Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000962-50.2013.4.03.6110

RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO

APELANTE: FLORIVAL AGOSTINHO ERCOLIM GONELLI

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000962-50.2013.4.03.6110

RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO

APELANTE: FLORIVAL AGOSTINHO ERCOLIM GONELLI

 

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator):

Trata-se de apelação interposta por FLORIVAL AGOSTINHO ERCOLIM GONELLI, representado pela Defensoria Pública da União (DPU), em face da sentença proferida pela 4ª Vara Federal de Sorocaba (SP) que o condenou à pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e 12 (doze) dias-multa, no valor unitário mínimo legal, pela prática do crime previsto no art. 313-A do Código Penal, tendo a pena privativa de liberdade sido substituída por duas restritivas de direitos consistentes em (i) prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública e (ii) prestação pecuniária, no valor de um salário mínimo, em favor de entidade a ser determinada pelo juízo da execução penal.

A corré Luciana Vieira Ghiraldi também foi condenada pela prática desse delito, em coautoria, sendo-lhe aplicada igual pena, mas não recorreu (ID 170496783, p. 65).

A denúncia (ID 170496785, pp. 3/9), recebida em 26.08.2013 (idem, pp. 34/37), narra:

Acusação I:

(Art. 171, § 3º, do Código Penal, c.c os arts. 29 e 71, do Código Penal)

Em 02.01.2008, no município de Tietê/SP, FLORIVAL AGOSTINHO ERCOLIM GONELLI e LUCIANA VIEIRA GHIRALDI obtiveram, para outrem (o segurado José Maria Roco), vantagem ilícita e indevida, induzindo em erro INSS, mediante fraude, em prejuízo da autarquia federal que, diante da fraude, concedeu um benefício previdenciário de forma indevida

(...)

Apurou se nas diligências investigatórias que José Maria roco procurou Luciana Vieira Giraldi, que é a advogada, para que ela auxiliasse-lhe em um pedido de aposentadoria, cobrando esta, para tanto, o valor correspondente às três primeiras rendas de benefício, caso fosse deferido o pedido.

O benefício de aposentadoria por tempo de contribuição foi requerido na agência da Previdência Social em Tietê, SP, em 02/01/2008 e concedido sob o número 142.994-002-3, no dia 30/04 /2008.

Alguns meses após a concessão do benefício previdenciário supra descrito, em decorrência da verificação de regularidade do ato concessório, apurou se que o referido benefício havia sido concedido irregularmente na agência do INSS de Tietê, SP. As irregularidades consistiram no computo do período de 23/05/72 s 31/12/83 como trabalhador rural sem a devida comprovação, e enquadramento indevido do período de 01/10/85 28/04/95 como tempo especial.

O servidor público federal responsável por tal concessão indevida e fraudulenta foi FLORIVAL AGOSTINHO ERCOLIM GONELLI, conforme se verifica nas fls. 42/43 do apenso II, o qual fora demitido por fatos análogos aos aqui tratados.

(...)

Dessa forma, há fortes indícios que LUCIANA VIEIRA GHIRALDI era a responsável por atuar como procuradora em benefícios previdenciários, enquanto que FLORIVAL AGOSTINHO ERCOLIM GONELLI era responsável por inserir os dados nos sistemas informatizados do órgão previdenciário de forma a permitir a concessão do benefício (ainda que para tanto fosse necessário inserir elementos fraudulentos, como no presente caso).

(...)

O pagamento do benefício foi suspenso em fevereiro de 2009, resultando no recebimento indevido em prejuízo da Previdência Social, pelo período de 02/01/2008 31/01/2009, no valor de R$ 7.083,59 (sete mil e oitenta e três reais e cinquenta e nove centavos).

Acusação II:

(Art. 313-A, do Código Penal, c.c o art. 29, do Código Penal)

Em abril de 2008, no município de Tietê SP, FLORIVAL AGOSTINHO ERCOLIM GONELLI inseriu dados falsos, nos sistemas informatizados ou bancos de dados da administração pública com o fim de obter vantagem indevida para outrem. Para tanto, o acusado contou com o auxílio da acusada LUCIANA VIEIRA GHIRALDI.

Na ocasião, para dar prosseguimento ao pedido de benefício número 142.994.002-3 formulado em favor de José Maria Roco, FLORIVAL AGOSTINHO ERCOLIM GONELLI, servidor responsável pelo preenchimento, nos sistemas informatizados do INSS, inseriu os dados necessários, mas fraudulentos e inexatos, ao deferimento (fls. 64/65).

Em análise de procedimentos ocorrido meses após, o INSS constatou que houve computo do período de 23/05/72 a 31/12/83, como trabalhador rural, sem a devida comprovação, tendo em vista que não foi apresentada Declaração do Exercício de Atividade Rural emitida pelo respectivo Sindicato, não constam documentos de comprovação da atividade rural para os anos de 72 a 78, 80 a 82, não consta homologação do período de atividade rural pela respectiva Chefia de Benefícios, portanto, em desacordo com disciplinado no parágrafo único do art. 149 da IN INSS/PRES nº 20/07.

Também se constatou que houve o enquadramento indevido do período de 01/10/85 a 28/04/95, tendo em vista que o formulário (fl. 21) emitido em 22/02/08 perdeu a eficácia em 31/12/03, sendo que a partir de 01/01/04 o documento válido para comprovação do exercício de atividades especiais é o PPP (perfil Profissiográfico Previdenciário) conforme § 2º do art. 66 do Decreto 3048/99 e art. 162 da IN INSS/PRES nº 20/07.

A sentença (ID 170496785, pp. 265/276) foi publicada em 16.02.2018.

Em suas razões (ID 170496783, pp. 120/143), a DPU pede a absolvição do apelante, alegando que: i) não há comprovação da materialidade, tendo em vista a ausência de exame pericial; ii) não foi configurado o dolo específico, porque a inserção dos dados pode ter ocorrido “por erro decorrente de grande quantidade de trabalho” e, ainda, porque não foi demonstrada a obtenção de vantagem indevida; iii) o caso é de aplicação do princípio da insignificância e reconhecimento da atipicidade da conduta, pois foi mínimo o prejuízo causado. Subsidiariamente, pede a desclassificação para o crime previsto no art. 171 do Código Penal, tendo em vista que a conduta descrita na denúncia se amolda a essa previsão, até porque o apelante não é mais funcionário público. Caso mantida a condenação, requer a redução da pena ao mínimo legal e a isenção do pagamento de custas.

A Procuradoria Regional da República apresentou contrarrazões (ID 175157623, pp. 157/169) e parecer (ID 270014374), opinando pelo desprovimento do recurso. 

É o relatório.

À revisão.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000962-50.2013.4.03.6110

RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO

APELANTE: FLORIVAL AGOSTINHO ERCOLIM GONELLI

 

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator):

Trata-se de apelação interposta por FLORIVAL AGOSTINHO ERCOLIM GONELLI, representado pela Defensoria Pública da União (DPU), em face da sentença que o condenou pela prática do delito previsto no art. 313-A do Código Penal.

Princípio da insignificância

A defesa pede a aplicação do princípio da insignificância e, em razão disso, a absolvição do apelante. Sem razão, contudo, pois esse princípio não é cabível quando se trata de crime praticado em detrimento da seguridade social, na medida em que há um alto grau de reprovabilidade na conduta do agente, que atinge a coletividade como um todo.

Não se pode levar em consideração apenas o valor do prejuízo, mas, principalmente, a relevância de que se cerca o bem jurídico tutelado, qual seja, o patrimônio público.

A inaplicabilidade do princípio da insignificância a casos similares vem sendo reafirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e por este Tribunal, conforme se verifica, a título exemplificativo, nas seguintes ementas:

HABEAS CORPUS. PENAL. ESTELIONATO PRATICADO CONTRA ENTIDADE DE DIREITO PÚBLICO. (ART. 171, § 3º, DO CP). PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO INCIDÊNCIA. ORDEM DENEGADA. 1. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, para se caracterizar hipótese de aplicação do denominado "princípio da insignificância " e, assim, afastar a recriminação penal, é indispensável que a conduta do agente seja marcada por ofensividade mínima ao bem jurídico tutelado, reduzido grau de reprovabilidade, inexpressividade da lesão e nenhuma periculosidade social. 2. Nesse sentido, a aferição da insignificância como requisito negativo da tipicidade envolve um juízo de tipicidade conglobante, muito mais abrangente que a simples expressão do resultado da conduta. Importa investigar o desvalor da ação criminosa em seu sentido amplo, de modo a impedir que, a pretexto da insignificância apenas do resultado material, acabe desvirtuado o objetivo a que visou o legislador quando formulou a tipificação legal. Assim, há de se considerar que "a insignificância só pode surgir à luz da finalidade geral que dá sentido à ordem normativa" (Zaffaroni), levando em conta também que o próprio legislador já considerou hipóteses de irrelevância penal, por ele erigidas, não para excluir a tipicidade, mas para mitigar a pena ou a persecução penal. 3. Num juízo de tipicidade conglobante, que envolve não apenas o resultado material da conduta, mas o seu significado social mais amplo, certamente não se pode admitir a aplicação do princípio da insignificância, inobstante o inexpressivo dano patrimonial que deles tenha decorrido, em delitos em cuja prática se empregou violência ou ameaça de qualquer espécie, ou, como no estelionato, ardil ou fraude contra entidade de direito público. 4. Ordem denegada.

(HC 119729/DF, Segunda Turma, v.u., Rel. Min. Teori Zavascki, j. 10.12.2013, DJe-022 31.01.2014)

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO. INAPLICABILIDADE. CONFIGURAÇÃO DO DOLO. NECESSIDADE DE REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. ÓBICE DA SÚMULA N. 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. AGRAVO DESPROVIDO. 1. Inaplicável o princípio da insignificância ao crime de estelionato previdenciário, pois a conduta é altamente reprovável, ofendendo o patrimônio público, a moral administrativa e a fé pública. Precedentes do STJ. 2. Se o Tribunal a quo entende existente o dolo na conduta, incabível o reexame do ponto por este Sodalício. Óbice da Súmula n. 7/STJ. 3. Agravo regimental desprovido.

(AGRESP 1770833 2018.02.60680-0, Quinta Turma, v.u, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, j. 13.12.2018, DJe 19.12.2018)

PENAL. PROCESSUAL PENAL. ARTIGO 313-A DO CÓDIGO PENAL. DEFESA PRELIMINAR. CPP, ART. 514. NULIDADE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO PREJUÍZO SOFRIDO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. MATERIALIDADE. AUTORIA. DOSIMETRIA. APELO DA ACUSAÇÃO E DA DEFESA DESPROVIDOS.

1. A despeito de a defesa prévia prevista pelo artigo 514 do Código de Processo Penal ser instrumento de defesa, a omissão em seu oferecimento apenas gera nulidade do processo, nos casos em que reste comprovado o efetivo prejuízo suportado pelo agente (CPP, artigo 563).

2. Nos casos em que a prática delitiva atinja bem jurídico de natureza supraindividual (patrimônio do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS), não há falar em incidência do princípio da insignificância, como causa excludente de ilicitude.

3. Materialidade e autoria comprovadas.

4. Dosimetria. Diante das circunstâncias do caso concreto, descabida a majoração da pena-base além do mínimo legal.

5. Recursos desprovidos.

(ApCrim 0006585-79.2014.403.6104, Quinta Turma, v.u, Rel. Des. Federal Maurício Kato, j. 02.12.2019, e-DJF3 09.12.2019)

Por isso, rejeito a pretensão de aplicação do princípio da insignificância.

Quanto ao mérito da imputação, a materialidade está comprovada pelo procedimento administrativo cujas cópias estão nos autos do inquérito policial (ID 170537055), que apurou irregularidades na concessão de aposentadoria por tempo de contribuição ao segurado José Maria Roco (NB 42/142.994.002-3), consistentes na inserção, no sistema informatizado do INSS, de período de trabalho rural (23.04.1972 a 31.12.1983), bem como de período de trabalho exercido sob condição especial (01.10.1985 a 28.04.1995), ambos sem a devida comprovação. Apurou-se que, sem a inserção desses dados falsos, o segurado não faria jus à aposentadoria, tendo sido cancelado o benefício e cessado o seu pagamento (ID  170537055, p. 55).

Consta, ainda, que o benefício em questão foi pago no período de janeiro de 2008 a janeiro de 2009, acarretando um prejuízo de R$ 7.083,59 (sete mil e oitenta e três reais e cinquenta e nove centavos) aos cofres públicos (ID 155039317, p. 64).

Diante desse cenário de inequívoca comprovação da materialidade, a realização de perícia nos equipamentos de informática revela-se desnecessária, nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (AgRg no AREsp 1.040.096/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, j. 18.04.2017, DJe 28.04.2017).

É importante observar, ainda, que, de acordo com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), os processos administrativos são considerados provas não repetíveis, nos termos do art. 155 do Código de Processo Penal, sujeitos ao contraditório diferido, sendo aptos a alicerçar condenações criminais (REsp 1.613.260/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 09.08.2016, DJe de 24.08.2016.

A autoria e o dolo também estão comprovados. Apurou-se que FLORIVAL AGOSTINHO ERCOLIM GONELLI foi o servidor responsável por todas as etapas do benefício concedido a José Maria Roco (NB 42/142.994.002-3), desde a sua habilitação e protocolo até a confirmação da concessão.

Ouvido como testemunha da acusação (IDs 219894181, 219896332, 219896335 e 219896336), José Maria Roco declarou que sempre trabalhou, “mas bastante tempo sem registro, daí que eu fui procurar a Luciana [Vieira Ghiraldi]”, indicada por colegas de trabalho como uma “advogada boa”. Disse que não acreditava ter tempo suficiente para se aposentar, “mas ela [Luciana] falou que dava a aposentadoria, tocou pra frente, e deu, e eu inocente, eu não sabia de nada”. Pela intermediação, Luciana recebeu o valor dos três primeiros meses do benefício. Disse que por muito tempo exerceu a atividade rural, mas que só em 1985 passou a ter registro em CTPS (“era motorista na firma, puxava cana”). Indagado, respondeu que não conhecia FLORIVAL e que Luciana não lhe comentara nada sobre facilidades que teria na agência do INSS. Recebeu a aposentadoria “por uns seis ou sete meses”.

Em seu interrogatório (ID 219897451), o apelante declarou-se inocente, alegando que só conheceu a corré e advogada Luciana Vieira Ghiraldi em audiência. Disse que também não conheceu o segurado José Maria Roco, ignorando detalhes da concessão de seu benefício. Relatou que havia poucos servidores e excesso de trabalho, sobretudo da cidade de Piracicaba.

A defesa alega ausência de dolo específico porque não houve comprovação do recebimento de vantagem indevida pelo apelante. Além disso, argumenta que a inserção dos dados inexatos “pode ter-se dado por erro decorrente da grande quantidade de trabalho”. Sem razão.

Embora o crime em questão seja formal, não se exigindo a comprovação de resultado para a sua consumação, ficou evidenciado que o apelante agiu com a intenção de obter vantagem indevida ao segurado e causar dano ao patrimônio público, objetivos que de fato alcançou.

Quanto à possibilidade de erro por sobrecarga de trabalho, nada do que foi apurado ampara essa tese. Consta dos autos que FLORIVAL sofreu a penalidade de demissão do serviço público (ID 170537188, p. 169) em face da sua atuação irregular na concessão de 26 (vinte e seis) benefícios, incluindo o destes autos, causando considerável prejuízo aos cofres públicos. Foram constatadas irregularidades similares entre os benefícios (a maioria intermediados pela advogada Luciana Vieira Ghiraldi), todos discriminados no processo administrativo disciplinar, de cujo relatório extrai-se (idem, p. 156):

Acredita esta comissão que o esquema era bem montado, sendo que os contatos dos segurados eram feitos diretamente com a Dra. Luciana, a qual, por sua vez, mantinha o contato com o indiciado, ou seja, cada um tinha sua responsabilidade definida, de modo que o ora indiciado ficava com a parte relativa à concessão do benefício no âmbito do INSS, onde detinha todas as facilidades para conceder os benefícios, sem qualquer contato direto com os segurados.

E mais a demonstração cabal dessa atuação escusa do indiciado está minuciosamente relatada em cada um dos processos apensados e na Ultimação de Instrução de fls. 535 a 560, a saber:

a) Protocolar e habilitar os benefícios sem obedecer ao agendamento eletrônico da APS Tietê/SP;

b) Protocolar e habilitar diversos benefícios intermediados pela advogada Dra Luciana Vieira Ghiraldi OAB/SP 199.870 retroagindo em dois, três ou quatro meses a Data do Início dos Benefícios e/ou a Data do Pagamento dos Benefícios gerando consequentemente prejuízos aos cofres do INSS;

(...)

f) conceder aposentadorias efetuando enquadramento indevido de períodos de atividade rural como especial, anterior a novembro/1991, no código 2.2. 1, anexo III, do Decreto nº 53.831/64;

g) conceder aposentadorias efetuando Averbação de Atividade de Trabalhador Rural, sem que houvesse a apresentação de prova documental para todo o período pleiteado;

h) conceder aposentadoria sem encaminhar os processos para análise da perícia médica no tocante à possibilidade de enquadramento de períodos por exposição a agentes nocivos; (...).

 Assim, o contexto fático-probatório é coeso no sentido de que o apelante tinha plena ciência da falsidade dos dados que inseriu nos sistemas informatizados do INSS, em total desacordo com as normativas vigentes e sem os quais o segurado não faria jus ao benefício, o que afasta a tese de ausência de dolo.

Quanto ao pedido subsidiário de desclassificação para o tipo penal do estelionato (CP, art. 171), a conduta narrada na denúncia amolda-se ao crime previsto no art. 313-A do Código Penal, com base no princípio da especialidade, sendo irrelevante o fato de o apelante ter perdido a qualidade de funcionário público. A propósito, confira-se a jurisprudência:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM SISTEMA DE INFORMAÇÕES. INOCORRÊNCIA DE EMENDATIO LIBELLI OU DE REFORMATIO IN PEJUS. MOTIVAÇÃO IDÔNEA PARA O ACRÉSCIMO DA PENA-BASE. FRAÇÃO DA CONTINUIDADE DELITIVA. LEGALIDADE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

1. Não há falar em emendatio libelli se a instância ordinária apenas mudou a classificação jurídica de fatos narrados na denúncia. O Ministério Público descreveu que servidora do INSS, auxiliada pelos outros réus, habilitou e concedeu benefícios previdenciários indevidos a terceiros por meio de inserção de dados falsos no sistema da autarquia. A conduta, subsumida na exordial acusatória aos arts. 171, § 3° do CP e 313-A do CP, de forma diferente para os acusados, foi amoldada, para todos, no crime de inserção de dados falsos em sistema de informações.

2. Do cotejo entre os tipos penais, colhe-se que os dois versam sobre a obtenção de vantagem indevida mediante fraude, mas um deles especifica as condições do engodo (inserção de dados falsos em sistema informatizado ou banco de dados da Administração) e circunstância de caráter pessoal de seu agente (funcionário autorizado).

3. O art. 313-A do CP é norma especial em relação ao art. 171, § 3º, do CP, porquanto acrescenta circunstâncias elementares à descrição típica do estelionato, as quais se comunicam a todos os coautores do delito delas cientes, nos termos do art. 30 do CP.

[...]

9. Agravo regimental não provido.

(STJ, AgRG no REsp n 1.625.256/PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, j. 05.05.2020, DJe 12.05.2020).

 Portanto, mantenho a condenação de FLORIVAL AGOSTINHO ERCOLIM GONELLI pela prática do crime previsto no art. 313-A do Código Penal, nos termos da denúncia.

 Passo ao reexame da dosimetria da pena.

Na primeira fase, o juízo a quo fixou a pena-base em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 12 (onze) dias-multa, acima do mínimo legal, considerando que o apelante responde a outros processos por fatos semelhantes ao destes autos.

A DPU pede a redução da pena ao mínimo legal. Com razão.

A justificativa para a elevação da pena-base foi genérica, sem indicação de quais ações penais foram consideradas aptas para caracterizar maus antecedentes. A existência de inquéritos policiais ou de ações penais sem trânsito em julgado ou por fatos posteriores ao delito objeto da ação penal não pode ser considerada como circunstância apta a exasperar a pena-base, nem a título de conduta social inadequada e personalidade voltada para crime, nem a título de maus antecedentes, nos termos da Súmula nº 444 do Superior Tribunal de Justiça.

Por isso, acolho o recurso nesse ponto e reduzo a pena-base ao mínimo legal, ou seja, 2 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa.

Na segunda fase, o juízo não reconheceu circunstâncias agravantes nem atenuantes, o que confirmo, mantendo inalterada a pena intermediária.

Na terceira fase, o juízo não aplicou nenhuma causa de aumento ou de diminuição, o que confirmo, de modo que a pena definitiva fica estabelecida em 2 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, mantido o valor unitário do dia-multa no mínimo legal.

Mantenho o regime aberto para início do cumprimento da pena privativa de liberdade (CP, art. 33, § 2º, "c"), bem como a substituição dessa pena por duas restritivas de direitos (CP, art. 44), nos termos fixados na sentença.

Quanto ao pedido de isenção das custas processuais, deverá ser examinado pelo juízo da execução penal (STJ, AgRg no Ag 1377544/MG, Quinta Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 31.05.2011, DJe 14.06.2011).

Posto isso, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação, para reduzir a pena-base ao mínimo legal, ficando a pena definitiva estabelecida em 2 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto, e 10 (dez) dias-multa, nos termos da fundamentação supra.

É o voto.



E M E N T A

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 313-A DO CÓDIGO PENAL. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS NO SISTEMA INFORMATIZADO DO INSS. OBTENÇÃO INDEVIDA DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. MATERIALIDADE.  AUTORIA. DOLO. DOSIMETRIA DA PENA.

1. O princípio da insignificância não é cabível quando se trata de crime praticado em detrimento da Seguridade Social, na medida em que há um alto grau de reprovabilidade na conduta do agente, que atinge a coletividade como um todo. Precedentes.

2. A realização de perícia nos equipamentos de informática revela-se desnecessária, tendo em vista a comprovação inequívoca da materialidade.

3. Dolo comprovado. Embora o crime seja formal, não se exigindo a comprovação de resultado naturalístico para a sua consumação, ficou evidenciado que o apelante agiu com a intenção de obter vantagem indevida e causar dano ao patrimônio público, objetivos que de fato alcançou.

4. Pelo princípio da especialidade, fica afastado o pedido de desclassificação da conduta típica para estelionato (CP, art. 171).

5. Dosimetria da pena. A justificativa para a elevação da pena-base foi genérica, sem indicação de quais ações penais foram consideradas aptas para caracterizar maus antecedentes. A existência de inquéritos policiais ou de ações penais sem trânsito em julgado ou por fatos posteriores ao delito objeto da ação penal não pode ser considerada como circunstância apta a exasperar a pena-base, nem a título de conduta social inadequada e personalidade voltada para crime, nem a título de maus antecedentes, nos termos da Súmula nº 444 do Superior Tribunal de Justiça. Pena-base reduzida ao mínimo legal.

6. O pedido de isenção das custas processuais, deverá ser examinado pelo juízo da execução penal.

7. Apelação parcialmente provida.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação, para reduzir a pena-base ao mínimo legal, ficando a pena definitiva estabelecida em 2 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto, e 10 (dez) dias-multa, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.