Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5028343-94.2021.4.03.6100

RELATOR: Gab. 08 - JUIZ CONVOCADO RENATO BECHO

APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

APELADO: COMPANHIA NITRO QUIMICA BRASILEIRA

Advogado do(a) APELADO: EDUARDO PUGLIESE PINCELLI - SP172548-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5028343-94.2021.4.03.6100

RELATOR: Gab. 08 - JUIZ CONVOCADO RENATO BECHO

APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

APELADO: COMPANHIA NITRO QUIMICA BRASILEIRA

Advogado do(a) APELADO: EDUARDO PUGLIESE PINCELLI - SP172548-A

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

Trata-se de apelação e remessa oficial contra sentença que, em mandado de segurança, assegurou creditamento de PIS/COFINS recolhidos na apuração da base de cálculo na aquisição de insumos recicláveis e garantiu compensação segundo critérios apontados (trânsito em julgado, legislação vigente ao tempo do encontro de contas e artigo 26-A da Lei 11.457/2007, prescrição quinquenal, e taxa SELIC exclusivamente), sem verba honorária.

Apelou a PFN, pleiteando, em preliminar, sobrestamento do feito até julgamento definitivo do RE 607.109 (Tema 304). 

No mérito alegou: impossibilidade de creditamento de PIS/COFINS sobre aquisição de insumos recicláveis, pois somente podem ser descontados créditos expressamente previstos no regime do PIS/COFINS não-cumulativos e, delegado ao legislador ordinário a fixação dos contornos da não-cumulatividade do PIS/COFINS, não é inconstitucional o artigo 47 da Lei 11.196/2005, que veda utilização de créditos de que tratam os artigos 3º, II, das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 às aquisições mencionadas pelo contribuinte; nem o artigo 48, que suspende incidência de PIS/COFINS no caso de venda de tais produtos para pessoa jurídica que apure imposto de renda pelo lucro real; aduziu que não se justificam créditos de PIS/COFINS se, sobre a venda de desperdícios, resíduos ou aparas, não incidiram tais contribuições em etapa anterior, ou seja, não houve incidência em cascata, restando válido, pois, o artigo 47 da Lei 11.196/2005, pois, se em sentido contrário, além de constituir anomalia contábil, econômica e financeira (pois estaria criando crédito presumido sem lei específica), geraria enriquecimento sem causa do contribuinte às custas da coletividade; “as aquisições de desperdícios, resíduos ou aparas não geram direito a crédito de PIS/COFINS simplesmente pela razão de que está suspensa a exigibilidade destas contribuições sobre os mesmos itens”; e também porque, “o que se percebe é que, de forma absurda, a ora impetrante busca a não incidência das contribuições em comento e ao mesmo tempo o direito ao creditamento” o que não pode ser admitido sob pena de violação do princípio da independência e harmonia dos poderes (artigo 2º) e ao artigo 150, § 6º, da CF; a suspensão de PIS/COFINS na venda de sucatas fora concedida na lei para, além da necessidade de preservação ambiental, simplificar operações de pessoas/associações/cooperativas vulneráveis na venda de tais produtos e, assim, eventual intervenção do Poder Judiciário pode prejudicar os mais vulneráveis; inexiste ofensa aos princípios da isonomia, capacidade contributiva, livre concorrência, pleno emprego, desenvolvimento sustentável ou outra espécie de princípio constitucional, pois "se o referido art. 47 veda o creditamento, o artigo subsequente (isto é, o art. 48) prevê a suspensão da incidência de PIS e COFINS na venda de desperdícios, resíduos ou aparas, desonerando a cadeia produtiva e facilitando a venda dos produtos reciclados"; e “neutralizada a vedação ao crédito prevista no art. 47 da Lei 11.196/2005 pelo art. 48 da mesma lei, que afastou a incidência de PIS e COFINS sobre os mesmos itens, inexiste a cumulatividade aventada pela parte autora, não havendo, assim, de se falar em desrespeito ao princípio da preservação do meio ambiente (art. 170 e 225 da CF) ou a qualquer dos princípios invocados”; e impugnou a compensação com prevista na sentença em detrimento da legislação aplicável (artigos 74 da Lei 9.430/1996, 26-A da Lei 11.457/2007, 170 e 170-A, CTN, e a Instrução Normativa vigente quanto do ajuizamento da ação, qual seja, a IN RFB 1.717/2017, alterada pela IN RFB 1.080/2018).

Houve contrarrazões e parecer ministerial pela dispensa de intervenção quanto ao mérito.

É o relatório.

 

 


APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5028343-94.2021.4.03.6100

RELATOR: Gab. 08 - JUIZ CONVOCADO RENATO BECHO

APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

APELADO: COMPANHIA NITRO QUIMICA BRASILEIRA

Advogado do(a) APELADO: EDUARDO PUGLIESE PINCELLI - SP172548-A

 

  

 

V O T O

 

 

 

Adiro ao entendimento do Exmo. Des. Fed. Carlos Muta:

Senhores Desembargadores, apesar da afetação do tema à sistemática de repercussão geral no RE 607.109 (Tema 304), não houve decisão de sobrestamento dos feitos na instâncias ordinárias, nos termos do artigo 1.035, § 5º, do CPC, pelo que não cabe o sobrestamento do feito.

No mérito, foram pleiteados créditos de PIS/COFINS, dentro do regime não cumulativo, por aquisição de insumos recicláveis, tais como desperdícios, resíduos ou aparas de plástico, papel ou cartão, vidro, ferro ou aço, cobre, níquel, alumínio, chumbo, zinco e estanho e demais desperdícios e resíduos metálicos adquiridos majoritariamente de pequenas cooperativas de material reciclável pelo contribuinte, sendo apontado serem tais itens insumos essenciais à consecução de suas atividades econômicas e que a proibição do creditamento de tais aquisições (artigos 47 e 48 da Lei 11.196/2005) viola diversos princípios constitucionais, em especial os da isonomia (artigo 150, II), livre concorrência (artigo 170, IV) e da proteção do meio ambiente (artigos 170, VI, e 225, CF).

Eis os termos legais em que prevista a mencionada vedação:

 

Art. 47. Fica vedada a utilização do crédito de que tratam o inciso II do caput do art. 3º da Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e o inciso II do caput do art. 3º da Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003, nas aquisições de desperdícios, resíduos ou aparas de plástico, de papel ou cartão, de vidro, de ferro ou aço, de cobre, de níquel, de alumínio, de chumbo, de zinco e de estanho, classificados respectivamente nas posições 39.15, 47.07, 70.01, 72.04, 74.04, 75.03, 76.02, 78.02, 79.02 e 80.02 da Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – TIPI, e demais desperdícios e resíduos metálicos do Capítulo 81 da Tipi.

Art. 48. A incidência da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins fica suspensa no caso de venda de desperdícios, resíduos ou aparas de que trata o art. 47 desta Lei, para pessoa jurídica que apure o imposto de renda com base no lucro real.

Parágrafo único. A suspensão de que trata o caput deste artigo não se aplica às vendas efetuadas por pessoa jurídica optante pelo Simples.

 

Acerca de tais dispositivos, cumpre ressaltar que o Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, firmou a tese no sentido de que "São inconstitucionais os arts. 47 e 48 da Lei 11.196/2005, que vedam a apuração de créditos de PIS/Cofins na aquisição de insumos recicláveis", conforme acórdão no RE 607.109 (Tema 304), redator p/ acórdão Min. GILMAR MENDES, assim ementado:

 

"RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. DIREITO TRIBUTÁRIO AMBIENTAL. 2. Tema 304 da sistemática da Repercussão Geral. 3. Artigos 47 e 48 da Lei federal 11.196/2005. Possibilidade de apuração de créditos de PIS/Cofins na aquisição de insumos recicláveis. 4. Coexistência dos regimes cumulativo e não cumulativo da contribuição ao PIS/Cofins. Dualidade de alíquotas. Prejuízos econômicos ao contribuinte industrial dedicado à reciclagem. 5. Inconstitucionalidade de tratamento tributário prejudicial à indústria de reciclagem. Princípio do protetor recebedor. Possibilidade concreta de os créditos fiscais superarem o valor do PIS/Cofins recolhido na etapa anterior da cadeia de produção. Afronta aos princípios da isonomia tributária, neutralidade fiscal e ao regime tributário favorecido e simplificado devido à microempresa e à empresa de pequeno porte. 6. Ética ambiental. Estado Socioambiental de Direito. Sustentabilidade ecológica e social. Direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Artigos 170, inciso VI, e 225, da Constituição Federal. Vinculação do Legislador ordinário. Impossibilidade do esvaziamento do substrato axiológico dos direitos fundamentais ambientais. Inconstitucionalidade de tratamento tributário mais gravoso ao elo mais frágil da cadeia produtiva. População de baixa renda. Afronta às normas fundamentais de defesa do meio ambiente e da valorização do trabalho humano. 7. Fixação da tese: “São inconstitucionais os arts. 47 e 48 da Lei 11.196/2005, que vedam a apuração de créditos de PIS/Cofins na aquisição de insumos recicláveis".

 

Relevam os seguintes trechos do voto vencedor do relator para o acórdão: 

 

"(...) Como visto, o benefício tributário assegurado pelas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 consiste basicamente no seguinte: as empresas recolhem as contribuições para o PIS e Cofins por uma alíquota mais elevada, de 9,25%, mas, a título de compensação, têm o direito de abater os créditos assegurados pela legislação tributária. No presente recurso extraordinário, a discussão cinge-se à constitucionalidade de dispositivos legais que, destoando dessa lógica, proíbem empresas submetidas ao regime não cumulativo – sujeitas, portanto, à alíquota majorada – de compensarem créditos oriundos da aquisição de insumos recicláveis. (...) Não há espaço, contudo, para o esvaziamento do substrato axiológico da norma prevista no art. 170, inciso VI, da CF, mediante a imposição de tratamento tributário prejudicial às empresas que, realizando os objetivos previstos na Política Nacional de Resíduos Sólidos (art. 7º da Lei 12.305/10), investiram em métodos industriais menos lesivos ao meio ambiente. O prejuízo causado pelo art. 47 da Lei 11.196/2005 às cadeias de produção dedicadas à reciclagem de resíduos sólidos foi minuciosamente descrito pela eminente Ministra Rosa Weber. Contudo, na visão de Sua Excelência, uma “ interpretação conjunta dos arts. 47 e 48 da Lei nº 11.196 /2005 afasta o alegado tratamento tributário mais gravoso para a aquisição de produtos não recicláveis” . Por essa perspectiva, não haveria “ violação ao princípio da isonomia, ou menoscabo da proteção ao meio ambiente (ainda que se admita que este pudesse ser aplicado para afastar incidência tributária, o que não me parece ser o caso)... Peço vênia para dissentir das conclusões da eminente relatora, pois, como demonstrei no decorrer do voto, parece-me que a proibição de abatimento de créditos na aquisição de insumos reutilizáveis (art. 47 da Lei 11.196/2005) não é suficientemente compensada pela isenção de PIS/Cofins concedida em benefício das cooperativas de catadores (art. 48), resultando em uma elevação da carga tributária total incidente sobre o processo de reciclagem. O resultado é estarrecedor. Hoje, do ponto de vista tributário, há maiores incentivos econômicos para os produtores que investem em tecnologias convencionais, assentadas no manejo florestal, do que para aqueles que adotam alternativas menos agressivas ao meio ambiente. (...) A injustiça desse sistema é perversa, pois, em rigor, os maiores prejudicados por tamanho desatino serão justamente os agentes econômicos que compõem elo mais frágil da cadeia produtiva, no caso, as cooperativas de catadores de materiais recicláveis, formadas por pessoas físicas de baixa renda. São elas que, invariavelmente, suportarão as consequências nocivas da política tributária instituída pela Lei 11.196/2005, já que, no limite, serão obrigadas a reduzir sua margem de lucro para compensar a elevação da carga tributária gerada pelo impedimento à compensação de créditos fiscais. (...) Assim, as empresas do ramo de reciclagem retornarão para o regime geral do PIS/Cofins, aplicável indiscriminadamente aos demais agentes econômicos, afastando o risco de o Tribunal incorrer em casuísmo e, involuntariamente, agravar as imperfeições sistêmicas da legislação tributária.

 

(...) embora o legislador tenha visado a beneficiar os catadores de papel, a legislação provocou graves distorções que acabam por desestimular a compra de materiais reciclados. Hoje, do ponto de vista tributário, é economicamente mais vantajoso comprar insumos da indústria extrativista do que adquirir matéria-prima de cooperativas de catadores de materiais recicláveis. Trata-se, portanto, de legislação que, na tentativa de beneficiar as cooperativas de catadores, introduziu externalidades negativas na indústria de reciclagem, obliterando as vantagens competitivas dos agentes econômicos que a integram. Dito de outro modo, os dispositivos impugnados espraiam efeitos nocivos na indústria da celulose, fomentando as produtoras de celulose a migrarem para o método extrativista, o qual, mesmo quando promovido de forma sustentável, produz maior grau de degradação ambiental. Veja que, nesse contexto, para ganharem sobrevida no mercado, as cooperativas de materiais reciclados são obrigadas a reduzir o valor de seus produtos, na proporção necessária à  neutralização das externalidades geradas pelos arts. 47 e 48 da Lei 11.196/2005. Do contrário, perdem espaço para a indústria extrativista, que, por um descuido do legislador, é favorecida pela legislação tributária. (...) Há, aqui, ofensa frontal ao princípio da isonomia em matéria tributária, previsto no art. 150, inciso II, da Constituição a Federal, na linha do parecer elaborado pelo professor Humberto Ávila (eDOC 1, p. 237257). Nele, demonstra o parecerista que a legislação impugnada discrimina empresas que concorrem em um mesmo segmento econômico (fabricação de celulose) com base em um critério de distinção ilegítimo".

 

Na espécie, houve aquisição de insumos recicláveis para consecução de atividades do objeto social: "(i) a produção, fabricação, industrialização, transformação, manipulação e a comercialização, em geral, de produtos químicos, seus componentes e afins minerais; (ii) a prestação de serviços relacionados às demais atividades descritas no objeto social, bem como a intermediação, exportação, importação dos produtos mencionados no item (i); (iii) a participação no capital de outras sociedades, como sócia ou acionista; (iv) a representação ou distribuição comercial dos produtos mencionados no item (i) deste artigo; (v) o agenciamento de cargas ou serviços e ou de navios, sua armação na atividade de armador, navegação, despacho aduaneiro, armazéns gerais, depósitos inclusive de cargas, em associação com terceiros" (id. 270203539, p. 9).

Cotejando as aquisições e objeto social referente à parte considerável das atividades exercidas pelo contribuinte, é inequívoco que tais bens devem ser reputados como insumos, segundo o teste de essencialidade a que se refere o paradigma firmado no REsp 1.221.770, julgado sob rito repetitivo.

De outra parte, a atividade econômica enquadra-se na tipologia legal de produção de bens, assim atendendo à especificação setorial da previsão de creditamento constante do artigo 3º,  caput, II, das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 ("bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda").

Finalmente, declarada a inconstitucionalidade do artigo 48 da Lei 11.196/2005, a aquisição de tais bens passa a ser tributada a título de PIS/COFINS, cumprindo, portanto, o requisito previsto no artigo 3º, § 2º, das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 ("não dará direito a crédito o valor" (...) da aquisição de bens ou serviços não sujeitos ao pagamento da contribuição").

Assim, sem prejuízo da fiscalização, pela Receita Federal, das operações geradoras de crédito (inclusive quanto a condicionantes outros, como a necessidade da aquisição ocorrer de pessoa jurídica domiciliada no país - artigo 3º, § 3º, I das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003), tem-se que o pleito amolda-se ao regramento legal da matéria, à luz da decisão do Supremo Tribunal Federal quanto à inconstitucionalidade das vedações contidas na Lei 11.196/2005.

A propósito, assim também já decidiu a Turma:

 

ApCiv 5005398-90.2020.4.03.6119, Des. Fed. CONSUELO YOSHIDA, DJEN 10/08/2022: "DIREITO CONSTITUCIONAL, TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. PIS/COFINS. CREDITAMENTO. ARTS. 47 E 48 DA LEI 11.196/2005. INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA. APLICAÇÃO DO ENTENDIMENTO MANIFESTADO PELO STF NO TEMA 304 DA REPERCUSSÃO GERAL. 1. O art. 47 da Lei 11.196/2005 veda o direito ao creditamento de desperdícios, resíduos ou aparas utilizados como insumos. 2. O C. Supremo Tribunal Federal, no RE 607.109 - Tema 304, submetido à sistemática prevista no art. 543-B do CPC/73, art. 1036 do CPC/15, examinou a questão posta a julgamento e firmou a tese no sentido de que: "São inconstitucionais os arts. 47 e 48 da Lei 11.196/2005, que vedam a apuração de créditos de PIS/Cofins na aquisição de insumos recicláveis". 3. Extrai-se do voto condutor de lavra do e. Min. Gilmar Mendes que a vedação imposta pelo art. 47 Lei 11.196/05 viola o disposto no art. 170, inciso VI, da CF e as normas constitucionais relacionadas com a promoção e a proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, pois impõe tratamento tributário prejudicial às empresas que, realizando os objetivos previstos na Política Nacional de Resíduos Sólidos (art. 7º da Lei 12.305/10), investiram em métodos industriais menos lesivos ao meio ambiente, bem como fere a isonomia tributária, ao discriminar empresas que concorrem em um mesmo segmento econômico com base em um critério de distinção ilegítimo. 4. No caso em apreço, a impetrante possui o seguinte objeto social (Id. 153725616): COMÉRCIO ATACADISTA DE RESÍDUOS E SUCATAS METÁLICOS, DE RESÍDUOS DE PAPEL E PAPELÃO E RESÍDUOS E SUCATAS NÃO METÁLICOS. 5. Diante da declaração de inconstitucionalidade do dispositivo legal, o creditamento deve ser viabilizado, em observância ao precedente vinculante. 6. O contribuinte poderá realizar a compensação administrativa dos valores indevidamente recolhidos a esse título após o trânsito em julgado da ação (art. 170-A do CTN), com atualização dos valores mediante aplicação da taxa Selic (art. 39, § 4º, da Lei 9.250/1995) e observância do disposto no art. 74 da Lei 9.430/1996 e demais dispositivos vigentes na data da propositura da ação. 7. A análise e exigência da documentação necessária para apuração do valor, bem como os critérios para a efetivação da compensação cabem ao Fisco, nos termos da legislação de regência, observando-se a revogação do parágrafo único do art. 26 da Lei 11.457/2007, pelo art. 8º da Lei 13.670 de 30 de maio de 2018, que também incluiu o art. 26-A da Lei 11.457/2007, elucidando a aplicabilidade do disposto no art. 74 da Lei 9.430/96, vedando a compensação com as contribuições previdenciárias nele mencionadas. 8. Apelação provida".

 

O indébito fiscal, conforme acima apurado, gera direito à compensação, na via administrativa, mediante procedimento próprio, com comprovação e liquidação dos valores envolvidos, observados os critérios consagrados na jurisprudência e previstos no artigo 168, CTN (prescrição quinquenal), sem prejuízo da modulação dos efeitos da inconstitucionalidade nos casos indicados; artigo 170-A, CTN (trânsito em julgado da decisão); artigo 74 da Lei 9.430/1996 e demais textos legais de regência, conforme regime legal vigente na propositura da ação; e artigo 39, § 4º da Lei 9.250/1995 (incidência exclusiva da Taxa SELIC) desde cada recolhimento indevido.

A respeito da restituição administrativa, que tem sido deferida com base na Súmula 461 do Superior Tribunal de Justiça, é importante observar que o enunciado, ao fazer referência expressa a "precatório", registra entendimento de que não é possível que o ressarcimento de indébito fiscal, em espécie, reconhecido judicialmente, possa gerar condenação a pagamento fora do regime constitucional do precatório (artigo 100, CF). De fato, o regime de precatório busca preservar a ordem cronológica das requisições e, sobretudo, as preferências alimentares, o que não se verifica possível ou garantido na via administrativa, até porque, nela, não concorrem, de forma conjunta e simultânea, as variadas cobranças em dinheiro contra a Fazenda Pública, ao contrário do que ocorre com requisições judiciais de precatórios que, inclusive, são todas globalmente organizadas e inseridas cronologicamente na previsão orçamentária anual para execução no exercício financeiro posterior. Permitir que o contribuinte utilize a via administrativa para receber pagamento de indébito fiscal em detrimento do sistema de precatório já foi reconhecido, inclusive, como inconstitucional pela Suprema Corte que, por semelhança, aplicou a solução expressa no Tema 831 da sistemática de repercussão geral (RE 1.069.065, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe 19/12/2019)

Na espécie, a sentença deve ser reformada, considerando o acima exposto e os limites da devolução, exclusivamente para explicitar, no tocante à compensação na via administrativa, que devem ser observados os critérios acima apontados.

Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação e à remessa oficial para reformar a sentença, nos termos supracitados.

É como voto.



E M E N T A

 

DIREITO CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. PIS/COFINS. CREDITAMENTO. ARTIGOS 47 E 48 DA LEI 11.196/2005. TEMA 304. REPERCUSSÃO GERAL. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA. INSUMOS. TESTE DE ESSENCIALIDADE. RESP 1.221.170. RESSARCIMENTO CABÍVEL. CONSECTÁRIOS LEGAIS.

1. Apesar da afetação do tema à sistemática de repercussão geral no RE 607.109 (Tema 304), não houve decisão de sobrestamento dos feitos na instâncias ordinárias, nos termos do artigo 1.035, § 5º, do CPC, pelo que não cabe o sobrestamento do feito.

2. Foram pleiteados créditos de PIS/COFINS, dentro do regime não cumulativo, por aquisição de insumos recicláveis, tais como desperdícios, resíduos ou aparas de plástico, papel ou cartão, vidro, ferro ou aço, cobre, níquel, alumínio, chumbo, zinco e estanho e demais desperdícios e resíduos metálicos adquiridos majoritariamente de pequenas cooperativas de material reciclável pelo contribuinte, sendo apontado serem tais itens insumos essenciais à consecução de suas atividades econômicas e que a proibição do creditamento de tais aquisições (artigos 47 e 48 da Lei 11.196/2005) viola diversos princípios constitucionais, em especial os da isonomia (artigo 150, II), livre concorrência (artigo 170, IV) e da proteção do meio ambiente (artigos 170, VI, e 225, CF).

3. O Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, firmou a tese no sentido de que "São inconstitucionais os arts. 47 e 48 da Lei 11.196/2005, que vedam a apuração de créditos de PIS/Cofins na aquisição de insumos recicláveis", conforme acórdão no RE 607.109.

4. A impetrante adquire insumos recicláveis para consecução de atividades do objeto social: "(i) a produção, fabricação, industrialização, transformação, manipulação e a comercialização, em geral, de produtos químicos, seus componentes e afins minerais; (ii) a prestação de serviços relacionados às demais atividades descritas no objeto social, bem como a intermediação, exportação, importação dos produtos mencionados no item (i); (iii) a participação no capital de outras sociedades, como sócia ou acionista; (iv) a representação ou distribuição comercial dos produtos mencionados no item (i) deste artigo; (v) o agenciamento de cargas ou serviços e ou de navios, sua armação na atividade de armador, navegação, despacho aduaneiro, armazéns gerais, depósitos inclusive de cargas, em associação com terceiros" (id. 270203539, p. 9).

5. É certo que, de fato, tais aquisições caracterizam insumos, segundo o teste de essencialidade indicado no julgamento do REsp 1.221.770, sob sistemática repetitiva, dado que a autora não conseguiria desempenhar parte significativa de seu objeto empresarial sem tais bensDe outra parte, a atividade econômica a que se dedica a impetrante configura produção de bens, atendendo à especificação setorial da previsão de creditamento constante do artigo 3º,  caput, II, das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 ("bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda"). Finalmente, com a declaração de inconstitucionalidade do artigo 48 da Lei 11.196/2005, as aquisições efetuadas pela impetrante passam a ser tributadas a título de PIS/COFINS, pelo que igualmente satisfeito o requisito do artigo 3º, § 2º, das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 ("não dará direito a crédito o valor" (...) da aquisição de bens ou serviços não sujeitos ao pagamento da contribuição").

6. O indébito fiscal, conforme acima apurado, gera direito à compensação, na via administrativa, mediante procedimento próprio, com comprovação e liquidação dos valores envolvidos, observados os critérios consagrados na jurisprudência e previstos no artigo 168, CTN (prescrição quinquenal), sem prejuízo da modulação dos efeitos da inconstitucionalidade nos casos indicados; artigo 170-A, CTN (trânsito em julgado da decisão); artigo 74 da Lei 9.430/1996 e demais textos legais de regência, conforme regime legal vigente na propositura da ação; e artigo 39, § 4º da Lei 9.250/1995 (incidência exclusiva da Taxa SELIC) desde cada recolhimento indevido.

7. A restituição administrativa, consistente em pagamento de verba discutida judicialmente sem observância do regime de precatório, não é compatível com o artigo 100, Constituição Federal, conforme já decidiu a Suprema Corte.

8. Apelação e remessa oficial parcialmente providas.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por unanimidade, deu parcial provimento à apelação e à remessa oficial para reformar a sentença, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.