATIVOS, com a ciência expressa dos autores no pactuado (fl. 150), de modo que não podem alegar ignorância quanto à natureza de credora da EMGEA e, muito menos, do teor da cláusula décima primeira, que expressamente estabelece a possibilidade de cessão ou de caução do crédito pela EMGEA. Desta forma, não há que se verificar nulidade na identificação da EMGEA como credora. Todavia, embora a EMGEA seja a credora e, portanto, parte passiva legítima, a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL é, nos termos contratuais, representante dela, conforme deixa claro o constante nas fls. 147 e conforme autoriza o artigo 11 da Medida Provisória 2.196-3/2001, de modo que a inclusão da CAIXA no polo passivo em detrimento da EMGEA não passa de mera irregularidade sem prejuízo às partes, eis que a contestação foi apresentada mediante a outorga de representação da EMGEA à CEF, como se esclarece no texto da contestante: (...) Logo, cumpre-se, apenas, oportunamente, retificar a autuação para o fim de determinar no polo passivo da ação a inclusão da EMGEA como a única requerida, eis que atuou nestes autos na qualidade de representante da CEF” (id. 56067914). Destarte, não há pertinência subjetiva da CAIXA no litígio, considerando a sub-rogação à EMGEA (cessão de crédito), quem, também, adjudicou o imóvel. Portanto, apesar da revelia, declaro extinto o processo sem resolução de mérito em relação à CAIXA por ilegitimidade passiva (art. 485, VI, do CPC). Pois bem. A sentença não merece reparos. Conforme se depreende da matrícula do imóvel dado em garantia hipotecária pelos apelantes (ID 269615410), as cessões de crédito referentes ao contrato da CEF à União e da União à EMGEA foram averbadas junto ao 2º CRI de Marília-SP em 08/06/2010 (Av. 4 e Av. 5). O termo de confissão de dívida com aditamento e rerratificação de dívida originária de contrato de financiamento habitacional juntado às f. 1-4 do ID 269615612, por sua vez, indica que os mutuários tomaram ciência da cessão ao menos em 19/12/2002, uma vez que subscreveram o instrumento que informava expressamente a transmissão do crédito e continha a EMGEA na qualidade de credora do contrato, figurando a CEF como mera representante daquela. E, acerca da validade e eficácia da cessão de crédito, dispõe o Código Civil: Art. 286. O credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor; a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da obrigação. Art. 290. A cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita. Art. 292. Fica desobrigado o devedor que, antes de ter conhecimento da cessão, paga ao credor primitivo, ou que, no caso de mais de uma cessão notificada, paga ao cessionário que lhe apresenta, com o título de cessão, o da obrigação cedida; quando o crédito constar de escritura pública, prevalecerá a prioridade da notificação. Como visto, a lei não exige, para a validade da cessão de crédito, a anuência expressa ou tácita do devedor, salvo disposição contratual em contrário. Apenas a eficácia do ato é condicionada à ciência – e não concordância – daquele, a fim de evitar o pagamento da dívida em favor do credor primitivo (art. 292). Na espécie, os apelantes tiveram conhecimento da transmissão em 2002, e o ato foi averbado na matrícula em 2010, sendo-lhe dada, portanto, plena publicidade para oposição a terceiros (art. 288 do Código Civil). Considerando que a presente ação foi proposta em 26/03/2021, muito depois daquelas datas, e que a recusa no recebimento dos valores que levaram à adjudicação do imóvel (discussão na ação consignatória) também se deu posteriormente à cessão, correta a conclusão alcançada pelo juízo a quo quanto à ilegitimidade da credora originária. Vale dizer que não foi narrado, na inicial, qualquer ato ilícito praticado pela CEF em nome próprio a atrair a sua legitimidade passiva por fato alheio à relação contratual – apenas atos praticados na qualidade de representante da EMGEA, que deve por eles responder, nos termos da sentença. Ademais, o art. 109 do CPC é inaplicável ao caso, uma vez que trata da legitimidade do terceiro adquirente ou cessionário para intervir nos processos em curso no momento da transmissão, condicionando-a à anuência da parte contrária. Este, contudo, não é o caso dos autos. Nesse sentido: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CONCORDATA. INADIMPLEMENTO. DECRETAÇÃO DA FALÊNCIA. DECRETO-LEI 7.661/45. CESSÃO DE DIREITO NO CURSO DA LIDE. RECURSO DO CEDENTE. INTERESSE. PRETENSÃO INFRINGENTE. 1. A alienação do direito pela parte, no curso do processo, não altera a a legitimidade ad causam, sendo permitida a intervenção voluntária do cessionário como assistente do cedente (CPC, art. 42). Precedentes. 2. Os embargos de declaração só se prestam a sanar obscuridade, omissão ou contradição porventura existentes no acórdão, não servindo à rediscussão da matéria já julgada no recurso. 3. Embargos de declaração das Lojas Arapuã S/A e outra acolhidos, em parte, sem efeitos modificativos. Embargos de declaração da CPE Participações S.A rejeitados. (STJ – EDcl no REsp n. 707.158/SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, 4ª Turma, j. 18/10/2011, DJe 28/10/2011) TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CESSÃO DE DIREITO SOBRE CRÉDITO-PRÊMIO DE IPI. INCLUSÃO DE EMPRESAS CESSIONÁRIAS NO PÓLO ATIVO DA EXECUÇÃO DA SENTENÇA. AÇÃO ORDINÁRIA (DECLARATÓRIA) TRANSITADA EM JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE CONSENTIMENTO EXPRESSO DA FAZENDA. (...) 2. O objeto de discussão no recurso especial é a possibilidade de inclusão das empresas cessionárias no pólo ativo da execução de sentença já transitada em julgado. Pretendem futuramente proceder à compensação dos valores próprios que lhe foram cedidos (créditos-prêmio de IPI) com débitos de terceiros. 3. O art. 567, inciso II deve ser interpretado e aplicado em harmonia com o art. 42, § 1º, ambos do CPC. 4. A regra do art. 42, § 1º, do CPC só pode ser afastada quando a cessão for efetivada antes do ajuizamento da demanda, caso em que o cessionário detém legitimidade ativa para ingressar em juízo porque lhe foram transferidos, com a cessão, todos os direitos, ações e pretensões pertencentes aos cedentes. 5. A natureza da relação jurídica de direito material, assim como o tumulto processual noticiado pelo juízo de primeiro grau impedem o deferimento da assistência litisconsorcial. 6. O cessionário de crédito reconhecido por sentença transitada em julgado só pode promover execução de decisão contra a Fazenda Pública se esta consentir expressamente com a cessão. 7. Apreciando caso similar, oriundo da mesma Ação Ordinária n. 89.00.13622-4, a Primeira Turma desta Corte negou provimento ao Recurso Especial n. 803.629/RS, recorrente Indústria de Calçados Cairú Ltda - Massa Falida e outros, DJ 26/06/2006, não permitindo a inclusão das cessionárias no pólo ativo da ação executiva. 8. Precedentes: Resp 962.096/RS, Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, julgado em 04/10/2007; Resp 803.629/RS, Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ 26/06/2006; REsp 331.369/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ 05/11/2001. 9. Afasta-se o entendimento adotado nesta decisão quando há autorização constitucional para a cessão. 10. A conclusão final do voto condutor do julgamento do Tribunal a quo é da inexistência de prova robusta nos autos no sentido de indicar a existência concreta do crédito cedido, por meio de elementos contábeis incontroversos, submetidos à perícia judicial, de molde a evidenciar a verossimilhança inconteste do interesse postulado no processo. 11. Recurso especial não-provido. (STJ – REsp n. 944.243/RS, Rel. Min. José Delgado, 1ª Turma, j. 13/11/2007, DJ 29/11/2007, p. 238.) Portanto, deve ser mantida a sentença recorrida. Ante todo o exposto, CONHEÇO E NEGO PROVIMENTO ao recurso de apelação, nos termos da fundamentação supra. Deixo de majorar os honorários advocatícios, nos termos do art. 85, § 11, do CPC, uma vez que não houve condenação dos autores na verba sucumbencial na origem. É como voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. SFH. CONTRATO DE MÚTUO HABITACIONAL CEDIDO À EMGEA. CIÊNCIA DOS MUTUÁRIOS ANTES DA PROPOSITURA DA AÇÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA CEF. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. O Código Civil não exige, para a validade da cessão de crédito, a anuência expressa ou tácita do devedor, salvo disposição contratual em contrário (art. 286). Nos termos do art. 292 daquele diploma, apenas a eficácia do ato é condicionada à ciência – e não concordância – do devedor, a fim de evitar o pagamento da dívida em favor do credor primitivo (art. 292).
2. Na espécie, os apelantes tiveram conhecimento da transmissão em 2002, e o ato foi averbado na matrícula em 2010, sendo-lhe dada, portanto, plena publicidade.
3. Considerando que a presente ação declaratória e indenizatória foi proposta em 26/03/2021 e que a recusa no recebimento dos valores que levaram à adjudicação do imóvel também se deu após a cessão, correta a conclusão alcançada pelo juízo a quo quanto à ilegitimidade passiva da credora originária.
4. Inaplicabilidade do art. 109 do CPC, uma vez que trata da legitimidade do adquirente ou cessionário para intervir nos processos em curso no momento da transmissão da obrigação, o que não é o caso dos autos. Precedentes.
5. Apelação não provida.