Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0009718-82.2016.4.03.6000

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

APELANTE: ALEX DE LIMA MELGES, LAERCIO RODRIGUES DE FREITAS JUNIOR, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL

Advogado do(a) APELANTE: BRUNO FERREIRA CAMARGO - MS25046-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL, ALEX DE LIMA MELGES, LAERCIO RODRIGUES DE FREITAS JUNIOR, GILMARCIO SOARES DE ANDRADE

Advogados do(a) APELADO: ELIANE FARIAS CAPRIOLI PRADO - MS11805-A, LUIZ ROBERTO NOGUEIRA VEIGA JUNIOR - MS17605-A
Advogado do(a) APELADO: BRUNO FERREIRA CAMARGO - MS25046-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

        
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11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0009718-82.2016.4.03.6000

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

APELANTE: ALEX DE LIMA MELGES, LAERCIO RODRIGUES DE FREITAS JUNIOR, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL

Advogado do(a) APELANTE: BRUNO FERREIRA CAMARGO - MS25046-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL, ALEX DE LIMA MELGES, LAERCIO RODRIGUES DE FREITAS JUNIOR, GILMARCIO SOARES DE ANDRADE

Advogados do(a) APELADO: ELIANE FARIAS CAPRIOLI PRADO - MS11805-A, LUIZ ROBERTO NOGUEIRA VEIGA JUNIOR - MS17605-A
Advogado do(a) APELADO: BRUNO FERREIRA CAMARGO - MS25046-A

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Cuida-se de ação penal fundada em denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal em face de ALEX DE LIMA MELGES, GILMÁRCIO SOARES DE ANDRADE e LAÉRCIO RODRIGUES DE FREITAS JÚNIOR pela prática do crime definido no artigo 334-A, § 1º, incisos IV e V, do Código Penal.

Narra a denúncia (ID 268079947, pp. 02/11):

"Em 23/08/2016, por volta de 07h00, na Avenida Brasil, situada na cidade de Rio Negro/MS, ALEX DE LIMA MELGES, GILMARCIO SOARES DE ANDRADE e LAERCIO RODRIGUES DE FREITAS JÚNIOR, de modo consciente e voluntário, com unidade de desígnios e divisão de tarefas, transportavam, por meio dos respectivos veículos que conduziam - um caminhão de placa CPJ 0389 e semirreboque de placa EVO 8429; um caminhão de placa IVP 3619 e semirreboque de placa HTO6605, e um Fiat/Siena de placa DTB 2989, utilizado como batedor -, quase um milhão de maços de cigarros da marca paraguaia Eight (que não possui registro na ANVISA e, portanto, não pode ser importada e comercializada em território nacional).

[...].”

A inicial acusatória narra que, na referida data, policiais militares realizavam fiscalização de rotina quando abordaram os dois caminhões que seguiam em conjunto. Após revista, os policiais constataram haver, no caminhão de ALEX, 517.000 maços de cigarros, avaliados em R$ 2.585.000,00 e, no de GILMÁRCIO, 451.000 maços, avaliados em R$ 2.257.500,00.

A denúncia prossegue narrando que, momentos depois, chegou LAÉRCIO, a bordo do veículo Fiat/Siena, dizendo ser o responsável pela carga de cigarros, provavelmente com a intenção de negociar a liberação do carregamento mediante oferta de suborno.

Citaram-se elementos de autoria e materialidade e, ao final, ALEX DE LIMA MELGES, GILMÁRCIO SOARES DE ANDRADE e LAÉRCIO RODRIGUES DE FREITAS JÚNIOR foram denunciados como incursos no artigo 334-A, caput, e §1º, incisos I e IV, do CP, c.c. artigo 3º do Decreto-lei nº 399/68, e com o artigo 29, caput, do CP.

A denúncia foi recebida em 18/10/2018 (ID 268079947, pp. 13/15).

Após regular instrução, sobreveio a sentença de ID 268080242, pela qual o magistrado de primeiro grau julgou procedente a pretensão punitiva deduzida na denúncia, para condenar ALEX DE LIMA MELGES, GILMÁRCIO SOARES DE ANDRADE, LAÉRCIO RODRIGUES DE FREITAS JÚNIOR, como incursos nas penas do artigo 334-A, §1º, I, do Código Penal, c/c art. 3º do Decreto Lei nº 399/1968, à pena de 03 (três) anos e 09 (nove) meses de reclusão, no regime aberto.

As penas privativas de liberdade foram substituídas por duas penas restritivas de diretos, consistentes em prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos em favor de entidade beneficente, a ser determinada pelo Juízo da Execução; e prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas , cabendo ao Juízo das Execuções Penais definir a entidade beneficiária e o local de prestação de serviços. Foi decretada a cassação da habilitação para dirigir veículo automotor dos réus (CNH), com proibição de obterem a respectiva habilitação pelo tempo em que perdurar o cumprimento da pena privativa de liberdade, observado o prazo máximo de 5 anos (art. 278-A no Código de Trânsito).

Por fim, foi concedido aos réus o direito de apelar em liberdade, e eles não foram condenados ao pagamento das custas processuais, uma vez "demonstrada a insuficiência de recursos desses, nos moldes do art. 4º, II, da Lei nº 9.289/96". 

A sentença foi publicada em 31/08/2022.

Inconformado, o Ministério Público Federal interpôs recurso de apelação. Pugna pela condenação dos réus à pena máxima em razão da valoração negativa da circunstâncias do crime. Requer, ainda, a condenação dos réus na inabilitação para dirigir veículos, prevista no artigo 92, III, do CP, com duração dos efeitos até a reabilitação dos condenados, com fulcro no artigo 93 do Código Penal. Sustenta que os condutores precisem se submeter ao procedimento  burocrático previsto no CTB para recuperar suas habilitações.

Igualmente irresignada, a defesa de ALEX DE LIMA MELGES e de LAÉRCIO RODRIGUES DE FREITAS JÚNIOR interpôs recurso de apelação. Em suas razões recursais (ID 268080253), pleiteia a diminuição da pena imposta, com o afastamento da valoração negativa das circunstâncias judiciais e da agravante de promessa de pagamento. Requer a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, bem como a diminuição do valor da prestação pecuniária e a exclusão da inabilitação para dirigir veículos.

A defesa de ALEX e LAÉRCIO ofertou contrarrazões no ID 268080264.

O Ministério Público contrarrazoou o recurso defensivo no ID 268080266.

Nesta Corte, a Procuradoria Regional da República ofereceu parecer pelo desprovimento de ambos os apelos (ID 270223791).

É o relatório.

À revisão.

 

 

 

 

 

 

 

 


    
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APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL, ALEX DE LIMA MELGES, LAERCIO RODRIGUES DE FREITAS JUNIOR, GILMARCIO SOARES DE ANDRADE

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V O T O

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Cuida-se de apelações criminais interpostas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e pela defesa de ALEX DE LIMA MELGES e LAÉRCIO RODRIGUES DE FREITAS JÚNIOR, contra sentença que julgou procedente a denúncia, para condenar os réus como incursos no artigo 334-A, §1º, I, do Código Penal, c/c art. 3º do Decreto Lei nº 399/1968, que preveem:

"Art. 334-A. Importar ou exportar mercadoria proibida:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 ( cinco) anos.  

§ 1o Incorre na mesma pena quem: 

I - pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando; 

"Art. 3º Ficam incursos nas penas previstas no artigo 334 do Código Penal os que, em infração às medidas a serem baixadas na forma do artigo anterior adquirirem, transportarem, venderem, expuserem à venda, tiverem em depósito, possuírem ou consumirem qualquer dos produtos nêle mencionados.

Da materialidade e autoria

Não houve impugnação quanto à materialidade e autoria delitivas, pelo que restam incontroversas. Ademais, não se verifica a existência de qualquer ilegalidade a ser corrigida de ofício por este Tribunal.

A sentença assim restou fundamentada quanto aos pontos:

Observo a materialidade do crime em análise nos seguintes documentos: a) auto de prisão em flagrante (ID 18972679 - Pág. 5-17); b) termo de apreensão (ID 18972679 - Pág. 18-25); c) boletim de ocorrência (ID 18972679 - Pág. 29-30); d) relatório fotográfico (ID 18972679 - Pág. 47-49); e) laudo merceológico e sobre o rádio transceptor (ID 18972679 - Pág. 72-82); f) relação de mercadorias da Receita Federal (ID 18972679 - Pág. 100-102); g) laudo pericial dos veículos (ID 18972679 - Pág. 206-228); h) auto de infração e apreensão de mercadorias e veículos da Receita Federal (ID 18972679 - Pág. 230-243).

Nesse passo, impende frisar que no crime de contrabando não há necessidade da constituição definitiva do crédito tributário, pois trata-se de delito formal concretizado pela própria conduta e o bem jurídico tutelado são o interesse estatal no controle da entrada e saída de produtos, assim como a saúde e segurança públicas, ainda, o produto, por ser proibido, sequer poderia ser importado em território nacional, não havendo impostos a recolher, de modo que não se pode falar em necessidade de constituição do crédito tributário (TRF 3ª Região: ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 80800, 0003088-68.2016.4.03.6110; ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL, 0008130-25.2013.4.03.6136; e, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL, 0008130-25.2013.4.03.6136).

Assim, a conduta narrada apresenta perfeita tipicidade com o crime de contrabando, na forma dos artigos supracitados.

II.2 - AUTORIA

No que se refere à autoria do delito de contrabando, é de se ver que também restou comprovada durante a instrução criminal. Os réus foram presos em flagrante quando transportavam carga de cigarros, de origem estrangeira, sem a devida documentação fiscal, havendo divisão de tarefas entre eles, sendo que, LAÉRCIO atuava como batedor. É certo que a prisão em flagrante conduz à presunção de que os acusados são efetivamente os autores do delito a eles imputados, circunstância não elidida pelos elementos dos autos, os quais, ao revés, confirmam cabalmente essa conclusão.

A testemunha ouvida confirma o crime perpetrado pelos réus.

Durante a instrução, foi ouvida a testemunha Arnaldo José de Souza, policial rodoviária federal, que assim descreveu: que visualizou duas carretas em velocidades não condizentes com a via, motivo pelo qual pediu apoio à polícia militar de Rio Negro/MS para realizar a abordagem; que um dos réus informou que transportavam cigarros de origem paraguaia. Acrescentou que no momento da apreensão, cerca de cinco a dez minutos depois, uma terceira pessoa se apresentou afirmando ser o batedor/proprietário da carga.

Interrogado judicialmente, o réu GILMÁRCIO confessou a prática do delito que lhe é imputado, aduzindo: que pegou a carreta em Campo Grande e a deixaria em São Gabriel do Oeste/MS; que sabia que a carga era de cigarro, sendo contratado por um homem conhecido como “Cuca”; que não sabe de quem era o caminhão. Acrescentou que o dinheiro em espécie encontrado (R$ 5.055,00) era para abastecer, retirar uma parte (R$ 2.000,00) e deixar o restante no caminhão; que não sabia que LAÉRCIO estava como batedor; que não estavam usando rádio comunicador.

Por sua vez, o réu LAÉRCIO também confessou a prática delitiva: que estava batendo a carga de cigarros de Campo Grande a São Gabriel do Oeste para um dos caminhões; que o contato era realizado por telefone; que não se recorda o valor que seria recebido, mas era um valor baixo; que o carro não era próprio. Alegou que quando se apresentou como proprietário do carregamento não tinha percebido que os policiais já haviam encontrado a carga de cigarros, pois pensou que ela estivesse oculta.

Por fim, o réu ALEX confessou os fatos descritos na denúncia. Informou que receberia R$ 2.000,00 para transportar o caminhão de Campo Grande para São Gabriel do Oeste, sendo que o dinheiro encontrado era de seu pagamento. Disse que sabia que estava transportando cigarro, mas não sabia quem era o proprietário do veículo que dirigia. Esclareceu que não estava trocando mensagens com Laércio.

Desta forma, não restam dúvidas quanto a autoria do delito. A testemunha Arnaldo José de Souza narrou com detalhes o fato ocorrido, os quais estão em consonância com o que fora relatado pelos próprios réus em seus interrogatórios judiciais.

Assim sendo, resta provado que todos os réus estavam associados para o transporte de maços de cigarros de origem paraguaia, sem registro na ANVISA (mercadoria proibida, sem autorização para importação, fabricação e/ou comercialização em território brasileiro).

Posto isso, presentes a autoria e a materialidade delitivas, restou demonstrado que os réus realizaram objetiva e subjetivamente aselementares do tipo penal previsto no artigo 334-A, §1º, I e IV, do Código Penal, c/c art. 3º do Decreto Lei nº 399/1968, incorrendo em conduta típica; não lhes socorrendo nenhuma causa de justificação, é também antijurídica sua conduta; imputável, agindo com dolo, passível, pois, de imposição de pena."

Portanto, não tenho qualquer dúvida a respeito da materialidade, da autoria e dolo de ALEX DE LIMA MELGES e LAÉRCIO RODRIGUES DE FREITAS JÚNIOR no crime previsto no artigo 334-A, § 1º, inciso I, do Código Penal, combinado com os artigos 2º e 3º do Decreto-Lei nº 399/1968, pelo que mantenho a condenação e passo à dosimetria.

Da dosimetria

A dosimetria dos réus foi feita de maneira conjunta, por envolver os mesmos fatores, o que será mantido.

1ª fase

Na primeira fase da dosimetria, o juiz sentenciante valorou negativamente a culpabilidade e as circunstâncias do crime, exasperando a pena-base para 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão. A defesa requer a fixação da pena no mínimo legal, enquanto a acusação pugna pela fixação da pena no patamar máximo em razão da quantidade de cigarros apreendidos.

Perfilho do entendimento de que o modus operandi empregado na prática do delito, somado à excessiva quantidade de cigarros apreendidos - 968.000 (novecentos e sessenta e oito mil) maços - constituem fatores aptos a elevar a pena-base, inclusive em patamar superior ao estabelecido na sentença. Nesse sentido, os seguintes precedentes desta Corte: 1ª Turma, ACR 00020214320084036112, Rel. Des. Fed. Hélio Nogueira, e-DJF3: 03.02.2016; 11ª Turma, ACR 00032297520114036106, Rel. Juiz Convocado Leonel Ferreira, e-DJF3: 01.02.2016.

Os argumentos apresentados pela defesa são insuficientes para afastar a exasperação da pena.

A alegação de que a carga apreendida não pertencia aos apelantes não afasta o cabimento da valoração negativa das circunstâncias do crime, uma vez que os acusados participaram do transporte de cigarros de origem estrangeira e importação e comercialização proibidas em território nacional, cientes de que praticavam conduta criminosa, à qual aderiram de forma livre e consciente. As circunstâncias da prática delitiva sob análise desbordam o ordinário observado em crimes análogos, justificando a exasperação.

Portanto, acolho o pedido ministerial, para aumentar a fração da exasperação da pena devido à elevada quantidade de cigarros apreendidos.

Insta salientar que a individualização da pena representa direito fundamental, previsto no artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal. Neste contexto, a fixação da pena constitui processo judicial de discricionariedade do julgador, que, diante de seu livre convencimento, estabelece o quantum ideal, de acordo com as circunstâncias judiciais desfavoráveis que verifica no caso concreto.

O Código Penal não define critérios para majoração da pena-base em razão do reconhecimento de circunstâncias judiciais desfavoráveis, de modo que a existência de uma única circunstância negativa pode elevar a pena ao patamar máximo, desde que para tanto haja fundamentação idônea.

Entendimento diverso implicaria restringir o magistrado na avaliação da gravidade concreta de cada crime e, no limite, impor um aumento igual a autores com culpabilidade de graus muito diversos, o que representaria afronta ao princípio da individualização da pena.

Assim, a exasperação da pena-base não se dá com base em critério matemático, uma vez admissível certa discricionariedade do órgão julgador, desde que vinculada a elementos concretos dos autos, e pautando-se nos postulados da razoabilidade e proporcionalidade.

Nesse sentido, trago precedentes do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA. PENA-BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. ELEVADA QUANTIDADE DE ENTORPECENTES APREENDIDOS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. REGIME SEMIABERTO. CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. [...] No presente caso, o Tribunal de origem, de forma motivada e de acordo com o caso concreto, atento as diretrizes do art. 42 da Lei de Drogas e do art. 59, do Código Penal, considerou a quantidade, a natureza e a variedade dos entorpecentes apreendidos com o paciente, vale dizer, 56 porções de cocaína pesando 17,5 gramas, 44 porções de maconha pesando 43 gramas, 107 pedras de crack pesando 18 gramas, para exasperar a reprimenda-base, inexistindo flagrante ilegalidade a ser sanada pela via do writ. IV - Quanto ao critério numérico de aumento para cada circunstância judicial negativa, insta consignar que "A análise das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal não atribui pesos absolutos para cada uma delas a ponto de ensejar uma operação aritmética dentro das penas máximas e mínimas cominadas ao delito." (AgRg no REsp n. 143.071/AM, Sexta Turma, Relª. Minª. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 6/5/2015). Precedentes. V - No que tange ao regime inicial de cumprimento de pena, cumpre registrar que o Plenário do col. Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90 - com redação dada pela Lei n. 11.464/07, não sendo mais possível, portanto, a fixação de regime prisional inicialmente fechado com base no mencionado dispositivo. Dessa forma, para o estabelecimento de regime de cumprimento de pena mais gravoso, é necessária fundamentação específica, com base em elementos concretos extraídos dos autos. VI - Não obstante a primariedade do paciente e o quantum de pena estabelecido, considerando a existência de circunstância judicial desfavorável, utilizada para exasperar a pena-base, o regime mais gravoso sequente, qual seja, o semiaberto, mostra-se adequado ao caso. Precedentes. Habeas corpus não conhecido. (STJ. HC 2018.02.82162-8. Quinta Turma. Relator Felix Fischer. DJe 03/12/2018)

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. VALORAÇÃO NEGATIVA DAS CONSEQUÊNCIAS DO CRIME MANTIDA. ACRÉSCIMO CONCRETAMENTE MOTIVADO. AUMENTO DA FRAÇÃO DE REDUÇÃO PELA TENTATIVA. CRITÉRIO DO ITER CRIMINIS PERCORRIDO OBSERVADO. ÓBICE AO REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO NA VIA ELEITA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. (...) III - Quanto ao critério numérico de aumento para cada circunstância judicial negativa, insta consignar que 'A análise das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal não atribui pesos absolutos para cada uma delas a ponto de ensejar uma operação aritmética dentro das penas máximas e mínimas cominadas ao delito'. Assim, é possível que 'o magistrado fixe a pena-base no máximo legal, ainda que tenha valorado tão somente uma circunstância judicial, desde que haja fundamentação idônea e bastante para tanto' (AgRg no REsp 143071/AM, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 6/5/2015). No presente caso, em relação ao quantum de exasperação na primeira fase da dosimetria, não há desproporção na reprimenda-base aplicada, porquanto existe motivação particularizada, vinculada à discricionariedade e à fundamentação da r. sentença, ausente, portanto, notória ilegalidade a justificar a concessão da ordem de ofício. Precedentes. (...) (HC 426.444/RS, Rel. Min. FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 01/03/2018, DJe 07/03/2018).

Sendo assim, entendo adequada a exasperação da pena para o patamar de 5 (cinco) anos de reclusão, pela valoração negativa das circunstâncias do crime.

Por isso, nesta fase da dosimetria a pena resta exasperada para 5 (cinco) anos de reclusão.

2ª fase

Na segunda etapa da dosimetria, a sentença reputou presentes a atenuante da confissão espontânea e a agravante prevista no artigo 62, inc. IV, do Código Penal, compensando-as.

A defesa requer o afastamento da agravante.

O réu deveras  faz jus à atenuação da pena nos moldes do artigo 65, inciso III, alínea "d", do Código Penal. Isto porque confessou a prática do crime em comento em juízo, sendo a confissão utilizada inclusive para embasar a condenação, o que, por si só, permite a aplicação da aludida atenuante.

Nesse diapasão, a Súmula nº 545 do Superior Tribunal de Justiça:

"Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no art. 65, III, d, do Código Penal."

Por outro lado, no que diz respeito ao reconhecimento da agravante do artigo 62, inciso IV, do Código Penal, com ressalva do meu entendimento pessoal, passo a adotar a orientação do C. Superior Tribunal de Justiça quanto à incidência da agravante acima referida, no sentido de que não constitui elementar do tipo previsto nos artigos 334 e 334-A do Código Penal.

Nesse tocante:

PENAL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CRIMES DE DESCAMINHO E CONTRABANDO. PAGA OU PROMESSA DE RECOMPENSA. AGRAVANTE. POSSIBILIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS NÃO INERENTES AO TIPO. PRECEDENTE DO STJ. AGRAVO IMPROVIDO.

1. Admite-se a incidência da agravante prevista no art. 62, IV, do CP ao delito do art. 334 do CP, se caracterizada a paga ou promessa de recompensa, por não se tratarem de circunstâncias inerentes ao tipo penal.

2. Quem deixa de recolher os tributos aduaneiros, cometendo o ilícito do descaminho, pode perfeitamente assim o executar, por meio de paga, ato que antecede ao cometimento do crime, ou por meio de recompensa, ato posterior à execução do crime, ou até mesmo desprovido de qualquer desses propósitos (REsp 1317004/PR, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 23/09/2014, DJe 09/10/2014).

3. Agravo interno improvido.

(AgInt no REsp 1457834/PR, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 17/05/2016, DJe 25/05/2016) (grifo nosso)

RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSO PENAL. DESCAMINHO. TRANSPORTE DE CIGARROS. PAGA OU PROMESSA DE RECOMPENSA. AGRAVANTE. ARTIGO 62, IV, DO CÓDIGO PENAL. INCIDÊNCIA. AUSÊNCIA DE INTERPOSIÇÃO DE APELAÇÃO. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. RECONHECIMENTO DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. CONCESSÃO DE HABEAS CORPUS DE OFÍCIO. REINCIDÊNCIA. COMPENSAÇÃO COM A ATENUANTE DA CONFISSÃO. POSSIBILIDADE.

1. É cabível a agravante prevista no art. 62, IV, do Código Penal a incidir no delito de descaminho, quando caracterizado que o crime ocorreu mediante paga ou promessa de pagamento, por não constituir elementar do tipo previsto no artigo 334 do Código Penal.

2. Inexistindo recurso de apelação perante o Tribunal de origem, a questão estará preclusa para apreciação do Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso especial.

3. Todavia, verificada a flagrante ilegalidade, observadas as peculiaridades do caso, "é possível, na segunda fase da dosimetria da pena, a compensação da agravante da reincidência com a atenuante da confissão espontânea, por serem igualmente preponderantes, de acordo com o artigo 67 do Código Penal" (EREsp n. 1.154.752/RS, 3ª Seção, DJe 4/9/2012 e RESP. n. 1.341.370/MT, julgado pelo rito dos recursos repetitivos, 3ª Seção, DJe 17/4/2013).

4. Recurso especial do Ministério Publico Federal provido para reconhecer a agravante prevista no art. 62, IV, do Código Penal, e não conhecer do recurso especial interposto por Ilton Mendes Ferraz. Habeas corpus concedido de ofício para, na segunda fase da dosimetria da pena, proceder à compensação entre a agravante da reincidência e a atenuante da confissão espontânea, tornando a reprimenda definitiva em 1 ano e 6 meses de reclusão.

(REsp 1317004/PR, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 23/09/2014, DJe 09/10/2014) (grifo nosso)

No mesmo sentido, o entendimento deste E. Tribunal Regional Federal:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. DESCAMINHO. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO. ART. 62, IV, DO CP. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. COMPENSAÇÃO ENTRE AGRAVANTE E ATENUANTE. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO.

1. Materialidade, autoria e dolo comprovados.

2. Não basta a mera alegação de ausência de dolo por desconhecimento da mercadoria transportada para afastar a culpabilidade. É necessário perquirir se as circunstâncias fáticas e o conjunto probatório coadunam-se de forma consistente com a versão do acusado, o que não ocorre na espécie.

3. Dosimetria da pena. Incidência da agravante do art. 62, IV, do Código Penal, visto que a prática do crime mediante paga ou promessa não constitui elementar dos delitos de contrabando e descaminho.

4. Efetuada a compensação entre a atenuante da confissão espontânea e a agravante da paga ou promessa de recompensa, visto que são, igualmente, circunstâncias preponderantes, que resultam da personalidade do agente e dos motivos determinantes do crime (CP, art. 67).

5. Mantidos o regime inicial aberto de cumprimento de pena e a substituição da pena privativa de liberdade por uma pena restritiva de direito, nos moldes fixados na sentença condenatória.

6. Mantida a aplicação do efeito extrapenal da inabilitação para dirigir veículo (CP, art. 92, III) pelo prazo da pena aplicada.

7. Apelação da defesa não provida. Apelação da acusação parcialmente provida.

(TRF 3ª Região, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 75400 - 0000191-39.2014.4.03.6142, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO, julgado em 19/02/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:25/02/2019) (grifo nosso)

PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 334-A, §1º, INCISO I E V, CP. CONTRABANDO. CIGARROS. MATERIALIDADE AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. PENA-BASE ACIMA DO MINIMO LEGAL. AGRAVANTE DO ART. 62, IV, CP APLICADA. ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTANEA RECONHECIDA. REGIME INICIAL ABERTO. PRSENTES OS REQUISITOS PARA SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RETRITIVA DE DIREITOS. REDUÇÃO DO VALOR DA PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA.

[...]

4. Incide a agravante prevista no art. 62, IV, do Código Penal para o crime de contrabando, dada a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a paga ou promessa de recompensa não é circunstância inerente ao tipo penal do art. 334-A do Código Penal (STJ, AgInt no REsp n. 1.457.834, Rel. Min. Nefi Cordeiro, j. 17.05.16; STJ, REsp n. 1.317.004, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. 23.09.14).

5. Reconhecida a atenuante da confissão espontânea.

6. Fixado o regime inicial aberto, nos termos do art. 33, §2º, c do CP.

7. Presentes os requisitos do art. 44 do CP, mister a substituição da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos.

8. Reduzido o valor da prestação pecuniária a par da extensão do dano, dos fins da pena e da condição econômica do réu.

9. Recurso da defesa parcialmente provido.

(TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 76293 - 0000927-31.2015.4.03.6107, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES, julgado em 05/11/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/11/2018) (grifo nosso)

A defesa requer o afastamento da referida agravante, alegando que restou comprovado que os apelantes não auferiram vantagem pecuniária no caso concreto.

A alegação não merece acolhida, uma vez que os próprios acusados admitiram que praticavam a conduta delitiva mediante promessa de recompensa, no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

Assim, mantenho a compensação entre a circunstância agravante e a atenuante, porque a confissão espontânea e a paga ou promessa de recompensa são, igualmente, circunstâncias preponderantes, que resultam da personalidade do agente e dos motivos determinantes do crime, nos moldes do artigo 67 do Código Penal.

Desta maneira, a pena resta mantida em 5 (cinco) anos de reclusão.

3ª fase

Na terceira etapa da dosimetria, preservo o entendimento do magistrado de primeiro grau, no sentido de que não incidem causas de aumento ou de diminuição da pena.

Dessa forma, mantenho a fixação definitiva da reprimenda em 5 (cinco) anos de reclusão.

Do regime inicial de cumprimento da pena

Tendo em vista o novo quantum das penas, fixo o regime inicial semiaberto para o seu cumprimento, nos termos do artigo 33, §2º, alínea "b", do Código Penal.

Da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos

Não se encontram preenchidos os requisitos previstos no artigo 44 do Código Penal, na medida em que a pena definitivamente aplicada passa a ser superior a 4 (quatro) anos. Assim, deve ser afastada a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos. 

Da inabilitação para dirigir veículos

A defesa requer o afastamento da inabilitação para dirigir veículo, argumentando que os veículos utilizados não são o meio específico para a prática do crime de contrabando, e que a inabilitação poderá prejudicar os acusados no exercício de seus meios laborais, comprometendo o próprio sustento e de suas famílias.

A acusação, por sua vez, pleiteia a condenação dos réus na inabilitação para dirigir veículos, prevista no artigo 92, III, do CP, com duração dos efeitos até a reabilitação dos condenados, com fulcro no artigo 93 do Código Penal. Sustenta que os condutores precisem se submeter ao procedimento  burocrático previsto no CTB para recuperar suas habilitações.

O artigo 92 do Código Penal é claro ao dispor sobre os efeitos da condenação:

"Art. 92 - São também efeitos da condenação:

I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:

a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, os crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública;

b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos.

II - a incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela, nos crimes dolosos, sujeitos à pena de reclusão, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado;

II - a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso.

Parágrafo único - Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença." (grifo nosso)

A inabilitação para conduzir veículo automotor do artigo 92, inciso III, do Código Penal é efeito secundário da condenação, exigindo-se para a sua aplicação apenas que o veículo tenha sido utilizado como meio para a prática de crime doloso, como no caso em tela, em que o veículo foi empregado, de forma dolosa, para o transporte de cigarros de procedência estrangeira, de internação proibida no território nacional.

Tal efeito da condenação apresenta-se como uma reprimenda, legalmente prevista, de todo aplicável ao presente caso, a fim de atingir os escopos de repressão e prevenção da pena.

Ainda que a inabilitação para dirigir não impeça a reiteração criminosa, não há dúvida que a torna mais difícil, além de possuir efeito dissuasório, desestimulando a prática criminosa sem encarceramento. O efeito da condenação em questão deve ser aplicado em casos de descaminho, contrabando, bem como de tráfico de drogas, armas, animais ou pessoas, restando o agente inabilitado para conduzir veículo, em especial quando evidenciado que a fruição do direito de dirigir teve importância no "iter criminis" (ACR 50037438020124047010, Márcio Antônio Rocha, TRF4 - Sétima Turma, D.E. 17/09/2014).

Indubitável que no caso em apreço os réus, na condição de motoristas, utilizaram a licença para conduzir veículo concedida pelo Estado para perpetrar o crime de contrabando, transportando significativa quantidade de cigarros de origem estrangeira, ou atuando como batedor em relação a tal transporte, tendo plena ciência da ilicitude da conduta.

Cabe ressaltar que diversas outras profissões poderão ser adotadas pelos réus sem que isso, por si, lhes retire meios de prover a própria subsistência e a de eventuais dependentes. A alegação de que a inabilitação pode prejudicar o exercício de seus meios laborais não permite que possam cometer crimes concretamente graves utilizando-se exatamente de veículos como instrumentos, e em seguida se furtarem às sanções legais com a alegação de que precisa da habilitação para desenvolver a atividade profissional que escolhera.

No que tange o prazo de duração da inabilitação, a lei não é clara. A imposição de um limite temporal é necessária, entretanto, a fim de evitar que a penalidade tome caráter perpétuo, que esbarraria na vedação constante do artigo 5º, inciso XLVII, alínea "b",  da Constituição Federal.

Concluído que há necessidade de um limite temporal, vejo duas possibilidades para sua concretização, a saber: a) até a reabilitação, ou seja, enquanto durarem os efeitos da condenação; ou, b) até o cumprimento integral da pena imposta.

A primeira das opções poderia ser adotada com fundamento no parágrafo único do art. 93 do CP, que, ao tratar da reabilitação, assim dispõe:

"Art. 93 - A reabilitação alcança quaisquer penas aplicadas em sentença definitiva, assegurando ao condenado o sigilo dos registros sobre o seu processo e condenação.

Parágrafo único - A reabilitação poderá, também, atingir os efeitos da condenação, previstos no art. 92 deste Código, vedada reintegração na situação anterior, nos casos dos incisos I e II do mesmo artigo."

Poder-se-ia cogitar, ainda, de uma aplicação analógica do inciso III do art. 15 da CF, que prevê a suspensão dos direitos políticos em caso de condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos.

Parece-me, porém, excessivo permitir que o acusado somente possa requerer a suspensão dos efeitos da condenação dois anos após o integral cumprimento da pena ou extinção da pena (CP, art. 94), considerado que a pena em si poderá ter duração significativamente inferior.

Levando em conta o tempo de tramitação do pedido de reabilitação e do pedido administrativo para o levantamento da suspensão, é de prever uma longa espera para que o apenado possa retomar o direito de dirigir.

A analogia com o inc. III do art. 15 da CF também não me parece adequada, pois os direitos políticos, embora tenham uma grande importância do ponto de vista do exercício da cidadania, são exercitados pela grande maioria dos cidadãos de modo espaçado no tempo, de modo que a medida não guarda o mesmo impacto na vida prática contemporânea que a suspensão do direito de dirigir.

Sendo assim, é razoável limitar a medida ao tempo da condenação, devendo perdurar até o integral cumprimento das demais sanções impostas, o que servirá de fator estímulo para um expedito e bem sucedido implemento de medidas como a prestação pecuniária e a prestação de serviços à comunidade, podendo o condenado até mesmo lançar mão, em alguns casos, da faculdade de cumprimento da pena em tempo inferior, mediante intensificação da carga horária semanal, como autoriza o § 4º do art. 46 do CP.

Por tais razões, e tendo em vista o comando previsto no artigo 92, inciso III, do Código Penal, mantenho a aplicação da pena de inabilitação para dirigir veículo ao réu, que deverá perdurar até o cumprimento integral da pena privativa de liberdade, indeferindo o pedido da acusação para que perdure até a reabilitação.

Passo a examinar o ponto da insurgência ministerial que requer que o efeito secundário da pena implique perda do direito de dirigir, com a cassação da Carteira Nacional de Habilitação dos réus, para que eles se submetam a novo procedimento para se habilitarem caso queiram voltar a dirigir.

O artigo 92, inciso II, do Código Penal, prevê a inabilitação para dirigir, sem precisar se o efeito seria a suspensão ou a cassação da Carteira Nacional de Habilitação.

O artigo 160 do Código de Trânsito Brasileiro prevê a necessidade de submissão a novos exames para voltar a dirigir para o condutor condenado por delito de trânsito, que não é a hipótese dos autos.

Observo que a lei nº 13.804/19, que dispõe sobre medidas de prevenção e repressão ao contrabando, ao descaminho, ao furto, ao roubo e à receptação, alterou o Código de Trânsito Brasileiro, acrescentando a ele o artigo 278-A, que dispõe:

“Art. 278-A. O condutor que se utilize de veículo para a prática do crime de receptação, descaminho, contrabando, previstos nos arts. 180 , 334 e 334-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal) , condenado por um desses crimes em decisão judicial transitada em julgado, terá cassado seu documento de habilitação ou será proibido de obter a habilitação para dirigir veículo automotor pelo prazo de 5 (cinco) anos.

§ 1º  O condutor condenado poderá requerer sua reabilitação, submetendo-se a todos os exames necessários à habilitação, na forma deste Código."

Ocorre que a Lei 13.804/19 foi promulgada em 11 de janeiro de 2019, data posterior ao cometimento do crime (23/08/2016).

Assim, são inaplicáveis ao caso concreto as modificações dadas ao art. 278-A do Código de Trânsito Brasileiro pela Lei n. 13.804/2019, tendo em vista a irretroatividade da lei prejudicial ao acusado.

Soma-se a isto que referido dispositivo, de caráter administrativo, tem como destinatário a autoridade de trânsito.

Assim, nego provimento ao recurso ministerial, deixando de impor a requerida a submissão aos exames necessários à habilitação ao final do cumprimento do efeito secundário da condenação.

De outro lado, o artigo 92, III do CP é norma vigente, direcionada ao magistrado e contém previsão de sanção para a prática de crimes dolosos de qualquer espécie, praticados mediante uso de veículo automotor, permitindo a aplicação, desde que fundamentada, da sanção de inabilitação.

Portanto, ao Juízo cabe decretar (fundamentadamente) a inabilitação do condenado para dirigir veículo automotor, nos termos do artigo 92, III, do Código Penal.

Por estas razões, de ofício, adequo a condenação, para manter a inabilitação para dirigir com fulcro no art. 92, III, do Código Penal, efeito da condenação cuja duração é equivalente ao cumprimento da pena corporal.

 

Por todo o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso defensivo; DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso ministerial, para aumentar a exasperação da pena de ambos os apelantes na primeira fase da dosimetria, fixando-as definitivamente em 5 (cinco) anos de reclusão, a ser cumprida em regime inicial semiaberto, afastada a substituição das penas privativas de liberdade por restritivas de direitos; DE OFÍCIO, procedo à adequação da inabilitação para dirigir veículo, estabelecendo o efeito secundário da condenação com fulcro no artigo 92, inciso III, do Código Penal, com duração pelo prazo da pena imposta, a partir do trânsito em julgado.

É o voto.

 

 

 

 



E M E N T A

 

 

APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGO 334-A, § 1º, I, DO CÓDIGO PENAL, C.C. ART. 3º DO DECRETO-LEI Nº 399/1968. CONTRABANDO. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO DEMONSTRADOS. DOSIMETRIA DA PENA. VALORAÇÃO NEGATIVA DAS CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. EXASPERAÇÃO DA PENA. EXCESSIVA QUANTIDADE DE CIGARROS. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. AGRAVANTE DE PROMESSA DE PAGA. COMPENSAÇÃO. REGIME INICIAL SEMIABERTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE AFASTADA. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO ADEQUADA AO ARTIGO 92, III, DO CP, COM DURAÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. APELO DEFENSIVO DESPROVIDO. APELO MINISTERIAL PARCIALMENTE PROVIDO.

1. Cuida-se de apelações criminais interpostas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e pela defesa de ALEX DE LIMA MELGES e LAÉRCIO RODRIGUES DE FREITAS JÚNIOR, contra sentença que julgou procedente a denúncia, para condenar os réus como incursos no artigo 334-A, §1º, I, do Código Penal, c/c art. 3º do Decreto Lei nº 399/1968.

2. Não houve impugnação quanto à materialidade e autoria delitivas, pelo que restam incontroversas. Ademais, não se verifica a existência de qualquer ilegalidade a ser corrigida de ofício por este Tribunal. Portanto, mantenho a condenação dos apelantes como incursos no crime previsto no artigo 334-A, § 1º, inciso I, do Código Penal, combinado com os artigos 2º e 3º do Decreto-Lei nº 399/1968, e passo à dosimetria.

3. Na primeira fase da dosimetria, perfilho do entendimento de que o modus operandi empregado na prática do delito, somado à excessiva quantidade de cigarros apreendidos - 968.000 (novecentos e sessenta e oito mil) maços - constituem fatores aptos a elevar a pena-base, inclusive em patamar superior ao estabelecido na sentença.

4. A alegação de que a carga apreendida não pertencia aos apelantes não afasta o cabimento da valoração negativa das circunstâncias do crime, uma vez que os acusados participaram do transporte de cigarros de origem estrangeira e importação e comercialização proibidas em território nacional, cientes de que praticavam conduta criminosa, à qual aderiram de forma livre e consciente. As circunstâncias da prática delitiva sob análise desbordam o ordinário observado em crimes análogos, justificando a exasperação. Sendo assim, entendo adequada a exasperação da pena para o patamar de 5 (cinco) anos de reclusão.

5. Na segunda etapa da dosimetria, a defesa requer o afastamento da agravante prevista no artigo 62, inc. IV, do Código Penal. Os réus fazem jus à atenuação da pena nos moldes do artigo 65, inciso III, alínea "d", do Código Penal, pois confessaram a prática do crime em comento em juízo, sendo a confissão utilizada inclusive para embasar a condenação, o que, por si só, permite a aplicação da aludida atenuante. Por outro lado, no que diz respeito ao reconhecimento da agravante do artigo 62, inciso IV, do Código Penal, com ressalva do meu entendimento pessoal, passo a adotar a orientação do C. Superior Tribunal de Justiça quanto à incidência da agravante acima referida, no sentido de que não constitui elementar do tipo previsto nos artigos 334 e 334-A do Código Penal. Os réus admitiram, em seu interrogatório judicial, que praticavam a conduta delitiva mediante promessa de recompensa, no valor de R$ 2.000 (dois mil reais). Assim, mantenho a compensação entre a circunstância agravante e a atenuante.

6. Na terceira etapa da dosimetria, preservo o entendimento do magistrado de primeiro grau, no sentido de que não incidem causas de aumento ou de diminuição da pena. Dessa forma, mantenho a fixação definitiva da reprimenda em 5 (cinco) anos de reclusão.

7. Tendo em vista o novo quantum das penas, fixo o regime inicial semiaberto para o seu cumprimento, nos termos do artigo 33, §2º, alínea "b", do Código Penal.

8. Não se encontram preenchidos os requisitos previstos no artigo 44 do Código Penal, na medida em que a pena definitivamente aplicada passa a ser superior a 4 (quatro) anos. Assim, deve ser afastada a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos. 

9.  Para a aplicação do efeito secundário da condenação consistente na inabilitação para dirigir veículo, exige-se apenas que o veículo tenha sido utilizado como meio para a prática de crime doloso, como no caso em tela, apresentando-se como reprimenda legalmente prevista, de todo aplicável ao presente caso, a fim de atingir os escopos de repressão e prevenção da pena. Os réus, na condição de motoristas, utilizaram a licença para conduzir veículo concedida pelo Estado para perpetrar o crime de contrabando. 

10.  Tendo em vista o comando previsto no artigo 92, inciso III, do Código Penal, mantenho a aplicação da pena de inabilitação para dirigir veículo ao réu, que deverá perdurar até o cumprimento integral da pena privativa de liberdade, pelo que indefiro o pedido da acusação para que perdure até a reabilitação.

11. No que tange o pedido ministerial pela cassação da CNH, observo que a Lei 13.804/19 foi promulgada em 11 de janeiro de 2019, data posterior ao cometimento do crime (23/08/2016). Assim, são inaplicáveis ao caso concreto as modificações dadas ao art. 278-A do Código de Trânsito Brasileiro pela Lei n. 13.804/2019, tendo em vista a irretroatividade da lei prejudicial aos acusados. Soma-se a isto que referido dispositivo, de caráter administrativo, tem como destinatário a autoridade de trânsito. Assim, nego provimento ao recurso ministerial, deixando de impor a cassação da CNH dos réus.

12. Por estas razões, de ofício, adequo a condenação, para manter a inabilitação para dirigir com fulcro no art. 92, III, do Código Penal, efeito da condenação cuja duração é equivalente ao cumprimento da pena corporal.

13. Apelo defensivo desprovido.

14. Apelo ministerial parcialmente provido.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu NEGAR PROVIMENTO ao recurso defensivo; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso ministerial, para aumentar a exasperação da pena de ambos os apelantes na primeira fase da dosimetria, fixando-as definitivamente em 5 (cinco) anos de reclusão, a ser cumprida em regime inicial semiaberto, afastada a substituição das penas privativas de liberdade por restritivas de direitos; DE OFÍCIO, proceder à adequação da inabilitação para dirigir veículo, estabelecendo o efeito secundário da condenação com fulcro no artigo 92, inciso III, do Código Penal, com duração pelo prazo da pena imposta, a partir do trânsito em julgado, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.