Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5026181-97.2019.4.03.6100

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, EMPRESA GESTORA DE ATIVOS - EMGEA

Advogado do(a) APELANTE: FABRICIO DOS REIS BRANDAO - PA11471-A

APELADO: CINTIA ZACCARO MARQUES DE SA, FRANCISCO MARQUES DE SA

Advogados do(a) APELADO: GISELLE DE MELO BRAGA TAPAI - SP135144-A, JAIR CORREIA DE ALMEIDA - SP423909-A, MARCELO DE ANDRADE TAPAI - SP249859-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5026181-97.2019.4.03.6100

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, EMPRESA GESTORA DE ATIVOS - EMGEA

Advogado do(a) APELANTE: FABRICIO DOS REIS BRANDAO - PA11471-A

APELADO: CINTIA ZACCARO MARQUES DE SA, FRANCISCO MARQUES DE SA

Advogados do(a) APELADO: GISELLE DE MELO BRAGA TAPAI - SP135144-A, JAIR CORREIA DE ALMEIDA - SP423909-A, MARCELO DE ANDRADE TAPAI - SP249859-A

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

Trata-se de recurso de apelação interposto por EMPRESA GESTORA DE ATIVOS – EMGEA em face da sentença que declarou a quitação do contrato de financiamento habitacional celebrado com CÍNTIA ZACCARO MARQUES DE SÁ e FRANCISCO MARQUES DE SÁ, reconhecendo a extinção da dívida e da garantia hipotecária (ID 269584867).

Alega, em suma, que o crédito referente ao contrato objeto da lide lhe foi cedido pela CEF, sendo parte legítima para figurar nos autos independentemente de consentimento dos devedores. De outro lado, sustentam, os autores não têm legitimidade para requerer a quitação, uma vez que o titular do contrato em questão é Marcos Costabile Barone e não houve anuência da credora com a cessão dos direitos e obrigações a terceiros. Aduz que a sentença nada disse acerca de tal fato, sendo nula por ausência de fundamentação. No mérito, afirma a inocorrência da prescrição, pois o contrato estabeleceu um prazo de 240 meses, com prorrogação de mais 108 meses, de modo que o termo inicial da prescrição somente ocorreria em 2019, ainda estando em curso o prazo quinquenal. Ao final, postula a sucessão processual da CEF pela EMGEA e a anulação da sentença por ausência de fundamentação, ou sua reforma para afastar a prescrição reconhecida (ID 269584878).

Contrarrazões dos autores (ID 269584891).

É o relatório.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5026181-97.2019.4.03.6100

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, EMPRESA GESTORA DE ATIVOS - EMGEA

Advogado do(a) APELANTE: FABRICIO DOS REIS BRANDAO - PA11471-A

APELADO: CINTIA ZACCARO MARQUES DE SA, FRANCISCO MARQUES DE SA

Advogados do(a) APELADO: GISELLE DE MELO BRAGA TAPAI - SP135144-A, JAIR CORREIA DE ALMEIDA - SP423909-A, MARCELO DE ANDRADE TAPAI - SP249859-A

 

 

 

V O T O

 

 

 

De início, indefiro a sucessão processual requerida pela apelante.

O art. 109, § 1º, do Código de Processo Civil, dispõe que “o adquirente ou cessionário não poderá ingressar em juízo, sucedendo o alienante ou cedente, sem que o consinta a parte contrária.”

Na espécie, requerida a alteração do polo passivo em contestação (ID 269584814), os autores a rechaçaram expressamente na réplica (ID 269584838). Portanto, descabe a sucessão processual no caso, sendo autorizada apenas a assistência litisconsorcial da cessionária em favor da cedente (art. 109, § 2º), como bem decidiu o juízo a quo.

Vale observar que o indeferimento da medida nada diz acerca da validade ou eficácia da cessão dos créditos, que observará os termos previstos na lei civil (artigos 286 a 299). Não obstante, os efeitos daquela na relação jurídico-processual são disciplinadas pelo Código de Processo Civil, que prevê, para tanto, a necessidade de consentimento da parte adversa.

Por fim, é de se registrar que, havendo ou não intervenção do cessionário, os efeitos da sentença proferida entre as partes originárias a ele se estendem, nos termos do § 3º do art. 109 do CPC.

Isso ultrapassado, cinge-se a controvérsia nos autos acerca da legitimidade ativa dos cessionários de contrato de mútuo habitacional celebrado com a CEF e da ocorrência da prescrição do crédito oriundo do mesmo contrato.

E, sem delongas, tenho que a preliminar arguida pela apelante merece acolhida.

A matéria foi pacificada definitivamente pelo C. Superior Tribunal de Justiça no julgamento de Recurso Especial segundo o rito do artigo 543-C do Código de Processo Civil de 1973:

RECURSO ESPECIAL. REPETITIVO. RITO DO ART. 543-C DO CPC. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. LEGITIMIDADE ATIVA DO CESSIONÁRIO DE CONTRATO DE MÚTUO. LEI Nº 10.150/2000. REQUISITOS. 1.Para efeitos do art. 543-C do CPC: 1.1 Tratando-se de contrato de mútuo para aquisição de imóvel garantido pelo FCVS, avençado até 25/10/96 e transferido sem a interveniência da instituição financeira, o cessionário possui legitimidade para discutir e demandar em juízo questões pertinentes às obrigações assumidas e aos direitos adquiridos. 1.2 Na hipótese de contrato originário de mútuo sem cobertura do FCVS, celebrado até 25/10/96, transferido sem a anuência do agente financiador e fora das condições estabelecidas pela Lei nº 10.150/2000, o cessionário não tem legitimidade ativa para ajuizar ação postulando a revisão do respectivo contrato. 1.3 No caso de cessão de direitos sobre imóvel financiado no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação realizada após 25/10/1996, a anuência da instituição financeira mutuante é indispensável para que o cessionário adquira legitimidade ativa para requerer revisão das condições ajustadas, tanto para os contratos garantidos pelo FCVS como para aqueles sem referida cobertura. 2. Aplicação ao caso concreto: 2.1. Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte provido. Acórdão sujeito ao regime do artigo 543-C do Código de Processo Civil e da Resolução STJ nº 8/2008. (REsp n. 1.150.429/CE, Rel. Min. RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Corte Especial, j. 25/04/2013, DJe 10/05/2013) [grifei]

Como visto, a presença da legitimidade ativa do cessionário de contrato de mútuo no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, quando a transferência ocorre sem a anuência da instituição financeira, depende de dois requisitos: a) que o contrato seja anterior a 25/10/1996; e b) que o contrato seja garantido pelo Fundo de Compensação das Variações Salariais (item 1.1 supra).

Na hipótese dos autos, embora o contrato originário, firmado com a CEF por Marcos Costabile Barone (18/09/1990 – ID 269584799), bem como a cessão de direitos e obrigações deste aos autores (28/04/1994 – ID 269584798) sejam anteriores à data indicada, conforme se depreende daquele instrumento (ID 269584799, item “C” e cláusulas décima sétima e décima oitava) e do documento de ID 269584817, a operação não foi segurada pelo FCVS, inexistindo contribuição a esse título paga pelo mutuário.

Portanto, o caso se amolda a situação prevista no item 1.2 supratranscrito, carecendo os autores de legitimidade para discutir e demandar em juízo questões pertinentes às obrigações assumidas e aos direitos adquiridos. Consoante delimitado no voto condutor do acórdão proferido pela Corte Superior, nesses casos, “o cessionário possui, tão somente, legitimidade para requerer a regularização do financiamento, nos termos do art. 20 da Lei nº 10.150/2000, c/c o art. 23 da mesma norma” – o que não se verifica na espécie.

No mesmo sentido, já decidiu esta Primeira Turma:

APELAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE GAVETA. SFH. LEGITIMIDADE ATIVA. CESSÃO DOS DIREITOS SEM ANUÊNCIA DA CEF. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. Trata-se de apelação interposta em face de sentença que julgou improcedente o pedido formulado pela autora com base em sua ilegitimidade ativa para postular no feito. Alega a apelante que o STJ já reconheceu, em diversos julgados, a possibilidade da realização dos ‘contratos de gaveta’, uma vez que considera legítimo que o cessionário do imóvel financiado discuta em juízo as condições das obrigações e direito assumidos no referido contrato. Clama pela nulidade da sentença e remessa dos autos à primeira instância para instrução processual. A Lei nº 10.150/2000 prevê o reconhecimento dos denominados "contratos de gaveta", consoante se observa da leitura do artigo 20 do referido diploma normativo. O colendo Superior Tribunal de Justiça pacificou a questão: '' (...)1.3 No caso de cessão de direitos sobre imóvel financiado no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação realizada após 25/10/1996, a anuência da instituição financeira mutuante é indispensável para que o cessionário adquira legitimidade ativa para requerer revisão das condições ajustadas, tanto para os contratos garantidos pelo FCVS como para aqueles sem referida cobertura. (...) (REsp 1150429/CE, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, CORTE ESPECIAL, julgado em 25/04/2013, DJe 10/05/2013)'' Recurso a que se nega provimento. (TRF3, 1ª Turma, ApCiv n. 5001305-67.2018.4.03.6115, Rel. Des. Federal WILSON ZAUHY FILHO, j. 13/07/2020, e-DJF3 16/07/2020)

APELAÇÃO. SFH. CONTRATO DE MÚTUO SEM COBERTURA DO FCVS. CONTRATO DE GAVETA. CESSÃO DO CONTRATO OCORRIDA APÓS 25/10/1996 SEM ANUÊNCIA DA CEF.  LEI 10.150/00. ILEGITIMIDADE DA ADQUIRENTE PARA A QUITAÇÃO DO CONTRATO.  IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. APELO NÃO PROVIDO. 1. A matéria trazida a esta Corte diz com o direito do autores de adjudicarem o imóvel adquirido no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação, por meio do denominado 'contrato de gaveta', quitado pela instituição financeira Ré, mediante liquidação do sinistro de óbito do mutuário primitivo. 2. A Lei nº 10.150/2000 prevê o reconhecimento dos denominados "contratos de gaveta", consoante se observa da leitura do artigo 20 do referido diploma normativo: “As transferências no âmbito do SFH, à exceção daquelas que envolvam contratos enquadrados nos planos de reajustamento definidos pela Lei no 8.692, de 28 de julho de 1993, que tenham sido celebradas entre o mutuário e o adquirente até 25 de outubro de 1996, sem a interveniência da instituição financiadora, poderão ser regularizadas nos termos desta Lei”. 3. O contrato de cessão em que a Apelante figura como promissária compradora, foi firmado em 10 de abril de 2006, depois, portanto de 25.10.1996, período máximo admitido no referido repetitivo do C. STJ, que pacificou a questão, segundo o rito do artigo 543-C do Código de Processo Civil de 1973. 4. Ademais, o contrato originário firmado com a CEF não conta cobertura FCVS, conforme expressamente previsto na cláusula trigésima nona. 5. Desse modo, seria indispensável a anuência da instituição financeira em relação à cessão em referência, o que, contudo, não ocorreu no caso sub judice, razão pela qual a apelante não faz jus à cobertura securitária pretendida. 6. Recurso de apelação a que se nega provimento. (TRF3, 1ª Turma, ApCiv n. 0000590-30.2010.4.03.6103, Rel. Des. Federal WILSON ZAUHY FILHO, j. 01/12/2020, e-DJF3 10/12/2020) [grifei]

Registro que o termo de audiência de ID 269584804, extraído dos autos n. 2003.61.00.006861-7, no qual o ora autor Francisco Marques de Sá é descrito pelo como “procurador(a) da parte autora [Marcos Costabile Barone] e cessionário(a) de sua posição contratual” não modifica o entendimento supra, uma vez que não houve reconhecimento de tal condição pela CEF/EMGEA na ocasião. Ademais, tanto a ação supra referida quanto a cautelar que a precedeu (autos n. 2002.61.00.029305-0), embora posteriores à cessão de direitos, foram ajuizadas pelo mutuário originário, não tendo o demandante no caso apresentado a procuração ou outros documentos que indicassem efetivo conhecimento e anuência, pela mutuante, acerca da cessão realizada.

Nesse caso, impõe-se o reconhecimento da ilegitimidade ativa, reformando-se a sentença que acolheu os pedidos iniciais para extinguir o processo em razão da carência de ação.

Ante todo o exposto, CONHEÇO E DOU PROVIMENTO à apelação a fim de reformar a sentença e extinguir o processo, sem resolução do mérito, com fulcro no art. 485, VI, do Código de Processo Civil, nos termos da fundamentação supra.

Com a inversão da sucumbência, e à luz dos arts. 82, § 2º, e 85, § 2º, do CPC, condeno os autores-apelantes ao pagamento das despesas processuais e de honorários advocatícios que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa atualizado.

É como voto.



E M E N T A

 

APELAÇÃO CÍVEL. SFH. LEGITIMIDADE ATIVA. CESSÃO DE DIREITOS ANTERIOR A 25/10/1996. CONTRATO ORIGINÁRIO SEM COBERTURA DO FCVC. ILEGITIMIDADE DOS CESSIONÁRIOS. TEMA REPETITIVO 521 DO STJ. RECURSO PROVIDO.

1. Controvérsia acerca da legitimidade ativa dos cessionários de contrato de mútuo habitacional celebrado com a CEF para pleitear a declaração de prescrição do crédito proveniente do mesmo contrato.

2. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu, no julgamento de Recurso Especial segundo o rito do artigo 543-C do Código de Processo Civil de 1973, que “Na hipótese de contrato originário de mútuo sem cobertura do FCVS, celebrado até 25/10/96, transferido sem a anuência do agente financiador e fora das condições estabelecidas pela Lei nº 10.150/2000, o cessionário não tem legitimidade ativa para ajuizar ação postulando a revisão do respectivo contrato.”

3. Na hipótese, embora o contrato originário e a cessão de direitos e obrigações sejam anteriores à data indicada, a operação não foi segurada pelo FCVS. Portanto, o caso se amolda a situação prevista no julgado, carecendo os autores de legitimidade para discutir e demandar em juízo questões pertinentes às obrigações assumidas e aos direitos adquiridos.

4. Apelação provida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Turma, por unanimidade, conheceu e deu provimento à apelação a fim de reformar a sentença e extinguir o processo, sem resolução do mérito, com fulcro no art. 485, VI, do Código de Processo Civil e com a inversão da sucumbência, e à luz dos arts. 82, § 2º, e 85, § 2º, do CPC, condenou os autores-apelantes ao pagamento das despesas processuais e de honorários advocatícios que foram fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa atualizado, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.