Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL (199) Nº 0022869-77.2014.4.03.6100

RELATOR: Gab. 08 - JUIZ CONVOCADO RENATO BECHO

PARTE AUTORA: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

PARTE RE: CENTRAL NACIONAL DE PRODUCOES LTDA, CTV COMUNICACOES E PRODUCOES LIMITADA, CNT RIO LTDA, CNT BAHIA PRODUCOES LTDA, RADIO E TELEVISAO OM LTDA, TV CARIOBA COMUNICACOES LTDA, TV CORCOVADO S/A, TELEVISAO CARIMA LTDA, IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS, OSCAR MARTINEZ NETO, FLAVIO DE CASTRO MARTINEZ, RODRIGO MARTINEZ, MONICA MARTINEZ BERTAGNOLI, BEATRIZ CAROLINA DE MAGALHAES MARTINEZ, MAURICIO CESAR CAMPOS SILVA, UNIÃO FEDERAL

Advogado do(a) PARTE RE: LUIZ CARLOS DA ROCHA - PR13832-A
Advogados do(a) PARTE RE: CARLOS HENRIQUE LEMOS - SP183041-A, MARIA ISABEL DE ALMEIDA ALVARENGA - SP130609, RODRIGO PORTO LAUAND - SP126258-A
Advogados do(a) PARTE RE: PATRICIA GUIMARAES DE LIMA - SP278384-A, RENATO GUGLIANO HERANI - SP156415-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL (199) Nº 0022869-77.2014.4.03.6100

RELATOR: Gab. 08 - JUIZ FEDERAL CONVOCADO RENATO BECHO

PARTE AUTORA: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

PARTE RE: CENTRAL NACIONAL DE PRODUCOES LTDA, CTV COMUNICACOES E PRODUCOES LIMITADA, CNT RIO LTDA, CNT BAHIA PRODUCOES LTDA, RADIO E TELEVISAO OM LTDA, TV CARIOBA COMUNICACOES LTDA, TV CORCOVADO S/A, TELEVISAO CARIMA LTDA, IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS, OSCAR MARTINEZ NETO, FLAVIO DE CASTRO MARTINEZ, RODRIGO MARTINEZ, MONICA MARTINEZ BERTAGNOLI, BEATRIZ CAROLINA DE MAGALHAES MARTINEZ, MAURICIO CESAR CAMPOS SILVA, UNIÃO FEDERAL

Advogado do(a) PARTE RE: LUIZ CARLOS DA ROCHA - PR13832-A
Advogados do(a) PARTE RE: CARLOS HENRIQUE LEMOS - SP183041-A, MARIA ISABEL DE ALMEIDA ALVARENGA - SP130609, RODRIGO PORTO LAUAND - SP126258-A
Advogados do(a) PARTE RE: PATRICIA GUIMARAES DE LIMA - SP278384-A, RENATO GUGLIANO HERANI - SP156415-A

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de embargos de declaração a acórdão assim ementado:

 

"PROCESSUAL CIVIL – CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA JULGADA IMPROCEDENTE – REEXAME NECESSÁRIO – SUSPENSÃO DE EXECUÇÃO DE SERVIÇO DE RADIODIFUSÃO – INEXISTÊNCIA DE ILÍCITOS – VENDA DE GRADE DE PROGRAMAÇÃO – LIMITES DOS ARTIGOS 124 DA LEI Nº 4.117/62 E 28, § 12, “D”, DO DECRETO Nº 52.795/63 – INAPLICABILIDADE – SENTENÇA MANTIDA. I – Publicidade comercial é aquela atrelada à ideia de exposição de uma determinada marca ou empresa, a fim de que seus produtos e/ou serviços sejam adquiridos por terceiros interessados. Estas estão sujeitas às restrições previstas nos artigos 124 da Lei nº 4.117/62 e 28, § 12, “d”, do Decreto nº 52.795/63, que estipulam que o tempo destinado na programação das estações de radiodifusão, à publicidade comercial, não poderá exceder de 25% (vinte e cinco por cento) do total. II – O contrato firmado entre o Grupo CNT e a IURD teve por objeto a comercialização de espaço na grade de programação, “para produção de programas de cunho religioso e cultural de autoria da IURD (“Programa” ou “Programas”), visando à sua exibição e transmissão pelo GRUPO CNT, tanto no sinal analógico como no digital (...)”, conforme cláusula 2.1 da avença. III – A exibição de programas de cunho religioso e cultural não se enquadra no conceito de publicidade comercial, donde não ser aplicável os artigos 124 da Lei nº 4.117/62 e 28, § 12, “d”, do Decreto nº 52.795/63. IV – Remessa oficial improvida."

 

Rejeitados os embargos de declaração, houve recurso especial, provido para anular o acórdão nos embargos de declaração para que outro julgamento seja proferido.

Peticionou a Central Nacional de Produções Ltda suscitando a perda do objeto, em razão das inovações na legislação trazidas pela Lei 14.408/2022

É o relatório.

 

 


REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL (199) Nº 0022869-77.2014.4.03.6100

RELATOR: Gab. 08 - JUIZ FEDERAL CONVOCADO RENATO BECHO

PARTE AUTORA: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

PARTE RE: CENTRAL NACIONAL DE PRODUCOES LTDA, CTV COMUNICACOES E PRODUCOES LIMITADA, CNT RIO LTDA, CNT BAHIA PRODUCOES LTDA, RADIO E TELEVISAO OM LTDA, TV CARIOBA COMUNICACOES LTDA, TV CORCOVADO S/A, TELEVISAO CARIMA LTDA, IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS, OSCAR MARTINEZ NETO, FLAVIO DE CASTRO MARTINEZ, RODRIGO MARTINEZ, MONICA MARTINEZ BERTAGNOLI, BEATRIZ CAROLINA DE MAGALHAES MARTINEZ, MAURICIO CESAR CAMPOS SILVA, UNIÃO FEDERAL

Advogado do(a) PARTE RE: LUIZ CARLOS DA ROCHA - PR13832-A
Advogados do(a) PARTE RE: CARLOS HENRIQUE LEMOS - SP183041-A, MARIA ISABEL DE ALMEIDA ALVARENGA - SP130609, RODRIGO PORTO LAUAND - SP126258-A
Advogados do(a) PARTE RE: PATRICIA GUIMARAES DE LIMA - SP278384-A, RENATO GUGLIANO HERANI - SP156415-A

 

  

 

V O T O

 

Adiro ao entendimento do Exmo. Des. Fed. Carlos Muta:

 

Senhores Desembargadores, cabe rememorar, ainda que sucintamente, que após a presente ação civil pública ser julgada improcedente na origem (ID 68582612, f. 3/27), houve manifestação do Ministério Público Federal informando ciência e desinteresse em interpor apelação (idem, f. 30/31), e em parecer ao reexame necessário, opinando pela manutenção do decidido em sua integralidade (ID 78415250).

Nesta Corte, foi proferido o seguinte acordão (ID 102237847):

 

"PROCESSUAL CIVIL – CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA JULGADA IMPROCEDENTE – REEXAME NECESSÁRIO – SUSPENSÃO DE EXECUÇÃO DE SERVIÇO DE RADIODIFUSÃO – INEXISTÊNCIA DE ILÍCITOS – VENDA DE GRADE DE PROGRAMAÇÃO – LIMITES DOS ARTIGOS 124 DA LEI Nº 4.117/62 E 28, § 12, “D”, DO DECRETO Nº 52.795/63 – INAPLICABILIDADE – SENTENÇA MANTIDA. I – Publicidade comercial é aquela atrelada à ideia de exposição de uma determinada marca ou empresa, a fim de que seus produtos e/ou serviços sejam adquiridos por terceiros interessados. Estas estão sujeitas às restrições previstas nos artigos 124 da Lei nº 4.117/62 e 28, § 12, “d”, do Decreto nº 52.795/63, que estipulam que o tempo destinado na programação das estações de radiodifusão, à publicidade comercial, não poderá exceder de 25% (vinte e cinco por cento) do total. II – O contrato firmado entre o Grupo CNT e a IURD teve por objeto a comercialização de espaço na grade de programação, “para produção de programas de cunho religioso e cultural de autoria da IURD (“Programa” ou “Programas”), visando à sua exibição e transmissão pelo GRUPO CNT, tanto no sinal analógico como no digital (...)”, conforme cláusula 2.1 da avença. III – A exibição de programas de cunho religioso e cultural não se enquadra no conceito de publicidade comercial, donde não ser aplicável os artigos 124 da Lei nº 4.117/62 e 28, § 12, “d”, do Decreto nº 52.795/63. IV – Remessa oficial improvida."

 

Foram opostos embargos declaração nos seguintes termos (ID 126175287):

 

"(...) A inicial narra que a Igreja Universal do Reino de Deus - IURD e o “Grupo CNT” celebraram, em 10/06/2014, contrato de comercialização de tempo de programação para a produção de programas de cunha religioso e cultural de autoria da IURD, visando a exibição e transmissão pelo grupo, de segunda a segunda, entre 0h e 22h (isto, é, 91,66% da carga horária diária disponível), de forma ininterrupta, pelo prazo de 8 anos.

O autor coletivo, no entanto, afirma que a prática é ilegal, porque afronta o art. 124 da Lei nº 4.117/62 e o art. 28, § 12, alínea “d”, do Decreto nº 52.795/63 – que determinam que o tempo destino à publicidade comercial não poderá exceder 25% do tempo total de programação. Argumenta, ainda, que o contrato infringe o art. 34 da Lei nº 4.117/62 e os arts. 10, 90 e 94 do Decreto nº 52.795/63 – que disciplinam o procedimento de concessão e de transferência das outorgas de radiodifusão.

(...) Da leitura do acórdão, extraio que teses relevantes deixaram de ser apreciadas por esta Colenda Turma, refletindo diretamente na solução da controvérsia.

Segundo o acórdão, a sentença de improcedência deve ser mantida porque

“A exibição de programas de cunho religioso e cultural não se enquadra no conceito de publicidade comercial, a atrair a incidência dos artigos 124 da Lei nº 4.117/62 e 28, § 12, “d”, do Decreto nº 52.795/63.”
 

E, como já havia anotado a decisão de primeiro grau,
 

“a publicidade comercial é aquela atrelada à ideia de exposição de uma determinada marca ou empresa, a fim de que seus produtos e/ou serviços sejam adquiridos por terceiros interessados.”
 

No entanto, noto que os pedidos contidos na inicial estão assentados em outros fundamentos jurídicos, além daquele exposto no acórdão.

Com efeito, o autor coletivo anotou que a prática exposta na comercialização de tempo de programação para a produção de programas de cunho religioso e cultural de autoria da IURD também é ilegal porque infringe o art. 34 da Lei nº 4.117/62 e os arts. 10, 90 e 94 do Decreto nº 52.795/63, todos relativos ao procedimento de concessão e de transferência das outorgas de radiodifusão.

Assim, traz como um dos fundamentos do pedido a impossibilidade de transferência da execução do serviço, com ou sem anuência do poder concedente.

Não por outro motivo a sentença fundamenta a improcedência do pedido na legalidade da autorização para a veiculação de conteúdo produzido por terceiro, posto que “o negócio jurídico firmado entre o Grupo CNT e a IURD não pode representar ofensa ao caráter intuito personae da concessão” (id 68582612 – p. 23).

E esse relevante móvel da ação civil pública não foi enfrentado pelo acórdão.

O autor da ação popular traz outro fundamento para justificar a nulidade da concessão. Afirma “que o Grupo CNT alienou a sua posição de delegatária à Igreja Universal do Reino de Deus, haja vista ter comercializado 22 (vinte e duas) horas de sua programação diária em prol da entidade religiosa”, em infringência ao caráter extra commercium do serviço de radiodifusão, à exigência constitucional de prévio procedimento licitatório, à natureza intuitu personae dessa delegação e aos princípios da legalidade, impessoalidade e eficiência (id 68582590 – pp. 30/31).

O magistrado a quo, por outro lado, rebate esse argumento ao afirmar que não houve, no negócio jurídico que o Ministério Público Federal pretende invalidar, a transferência da execução do serviço a terceiro, prática que reconhece vedada pelo ordenamento jurídico.

Esse importante argumento da ação civil pública também foi ignorado pelo acórdão. E não deveria, posto que ainda controvertido e, por si só, suficiente para justificar a procedência da demanda.

Vale dizer, a justificativa utilizada por esta Colenda Turma para reputar válido o ato jurídico debatido na ação civil pública guarda relação com apenas um dos aspectos que o Ministério Público Federal utiliza para considerar as outorgas do serviço de radiodifusão conferidas às pessoas jurídicas integrantes do “Grupo CNT” ilegais e inconstitucionais.

Acontece que as demais teses expostas na petição inicial são igualmente preponderantes para a solução da lide, de modo que, ainda que a exibição de programas de cunho religioso e cultural não se enquadre no conceito de publicidade comercial, a atrair a incidência dos artigos 124 da Lei nº 4.117/62 e 28, § 12, “d”, do Decreto nº 52.795/63, como de forma muito clara expôs o Eminente Relator, resta analisar:
 

i) se a outorga do serviço de radiodifusão conferida ao “Grupo CNT” foi transferida ilegalmente para a Igreja Universal do Reino de Deus sem a observância de licitação;

ii) se o fato da concessão ser conferida em caráter personalíssimo ao concessionário impede a execução do serviço a terceiro e, impedindo, se esta conduta ficou caracterizada nos autos; e

iii) se houve a transferência da concessão de uma pessoa jurídica para outra, sem a prévia anuência do Poder Executivo.
 

Sem que essas omissões sejam sanadas, não é possível falar prestação jurisdicional completa e satisfatória.

3 . Registro, por oportuno, que o consequente efeito infringente que se objetiva decorre diretamente do suprimento do vício apontado, e não porque se entende que a solução aqui proposta é mais justa do que aquela constante na decisão embargada.

4. Pelo exposto, requer o Ministério Público Federal o conhecimento e o provimento dos presentes embargos de declaração, declarando os pontos omissos."

 

Rejeitados os embargos declaratórios (ID 129968975), por decisão monocrática, a Corte Superior deu provimento ao subsequente recurso especial do Ministério Público Federal nos seguintes termos (ID 266730071, f. 27/34):

 

"(...) No presente caso, os autos versam sobre ação civil pública em que o Ministério Público Federal questiona o contrato de cessão onerosa firmado entre a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e o Grupo CNT, no tocante ao tempo de programação para a produção de programas de cunho religioso e cultural promovido pela instituição religiosa.

A sentença de improcedência do pedido foi mantida pelo Regional em reexame necessário, sob a compreensão de que "a exibição de programas de cunho religioso e cultural não se enquadra no conceito de publicidade comercial, a atrair a incidência do art. 124 da Lei n. 4.117/1962 e do art. 28, § 12, “d”, do Decreto n. 52.795/1963." (e-STJ fl. 3.090).

O Parquet opôs embargos de declaração em que apontou omissão no tocante à análise do outro argumento expendido na ação, qual seja, "a impossibilidade de transferência da execução do serviço, com ou sem a anuência do poder concedente",em razão do caráter intuitu personae da concessão (e-STJ fls. 3.104/3.111).

O Regional rejeitou os embargos por entender ter ocorrido a preclusão lógica, pois "o Ministério Público Federal manifestou expressa concordância com a sentença em dois momentos distintos nos autos, quando comunicou ciência e desinteresse em interpor apelação (...), e em parecer ao reexame necessário, opinando pela manutenção do decidido em sua integralidade" (e-STJ fls. 3.192/3.193).

Constatou, ainda, existir comportamento contraditório do Parquet que, apenas em sede de aclaratórios, objetivou a reforma da sentença (...)

A título de obter dictum, ressalto também que é firme nesta Corte Superior o entendimento de que não há falar em preclusão lógica na atuação de membro do Parquet, tendo em vista o princípio da independência funcional previsto no § 1º do art. 127 da Constituição Federal. (...)

Assim, estando configurada a negativa de prestação jurisdicional, faz-se necessária a declaração de nulidade do acórdão que apreciou os embargos declaratórios, para que o vício seja sanado pelo Tribunal de origem. (...)

Pelo exposto, com base no art. 255, § 4º, III, do RISTJ, DOU PROVIMENTO ao recurso especial para anular o acórdão prolatado em sede de embargos declaratórios e determinar o retorno dos autos ao Tribunal a quo, a fim de que seja analisada a questão omissa."

 

Interposto agravo interno, este foi desprovido pela Corte Superior (idem, f. 169/180).

Prossegue-se, assim, a novo exame dos embargos de declaração oposto pelo Ministério Público Federal.

Neste ponto, primeiramente, cabe destacar que nos limites devolvidos pelo recurso não resta qualquer discussão acerca da alegação da inicial de que o conteúdo produzido pela IURD se enquadraria no conceito de publicidade comercial e teria havido descumprimento do limite máximo do horário da programação diária, tendo aduzido, a propósito, o aresto embargado que "a publicidade comercial é aquela atrelada à ideia de exposição de uma determinada marca ou empresa, a fim de que seus produtos e/ou serviços sejam adquiridos por terceiros interessados", não sendo "este, contudo, o intuito do contrato firmado entre o Grupo CNT e a IURD, que teve por objeto a comercialização de espaço na “grade de programação”, além de que "a exibição de programas de cunho religioso e cultural não se enquadra no conceito de publicidade comercial, a atrair a incidência dos artigos 124 da Lei nº 4.117/62 e 28, § 12, “d”, do Decreto nº 52.795/63".

Pontue-se ainda que, posteriormente, a Lei 14.408/2022 incluiu o parágrafo único do artigo 124 da Lei 4.117/1962, que reforçou o entendimento adotado no julgamento proferido por esta Turma em 21/02/2020, ao assim dispor: "Para os fins desta Lei, considera-se publicidade comercial o espaço da programação para a difusão de mensagens e informações com conteúdo próprio de publicidade de produtos e serviços para os consumidores e/ou de promoção de imagem e marca de empresas".

Sobre as alegações de que a concessão conferida em caráter personalíssimo ao concessionário impede a execução do serviço a terceiro, e de que no caso a outorga do serviço de radiodifusão conferida ao “Grupo CNT” foi transferida ilegalmente para a Igreja Universal do Reino de Deus sem a observância de licitação, e sem a prévia anuência do Poder Executivo, importa destacar o seguinte trecho da sentença (ID 68582612, f. ):

 

"(...) a tese ministerial, ao meu sentir, não reúne condições de prosperar por duas razões:

Primeira: o conceito de publicidade comercial, tal como visto, em nada se confunde com a "comercialização da grade de programação". O art. 124 da Lei nº 4.117/62124, ao limitar o tempo destinado à publicidade comercial em 25% (vinte e cinco por cento) do total da programação, tem o nítido objetivo de proteger o telespectador contra eventual massificação dos anúncios publicitários na grade de programação das emissoras, em prejuízo à função social da televisão, e por isso, a previsão normativa encontra ressonância no texto constitucional (art. 221, CF).

Elastecer o conceito (técnico) de publicidade comercial para abarcar a negociação (comercial) encetada entre a concessionária de radiodifusão e, no caso, a IURD, vai de encontro à mens legis que é a proteção ao telespectador, alcançando situação jurídica não prevista na norma.

Segunda: a assertiva parte do pressuposto de que a principal (e talvez única) fonte de custeio da emissora de radiodifusão privada é o numerário decorrente da "venda" de espaço publicitário (publicidade comercial) para veiculação de anúncios.

Noutros termos, se a comercialização da grade televisiva (independentemente de seu conteúdo) ostenta a natureza jurídica de publicidade comercial, tal como defendido pelo autor coletivo, o "tempo comercializado" deveria estar adstrito ao limite de 25% (vinte e cinto por cento) previsto na lei. (...)

Segundo o contrato ora sub examine, o Grupo CNT "comercializou" 22 horas diárias de sua grade de programação para veiculação de programas de cunho religioso e cultural produzidos pela IURD, logo, um conteúdo de autoria de terceiro.

Ocorre que a veiculação de conteúdo de autoria de terceiros não é vedada pelo arcabouço normativo vigente, pelo contrário. O art. 221, II da Constituição Federal estimula a produção independente de programas televisivos, ao passo que o Decreto nº 52.795/63 prevê que a produção independente (conteúdo produzido por terceiro) é um dos critérios para classificação das propostas no certame para outorga do serviço público de radiodifusão, conforme segue:

 

Art. 16. As propostas serão examinadas e julgadas em conformidade com os quesitos e critérios estabelecidos neste artigo. 1o Para a classificação das propostas, serão considerados os seguintes critérios, conforme ato do Ministério das Comunicações:(...)d) tempo destinado a programas culturais, artísticos, educativos e jornalísticos a serem produzidos por entidade que não tenha qualquer associação ou vínculo, direto ou indireto, com empresas ou entidades executoras de serviços de radiodifusão - máximo de trinta pontos. (destaquei)

 

Por conseguinte, exsurge das normas acima enunciadas a existência de autorização para a veiculação, pela concessionária do serviço público de radiodifusão privada, de conteúdo produzido por terceiro.

Ademais, o art. 3º do Decreto nº 52.795/63 preceitua que o serviços de radiodifusão tem finalidade educativa e cultural, mesmo em seus aspectos informativo e recreativo, e são considerados de interesse nacional, sendo permitida, apenas, a exploração comercial dos mesmos, na medida em que não prejudique esse interesse e aquela finalidade. Por seu turno, a Lei nº 4.117/62 determina que as emissoras de radiodifusão deverão cumprir sua finalidade informativa, destinando um mínimo de 5% (cinco por cento) de seu tempo para transmissão de serviço noticioso (art. 38, d). Há ainda a limitação do tempo destinado à publicidade comercial em 25% (vinte e cinco por cento) do total da programação.

Essas são as principais balizas a serem observadas pela concessionária de serviço público de radiodifusão privada, inexistindo, pois, a obrigação de que produza todo o conteúdo da programação.

Também não há exigência de que essa divulgação (do conteúdo de terceiro) se dê de forma gratuita.

O que quero significar, em suma, é que não há vedação normativa para a comercialização da grade de programação por parte da concessionária do serviço de radiodifusão, sendo que a contraprestação financeira se insere na finalidade lucrativa da chamada radiodifusão comercial. A defesa do caráter extra commercium do serviço de radiodifusão vai de encontro à natureza específica desse setor, no qual a existência do lucro é característica inerente, e cujo regime jurídico da concessão é distinto do previsto na Lei nº 8.987/95.

Por certo, o negócio jurídico firmado entre o Grupo CNT e a IURD não pode representar ofensa ao caráter intuitu personae da concessão, caracterizado pela necessidade do ato de outorga ou renovação somente produzir efeitos legais após deliberação do Congresso Nacional, na forma do art. 223, 3º da Constituição da República, após regular processo licitatório.

No ponto, consigno em primeiro lugar que o fato de a concessão ser conferida em caráter personalíssimo ao concessionário, mediante processo licitatório, em nada se relaciona à liberdade de conformação da programação enquanto direito da concessionária sobre a definição do conteúdo de sua programação.

Noutra vertente, válido trazer à colação o entendimento manifestado pela Advocacia Geral da União por meio do Parecer nº 494/2015/CONJUR-MC/CGU/AGU, no sentido de que o serviço de radiodifusão possui duas facetas, a organização da grade de programação, aí incluída a produção de conteúdos, e a transmissão desta programação.

A execução do serviço de radiodifusão privada não compreende, portanto, tão somente a produção do conteúdo (de forma própria ou por terceiro), mas a existência da estrutura/equipamentos necessários para a transmissão do sinal, bem assim a organização da programação.

Em termos práticos, se o concessionário transfere a execução do serviço a terceiro, sem necessariamente transferir a outorga, deixando, pois, de prestar diretamente o serviço, estar-se-á diante de uma conduta vedada pelo ordenamento jurídico.

E, no caso concreto, consta da avença firmada que "[o] GRUPO CNT declara que possui ampla estrutura de produção de obras audiovisuais, composta por estúdios, ilhas de produção, câmeras, transmissores, equipamentos de exibição e demais instalações e equipamentos destinados ao desenvolvimento de suas atividades (...) (1.1)"; "Todos os programas serão veiculados pelo GRUPO CNT exclusivamente para a atual área de cobertura da CNT - Nacional (...) (2.4)"; "É responsabilidade do GRUPO CNT a boa qualidade das imagens geradas para a transmissão. (6.1)"; o Grupo CNT será responsável pela "manutenção de toda a infraestrutura e equipamentos transmissores necessários para o cumprimento deste Contrato (6.2.iiii)" e pela "realização de investimentos para adaptação do sistema analógico para o digital (6.2. v)."

Dessarte, depreende-se que a estrutura física/técnica para a transmissão do conteúdo produzido pela IURD continua sob a "titularidade" do Grupo CNT.

Ainda que de duvidosa constitucionalidade, dado o caráter intuitu personae da delegação, a Lei nº 4.117/62 autoriza a transferência da concessão ou permissão de uma pessoa jurídica para outra, dependendo, para sua validade, de prévia anuência do órgão do Poder Executivo.

Contudo, disso (transferência da concessão) não se está diante, porquanto a estrutura física/técnica continua sob a titularidade da concessionária, tendo havido tão somente a comercialização da grade de programação.

E mais, nos casos de transferência, a sociedade empresária que assume a concessão após a autorização do Poder Executivo passa a ser responsável pelas irregularidades eventualmente constatadas, nos termos do art. 52 e seguintes da Lei nº 4.117/62, ao passo que, no caso concreto, o Grupo CNT, ora requerido, continua responsável, perante o Poder Público, pela regularidade da concessão que lhe foi outorgada, não lhe sendo possível invocar res inter alios para eximir-se de possível penalidade, eis que inoponível ao Poder Público. O mesmo raciocínio se aplica quanto à alegação de ocorrência de subconcessão.

Assim, e em suma, conclui-se que a comercialização da rede de programação na forma pactuada entre o Grupo CNT e a IURD não é vedada pelo ordenamento jurídico, o que afasta, por consequência, a assertiva do autor de ilicitude do seu objeto e de necessidade de compensação por dano moral difuso."

 

De fato, compete à União explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens, sendo que nas hipóteses da prestação de tais serviços sob o regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, nos termos dos artigos 21, XII, "a", e 175, da CF, artigo 32 da Lei 4.117/1962, e artigo 10 do Decreto 52.795/1963.

Por sua vez, dispõe o artigo 28, § 10, "b", do Decreto 52.795/1963 que  as concessionárias e permissionárias do serviço de radiodifusão devem solicitar prévia autorização para "transferir, direta ou indiretamente, concessão ou permissão".

Neste contexto, observa-se que a outorga da concessão ou permissão do serviço de radiodifusão é concedida através de licitação e têm caráter personalíssimo, podendo ser transferida, direta ou indiretamente, apenas no caso de prévia autorização do Poder cedente.

Contudo, tal prerrogativa, não impede que a concessionária disponibilize espaço para veiculação de programação independente, ainda que a título oneroso, não devendo se confundir, pois, transferência da concessão do serviço de radiofusão com comercialização da grade horária.

A propósito, dispõe o artigo 16, § 1º, d, do Decreto 52.795/1963, na redação dada pelo Decreto 7.670/2012, que no exame das propostas dos pretendentes à execução dos serviços de redodifusão é considerado o "tempo destinado a programas culturais, artísticos, educativos e jornalísticos a serem produzidos por entidade que não tenha qualquer associação ou vínculo, direto ou indireto, com empresas ou entidades executoras de serviços de radiodifusão - máximo de trinta pontos". 

Registre-se ainda que a Lei 14.408/2022 incluiu a alínea "k" no artigo 38 da Lei 4.117/1962, dispondo que: "as concessionárias e permissionárias poderão transferir, comercializar ou ceder o tempo total de programação para a veiculação de produção independente, desde que mantenham sob seu controle a regra legal de limitação de publicidade comercial e a qualidade do conteúdo da programação produzido por terceiro para que atenda ao disposto na alínea “d” deste caput, além de responsabilizarem-se perante o poder concedente por eventuais irregularidades que este vier a constatar na execução da programação".

Assim, se infere se que apesar de poder transferir, comercializar ou ceder tempo de programação para a veiculação de produção independente, é necessário, porém, atender a certos requisitos, como a limitação de publicidade comercial, a qualidade do conteúdo produzido por terceiro, além de responsabilizarem-se perante o poder concedente por eventuais irregularidades que este vier a constatar na execução da programação, o que evidencia que em tais casos a concessionária deve manter o controle sobre o serviço prestado de radiodifusão.

Com efeito, a alínea "i" do artigo 38 da Lei 4.117/1962, também incluída pela Lei 14.408/2022, é expressa no sentido de que "as concessionárias e permissionárias não poderão transferir, comercializar ou ceder a gestão total ou parcial da execução do serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens".  

Observa-se, portanto, que não prospera a alegação de perda de objeto suscitada pela Central Nacional de Produções Ltda, em razão das inovações na legislação trazidas pela Lei 14.408/2022, pois além da interpretação do conceito de publicidade comercial não ser o enfoque dito como omisso nos embargos declaratórios, o teor da alínea "k" no artigo 38 da Lei 4.117/1962, apesar de reforçar o entendimento da possibilidade de comercialização da programação, por si só, não afasta a necessidade de exame, no caso concreto, de que se houve ou não transferência da concessão outorgada para a execução do serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, tendo, ademais, o Parquet alegado na inicial que "o contrato de arrendamento transfere à Igreja Universal do Reino de Deus os poderes de uso e gozo sobre o espectro de radiofrequência outorgado ao Grupo CNT, uma vez que competirá à entidade religiosa a efetiva execução do serviço público" (ID 68582590, f. 32).

Na espécie, consta no contrato celebrado entre o Grupo CNT” e a Igreja Universal do Reino de Deus as seguintes cláusulas (ID 68582590, f. 56/68):

 

"1.1. O GRUPO CNT declara que possui ampla estrutura de produção de obras audiovisuais, composta por estúdios, ilhas de produção, câmeras, transmissores, equipamentos de exibição e demais instalações destinados ao desenvolvimento de suas atividades, assim como possui o direito de uso de espaço na Rede CNT - Central Nacional de Televisão, composta por concessionárias de serviço público de radiodifusão de sons e imagens (televisão), nos termos das portarias emitidas pelo Poder Concedente, para todas as praças descritas no Anexo I, parte integrante deste.

1.2. Declara a IURD que está legalmente habilitada a exercer suas atividades e que tem a intenção de utilizar a estrutura e know-how do GRUPO CNT, para a produção e exibição de programas televisivos.

1.3. A responsabilidade perante o Poder Cedente (Ministério das Comunicações) de todas as cláusulas e condições ora pactuadas é obrigação única e exclusiva do GRUPO CNT, sem prejuízo do direito de regresso ora garantido ao GRUPO CNT contra a IURD.

II – DO OBJETO DO CONTRATO E DA EXIBIÇÃO DOS PROGRAMAS

2.1. O presente Contrato tem por objeto conjugar esforços entre IURD e GRUPO CNT para produção de programas de cunho religioso e cultural de autoria da IURD (“Programa” ou “Programas”), visando à sua exibição e transmissão pelo GRUPO CNT, tanto no sinal analógico como no digital, ou em qualquer meio de transmissão que carregue o sinal do GRUPO CNT nas praças descritas no Anexo I.

2.1.1. Para o fim do presente Contrato, o GRUPO CNT poderá disponibilizar os seus estúdios, instalações e equipamentos para a produção e exibição dos Programas.

2.1.2. Desde já, as Partes estabelecem que o GRUPO CNT, a seu critério, poderá transmitir os Programas, também, pela internet, No entanto, por não ser uma obrigação do GRUPO CNT não se aplica nenhuma das penalidades e responsabilidades deste Contrato a este meio de transmissão. (...)

2.4. Todos os Programas serão veiculados pelo GRUPO CNT exclusivamente para a atual área de cobertura da CNT - Nacional, entretanto, em caso de aumento da área de transmissão, as Partes poderão repactuar as condições aqui acordadas.

2.4.1. Fica estabelecido pelas Partes que o horários da exibição do Programa poderá sofrer variações de, no máximo 15 (quinze minutos) para ajustes da programação da Rede CNT.

2.5. A veiculação dos Programas será feita de forma ininterrupta, exceto em caso de determinação legal ou constitucional, de autoridades públicas competentes ou por solicitações do GRUPO CNT, para a transmissão de evento ou programa de exibição nacional obrigatória, por exemplo horário político, tendo estes sempre a prioridade na exibição.

III – DO CONTEÚDO DO PROGRAMA

3.1. Os Programas deverão ser exibidos na grade televisiva do GRUPO CNT, ficando estabelecido que a realização de entrevistas, reportagens, comentários ou qualquer outra inserção no Programa deverá ser acordada de comum acordo entre as Partes.

IV – DA COMERCIALIZAÇÃO DE ESPAÇOS PUBLICITÁRIOS

4.1. A comercialização de espaços publicitários, ações de merchandising e testemunhais somente poderão ser realizados desde que assim for prévia e expressamente acordado pelas Partes”. (...)

6.1 É responsabilidade do GRUPO CNT a boa qualidade das imagens geradas para a transmissão. Não será responsável, porém, por eventuais problemas decorrentes de eventuais atos de ação ou omissão da IURD, tanto no processo de produção dos Programas, quanto em relação ao suporte utilizado na transmissão dos Programas, quando o seu fornecimento ficar sob a responsabilidade da IURD. (...)

6.2. O GRUPO CNT será responsábel, ainda, pelo que segue:

(i) por todos os custos internos operacionais para a realização do objeto do presente Contrato;

(ii) manutenção de toda infraestrutura e equipamentos transmissores necessários para o cumprimentto deste Contrato;

(iii) pagamento de odos os tributos e taxas que sejam de sua responsabilidade, na qualidade de contribuinte nos termos da legislação aplicável, bem como pelo pagamento ao ECADE e ao SISTEL;

(iv) pagamento da folha de pagamento de seus funcionários; e

(v) realização de investimentos para adaptação do sistema analógico para o digital. (...)"

 

Verifica-se, assim, que além de não ter sido efetivamente demonstrado de que houve a transferência da concessão do serviço de radiodifusão sem autorização do Poder concedente, o contrato celebrado entre as partes prevê expressamente a conjugação de "esforços entre IURD e GRUPO CNT para produção de programas de cunho religioso e cultural de autoria da IURD (“Programa” ou “Programas”), visando à sua exibição e transmissão pelo GRUPO CNT" (cláusula 2.1), bem como que "o GRUPO CNT poderá disponibilizar os seus estúdios, instalações e equipamentos para a produção e exibição dos Programas" (cláusula 2.1.1), além de que a transmissão dos programas, também, pela internet, ficará a critério do GRUPO CNT (clásula 2.1.2), e que "todos os Programas serão veiculados pelo GRUPO CNT exclusivamente para a atual área de cobertura da CNT - Nacional" (cláusula 2.4).

Existe previsão ainda de que o Grupo CNT poderá solicitar a interrupção de veiculação dos programas para a transmissão de evento ou programa de exibição nacional obrigatória (cláusula 2.5), bem como que "a realização de entrevistas, reportagens, comentários ou qualquer outra inserção no Programa deverá ser acordada de comum acordo entre as Partes" (cláusula 3.1), a evidenciar, portanto, o poder de gerência que a concessionária possui sobre o teor e qualidade do conteúdo da programação que, ainda que produzido pela IURD, depende de anuência do Grupo CNT.

Por fim, frise-se que segundo o contrato em exame é de responsabilidade do GRUPO CNT a boa qualidade das imagens geradas para a transmissão (cláusula 6.1), bem como a "manutenção de toda infraestrutura e equipamentos transmissores", e a "realização de investimentos para adaptação do sistema analógico para o digital" (cláusula 6.1, II, e V).   

Ademais, a opção institucional do GRUPO CNT de comercializar sua programação para determinado segmento não caracteriza a transferência de outorga da concessão do serviço de radiofusão.

Neste sentido, os seguintes precedentes da Corte:

 

ApCiv 0022870-62.2014.4.03.6100, Rel. Des. Fed. MARCELO MESQUITA SARAIVA, DJEN 24/11/2022: "ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL, TIDA POR INTERPOSTA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONCESSÃO DE SERVIÇOS DE RADIODIFUSÃO DE SONS E IMAGENS. PEDIDO FORMULADO COM BASE NA LEI Nº 8.987/95. MERA IRREGULARIDADE. CONCEITO DE PUBLICIDADE COMERCIAL. RELIGIÃO. NÃO ABRANGÊNCIA. DIREITO À LIBERDADE DE PENSAMENTO E DE EXPRESSÃO. RECURSO IMPROVIDO. 1. Está submetida à remessa oficial a sentença que julgar pela carência ou pela improcedência do pedido formulado em Ação Civil Pública, conforme aplicação analógica do art. 19 da Lei nº 4.717/1965 (Lei da Ação Popular). 2. A nulidade de um negócio jurídico somente pode ser aferida com base na legislação que estava em vigor quando de sua concretização. 3. A interpretação dos pedidos não pode ser feita tomando por base somente aquilo que está descrito no tópico específico da petição inicial (“Dos Pedidos”), devendo ser feita uma análise global de toda a exordial para se inferir, por interpretação lógico-sistemática, o real desiderato da parte autora. 4. Ao requerer “a invalidação da outorga do serviço de radiodifusão conferida à ré Rede 21, com a declaração de caducidade”, busca o MPF, em suma, uma decisão jurídica de natureza constitutiva negativa, a qual, embora não possa estar fundamentada na Lei n° 8.987/95, admitiria a aplicação de outros regramentos, tais com o art. 166, inciso VII, do CC, que preconiza ser nulo o negócio jurídico quando “a lei taxativamente a declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção". 5. A concessão de serviço público consiste na transferência pela qual a Administração delega a outrem a execução de um serviço público, para que o faça em seu nome, por sua conta e risco. Só existe concessão de serviço público quando se trata de serviço próprio do Estado, definido em lei. 6. Para o MPF, a utilização das 22 (vinte e duas) horas diárias da programação da REDE 21 pela IURD deve ser entendida como publicidade comercial, a qual está limitada a 25% do tempo total de programação, por força do art. 124 da Lei n° 4.117/62 e o art. 28, § 12, "d", do Decreto n° 52.795/63. Como tal barreira não foi respeitada, houve transferência ilegal da outorga do serviço de radiodifusão. 7. Em uma análise técnica sobre o tema, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR), conceitua publicidade e propaganda como “atividades destinadas a estimular o consumo de bens e serviços, bem como promover instituições, conceitos ou idéias” (art. 8º). Embora o CONAR tenha conceituado a publicidade e a propaganda no mesmo dispositivo, cuidam-se de institutos distintos. 8. A Lei n º 4.680/65, que regulamenta o exercício da profissão de publicitário e de agenciador de propaganda, conceitua propaganda como sendo “qualquer forma remunerada de difusão de idéias, mercadorias ou serviços, por parte de um anunciante identificado” (art. 5º). Portanto, adotando o art. 8º do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, com a necessária distinção conceitual, tem-se que publicidade é a atividade destinada “a estimular o consumo de bens e serviços”, ao passo que propaganda é a atividade destinada a “promover instituições, conceitos ou idéias”. 9. Partindo-se de tal premissa, não há como considerar que a programação de natureza religiosa possa ser qualificada como publicidade comercial. A Constituição Federal consagra a religião como direito fundamental, assegurando a liberdade religiosa em seu art. 5º, inciso VI. Logo, dado o delineamento da religião trazido pela Carta Magna, não há como se inferir de seu propósito o estímulo ao consumo de bens e serviços. 10. O simples fato de a REDE 21 ter contratualmente concedido 22 (vinte e duas) horas diárias de sua programação para a IURD, por si só, não significa a transferência de outorga do serviço de radiodifusão, mas sim uma opção institucional da emissora em ser referência televisiva em um determinado segmento de interesse público, no caso, a religião cristã. Trata-se, em verdade, de manifestação do exercício do direito à liberdade de pensamento e de expressão. 11. Para além do aspecto constitucional, deve-se destacar que, no contrato impugnado, a Cláusula 1 é expressa ao apontar “as Partes se obrigam a conjugar esforços para a produção de programas de cunho religioso-cultural de autoria da IURD ("Programas")”, ou seja, as partes, de comum acordo, são responsáveis pela produção conjunta dos programas. E, em caso de eventuais irregularidades, a Cláusula 4.1.3 garante o direito da REDE 21 de deixar de exibir os programas da IURD. 12. Preliminares rejeitadas. Apelação e remessa oficial, tida por submetida, improvidas."

 

ApCiv 5000327-39.2017.4.03.6111, Rel. Des. Fed. LUIS ANTONIO JOHONSON DI SALVO, Intimação via sistema 13/03/2020: "AÇÃO CIVIL PÚBLICA OBJETIVANDO A RESPONSABILIZAÇÃO POR IRREGULARIDADES NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE RADIODIFUSÃO SONORA: de acordo com o Ministério Público Federal, na inicial, as empresas Rádio Clube de Marília Ltda-ME e Rádio Itaipú de Marília Ltda-ME,  concessionárias para exploração de serviço de radiodifusão sonora em onda média, em Marília/SP, pertencentes à L.G.F. e C.G.C.F.V.R., e a empresa Estúdio D.M. Ltda, pertencente à D.M.A.F. e M.C.L.B., contrataram a transferência de horário de programação, para execução de programa de jornalismo e agenciamento de publicidade, o que configura infração  aos artigos 38, “c”, da Lei nº 4.117/62 e 122, “34”, do Decreto nº 52.795/63. ILEGITIMIDADE PASSIVA: em primeiro grau de jurisdição, foi reconhecida a ilegitimidade passiva da empresa Estúdio D.M. Ltda, de L.G.F., C.G.C.F.V.R., D.M.A.F., M.C.L.B. e da União Federal, com a extinção do feito, sem a resolução do mérito. SENTENÇA DEPARCIAL PROCEDÊNCIA: para as empresas Rádio Clube de Marília Ltda-ME e Rádio Itaipú de Marília Ltda-ME, o feito foi julgado parcialmente procedente. Apelações interpostas pelo Ministério Público Federal e pelas empresas condenadas. MATÉRIA PRELIMINAR AFASTADA: em sede de ação civil pública, o órgão julgador não está vinculado à capitulação descrita na inicial, devendo se pronunciar acerca dos fatos imputados, em relação aos quais a parte ré construirá sua defesa. Bem por isso, a alteração na legislação mencionada na inicial não resulta na sua inépcia. Arguição da defesa de falta de correlação entre a causa de pedir e a fundamentação jurídica das sanções pretendidas pelo autor afastada. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL: consoante o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), o serviço público de radiodifusão comercial, por meio de rádio (sons), é regulado pela Constituição Federal, pela Lei nº 4.117/62, pelo Decreto nº 52.795/63, pelo Decreto–Lei nº 236/67, pela Lei n° 8.666/93 e pela Lei nº 13.424/2017. FISCALIZAÇÃO: no que tange às atividades fiscalizatórias dos serviços de radiodifusão, o MCTIC informa que é competente para verificar o cumprimento das obrigações legais, regulamentares e normativas referentes à constituição, estrutura, composição dos quadros social e diretivo das entidades detentoras de outorga, bem como eventuais alterações, e aplicar penalidades. E que essa fiscalização é realizada por meio da análise de documentos que registrem a situação da empresa, fornecidos pela própria entidade e/ou pelos órgãos competentes. SITUAÇÃO FÁTICA: ao que conta nos autos, as três empresas estavam sediadas nos mesmo endereço. E de acordo com o Ministério Público Federal, D.M.A.F., sócia-gerente da empresa Estúdio D.M. Ltda, portava-se como verdadeira proprietária das rádios apelantes. O Juízo a quo deferiu a antecipação da tutela, determinando a lacração dos equipamentos das empresas Rádio Clube de Marília Ltda-ME e Rádio Itaipú de Marília Ltda-ME. ANÁLISE DO MCTIC: após análise dos  instrumentos particulares firmados pelas empresas Rádio Clube de Marília Ltda-ME, Rádio Itaipú de Marília Ltda-ME e Estúdio D.M. Ltda, o MCTIC concluiu que os mesmos não constituíam prova irrefutável de ilícito administrativo, pois inexistem elementos suficientes para a caracterização da transferência da concessão do serviço, mas tão-somente de disponibilização de espaço limitado para veiculação de programação independente, o que não implica, necessariamente, em conduta irregular; não há qualquer regramento que proíba a veiculação de programas produzidos por terceiros; os contratos atribuem às empresas Rádio Clube de Marília Ltda-ME, Rádio Itaipú de Marília Ltda-ME a responsabilidade pela transmissão dos programas produzidos pela empresa Estúdio D.M. Ltda; a responsabilidade pela execução do serviço e pela organização do restante da programação, de acordo com os contratos, se manteve a cargo das empresas Rádio Clube de Marília Ltda-ME e Rádio Itaipú de Marília Ltda-ME, titulares da outorga. METODOLOGIA: é verdade que a verificação do MCTIC se limitou aos termos dos contratos firmados. Entretanto, como acima exposto, o próprio MCTIC informa em seu sítio na internet que a metodologia utilizada para a fiscalização das obrigações legais, regulamentares e normativas dos serviços de radiodifusão reside na análise de documentos. INSTRUÇÃO PROBATÓRIA INCONCLUSIVA: diferentemente do entendimento firmado em primeiro grau de jurisdição – conclui-se que a tese da acusação, de que as empresas apelantes promoveram trespasse ilegal de serviço público de radiodifusão sonora à empresa Estúdio D.M. Ltda, não está adequadamente comprovada, a ponto de validar uma condenação. SENTENÇA REFORMADA: não ficou demonstrado que houve a transferência da concessão do serviço, da gestão do negócio, mas apenas a disponibilização de espaço limitado para veiculação de programação independente. E segundo o MCTIC, após análise da documentação apresentada, essa espécie de conduta não é necessariamente irregular. Sentença reformada em relação às empresas Rádio Clube de Marília Ltda-ME e Rádio Itaipú de Marília Ltda-ME, pois se trata de caso de improcedência da ação. MATÉRIA PRELIMINAR REJEITADA. APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL DESPROVIDA. APELAÇÃO DA DEFESA PROVIDA."

 

Ante o exposto, acolho os embargos de declaração para acréscimo de fundamentação, sem efeitos infringentes.

É como voto.



E M E N T A

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SERVIÇO DE RADIODIFUSÃO. CONCEITO DE PUBLICIDADE COMERCIAL. VENDA DE GRADE DE PROGRAMAÇÃO. LEGALIDADE. TRANSFERÊNCIA DA CONCESSÃO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. ACOLHIMENTO SEM EFEITOS INFRINGENTES.

 

1. Provido o recurso especial interposto pelo Ministério Público Federal, foi determinado pelo Superior Tribunal de Justiça o retorno dos autos à Turma para exame do quanto alegado nos embargos declaratórios.

2. Nos limites devolvidos pelo recurso não resta qualquer discussão acerca da alegação da inicial de que o conteúdo produzido pela IURD se enquadraria no conceito de publicidade comercial e teria havido descumprimento do limite máximo do horário da programação diária, tendo aduzido, a propósito, o aresto embargado que "a publicidade comercial é aquela atrelada à ideia de exposição de uma determinada marca ou empresa, a fim de que seus produtos e/ou serviços sejam adquiridos por terceiros interessados", não sendo "este, contudo, o intuito do contrato firmado entre o Grupo CNT e a IURD, que teve por objeto a comercialização de espaço na “grade de programação”, além de que "a exibição de programas de cunho religioso e cultural não se enquadra no conceito de publicidade comercial, a atrair a incidência dos artigos 124 da Lei nº 4.117/62 e 28, § 12, “d”, do Decreto nº 52.795/63".

3. A Lei 14.408/2022 incluiu o parágrafo único do artigo 124 da Lei 4.117/1962, que reforçou o entendimento adotado no julgamento proferido por esta Turma em 21/02/2020, ao assim dispor: "Para os fins desta Lei, considera-se publicidade comercial o espaço da programação para a difusão de mensagens e informações com conteúdo próprio de publicidade de produtos e serviços para os consumidores e/ou de promoção de imagem e marca de empresas".

4. Compete à União explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens, sendo que nas hipóteses da prestação de tais serviços sob o regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, nos termos dos artigos 21, XII, "a", e 175, da CF, artigo 32 da Lei 4.117/1962, e artigo 10 do Decreto 52.795/1963. Por sua vez, dispõe o artigo 28, § 10, "b", do Decreto 52.795/1963 que  as concessionárias e permissionárias do serviço de radiodifusão devem solicitar prévia autorização para "transferir, direta ou indiretamente, concessão ou permissão". Contudo, tal prerrogativa, não impede que a concessionária disponibilize espaço para veiculação de programação independente, ainda que a título oneroso, não devendo se confundir, pois, transferência da concessão do serviço de radiofusão com comercialização da grade horária.

5. O artigo 16, § 1º, d, do Decreto 52.795/1963, na redação dada pelo Decreto 7.670/2012, dispõe que no exame das propostas dos pretendentes à execução dos serviços de redodifusão é considerado o "tempo destinado a programas culturais, artísticos, educativos e jornalísticos a serem produzidos por entidade que não tenha qualquer associação ou vínculo, direto ou indireto, com empresas ou entidades executoras de serviços de radiodifusão - máximo de trinta pontos". A Lei 14.408/2022 incluiu a alínea "k" no artigo 38 da Lei 4.117/1962, dispondo que: "as concessionárias e permissionárias poderão transferir, comercializar ou ceder o tempo total de programação para a veiculação de produção independente, desde que mantenham sob seu controle a regra legal de limitação de publicidade comercial e a qualidade do conteúdo da programação produzido por terceiro para que atenda ao disposto na alínea “d” deste caput, além de responsabilizarem-se perante o poder concedente por eventuais irregularidades que este vier a constatar na execução da programação". 

6. Apesar de poder transferir, comercializar ou ceder tempo de programação para a veiculação de produção independente, é necessário, porém, atender a certos requisitos, como a limitação de publicidade comercial, a qualidade do conteúdo produzido por terceiro, além de responsabilizarem-se perante o poder concedente por eventuais irregularidades que este vier a constatar na execução da programação, o que evidencia que em tais casos a concessionária deve manter o controle sobre o serviço prestado de radiodifusão.

7. Não prospera a alegação de perda de objeto suscitada pela Central Nacional de Produções Ltda, em razão das inovações na legislação trazidas pela Lei 14.408/2022, pois além da interpretação do conceito de publicidade comercial não ser o enfoque dito como omisso nos embargos declaratórios, o teor da alínea "k" no artigo 38 da Lei 4.117/1962, apesar de reforçar o entendimento da possibilidade de comercialização da programação, por si só, não afasta a necessidade de exame, no caso concreto, de que se houve ou não transferência da concessão outorgada para a execução do serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, tendo, ademais, o Parquet alegado na inicial que "o contrato de arrendamento transfere à Igreja Universal do Reino de Deus os poderes de uso e gozo sobre o espectro de radiofrequência outorgado ao Grupo CNT, uma vez que competirá à entidade religiosa a efetiva execução do serviço público".

8. Na espécie, além de não ter sido efetivamente demonstrado de que houve a transferência da concessão do serviço de radiodifusão sem autorização do Poder concedente, o contrato celebrado entre as partes prevê expressamente a conjugação de "esforços entre IURD e GRUPO CNT para produção de programas de cunho religioso e cultural de autoria da IURD (“Programa” ou “Programas”), visando à sua exibição e transmissão pelo GRUPO CNT" (cláusula 2.1), bem como que "o GRUPO CNT poderá disponibilizar os seus estúdios, instalações e equipamentos para a produção e exibição dos Programas" (cláusula 2.1.1), além de que a transmissão dos programas, também, pela internet, ficará a critério do GRUPO CNT (clásula 2.1.2), e que "todos os Programas serão veiculados pelo GRUPO CNT exclusivamente para a atual área de cobertura da CNT - Nacional" (cláusula 2.4). Existe previsão ainda de que o Grupo CNT poderá solicitar a interrupção de veiculação dos programas para a transmissão de evento ou programa de exibição nacional obrigatória (cláusula 2.5), bem como que "a realização de entrevistas, reportagens, comentários ou qualquer outra inserção no Programa deverá ser acordada de comum acordo entre as Partes" (cláusula 3.1), a evidenciar o poder de gerência que a concessionária possui sobre o teor e qualidade do conteúdo da programação que, ainda que produzido pela IURD, depende de anuência do Grupo CNT. Segundo o contrato em exame também é de responsabilidade do GRUPO CNT a boa qualidade das imagens geradas para a transmissão (cláusula 6.1), bem como a "manutenção de toda infraestrutura e equipamentos transmissores", e a "realização de investimentos para adaptação do sistema analógico para o digital" (cláusula 6.1, II, e V).

9. A opção institucional do GRUPO CNT de comercializar sua programação para determinado segmento não caracteriza a transferência de outorga da concessão do serviço de radiofusão.

10. Embargos de declaração acolhidos para acréscimo de fundamentação, sem efeitos infringentes.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por unanimidade, acolheu os embargos de declaração para acréscimo de fundamentação, sem efeitos infringentes, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.