RECURSO EM SENTIDO ESTRITO/RECURSO EX OFFICIO (11398) Nº 0005467-24.2013.4.03.6130
RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS
RECORRENTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
RECORRIDO: ALEX DA COSTA LUIS
Advogado do(a) RECORRIDO: FERNANDA VON BAUMGARTEN - SP136886
OUTROS PARTICIPANTES:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO/RECURSO EX OFFICIO (11398) Nº 0005467-24.2013.4.03.6130 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS RECORRENTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL RECORRIDO: ALEX DA COSTA LUIS Advogado do(a) RECORRIDO: FERNANDA VON BAUMGARTEN - SP136886 OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto pelo Ministério Público Federal em face da r. decisão (Págs. 16/29 – ID n. 165943870), proferida em 15.03.2018 pela Exma. Juíza Federal Andréia Moruzzi da 1ª Vara Federal de Barueri/SP, que, com fundamento no art. 395, III, do Código de Processo Penal, rejeitou a denúncia oferecida em desfavor de ALEX DA COSTA LUIS, nascido em 31.01.1987 (Págs 3/5 – ID n. 165943870), imputando-lhe a prática do crime previsto no art. 33, c.c. art. 40, inciso I, da Lei 11.343/2006, por entender ser atípica a conduta do acusado, por não se tratar as “sementes” de “matéria prima destinada à preparação de substância entorpecente”, apta a configurar o tipo penal, especialmente a se considerar a inexpressividade da quantidade de sementes de maconha importadas, incapaz de trazer risco ao bem jurídico tutelado da saúde pública. Narra a referida denúncia: Consta dos autos que ALEX DA COSTA LUIS importou do Reino Unido, sem autorização e em desacordo com as normas legais e regulamentares, matéria-prima, mais especificamente sementes, destinada à preparação de droga, no caso maconha, substância entorpecente capaz de causar dependência química e psíquica. Segundo resultou das investigações, funcionários da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, juntamente com servidores da Receita Federal do Brasil em São Paulo, em fiscalização rotineira na data de 22/02/2013, por volta das 11h, identificaram encomenda oriunda do Reino Unido destinada ao denunciado, na qual continha 22 (vinte e duas) sementes de maconha (fl. 04). A correspondência estava endereçada ao acusado, o qual, ouvido em sede policial, confirmou que fora ele própria que importou as sementes de maconha através de um site, o qual não se recorda o nome (fl. 40). A materialidade delitiva está comprovada nos autos através do termo de apreensão de substâncias entorpecentes e drogas afins lavrado pela Receita Federal do Brasil (fls. 04 e 05/07) e pelo laudo pericial que apontou resultado positivo, confirmando se tratar de sementes de maconha (fls. 19/26). Os indícios de autoria também se encontram suficientemente comprovadas pelo endereço do destinatário presente na encomenda (fl. 07), bem como pela confissão do acusado (fl. 40). Portanto, ALEX DA COSTA LUIS praticou, de forma livre e consciente, a conduta de importar matéria prima destinada à produção de droga, sem autorização e em desacordo com determinação e regulamentação legal; sendo evidente a transnacionalidade do delito. O acusado era capaz à época dos fatos, possuía consciência de sua ilicitude e dele se exigia conduta diversa. A peça inicial foi, então, rejeitada sob o seguinte fundamento: Não obstante o seu conhecido e respeitável empenho, considera este Juízo que, na singularidade deste caso concreto, não assiste razão ao Ministério Público Federal, ao pretender o processamento e ulterior condenação do denunciado pela conduta descrita na denúncia. Com efeito, a denúncia narra que o acusado, de maneira livre e consciente, importou do Reino Unido, através de remessa postal internacional, sem autorização legal ou regulamentar, 22 (vinte e dois) frutos aquênios (sementes), logo, insumo ou matéria-prima, de Cannabis Sativa linneu (maconha). (...) Quanto ao conceito de matéria-prima, o E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região, ao julgar o Recurso em Sentido Estrito n. 0015243- 89.2013.4.03.6181, adotou o seguinte conceito de matéria-prima: "Matéria-prima é a substância de que podem ser extraídos ou produzidos os entorpecentes ou drogas que causem dependência física ou psíquica. Não há necessidade de que as matérias-primas já tenham de per si os efeitos farmacológicos dos tóxicos a serem produzidos; basta que tenham as condições e qualidades químicas necessárias para, mediante transformação, adição etc., resultarem em entorpecentes ou drogas análogas. São matérias-primas o éter e a acetona, conforme ação do Supremo Tribunal Federal e consagração da Convenção de Viena de 1988" (Tóxicos -Repressão, Vicente Greco Filho, Ed. Saraiva, 1993, p. 101). Mais adiante, o mesmo C. Órgão explicita seu convencimento nos seguintes termos: “Do conceito acima descrito, depreende-se que as sementes de maconha não podem ser consideradas matérias-primas, pois não possuem 'condições e qualidades químicas necessárias para, mediante transformação, adição etc., resultarem em entorpecentes ou drogas análogas'. A matéria-prima, destinada à preparação, é aquela industrializada, que, de uma forma ou de outra, pode ser transformada ou adicionada a outra substância, com capacidade de gerar substância entorpecente ou que cause dependência ou, ainda, seja um elemento que, por suas características, faça parte do processo produtivo das drogas. De outra parte, não se extrai maconha da semente, mas da planta germinada da semente, se esta sofrer transformação por obra da natureza e produzir folhas necessárias para a droga. A partir exclusivamente da semente ou adicionando qualquer outro elemento, não se obtém, por si só, a maconha. A semente é a maconha em potência, mas, antes disso, precisa ser adequadamente cultivada afim de florescer:" Cabe lembrar que as sementes foram apreendidas antes de chegarem ao seu destinatário, o denunciado. Logo, não chegou a iniciar qualquer ato executório consistente em semear, cultivar ou colher plantas destinadas à preparação de droga (Lei n° 11.343/2006). Assim, há apenas a suposição de que as sementes seriam plantadas para, além do ulterior consumo próprio, a cessão do produto do cultivo a outras pessoas, ainda que gratuita. Mas há uma distância muito expressiva entre a suposição, por mais plausível que possa ser, e a concreção, ou seja, o fato de uma das sementes se tornar planta e esta planta fornecer folhas que, depois, se tornarão matéria prima para a produção da maconha; várias situações podem abortar esse processo biológico e o processo penal não pode operar com suposições. Assim, o caso ora em exame não deve prosseguir como persecução penal tal como pretendido na denúncia, pois a conduta do denunciado, na singularidade deste caso concreto, mostrou-se inexpressiva, assim como as suas consequências ao bem penalmente tutelado pela Lei n. 11.343/2006, não trazendo risco à saúde pública, haja vista a pequena quantidade de sementes de maconha. Portanto, tendo em vista a quantidade de sementes de maconha importadas ilegalmente e os fortes indícios de ausência de finalidade comercial, há de se admitir a aplicação do princípio da insignificância ao presente caso sob o prisma do enquadramento penal dado na denúncia, qual seja o de tráfico transnacional de entorpecentes. Não se afirma que a conduta do denunciado seja, sob qualquer aspecto, inexpressiva, pois é certo que a lei possui outros instrumentos para equacionar adequadamente a situação relatada na denúncia, como a apreensão e destruição das sementes. Do ponto de vista penal, entende este Juízo que o enquadramento dos fatos narrados como tráfico transnacional de entorpecentes, além de ser excessivamente rigoroso, não encontra amparo na literalidade dos dispositivos da Lei n° 11.343/2006. Tal afirmação, contudo, não afasta a possibilidade do enquadramento penal de fatos análogos aos descritos na denúncia como, por exemplo, o contrabando, atualmente tratado no artigo 334-A do Código Penal, providência que descaberia, na hipótese concreta, por não haver descrição na denúncia que permitisse a aplicação da correção do libelo, até mesmo por conta da diversidade de ritos processuais. Por fim, tomando em conta o entendimento já mencionado da 11' Turma do E. Tribunal Regional Federal da V Região, especializada no julgamento de matéria penal, considero ser caso negar seguimento à ação penal em face do denunciado, eis que a jurisprudência do TRF3 caminha em tal sentido, mormente após o advento das turmas especializadas em matéria criminal (...) Reitere-se, ainda, que o direito penal e informado pelo princípio da subsidiariedade, caracterizando-se como ultima ratio. Assim, deve apenas se ocupar de situações que não são resolvidas por outros ramos do Direito. Neste sentido, o Direito Penal, pela adequação típica do fato à norma incriminadora, deve intervir somente nos casos de certa gravidade, atestando a atipicidade penal nas hipóteses de delitos de lesão mínima, que ensejam resultado diminuto (de minimis non curai praetot). Com efeito, a importação de 22 (vinte e duas) sementes de maconha, conforme entendimento jurisprudencial dominante, não traz periculosidade social ou reprovabilidade de comportamento que exijam a intervenção do Direito Penal. Logo, o caso em exame carece de justa causa para o seu prosseguimento sob a classificação penal atribuída na capitulação da denúncia, ou seja, como tráfico transnacional de entorpecentes, previsto no artigo 33, §1º, inciso I, c/c artigo 40, inciso I, da Lei n° 11.343/2006. Em face do exposto, com fundamento no artigo 395, III, do Código de Processo Penal, REJEITO A DENÚNCIA promovida desfavor de ALEX DA COSTA LUIS, qualificado nos autos, em relação à prática do delito previsto no artigo 33, 51°, inciso I, c/c artigo 40, inciso I, da Lei n° 11.343/2006. Em suas razões, o Ministério Público Federal aduz que a semente de maconha amolda- se à previsão legal de matéria-prima destinada à produção de drogas, mesmo quando as sementes de maconha não contêm o princípio ativo THC (tetrahydrocannabinol), pleiteando, por tal razão, a reforma da decisão para que seja recebida a denúncia, determinando-se o prosseguimento da ação penal (ID n. 165943870 – fls. 32/44). Recebido o recurso, com contrarrazões (Págs. 65/78 – ID n. 165943870), deixou o magistrado singular de realizar juízo de retratação, mantendo a decisão recorrida por seus próprios fundamentos (165943870 - Pág. 80). Oficiando nesta instância, o Órgão Ministerial opinou pelo provimento do reclamo, com o consequente recebimento da denúncia e processamento do feito (Págs. 82/87 – ID n. 165943870). É o relatório. Dispensada a revisão, na forma regimental.
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO/RECURSO EX OFFICIO (11398) Nº 0005467-24.2013.4.03.6130 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS RECORRENTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL RECORRIDO: ALEX DA COSTA LUIS Advogado do(a) RECORRIDO: FERNANDA VON BAUMGARTEN - SP136886 OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO: Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal (MPF) em face da decisão proferida pela 1ª Vara Federal de Barueri (SP) que, com fundamento no art. 395, III, do Código de Processo Penal, rejeitou a denúncia na qual se imputava a ALEX DA COSTA LUIS a prática do crime previsto no art. 33, caput, c.c. o art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006, pela importação de 22 (vinte e duas) sementes de Cannabis sativa. Na sessão de 29 de setembro p.p., o e. Relator, Desembargador Federal Fausto De Sanctis, deu parcial provimento ao recurso em sentido estrito para, com fundamento no art. 383 do Código de Processo Penal, adequar a conduta ao tipo penal previsto no art. 334-A, § 1º, II, do Código Penal, e, em razão disso, receber a denúncia. Pedi vista para melhor analisar a questão relativa à adequação típica da conduta. Pois bem. Em situações como a destes autos, eu vinha entendendo pelo afastamento do princípio da insignificância e pela condenação por prática do crime de tráfico transnacional de drogas (Lei nº 11.343/2006, art. 33, § 1º, I, c.c. o art. 40, I), ante a aplicação do princípio da especialidade, porque, ainda que a semente de maconha não apresente, em sua composição, o princípio ativo Tetrahidrocanabinol (THC), isso não a descaracterizaria como elemento essencial para a produção da droga, pois a semente germinaria a planta de cuja folha se originaria a maconha. No entanto, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar os Embargos de divergência em REsp nº 1.624.564/SP (Rel. Min. Laurita Vaz, j. 14.10.2020, DJe 20.10.2020), firmou orientação no sentido da atipicidade da conduta de importar pequena quantidade de sementes de maconha, ao fundamento de que, como as sementes de maconha não possuem THC, não constituem droga nem matéria-prima ou insumo para a sua produção. A ementa do acórdão tem a seguinte redação (negritos no original): EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. IMPORTAÇÃO DE 16 SEMENTES DE MACONHA (CANNABIS SATIVUM). DENÚNCIA POR TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. REJEIÇÃO. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. RECLASSIFICAÇÃO PARA CONTRABANDO, COM APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. AFASTAMENTO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. PRETENDIDO TRANCAMENTO DA AÇÃO POR ATIPICIDADE. ACATAMENTO DO ENTENDIMENTO DO STF. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA ACOLHIDOS. 1. O conceito de "droga", para fins penais, é aquele estabelecido no art. 1.º, parágrafo único, c.c. o art. 66, ambos da Lei n.º 11.343/2006, norma penal em branco complementada pela Portaria SVS/MS n.º 344, de 12 de maio de 1998. Compulsando a lista do referido ato administrativo, do que se pode denominar "droga", vê-se que dela não consta referência a sementes da planta Cannabis Sativum. 2. O Tetrahidrocanabinol – THC é a substância psicoativa encontrada na planta Cannabis Sativum, mas ausente na semente, razão pela qual esta não pode ser considerada "droga", para fins penais, o que afasta a subsunção do caso a qualquer uma das hipóteses do art. 33, caput, da Lei n.º 11.343/2006. 3. Dos incisos I e II do § 1.º do art. 33 da mesma Lei, infere-se que "matéria-prima" ou "insumo" é a substância utilizada "para a preparação de drogas". A semente não se presta a tal finalidade, porque não possui o princípio ativo (THC), tampouco serve de reagente para a produção de droga. 4. No mais, a Lei de regência prevê como conduta delituosa o semeio, o cultivo ou a colheita da planta proibida (art. 33, § 1.º, inciso II; e art. 28, § 1.º). Embora a semente seja um pressuposto necessário para a primeira ação, e a planta para as demais, a importação (ou qualquer dos demais núcleos verbais) da semente não está descrita como conduta típica na Lei de Drogas. 5. A conduta de importar pequena quantidade de sementes de maconha é atípica, consoante precedentes do STF: HC 144161, Rel. Ministro GILMAR MENDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/09/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-268 DIVULG 13-12-2018 PUBLIC 14-12-2018; HC 142987, Relator Min. GILMAR MENDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/09/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-256 DIVULG 29-11-2018 PUBLIC 30-11-2018; no mesmo sentido, a decisão monocrática nos autos do HC 143.798/SP, Relator Min. ROBERTO BARROSO, publicada no DJe de 03/02/2020, concedendo a ordem "para determinar o trancamento da ação penal, em razão da ausência de justa causa". Na mesma ocasião, indicou Sua Excelência, "ainda nesse sentido, as seguintes decisões monocráticas: HC 173.346, Rel. Min. Ricardo Lewandowski; HC 148.503, Min. Celso de Mello; HC 143.890, Rel. Min. Celso de Mello; HC 140.478, Rel. Min. Ricardo Lewadowski; HC 149.575, Min. Edson Fachin; HC 163.730, Relª. Minª. Cármen Lúcia." 6. Embargos de divergência acolhidos, para determinar o trancamento da ação penal em tela, em razão da atipicidade da conduta. Diante dessa orientação, revejo meu posicionamento anterior, passando a considerar que a importação de pequena quantidade de sementes de maconha é conduta formalmente atípica. No caso em exame, a conduta do recorrido é atípica, não se enquadrando nos crimes previstos na Lei nº 11.343/2006 ou no art. 334-A, § 1º, II do Código Penal. Posto isto, NEGO PROVIMENTO ao recurso em sentido estrito. É o voto.
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RECORRIDO: ALEX DA COSTA LUIS
Advogado do(a) RECORRIDO: FERNANDA VON BAUMGARTEN - SP136886
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:
Pedi vista dos autos para melhor refletir acerca de temas nele trazidos, notadamente os atinentes à importação de pequena quantidade de sementes de maconha. Após examinar a questão, bem como o restante dos temas trazidos a deslinde, coaduno com a conclusão a que se chegou no voto vista da lavra do e. Des. Fed. Nino Toldo.
Nestes termos, por ora, acompanho a divergência lançada no voto do e. Des. Fed. Nino toldo, para negar provimento ao recurso em sentido estrito.
É como voto.
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO/RECURSO EX OFFICIO (11398) Nº 0005467-24.2013.4.03.6130
RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS
RECORRENTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
RECORRIDO: ALEX DA COSTA LUIS
Advogado do(a) RECORRIDO: FERNANDA VON BAUMGARTEN - SP136886
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:
ALEX DA COSTA LUIS, foi denunciado pela a prática do crime previsto no art. 33, c.c. art. 40, inciso I, da Lei 11.343/2006, por ter importado, em 22.02.2013, via correios, sem autorização e em desacordo com as normas legais e regulamentares, matéria-prima, mais especificamente 22 (vinte e duas) sementes, destinada à preparação de droga, no caso maconha, substância entorpecente capaz de causar dependência química e psíquica.
A decisão ora impugnada rejeitou a denúncia, com fundamento no art. 395, III, do Código de Processo Penal, sob o fundamento de que era atípica a conduta do acusado, por não se tratar as “sementes” de “matéria prima destinada à preparação de substância entorpecente”, apta a configurar o tipo penal, especialmente a se considerar a inexpressividade da quantidade de sementes de maconha importadas, incapaz de trazer risco ao bem jurídico tutelado da saúde pública.
Tal referido decisum foi impugnado pelo Ministério Público Federal, que requereu o afastamento da atipicidade do fato, com o consequente recebimento da denúncia em seus exatos termos, o que merece ser acolhido parcialmente.
Inicialmente, ressalte-se que, de fato, tal como reconheceu a decisão a quo, realmente a semente de maconha não pode ser considerada matéria prima destinada à preparação de substância entorpecente, não havendo, realmente, subsunção da conduta apontada na denúncia ao tipo penal insculpido no artigo 33, § 1º, inciso I, da Lei nº 11.343/2006.
Outrossim, não se mostra possível o enquadramento da conduta perpetrada no artigo 33, § 1º, inciso II, da Lei nº 11.343/2006, pois não houve semeadura, cultivo ou colheita da planta destinada à confecção do entorpecente ou de substância que determine dependência.
Entendo, entretanto, que, em que pese ainda estar pendente de julgamento o julgamento do RE nº 635.659/SP, com repercussão geral reconhecida, pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, tal reconhecimento não permite a conclusão de que a conduta supostamente perpetrada por ALEX DA COSTA LUIS de importação de 22 (vinte e duas) sementes de maconha seja atípica, gerando a rejeição da denúncia contra ele formulada.
Nestas circunstâncias, seria o caso de desclassificação da conduta atribuída na denúncia (tráfico ilícito de entorpecentes) para o delito de contrabando, já que a conduta apontada subsome-se à figura típica do artigo 334, caput, do Código Penal, com redação anterior à Lei Federal nº 13.008 de 26.06.2014, tendo em vista que a ré promoveu a importação de sementes em desacordo com o artigo 34 da Lei n.º 10.711, de 05 de agosto de 2003.
A esse respeito, o artigo 34 da Lei Federal nº 10.711 de 05 de agosto de 2003 estatui que somente poderão ser importados ao Brasil as sementes inscritas no Registro Nacional de Cultivares, in verbis:
Art. 34. Somente poderão ser importadas sementes ou mudas de cultivares inscritas no Registro Nacional de Cultivares.
Parágrafo único. Ficam isentas de inscrição no RNC as cultivares importadas para fins de pesquisa, de ensaios de valor de cultivo e uso, ou de reexportação.
Assim, apesar de a semente de maconha realmente não possuir a substância “THC”, esta não integra a lista de cultivares inscritas no RNC e, bem por isso, sua importação não é admitida no país, tratando-se, portanto, de conduta típica cuja capitulação jurídica amolda-se ao delito de contrabando.
Esse mesmo entendimento de desclassificação da importação de sementes de maconha para possibilitar a condenação pelo delito de contrabando já foi, inclusive, exarada por esta E. 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região em oportunidades anteriores (TRF 3ª Região, 11ª Turma, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 0001657-14.2015.4.03.6181, Rel. Desembargador Federal FAUSTO MARTIN DE SANCTIS, julgado em 29/04/2022, Intimação via sistema DATA: 04/05/2022; TRF 3ª Região, 11ª Turma, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 0015912-11.2014.4.03.6181, Rel. Desembargador Federal FAUSTO MARTIN DE SANCTIS, julgado em 29/04/2022, DJEN DATA: 16/05/2022).
Ressalte-se, ainda, que tampouco há que se falar em atipicidade material do fato, pelo reconhecimento do princípio da insignificância, uma vez que não há como ignorar que a importação e plantio de 22 (vinte e duas) sementes de maconha pode gerar a produção considerável e suficiente para que o réu, mesmo que não efetivamente comercialize o produto, distribua-o dentre demais usuários da droga, gerando inegável risco à saúde pública.
Não fosse o suficiente, o entendimento consolidado na jurisprudência é o de que, em regra, ao crime de contrabando, o qual se subsome a conduta do réu, não pode ser aplicado o princípio da insignificância, tendo em vista que o bem jurídico tutelado é a saúde pública. Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONTRABANDO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. LESÃO NÃO APENAS AO ERÁRIO, MAS SOBRETUDO À SAÚDE PÚBLICA. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Prevalece nesta Corte o posicionamento de que a importação não autorizada de cigarros, por constituir crime de contrabando, é insuscetível de aplicação do princípio da insignificância, pois implica não apenas lesão ao erário e à atividade arrecadatória do Estado, mas a outros bens jurídicos tutelados pela norma penal, como, no caso, a saúde pública. 2. Agravo regimental não provido.
(STJ - AgRg no REsp: 1744576 SC 2018/0129635-9, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Julgamento: 28/05/2019, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/06/2019)
Destaque-se, por fim, que a desclassificação ora procedida não se trata de mutatio libelli, uma vez que é cediço que o acusado se defende, no âmbito do processo penal, dos fatos que lhe são imputados, não produzindo maiores consequências a menção (acertada ou equivocada) ao artigo de lei que teria sido violado por aquela conduta narrada. Nesse diapasão, mostra-se como requisito primordial da inicial acusatória, a teor do art. 41 do Código de Processo Penal, a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, sendo a classificação do crime mera decorrência lógica do relatado. Assim, o recebimento da denúncia tipificando-a no delito do art. 334 do Código Penal tratar-se-ia tão somente de mera reclassificação jurídica daqueles fatos que, desde o início, já estavam descritos na inicial acusatória, e poderão ser debatidos, inclusive, durante todo o desenrolar da instrução probatória.
Dessa forma, comprovada a materialidade e presentes indícios da autoria suficientes, de rigor o RECEBIMENTO DA DENÚNCIA em face de ALEX DA COSTA LUIS, desclassificando, entretanto, a conduta ali tipificada para o delito previsto no artigo 334, caput, do Código Penal, com redação anterior à Lei Federal nº 13.008 de 26.06.2014.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento ao Recurso em Sentido Estrito interposto pelo Ministério Público Federal, a fim de RECEBER A DENÚNCIA oferecida em desfavor de ALEX DA COSTA LUIS, tipificando sua conduta como aquela prevista no art. 334, caput, do Código Penal, e determinando-se o prosseguimento do feito, conforme o entendimento contido na Súmula n° 709 do Supremo Tribunal Federal (salvo quando nula a decisão de primeiro grau, o acórdão que provê o recurso contra a rejeição da denúncia vale, desde logo, pelo recebimento dela).
É o voto.
E M E N T A
PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. SEMENTES DE MACONHA. CONDUTA ATÍPICA. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA (CPP, ART. 385, III). RECURSO DESPROVIDO.
1. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar os Embargos de divergência em REsp nº 1.624.564/SP (Rel. Min. Laurita Vaz, j. 14.10.2020, DJe 20.10.2020), firmou orientação no sentido da atipicidade da conduta de importar pequena quantidade de sementes de maconha, ao fundamento de que, como as sementes de maconha não possuem THC, não constituem droga nem matéria-prima ou insumo para a sua produção.
2. No caso, a denúncia foi rejeitada com fundamento no art. 395, III do Código de Processo Penal pois o recorrido estava sendo investigado pela importação de vinte e duas sementes de maconha, não se enquadrando sua conduta nos crimes previstos na Lei nº 11.343/2006 ou no art. 334-A do Código Penal, sendo portanto fato atípico.
3. Recurso desprovido.