Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5004619-80.2019.4.03.6181

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

APELANTE: ANDERSON ALEX FELIPE DOS SANTOS

Advogado do(a) APELANTE: SERGIO LOPES GUIMARAES DE CARVALHO BESSA - SP391450-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5004619-80.2019.4.03.6181

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

APELANTE: ANDERSON ALEX FELIPE DOS SANTOS

Advogado do(a) APELANTE: SERGIO LOPES GUIMARAES DE CARVALHO BESSA - SP391450-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

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R E L A T Ó R I O

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Trata-se de apelação interposta pela defesa de ANDERSON ALEX FELIPE DOS SANTOS contra a r. sentença de primeiro grau (ID. 266661308), por meio da qual o ora apelante restou condenado pela prática do crime do art. 1º, I, c.c. o art. 12, I, ambos da Lei nº 8.137/90, à pena de 04 (quatro) anos e 06 (seis) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 300 (trezentos) dias-multa, no valor unitário de um trigésimo do salário mínimo vigente ao tempo do crime. Na sentença, foi fixado ainda o valor de R$ 92.827.766,81 como o mínimo da indenização para a reparação dos danos causados pela infração à Fazenda Nacional (art. 387, IV, CPP).

Narrou a denúncia (ID. 266661035) que ANDERSON ALEX FELIPE DOS SANTOS, na qualidade de administrador de fato e de direito da empresa “ALFIO – INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE METAIS E FIOS LTDA.” (CNPJ nº02.671.880/0001-53) reduziu tributos federais (IPI, IRPJ, CSLL, PIS e COFINS) devidos pela mencionada pessoa jurídica no ano-calendário de 2005, mediante omissão de informação e prestação de declaração falsa às autoridades fazendárias.

De acordo com a denúncia, os fatos foram apurados pela Receita Federal do Brasil nos autos dos Procedimentos Administrativos Fiscais nº 19515.003740/2010-14 e 19515.003741/2010-51 e os créditos tributários relacionados aos ilícitos foram definitivamente constituídos em 05/11/2010.

Por fim, o MPF requereu, em caso de condenação, a aplicação do art. 387, IV, do CPP.

A denúncia foi recebida por meio de decisão publicada em 02/04/2020 (ID. 266661038).

Processado o feito, sobreveio a r. sentença condenatória, publicada em 10/08/2022.

Em suas razões de recurso (ID. 267810392), a defesa alega, preliminarmente, nulidade do processo por ausência de oferecimento de Acordo de Não Persecução Penal e pede a conversão do julgamento em diligência, a fim de que os autos sejam remetidos à origem para a intimação pessoal do réu acerca da sentença condenatória proferida em seu desfavor. No mérito, pede a absolvição do acusado. Aduz, em síntese, ser indevida a sua condenação fundada em responsabilidade penal objetiva. Acrescenta que não houve descrição da conduta criminosa imputada ao réu e que não há prova suficiente à manutenção da sentença de primeiro grau. Subsidiariamente, pede a redução das penas impostas na sentença, o abrandamento do regime inicial de cumprimento, a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos e o afastamento do valor mínimo para reparação dos danos.

Nesta Corte, a Procuradoria Regional da República, afirmando o caráter facultativo da peça de contrarrazões, optou por apresentar unicamente parecer (ID. 268428590), no qual opinou pelo desprovimento da apelação defensiva.

É o relatório.

Sujeito à revisão na forma regimental.

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5004619-80.2019.4.03.6181

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

APELANTE: ANDERSON ALEX FELIPE DOS SANTOS

Advogado do(a) APELANTE: SERGIO LOPES GUIMARAES DE CARVALHO BESSA - SP391450-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

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V O T O

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do apelo interposto e passo a analisar as questões devolvidas a esta Corte.

 

PRELIMINARES

Pedido de conversão do julgamento em diligência

Em seu recurso, a defesa pede a conversão do julgamento em diligência, a fim de que os autos sejam remetidos à origem para a intimação pessoal do réu acerca da sentença condenatória proferida em seu desfavor.

O pleito não comporta acolhida.

Nos termos do art. 392, II, do Código de Processo Penal, no caso de réu solto (como se dá na hipótese) a intimação da sentença será feita pessoalmente, ou na pessoa do defensor por ele constituído.

Assim, a lei processual faculta a intimação do causídico, o que foi realizado no caso concreto. Acerca do tema, a jurisprudência é pacífica: STJ, 6ª Turma, REsp 1853488 / MG, RELATOR Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, DJe 17/02/2023; STJ, 5ª Turma, AgRg no AREsp 2087092 / SP, RELATOR Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, DJe 19/09/2022.

 

ANPP

A defesa pede a anulação do processo, sob o fundamento de que faz jus à propositura de acordo de não persecução penal.

O ANPP - Acordo de Não Persecução Penal foi incluído no Código de Processo Penal, em seu art. 28-A, pela Lei nº 13.964/2019, com a seguinte redação:

"Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente:  

I - reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo;  

II - renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;

III - prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal);        

IV - pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou

V - cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada.

[...]"

 

O acordo de não persecução penal é medida consensual de solução abreviada da lide penal, sujeita a requisitos e critérios previamente estabelecidos em lei. Inspira-se no chamado patteggiamento do direito italiano, criado com a reforma processual italiana, nos termos dos arts. 444 e seguintes do Código de Processo Penal Italiano, como "aplicazione dela pena su richiesta delle parti".

Neste sentido: "tal instituto tem como vantagens essenciais a dispensa de toda a fase debatimental e a economia de todo o segundo grau de jurisdição, uma vez que a sentença de primeiro grau é inapelável" (ATHAYDE BUONO, Carlos Eduardo e BENTIVOGLIO, Antônio Tomás. A Reforma Processual Penal Italiana - Reflexos no Brasil. RT, SP, pág.85).

Por outro lado, partilho do entendimento de que o oferecimento de ANPP não é direito público subjetivo do investigado. Ao revés, tal instituto constitui poder-dever do titular da ação penal, a quem cabe analisar a possibilidade de sua aplicação.

Neste sentido já decidiu o STJ no AgRg no RHC 74.464/PR, que tratava da suspensão condicional do processo, compreendendo-a não como um direito subjetivo do acusado, mas sim um poder-dever do Ministério Público, a quem compete, com exclusividade, analisar a possibilidade de aplicação do referido instituto, desde que o faça de forma fundamentada. Esse mesmo raciocínio pode ser aplicado para o instituto do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), já que ambos têm o mesmo caráter de instrumento da Justiça Penal consensual. O Ministério Público não é obrigado a ofertar o acordo, pois a ele compete avaliar a aptidão e suficiência do mesmo para reprovação e prevenção do crime, observado que, na hipótese de não oferecimento, o órgão fundamente a razão pela qual está deixando de fazê-lo.

No caso dos autos, o órgão acusatório oficiante em primeiro grau deixou de oferecer o ANPP em razão de o réu responder a outro processo criminal. O fundamento invocado é razoável e, na época, a defesa não requereu a remessa dos autos à Câmara de Revisão, providência cabível, nos termos do art. 28-A, §14, do CPP.  

Por outro lado, a Procuradoria Regional da República, no seu parecer, reputou inviável o oferecimento do ANPP, considerando que o réu não confessou o delito e porque o valor sonegado causou grave dano à coletividade, o que “denota a insuficiência do acordo de não persecução penal à repressão do crime tributário perpetrado por Anderson Alex Felipe dos Santos”.

Não há que se falar, assim, em nulidade na persecução penal ou em necessidade de conversão do julgamento em diligência.                                                                     

Rejeito, por tais fundamentos, as preliminares invocadas no recurso defensivo.

 

SÚMULA VINCULANTE Nº 24

A presente ação penal preenche a condição inserta na Súmula Vinculante nº 24, segundo a qual “não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo.”

Na hipótese, o crédito tributário restou definitivamente constituído na esfera administrativa em 05/11/2010, consoante se verifica da informação no id. 266660888 – p. 19.

 

DA CLASSIFICAÇÃO DO CRIME

O Ministério Público Federal denunciou ANDERSON ALEX FELIPE DOS SANTOS como incurso nas penas do artigo 1°, inciso I, da Lei 8.137/90, porque o acusado, na qualidade de sócio e administrador da empresa “ALFIO – INDUSTRIA E COMERCIO DE METAIS E FIOS LTDA” teria suprimido ou reduzido IPI, IRPJ, CSLL, PIS e COFINS devidos no ano-calendário de 2005 pela mencionada pessoa jurídica.

Quanto à suposta sonegação de IPI, verifico que a capitulação jurídica contida na denúncia não é correta. Confira-se, por pertinente, o trecho da inicial acusatória que descreve o fato:

“No Procedimento Administrativo Fiscal nº 19515.003741/2010-51, a Receita Federal apurou que na Declaração de Imposto de Renda Pessoa Jurídica do ano-calendário 2005 a empresa informou valores a recolher de IPI muito superiores aos valores declarados em sua DCTF. Tal fato foi apurado em razão da realização de diligências fiscais nas principais empresas compradoras de produtos da ALFIO, junto às quais foram solicitadas notas fiscais de entrada e/ou compras relacionadas a empresa investigada. Assim, foram entregues à fiscalização as notas fiscais que apresentaram destaque de IPI e, ao totalizar os valores mensais, constatou-se que os valores de IPI não foram declarados em sua totalidade nas DCTF's correspondentes.”

 

O crime previsto no art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90, é conhecido como “apropriação indébita tributária", possui natureza formal e consuma-se com a omissão no recolhimento oportuno aos cofres públicos do tributo descontado ou cobrado na qualidade de sujeito passivo da obrigação:

“Art. 2° Constitui crime da mesma natureza:

[...]

II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;”

 

A propósito, trago à colação a precisa lição de José Paulo Baltazar Junior:

“A apropriação indébita distingue-se da sonegação porque não requer fraude. Ao contrário da sonegação, o que caracteriza o crime de apropriação indébita é o fato de o sujeito ter a obrigação acessória de recolher um tributo que não é por ele devido, como a fonte pagadora do IR, e não repassar ao órgão tributante.

O inciso menciona duas possibilidades: ‘tributo descontado’ ou ‘cobrado’.

[...]

O IPI, ao contrário, é cobrado. O modo, em rápidas linhas, é o seguinte: quando uma operação é sujeita à cobrança do IPI, como, por exemplo, a compra de uma mercadoria, o consumidor paga o valor da mercadoria mais o valor do tributo. Se a mercadoria vale 100 reais, o vendedor deve cobrar 110 reais, porque 10 reais são devidos de IPI. O valor de 10 reais, cobrado em razão do IPI, não pertence ao vendedor, mas à União, para quem esse valor deve ser recolhido.”

(in Crimes Federais. 10 ed. Saraiva: São Paulo, 2016, pp. 848/845).

 

Extrai-se do Termo de Verificação Fiscal (id. 266660567 - pp. 1/9) que acompanhou a denúncia, que o valor do IPI devido pela “ALFIO” no ano de 2005 foi apurado a partir dos valores destacados nas Notas Fiscais de Venda e retidos por ocasião de seus recebimentos, que não foram recolhidos aos cofres públicos no prazo legal (cf. auto de infração do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI no id. 266660571 - pp. 5/8 e notas fiscais de saída nos ids. 266660574 a 266660888).

Não se verifica, portanto, a omissão fraudulenta típica, elementar do crime previsto no art. 1º da Lei nº 8.137/90, pois o crime se consumou com a ausência de repasse do tributo cobrado do adquirente da mercadoria, no prazo legalmente assinalado, de maneira que a omissão posterior em DCTF configura “post factum” impunível.

É dizer, o fato que gerou a autuação fiscal foi a omissão no recolhimento, ao Fisco, dos valores de IPI cobrados das adquirentes de mercadoria (no caso, NEXANS BRASIL S/A, FURUKAWA INDUSTRIAL AS PRODUTOS ELETRICOS e SÃO MARCO INDUSTRIA E COMERCIO LTDA) no momento da efetivação de operações sujeitas à incidência do IPI (alienação de mercadorias no ano de 2005).

Por outro lado, a omissão, nas DCTFs da ocorrência de tais cobranças, ainda que caracterizem suposta fraude, são fatos posteriores impuníveis, que podem influenciar na dosimetria da pena, mas não caracterizam em si mesmas a conduta criminosa, a qual, em verdade, se consumou com o não recolhimento, ao final do prazo legal, do valor do imposto sobre produtos industrializados cobrados pela “ALFIO” de empresas terceiras adquirentes de mercadorias, em operações sujeitas à incidência do mencionado tributo.

Em outras palavras, a fraude não foi condição ou elementar necessária para consumação do delito em análise, porque o responsável pela administração da empresa simplesmente já comete o crime previsto no art. 2º, II, da Lei n.º 8.137/90 quando deixa de recolher o tributo cobrado de terceiros na data de seu vencimento, a qual ocorre/ocorreu sempre antes da data prevista para entrega das DCTFs e das DIPJs.

Assim, no presente caso, antes e independentemente da entrega de DCTFs apontando débitos em valores inferiores para o ano-calendário de 2005, já haviam se concretizado todos os elementos do tipo penal de apropriação indébita tributária nas datas de vencimento do prazo para recolhimento do IPI cobrado no período.

Veja-se que, nos termos do art. 202, III, do Decreto nº 4.544/2002 (vigente ao tempo dos fatos), o Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI deveria ser recolhido até o último dia útil do decêndio subseqüente ao de ocorrência dos fatos geradores, em momento anterior, portanto, ao prazo para apresentação das DCTFs (semestrais) pela pessoa jurídica fiscalizada.

Como é cediço, a capitulação jurídica contida na denúncia é sempre provisória, cabendo ao julgador, no momento da prolação da sentença, verificar a adequação dos fatos comprovados na instrução penal ao tipo indicado na inicial acusatória, sendo perfeitamente válida sua readequação (emendatio libelli), respeitados os limites impostos pela norma processual penal.

Além disso, não há qualquer óbice ao poder do Tribunal em aplicar aludido instituto, nos termos do artigo 617 do Código de Processo Penal (STJ, 5ª Turma, AgRg nos EDcl no AREsp 1364914 / SP, Relator(a) Ministro RIBEIRO DANTAS (1181), DJe 19/12/2018; STJ, 6ª Turma, HC 437730 / DF, Relator(a) Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (1131), DJe 01/08/2018).

Destarte, reputo que os fatos narrados na denúncia relativamente ao IPI encontram correta classificação jurídica no art. 2º, II da Lei 8.137/90. No mesmo sentido, trago à colação os seguintes precedentes:

“PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. SONEGAÇÃO FISCAL. ART. 1º, I, DA LEI 8.137/90 C.C. O ARTIGO 71 DO CÓDIGO PENAL.DESCLASSIFICAÇÃO, DE OFÍCIO, PARA O DELITO DEFINIDO NO ART. 2º, II, DA LEI 8.137/90. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 383 E 617, AMBOS DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PRESCRIÇÃO RECONHECIDA. RECURSO PREJUDICADO.

1. Apelante condenado pelo cometimento do crime descrito no artigo 1º, I, da Lei nº 8.137/90, em continuidade delitiva.

2. Emenda do libelo (artigos 383 e 617, ambos do CPP). Com espeque nos artigos 383 e 617, ambos do Código de Processo Penal, de ofício, desclassificada a conduta para o delito descrito no artigo 2º, inciso II, da Lei nº 8.137/90.

3. O crime definido no artigo 2º, inciso II, da Lei nº 8.137/90 é formal, vale dizer, independe da produção do resultado, bastando a prática da conduta fraudulenta no sentido de o contribuinte eximir-se do pagamento da exação, sendo prescindível a prévia constituição do crédito tributário, nos termos da Súmula Vinculante n.º 24.

4. Prescrição. Ocorrência. Reconhecimento, de ofício.

5. De ofício, com espeque nos artigos 383 e 617, ambos do Código de Processo Penal, desclassificada a conduta para o delito definido no artigo 2º, inciso II, da Lei nº 8.137/90 e, de ofício, reconhecida e declarada extinta a punibilidade do acusado pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal, nos termos do artigo 107, inciso IV, e 109, inciso V, ambos do Código Penal c.c. o artigo 61 do Código de Processo Penal, prejudicado o apelo defensivo.”

(ACR 0010647-81.2008.4.03.6102 SP, Rel. Des. Fed. Paulo Fontes, TRF3, 5ª Turma, julgado em 28/09/2021 – V.U.);

 

“PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. SONEGAÇÃO DE TRIBUTOS FEDERAIS. APROPRIAÇÃO DE IPI. DESCLASSIFICAÇÃO. CRIMES DOS ARTIGOS 1º, I, E 2º, II, AMBOS DA LEI Nº 8.137/90. PRESCRIÇÃO PARCIAL. ART. 12, I, DA LEI Nº 8.137/90. GRAVE DANO À COLETIVIDADE CONFIGURADO. VALOR DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO QUE SUPERA UM MILHÃO DE REAIS. AUTORIA DELITIVA. PROVA INSUFICIENTE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. APELO ACUSATÓRIO DESPROVIDO.

1 – A conduta de apropriação de Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI destacado em notas fiscais de venda é prescrita no art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90. O crime possui natureza formal e se consuma com a omissão no recolhimento oportuno aos cofres públicos do tributo descontado ou cobrado na qualidade de sujeito passivo da obrigação.

2 - A capitulação jurídica contida na denúncia é sempre provisória, cabendo ao julgador, no momento da prolação da sentença, verificar a adequação dos fatos comprovados na instrução penal ao tipo indicado na inicial acusatória, sendo perfeitamente válida sua readequação (emendatio libelli), respeitados os limites impostos pela norma processual penal. Além disso, não há qualquer óbice ao poder do Tribunal em aplicar aludido instituto, nos termos do artigo 617 do Código de Processo Penal.

3 – Reconhecida a prescrição da pretensão punitiva estatal relativamente ao crime de apropriação de IPI narrado na denúncia.

[...]

7- Apelo acusatório desprovido.”

(TRF 3ª Região, 11ª Turma, ApCrim 5006845-16.2020.4.03.6119, minha Relatoria, v.u., DJEN DATA: 17/08/2022)

 

“EMENTA: PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA TRIBUTÁRIA. ART. 2º, II, DA LEI Nº 8.137/90. AUSÊNCIA DE RECOLHIMENTO DE IPI. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. SENTENÇA REFORMADA. CONDENAÇÃO. DOSIMETRIA DA PENA. CONTINUIDADE DELITIVA. PENA DE MULTA. REGIME INICAL ABERTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE.

1. A ausência de repasse aos cofres públicos dentro do prazo legal de Imposto sobre Produtos Industrializados configura o crime do artigo 2º, inciso II, da Lei nº 8.137/90. 2. O crime de apropriação indébita tributária possui natureza formal, na modalidade omissiva própria, que se consuma com a simples inércia da pessoa obrigada ao comportamento que a lei determina, independentemente da ocorrência de um resultado naturalístico ou incorporação ao patrimônio do agente. 3. No delito previsto no artigo 2º da Lei nº 8.137/1990, o dolo é genérico. Sendo prescindível um especial fim de agir, o elemento subjetivo decorre da intenção de não recolher aos cofres públicos dentro do prazo legal valor de tributo descontado ou cobrado, o que restou, à evidência da materialidade e da autoria delitivas, demonstrado na espécie. 4. Comprovados a materialidade, a autoria e o dolo, e ausentes causas excludentes da ilicitude ou da antijuridicidade, impõe-se a reforma da sentença para a condenação dos réus pela prática do delito previsto no artigo 2º, inciso II, da Lei nº 8.137/90. [...]  9. Admissível a substituição da pena privativa de liberdade por apenas uma pena restritiva de direitos, consistente em prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas, pois, preenchidos os demais requisitos, a reprimenda corporal aplicada não supera um ano de detenção.

(TRF4, ACR 5008696-06.2020.4.04.7108, SÉTIMA TURMA, Relator LUIZ CARLOS CANALLI, juntado aos autos em 15/03/2022) - grifei.

 

PRESCRIÇÃO

O crime do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90 é formal e, portanto, sua configuração prescinde do esgotamento do processo administrativo fiscal e da constituição definitiva do crédito na esfera administrativa, não se aplicando ao delito de apropriação indébita tributária a Súmula Vinculante nº 24 do STF.

A prova documental que acompanhou a denúncia revela que as notas fiscais de venda que basearam o lançamento tributário de IPI na esfera administrativa foram emitidas entre as competências de janeiro/2005 a outubro/2005 (ID. 266660567 – pp. 3/4).

Nos termos do art. 202, III, do Decreto 4.544/2002, o prazo para recolhimento era regulado nos seguintes termos (redação vigente ao tempo do crime):

“Art. 202. O imposto será recolhido:

[...]

III - até o último dia útil do decêndio subseqüente ao de ocorrência dos fatos geradores, no caso dos demais produtos (Lei nº 8.383, de 1991, art. 52, inciso I, alínea c, e Lei nº 8.850, de 1994, art. 2º);”

 

Além disso, a denúncia foi recebida em 02/04/2020, não houve suspensão da prescrição e o réu contava com mais de vinte e um anos de idade na data dos fatos e menos de 70 (setenta) anos de idade ao tempo da sentença, não fazendo jus à contagem dos prazos prescricionais pela metade.

Por fim, o prazo prescricional incidente ao caso dos autos é de 08 (oito) anos, nos termos do art. 109, IV, do Código Penal, já que a pena máxima abstratamente cominada ao delito soma 03 (três) anos (art. 2º, II, c.c. o art. 12, I, ambos da Lei nº 8.137/90).

Tem-se, portanto, que a pretensão punitiva estatal relativamente ao crime de apropriação indébita de IPI restou integralmente fulminada pela prescrição, pois transcorrido lapso temporal superior a oito anos entre a data limite para recolhimento do IPI cobrado nas notas fiscais emitidas entre janeiro e outubro de 2005 e a do recebimento da denúncia.

Quanto ao crime de sonegação de IRPJ e reflexos, a pretensão punitiva do Estado permanece hígida, pois o termo inicial de contagem é a data da constituição definitiva do crédito tributário na seara administrativa que ocorreu em 05/11/2010, já na vigência, portanto, da Lei nº 12.234/2010, que alterou o art. 110, §1º, do Código Penal.

Assim, a prescrição, antes do recebimento da denúncia, deve ser calculada com base na pena máxima abstratamente cominada ao delito que, no caso concreto, atrai um prazo prescricional de 12 (doze) anos, nos termos do art. 109, III, do Código Penal. O mesmo prazo prescricional corresponde à pena concretamente aplicada ao réu na sentença de primeiro grau - 04 (quatro) anos e 06 (seis) meses de reclusão.

De se ver que o interregno de doze anos não foi superado entre a data dos fatos (05/11/2010) e a do recebimento da denúncia (02/04/2020), nem entre esta e a da publicação da sentença condenatória (10/08/2022), tampouco desde este último marco interruptivo.

 

MATERIALIDADE

A materialidade objetiva do crime de sonegação de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS imputado ao réu vem robustamente demonstrada nos autos, especialmente pela prova documental que acompanhou a denúncia, da qual destaco, por mais relevantes, os seguintes elementos:

- representação fiscal para fins penais (ID. 266660561 – pp.8/11);

- Termo de Verificação e anexos (id. 266660567 - pp. 1/9);

- demonstrativo consolidado do crédito tributário do processo (ID. 266660561 – p. 14);

- DIPJ 2006 de “ALFIO – INDUSTRIA E COMERCIO DE METAIS E FIOS LTDA” (ID. 266660561 – pp. 22/27 e id. 266660562);

- DCTFs 1º e 2º semestres/2005 (ID. 266660563);

- auto de infração do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e correspondentes demonstrativos de apuração (id. 266660567 - pp. 10/18);

 - auto de infração da Contribuição para o PIS/Pasep e correspondentes demonstrativos de apuração (id. 266660567 - pp. 19/28);

- auto de infração da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (COFINS) e correspondentes demonstrativos de apuração (id. 266660568 - pp. 1/6);

 - auto de infração da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) e correspondentes demonstrativos de apuração (id. 266660568 - pp. 7/14).

 

Tais elementos revelam que a Receita Federal, a partir do Mandado de Procedimento Fiscal de Fiscalização (MPF-F) nº 08.1.90.00-2010-00431-8, apurou a redução de tributos federais (IRPJ, PIS, CSLL e COFINS) devidos pela “ALFIO- INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE METAIS E FIO LTDA” (CNPJ nº 02.671.880/0001-53, mediante omissão de informações às autoridades fazendárias acerca de fatos geradores das referidas exações no ano-calendário de 2005.

De acordo com a fiscalização, o lançamento de ofício foi realizado a partir do arbitramento do lucro, já que a pessoa jurídica, embora regularmente intimada, não forneceu elementos que permitissem a apuração do lucro real (conforme opção na DIPJ). O faturamento foi calculado a partir das notas fiscais emitidas pela “ALFIO” e obtidas pela Receita Federal junto a empresas diligenciadas no curso do procedimento de fiscalização, bem como a partir das informações declaradas pela própria contribuinte nas GIAs (Guias de Informação e Apuração do ICMS) transmitidas à Fazenda Estadual no ano de 2005.

Consta, ainda, que as DCTFs transmitidas no período informavam débitos de IRPJ e CSLL apenas para o primeiro semestre de 2005, nos valores de R$6.989,82 e R$6.290,84, respectivamente.

A partir de tais dados, a Receita Federal efetuou o lançamento, de ofício, dos seguintes tributos (sem juros ou multa):

- IRPJ: R$4.960.281,43;

- CSLL: R$ 2.239.781,22;

- PIS: R$1.351.802,57;

- COFINS: R$6.239.089,03.

 

 

Prosseguindo, a sonegação de vultosa quantia não é ínsita à tipificação penal contida no art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90, e tem aptidão para causar enorme dano à coletividade, o que atrai a incidência da causa de aumento especial prevista no art. 12, I, do mesmo Diploma Legal. Sobre o tema, o C. Superior Tribunal de Justiça definiu que "o dano tributário é valorado considerando seu valor atual e integral, incluindo os acréscimos legais de juros e multa" e que "a majorante do grave dano à coletividade, prevista pelo art. 12, I, da Lei 8.137/90, restringe-se a situações de especialmente relevante dano, valendo, analogamente, adotar-se para tributos federais o critério já administrativamente aceito na definição de créditos prioritários, fixado em R$1.000.000,00 (um milhão de reais), do art. 14, caput, da Portaria 320/PGFN." (REsp n. 1.849.120/SC, relator Ministro NEFI CORDEIRO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 11/3/2020, DJe 25/3/2020).

E, no caso dos autos, o crédito tributário somava, em 17/09/2010 (data do lançamento), R$35.475.990,39 (trinta e cinco milhões, quatrocentos e setenta e cinco mil, novecentos e noventa reais e trinta e nove centavos) e, portanto, autoriza a aplicação da majorante em questão.

Demonstrada, assim, a materialidade do delito previsto no art. 1º, I, c.c. ao rt. 12, I, ambos da Lei nº 8.137/90.

 

AUTORIA E DOLO

A autoria delitiva restou igualmente comprovada.

O réu era, ao tempo dos fatos, sócio amplamente majoritário (98% das cotas) e o único com poderes de administração da “ALFIO”, conforme se extrai do contrato social e dos registros da empresa na JUCESP (id. 266660888 - pp.16/17).

Do mesmo modo, o acusado constou como responsável pela pessoa jurídica na DIPJ 2006 (ID. 266660561 – pp. 22/27 e id. 266660562) e transmitiu sua declaração de imposto de renda pessoa física informando que, no ano de 2005, era proprietário de empresa e exercia a função de dirigente/presidente/diretor (id. 266660571 – p. 14).

Na fase policial, foi juntado aos autos o termo das declarações prestadas por MARIA DECILENE ANDRADE SILVA nos autos do IPL nº 2.251/2012 (id. 266661033 pp. 15/17):

“Inquirido(a) a respeito dos fatos, RESPONDEU: QUE a depoente esclarece que foi contratada no ano de 2001 pela empresa ALFIO sendo que atualmente ainda tem vínculo empregatício com ela pois não conseguiu achar nenhum dos sócios para dar baixa em sua CTPS; QUE deixou de trabalhar efetivamente entre 2006 e 2007 porque a empresa estava em dificuldades financeiras, não sabendo dizer quem deu a ordem para suspender para o pagamento de salários; QUE afirma que os donos da empresa eram ANDERSON ALEX FELIPE DOS SANTOS e RAIMUNDO de tal; QUE relembrada sobre o compromisso de dizer a verdade afirmou que ANDERSON e RAIMUNDO eram os donos efetivos da empresa, sendo que o ANDERSON "sentava na diretoria" juntamente com ROBERTO EMILIO (que ia três vezes por semana na empresa, mas segundo a depoente ele não tinha vínculo empregatício com a empresa); QUE ANDERSON participava das reuniões com ROBERTO, mas afirmou que a parte comercial toda da empresa era gerida por ROBERTO, a quem cabia fechar a compra de material (venda de sucata) e a venda dos produtos da fábrica (linguotes primários e secundários de liga de alumínio); QUE não sabe dizer qual era a remuneração de ROBERTO; QUE MARIA EUNICE detinha procuração para movimentar as contas bancárias da ALFIO; QUE nunca recebeu ordens de RAIMUNDO e não sabe dizer o que ele fazia, mas que ele sempre aparecia na empresa, mas nunca o viu em nenhuma reunião; QUE RAIMUNDO e ROBERTO sempre estavam juntos, mas não sabe dizer se ele era motorista de ROBERTO, pois as vezes alegou que ROBERTO dirigia seu veículo; QUE ROBERTO tinha uma RAV-4 da TOYOTA, sendo que RAIMUNDO tinha um corsa hatch e ANDERSON tinha um corsa sedan; QUE indagada sobre quem gerenciava a empresa afirmou que era ANDERSON auxiliado por ROBERTO; QUE indagada sobre quem determinava a contratação e demissão de funcionários, pagamento de tributos, aumento salarial afirmou que era ANDERSON; QUE a empresa funcionava na Móoca, na Rua Dom Bosco n.° 80; QUE afirmou que JOSE CRISTIANO ZAPAROLI era sócio de ROBERTO EMILIO ESTEFAM eram sócios na EZS, sendo que CRISTIANO costumava frequentar a empresa ALFIO, mensalmente em reuniões com ANDERSON e ROBERTO EMILIO; QUE inquirida se não acha estranho o fato de RAIMUNDO não ter nenhum função na empresa, afirmou que "não acha nada"; QUE indagada sobre a quantidade de funcionários da empresa, afirmou que ela teve cerca trinta funcionários, mas no final tinha somente 4, quando a declarante saiu da empresa; QUE afirma não saber a data em que a empresa encerrou suas atividades de fato; QUE indagada novamente se ROBERTO e JOSE CRISTIANO eram sócios ocultos da ALFIO, afirmou que eles apenas tinha relação comercial com a empresa; QUE a ALFIO tinha representantes comerciais, mas não soube dizer nenhum, sendo que o principal cliente da empresa ALFIO era NEXAS; QUE a EZS era um cliente importante da ALFIO, mas a NEXAS era a principal; QUE o contador da empresa era JUAN de tal, da ANTARES CONTABILIDADE; QUE todos os pagamentos eram feitos por MARIA EUNICE, não sabendo dizer se ela também fazia o controle financeiro de pagamentos e recebimentos da ALFIO; QUE a função da depoente era realizar pagamentos, serviços de banco, recepção de clientes e fornecedores, limpeza; QUE chegou a fazer depósitos em conta da EZS e de JOSE CRISTIANO, mas nunca fez pagamentos para ROBERTO; QUE afirmou que muitos pagamentos eram feitos em dinheiro; QUE inclusive o pagamento de salários sempre foi feito em dinheiro, sendo que até a declarante o fazia, assim como a EUNICE; QUE os aumentos salariais eram decididos por ANDERSON e ROBERTO; QUE recebia ordens de ROBERTO e de ANDERSON, sendo que os clientes e fornecedores quando ligavam para a empresa, falavam com ambos indistintamente; QUE reafirma que ROBERTO somente mantinha parceria comercial, cuidando de todo o setor comercial; QUE a contabilidade encaminhava as guias de recolhimento de tributos já com os valores preenchidos e a própria ALFIO efetuava o pagamento, com cheques assinados pela ALFIO; QUE a decisão de pagar contas, tributos, salários e fornecedores era tomada em conjunto entre ANDERSON e ROBERTO, sendo que eles repassavam as ordens para MARIA EUNICE, que por sua vez as repassava para os demais empregados; QUE não manteve contato com ROBERTO depois que se desligou da empresa, nem mesmo para tentar receber suas verbas trabalhistas que não foram quitadas, afirmando que somente procurou por ANDERSON e RAIMUNDO nos endereços do contrato social, mas não os encontrou;  QUE conheceu MAURICIO SANTANA, pois ele prestava serviços de assessoria na área técnica de qualidade para a ALFIO e também para a EZS, mas não sabe dizer quem o contratou; QUE MAURICIO se reportava sobre assuntos técnicos da ALFIO somente com ROBERTO; QUE chegou a fazer pagamentos para MAURICIO, depósito em conta, mas nunca fez para ROBERTO; QUE o seu salário era cerca de R$2.000,00, mas não sabe dizer qual era o salário de Maria Eunice; QUE não sabe dizer qual era o prolabore de ANDERSON e RAIMUNDO, nem sabe dizer se eles chegaram a receber dividendos ou não; QUE nunca esteve na sede da EZS; QUE afirmou que os sócios da EZS eram ROBERTO e JOSE CRISTIANO, não sabendo dizer se havia mais algum sócio, pois somente eles se apresentavam como tal; QUE ao que ser recorda RAIMUNDO não era procurado por clientes ou fornecedores; QUE a própria depoente arcará com os honorários de sua advogada, sendo que ela lhe foi indicada por MARIA EUNICE na época em que ela foi ouvida aqui; QUE atualmente é corretora de imóveis e que conheceu ROBERTO EMILIO na própria ALFIO; QUE soube da vaga na ALFIO por uma agência de empregos e não se recorda quem a entrevistou QUE alega que somente conheceu ROBERTO após uns três meses de trabalho, pois no início somente via ANDERSON e RAIMUNDO, que na época já não desempenha nenhuma função na empresa QUE está ciente de que poderá ser indiciada indiretamente por falso testemunho, casa haja indícios nos autos neste sentido; QUE nunca respondeu a inquérito ou processo criminal. Nada mais disse e nem lhe foi perguntado.” – grifos meus

 

O acusado não compareceu à audiência designada para seu interrogatório e a defesa desistiu da oitiva da testemunha RAIMUNDO (sócio minoritário da pessoa jurídica ao tempo dos fatos).

Ouvida em juízo como testemunha comum, DECILENE afirmou que (livre transcrição a partir do id. 266661284):

“Trabalhei na “ALFIO” como assistente administrativa entre 2001 e 2010, mas minha CTPS só teve baixa na Justiça do Trabalho em 2015. Eu ajuizei uma reclamação trabalhista. Por anos eu tentei receber, sem sucesso. Minhas funções eram vinculadas à administração. Eu fazia todo tipo de serviço: vai no banco, atende a porta, vai ao Correio, essas coisas rotineiras. Eu via o sr. Anderson Alex na ALFIO, mas eu não tinha acesso a ele. Ele era o sócio e frequentava a empresa ALFIO. Faz muito tempo. Ele ia na empresa e tinha muita gente lá. Ele ficava numa sala e assinava. Eu não sei direito, mas era ele quem demandava tudo lá. Diretamente para mim, ele não demandava. Quem demandava eram as pessoas do meu setor. Eu não sei quem decidia as questões tributárias da empresa.”

 

A prova testemunhal, portanto, corrobora a versão acusatória de que o réu administrava a pessoa jurídica relacionada ao ilícito ao tempo do crime.

Em seu apelo, a defesa afirma que as investigações não foram devidamente aprofundadas e que, apesar do requerimento do órgão ministerial para que o contador da empresa fosse ouvido, a providência não foi adotada pela autoridade policial e a denúncia foi oferecida mesmo sem “o cumprimento de diligência imprescindível para o deslinde do caso”.

Não obstante a afirmação de que a oitiva do contabilista era imprescindível para o esclarecimento dos fatos, é certo que o réu não arrolou o mencionado contador como testemunha. Além disso, desistiu da oitiva da testemunha Raimundo Augustinho Fabiano (que compareceu em juízo, mas foi dispensada). Veja-se que Raimundo era sócio minoritário da “ALFIO” ao tempo dos fatos e, nessa condição, poderia ter esclarecido a responsabilidade (ou não) do réu pela sonegação descrita na denúncia.

Além disso, o mero fato de o administrador empregar terceiros para o cumprimento de obrigações tributárias acessórias (no caso do contador) não afasta, de plano, sua responsabilidade sobre ilícitos que resultem da decisão referente ao recolhimento ou não de tributos ou das informações declaradas e lançadas nas declarações tributárias, uma vez que, tendo o dever de assegurar a atuação da pessoa jurídica em conformidade com a lei, poderá praticar o crime por ação direta ou por omissão imprópria, nos termos do art. 13, § 2º, do Código Penal: 

 “PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ART. 1º, I, DA LEI N. 8.137/1990. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. OMISSÃO E CONTRADIÇÃO NO ACÓRDÃO RECORRIDO. INEXISTÊNCIA. ABSOLVIÇÃO. SÚMULA 7/STJ. APLICAÇÃO DO ART. 29, § 1º, DO CP. PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. No que toca à questão amparada nos arts. 619 e 620 do Código de Processo Penal, e no art. 489, § 1º, IV, do CPC, não assiste razão ao recorrente, haja vista que a matéria tida por omissa foi satisfatória e fundamentadamente examinada pelo Tribunal de origem, o qual concluiu ter sido provado nos autos, que o ora recorrente consentiu expressamente com as decisões tomadas pelo outro réu, furtando-se a evitar o resultado, ficando, assim evidenciado o dolo no agir, o que, na espécie, configura a responsabilidade por omissão imprópria, nos termos do art. 13, § 2º, do Código Penal.

2. Também não assiste razão à defesa no que diz respeito à questão amparada no art. 1º, I, da Lei n. 8.137/1990, pois, como visto, o aresto impugnado referiu-se expressamente à conduta delituosa do réu, praticada com o fim de reduzir ou suprimir tributos, não restando configurada a alegada responsabilização penal objetiva, como quer fazer crer o recorrente.

3. Nesse contexto, a alteração do julgado, tal como pleiteado pela defesa, a fim de se concluir pela ausência de dolo na conduta do réu, demandaria necessariamente o reexame dos elementos fáticos e probatórios dos autos, providência inviável nesta sede especial, consoante dispõe a Súmula 7/STJ.

4. A condenação do réu está calcada na omissão dolosa, pois, no caso em apreço, detinha ele o dever de evitar o resultado (crime comissivo por omissão), haja vista que, consoante apurado pelas instâncias ordinárias, ainda que apenas um dos sócios "lidasse rotineiramente com a administração financeira, esse não poderia proceder à omissão fraudulenta de recolhimento de tributos e prestação de informações falsas sem a ciência e consentimento do outro". Assim, razão assiste à Corte de origem, pois o comportamento do acusado não pode ser classificado como mera participação, mas autoria em crime omissivo impróprio.

5. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no AREsp 1641743/PE, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 02/03/2021, DJe 08/03/2021)”

 

De se ver que a prova produzida nos autos revela que o acusado era o responsável pela administração da pessoa jurídica ao tempo dos fatos e que a defesa não produziu qualquer elemento que pudesse gerar dúvida razoável acerca da autoria atribuída ao réu. Aliás, em seu apelo, o réu nem mesmo alega de que maneira a sonegação milionária poderia ter sido operacionalizada sem o seu conhecimento: haveria sócios ocultos? O acusado esteve afastado de fato da gestão da “ALFIO”? Por quais motivos?

Neste cenário, à míngua de qualquer justificativa mínima para a negativa de autoria, a pretensão absolutória não pode ser acolhida.

Consigne-se, por fim, que o dolo do tipo penal do art. 1º da Lei nº 8.137/90 é genérico, bastando, para a tipicidade da conduta, que o sujeito queira não pagar, ou reduzir, tributos, consubstanciado o elemento subjetivo em uma ação ou omissão voltada a este propósito:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. VIOLAÇÃO AO ART. 402 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - CPP. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. FUNDAMENTO NÃO IMPUGNADO. SÚMULA N. 283 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - STF. ARESTO RECORRIDO EM HARMONIA COM JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. ATIPICIDADE DA CONDUTA. AUSÊNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO. CRIME IMPOSSÍVEL. DOLO GENÉRICO. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA N. 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. DESCLASSIFICAÇÃO. CRIME CONSUMADO. CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. DOSIMETRIA. REVISÃO. SÚMULA N. 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

[...]

2.1. O aresto recorrido está em consonância com o entendimento deste Tribunal Superior, pois "os crimes de sonegação fiscal e apropriação indébita previdenciária prescindem de dolo específico, sendo suficiente, para a sua caracterização, a presença do dolo genérico consistente na omissão voluntária do recolhimento, no prazo legal, dos valores devidos" (AgRg no AREsp 469.137/RS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, DJe 13/12/2017).

[...]

5. Agravo regimental desprovido.”

(STJ, 5ª Turma, AgRg no REsp 1943948 / PE, RELATOR Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, DJe 15/08/2022);

 

“PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. DOLO ESPECÍFICO. PRESCINDIBILIDADE. RESP NÃO ADMISSÍVEL. SÚMULA N. 83 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

1. Na caracterização dos crimes contra a ordem tributária, é suficiente a demonstração do dolo genérico. Precedente.

2. O acórdão impugnado asseverou que a acusada tinha plena ciência da obrigatoriedade do recolhimento do imposto (ISS) a partir do dia 8/8/2008, decorrente da decisão proferida na ADI n. 3.089/DF pelo Supremo Tribunal Federal.

3. A discussão sobre a alegada violação à coisa julgada material relativa à invocada isenção deve ser examinada pela jurisdição especializada em direito tributário, e não na justiça criminal.

4. Agravo regimental não provido.”

(STJ, 6ª Turma, AgRg no AREsp 1933842 / SC, RELATOR Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ (1158), DJe 14/12/2021).

 

No particular, ressalto que não se cogita jamais da existência de prova cabal e inconteste do dolo, posto que somente o indivíduo conhece seu universo interior e as sutilezas de seu intento. O que se deve buscar, no bojo do processo penal, é a prova robusta e harmônica das circunstâncias objetivas que envolvem os fatos, a partir das quais se pode extrair, por dedução, a existência ou não do dolo do autor, com base nas regras da experiência ordinária.

E, no caso dos autos, não há como crer que o réu desconhecesse o absoluto descompasso entre os tributos declarados no ano de 2005 (que somavam menos de R$14.000,00) e os valores efetivamente devidos, que somavam, sem juros ou multa, mais de quatorze milhões de reais.

Há, em verdade, elementos suficientes à convicção deste julgador no sentido de que o acusado, com consciência e vontade, omitiu os valores com o fim de se furtar ao pagamento do imposto de renda devido pela pessoa jurídica e seus reflexos.

Mantenho, por tais fundamentos, a condenação do réu pela prática do crime do art. 1º, I, c.c. o art. 12, I, ambos da Lei nº 8.137/90.

 

DOSIMETRIA

1ª FASE

Na primeira etapa da dosimetria, a pena base foi fixada em 03 (três) anos de reclusão, nos seguintes termos:

“Na primeira fase de aplicação da pena, devem ser examinadas as circunstâncias judiciais previstas no art. 59, caput, do Código Penal. Quanto à culpabilidade, anoto que o acusado, no exercício da atividade de empresário, tinha o dever de conduzir-se com ética e em colaboração com a atividade fiscal; o grau de censurabilidade de seu comportamento, portanto, deve ser elevado, máxime pela carga de dolo utilizada na prática delitiva, mostrando-se justificada a elevação da pena-base sob esse argumento. O réu não possui maus antecedentes. Não existem elementos que desabonem a conduta social ou a personalidade do acusado. Os motivos do crime são reprováveis, pois a prática delitiva foi impulsionada pela ganância de aumentar os lucros da sociedade. Relativamente às circunstâncias do delito, observo que foi praticado do modo característico, sem denotar um maior juízo de reprovabilidade que não seja inerente ao crime em apreço. As consequências do crime, embora tenham sido gravosas, serão valoradas na terceira fase da dosimetria (art. 12, I, Lei 8.137/1990), de modo que esta circunstância será considerada neutra, evitando bis in idem. Nada a ponderar a respeito do comportamento da vítima. Por tais razões, fixo a pena-base acima do mínimo legal, em 3 (três) anos de reclusão.”

 

Assiste razão à defesa quanto ao pleito de redução da reprimenda.

A culpabilidade do agente é elementar do crime, de maneira que a fixação da pena base acima do mínimo legal somente se justifica nos casos em que a censurabilidade da conduta supere a reprovação social inerente à tipificação do fato, o que não ocorre na hipótese.

A motivação do crime (lucro fácil) é inerente à infração penal praticada. Assim, afasto a valoração negativa das mencionadas circunstâncias judiciais. Acerca do tema, confira-se:

“RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. VIOLAÇÃO AO ART. 619 DO CPP. INEXISTÊNCIA. RESTABELECIMENTO DA SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. REEXAME DA NATUREZA DO DOLO. IMPOSSIBILIDADE. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ. PENA-BASE. CUPIDEZ. LUCRO FÁCIL. CONTRARIEDADE AO ORDENAMENTO JURÍDICO. CIRCUNSTÂNCIAS ÍNSITAS AO TIPO PENAL. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. REDUÇÃO DA PENA-BASE. EXTENSÃO AOS CORRÉUS CONDENADOS NO ACÓRDÃO. ART. 580 DO CPP.

1. Apreciadas, fundamentadamente, todas as questões necessárias à solução da controvérsia, inexiste violação ao art. 619 do CPP.

2. A pretensão de restabelecimento da sentença absolutória, ou o reexame da natureza do dolo, implica o revolvimento de matéria fático-probatória, o que encontra óbice na Súmula 7/STJ.

3. A cupidez, o lucro fácil e a contrariedade ao ordenamento jurídico vigente, por serem elementares do tipo penal de crime contra a ordem tributária, não constituem motivação idônea para a elevação da pena-base acima do mínimo legal.

4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta extensão, provido para reduzir a pena, com extensão aos corréus condenados no acórdão, nos termos do art. 580 do CPP.”

(STJ, 6ª Turma, REsp 1222305 / SP, RELATOR Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR (1148), RELATOR PARA ACÓRDÃO Ministro NEFI CORDEIRO (1159), DJe 10/09/2015).

 

Fixo, portanto, a pena base no mínimo legal.

 

2ª FASE

Não há atenuantes ou agravantes.

 

3ª FASE

Na última fase, incide apenas a causa de aumento prevista no art. 12, I, da Lei nº 8.137/90, à fração de ½ (metade), considerando que o crédito tributário somava mais de trinta milhões de reais ao tempo do lançamento.

A pena definitiva do réu fica, portanto, fixada em 03 (três) anos de reclusão e 15 (quinze) dias-multa, mantido o valor unitário no mínimo legal.

 

Regime inicial

Acolho o pedido da defesa e fixo o regime aberto para início de cumprimento da pena de reclusão, com fundamento no art. 33, §2º, “c”, do Código Penal, em razão da quantidade de pena aplicada, por ser o réu primário e porque não há circunstâncias judiciais desfavoráveis que imponham a fixação de regime inicial mais gravoso.

 

Substituição da pena privativa de liberdade

Presentes os requisitos do art. 44 do Código Penal, cabível a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em uma pena de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e uma pena de prestação pecuniária.

A pena pecuniária substitutiva da pena privativa de liberdade deve ser fixada de maneira a garantir a proporcionalidade entre a reprimenda substituída e as condições econômicas do condenado, além do dano a ser reparado. Ademais, não se deve olvidar que, nos termos do §1º do art. 45 do Código Penal:

"A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 1 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos. O valor pago será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários."

 

Assim, fixo a pena de prestação pecuniária em 10 (dez) salários mínimos, especialmente porque não há nos autos prova da situação econômica atual do réu.

Determino, por fim, que a pena de prestação pecuniária seja revertida em favor da União, nos termos do art. 45, §1º, do Código Penal.

 

Fixação do valor mínimo para reparação

Com esteio no artigo 387, IV, do Código de Processo Penal, a i. magistrada a quo fixou o o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração em R$ 92.827.766,81.

O dispositivo legal apontado estabelece que o juiz fixará o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido.

A despeito das controvérsias acerca da aplicabilidade da novel redação do dispositivo aos fatos ocorridos antes da sua vigência, entendo que a Lei 11.719/2008, responsável pela alteração, é uma norma de natureza processual penal, ensejando aplicação imediata, por força do princípio do tempus regit actum.

O dispositivo em testilha tão-somente determina a liquidação imediata da obrigação de indenizar o dano, dever este há muito disciplinado no artigo 91, inciso I, do Código Penal, não trazendo, o novo dispositivo, qualquer inovação no tocante à existência da obrigação de reparar o dano causado. Nesse sentido:

"PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. OPERAÇÃO CURAÇAO. EVASÃO DE DIVISAS. INÉPCIA DA DENÚNCIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP ATENDIDOS. OITIVA DE TESTEMUNHA. IMPRESCINDIBILIDADE DA OITIVA NÃO COMPROVADA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. DOSIMETRIA. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. DESPROPORCIONALIDADE NO AUMENTO. NÃO OCORRÊNCIA. CRIME CONTINUADO. FRAÇÃO DE AUMENTO. NÚMERO DE INFRAÇÕES. PENA DE MULTA. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. ART. 387, IV, DO CPP. CONDENAÇÃO À REPARAÇÃO DO DANO. POSSIBILIDADE.

[...]

VIII - A regra estabelecida pelo art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, por ser de natureza processual, deve ter aplicação imediata, inclusive a processos em curso.

Agravo regimental desprovido."

(STJ, 5ª Turma, AgRg no REsp 1.668.560/PR, Relator(a) Ministro FELIX FISCHER (1109), DJe 21/05/2018).

 

No caso, houve expresso pedido formulado pelo órgão ministerial (STJ, 6ª Turma, AgRg no REsp 1.688.156/MS, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, DJe 15/06/2018; STJ, 6ª Turma, AgRg no REsp 1.671.240/PR, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 04/06/2018).

Assim, mantenho a fixação do mínimo para de reparação dos danos, mas reduzo o valor para R$35.475.990,39 (trinta e cinco milhões, quatrocentos e setenta e cinco mil, novecentos e noventa reais e trinta e nove centavos), em decorrência da prescrição reconhecida neste voto.

 

DISPOSITIVO

Ante o exposto, DE OFÍCIO, com espeque nos artigos 383 e 617, ambos do Código de Processo Penal, desclassifico a conduta relacionada ao IPI para o delito definido no artigo 2º, inciso II, da Lei nº 8.137/90 e, quanto a esta parcela dos fatos, declaro extinta a punibilidade do acusado pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal, nos termos do artigo 107, inciso IV, e 109, ambos do Código Penal c.c. o artigo 61 do Código de Processo Penal; REJEITO as preliminares e, no mérito, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao apelo defensivo para reduzir as penas do réu ANDERSON ALEX FELIPE DOS SANTOS para 03 (três) anos de reclusão em regime inicial aberto, e 15 (quinze) dias-multa, no valor unitário de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, substituída a pena corporal por duas restritivas de direitos, e para reduzir o valor mínimo para reparação do dano (art. 387, IV, do CPP).

É o voto.

 



E M E N T A

 

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 1º, I, DA LEI Nº 8.137/90. ANPP. RÉU SOLTO. INTIMAÇÃO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA POR MEIO DE DEFENSOR CONSTITUÍDO. VALIDADE. PRELIMINARES REJEITADAS. CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA DOS FATOS. EMENDATIO LIBELLI. IPI. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. PRESCRIÇÃO. SONEGAÇÃO DE IRPJ E REFLEXOS. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOLO GENÉRICO DEMONSTRADO. GRAVE DANO À COLETIVIDADE. DOSIMETRIA. REDUÇÃO DAS PENAS. APELO PARCIALMENTE PROVIDO.

1- Ação penal que preenche a condição inserta na Súmula Vinculante nº 24, segundo a qual “não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo.”

2 – Nos termos do art. 392, II, do Código de Processo Penal, tratando-se de réu solto, é suficiente a intimação do defensor constituído, através da publicação no órgão de imprensa oficial, acerca da sentença condenatória. Precedentes.

3 - O acordo de não persecução penal é medida consensual de solução abreviada da lide penal, sujeita a requisitos e critérios previamente estabelecidos em lei. O ANPP não é direito público subjetivo do investigado. Ao revés, tal instituto constitui poder-dever do titular da ação penal, a quem cabe analisar a possibilidade de sua aplicação.

3.1 – Caso concreto em que o órgão ministerial afirmou a impossibilidade de oferecimento do acordo com base em fundamento idôneo e a defesa não requereu a remessa dos autos à Câmara de Revisão, providência cabível, nos termos do art. 28-A, §14, do CPP.  Nulidade não verificada.

4 – A conduta de apropriação de Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI destacado em notas fiscais de venda é prescrita no art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90. O crime possui natureza formal e se consuma com a omissão no recolhimento oportuno aos cofres públicos do tributo descontado ou cobrado na qualidade de sujeito passivo da obrigação.

5 - A capitulação jurídica contida na denúncia é sempre provisória, cabendo ao julgador, no momento da prolação da sentença, verificar a adequação dos fatos comprovados na instrução penal ao tipo indicado na inicial acusatória, sendo perfeitamente válida sua readequação (emendatio libelli), respeitados os limites impostos pela norma processual penal, inclusive em segundo grau de jurisdição (art. 617 do Código de Processo Penal).

6 – Reconhecida, de ofício, a extinção da punibilidade do réu quanto ao delito do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90 (apropriação de IPI) pela prescrição.

7 – Comprovadas a materialidade e a autoria do crime de sonegação de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS imputado ao réu.

7.1 - A sonegação de vultosa quantia não é ínsita à tipificação penal contida no art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90, e tem aptidão para causar enorme dano à coletividade, o que atrai a incidência da causa de aumento especial prevista no art. 12, I, do mesmo Diploma Legal. Sobre o tema, o C. Superior Tribunal de Justiça definiu que "o dano tributário é valorado considerando seu valor atual e integral, incluindo os acréscimos legais de juros e multa" e que "a majorante do grave dano à coletividade, prevista pelo art. 12, I, da Lei 8.137/90, restringe-se a situações de especialmente relevante dano, valendo, analogamente, adotar-se para tributos federais o critério já administrativamente aceito na definição de créditos prioritários, fixado em R$1.000.000,00 (um milhão de reais), do art. 14, caput, da Portaria 320/PGFN." (REsp n. 1.849.120/SC, relator Ministro NEFI CORDEIRO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 11/3/2020, DJe 25/3/2020).

8 – O mero fato de o administrador empregar terceiros para o cumprimento de obrigações tributárias acessórias (no caso do contador) não afasta, de plano, sua responsabilidade sobre ilícitos que resultem da decisão referente ao recolhimento ou não de tributos ou das informações declaradas e lançadas nas declarações tributárias, uma vez que, tendo o dever de assegurar a atuação da pessoa jurídica em conformidade com a lei, poderá praticar o crime por ação direta ou por omissão imprópria, nos termos do art. 13, § 2º, do Código Penal.

9 - O dolo do tipo penal do art. 1º da Lei nº 8.137/90 é genérico, bastando, para a tipicidade da conduta, que o sujeito queira não pagar, ou reduzir, tributos, consubstanciado o elemento subjetivo em uma ação ou omissão voltada a este propósito.

10 – Pena base reduzida ao mínimo legal.  A culpabilidade do agente é elementar do crime, de maneira que a fixação da pena base acima do mínimo legal somente se justifica nos casos em que a censurabilidade da conduta supere a reprovação social inerente à tipificação do fato, o que não ocorre na hipótese. A motivação do crime (lucro fácil) é inerente à infração penal praticada.

11 – Apelo defensivo parcialmente provido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu DE OFÍCIO, com espeque nos artigos 383 e 617, ambos do Código de Processo Penal, desclassificar a conduta relacionada ao IPI para o delito definido no artigo 2º, inciso II, da Lei nº 8.137/90 e, quanto a esta parcela dos fatos, declarar extinta a punibilidade do acusado pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal, nos termos do artigo 107, inciso IV, e 109, ambos do Código Penal c.c. o artigo 61 do Código de Processo Penal; REJEITAR as preliminares e, no mérito, DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo defensivo para reduzir as penas do réu ANDERSON ALEX FELIPE DOS SANTOS para 03 (três) anos de reclusão em regime inicial aberto, e 15 (quinze) dias-multa, no valor unitário de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, substituída a pena corporal por duas restritivas de direitos, e para reduzir o valor mínimo para reparação do dano (art. 387, IV, do CPP), nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.