Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001224-97.2017.4.03.6000

RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, NEY BATISTA DOS SANTOS

APELADO: NEY BATISTA DOS SANTOS, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001224-97.2017.4.03.6000

RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, NEY BATISTA DOS SANTOS

APELADO: NEY BATISTA DOS SANTOS, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

R E L A T Ó R I O

Trata-se de Apelações Criminas interpostas pelo Ministério Público Federal e por NEY BATISTA DOS SANTOS, contra  sentença  de ID 138035067 (fls. 05/16), proferida pelo juízo da 5ª Vara Federal de Campo Grande, que condenou o réu à pena de 01 (um) ano e 03 (três) meses de reclusão, em regime inicial aberto, pela prática do crime previste no artigo 334, caput, c/c artigo 71, ambos do Código Penal. A pena privativa de liberdade foi substituída por uma pena restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas pelo mesmo tempo da pena privativa de liberdade e pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos.   

O Ministério Público Federal insurge-se contra a sentença de primeiro grau requerendo, em síntese (ID 138035067 fls.20/22): a) aplicação da circunstância judicial referente às consequências do crime para todas as condutas e, consequentemente, majoração da pena-base; b) o não reconhecimento da confissão; c) a majoração da pena de multa em respeito à proporcionalidade da pena privativa de liberdade; d) a descaracterização do crime continuado, e consequente aplicação do concurso material de crimes; e) a fixação de regime inicial semiaberto e f) a impossibilidade de substituição da reprimenda.    

Contrarrazões ao recurso da acusação em ID 138035067 (fls. 27/30).

A defesa pugna pela aplicação do princípio da insignificância e, consequentemente, pela absolvição do réu (ID 138035077).

Contrarrazões ao recurso da defesa em ID 138035080.

Em sede de parecer, a Procuradoria Regional da República opinou pelo desprovimento do recurso defensivo e parcial provimento do recurso da acusação para que seja reconhecido o concurso material de crimes, a não substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direito e a fixação do regime inicial semiaberto (ID 138737586).

É o Relatório.

À revisão, nos termos regimentais. 

 

 

 


APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001224-97.2017.4.03.6000

RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, NEY BATISTA DOS SANTOS

APELADO: NEY BATISTA DOS SANTOS, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

V O T O

Do caso dos autos. NEY BATISTA DOS SANTOS foi denunciado pela prática do crime previsto no artigo 334, caput, do Código Penal.

Narra a denúncia, em síntese, que (ID 138035066 fls. 02/05):

“1. Consta do incluso inquérito policial que, entre 14/08/2011 e 24/10/2012 no Estado de Mato Grosso do Sul, o denunciado NEY BATISTA DOS SANTOS importou, por 04 (quatro) vezes, mercadorias estrangeiras desprovidas de documentação comprobatória da regular importação, iludindo, assim, os impostos devidos pela entrada dos bens no país no valor total de R$ 15.513,73 (quinze mil, quinhentos e treze reais e setenta e três centavos) (fls. 07, 71, 82, e 95).

2. Segundo apurado, em 14/08/2011, no Km 38 da BR 060, durante fiscalização de rotina, policiais rodoviários federais abordaram o veículo Ford, modelo Escort L, placas JDS-3139. Em revista, apreenderam diversas mercadorias estrangeiras (produtos diversos - fls. 67/69), que o denunciado transportou, após importar, sem documentação comprobatória de sua regular importação. O valor dos tributos iludidos foi de R$ 5.409,80 (cinco mil, quatrocentos e nove reais e oitenta centavos) (fl. 71). Tal fato resultou na Representação Fiscal para Fins Penais n°10140.721819/2011-24 (fls. 71/72).

3. Posteriormente, em 11/05/2012, durante fiscalização de rotina em um veículo Gol, placas JIP-5397, no PA Itamarati, no município de Ponta Porã/MS, policiais militares efetuaram a apreensão de mercadorias estrangeiras (vestuário e capas de celular – fl. 77), que o denunciado transportou, após importar, sem documentação comprobatória de sua regular importação (fl. 82). O valor dos tributos iludidos foi de R$ 1.042,47 (mil e quarenta e dois reais e quarenta e sete centavos) (fl. 83). Tal fato resultou na Representação Fiscal para Fins Penais n° 10109.725493/2012-81 (fls. 82/83).

4. Em 24/10/2012, durante fiscalização empreendida na BR 364, Km 201, no município de Jataí/GO, policiais rodoviários federais em operação conjunta com o Núcleo de Repressão ao Contrabando e Descaminho de Goiânia-GO, efetuaram a apreensão de mercadorias estrangeiras (produtos diversos — fls. 95/96), que o denunciado transportou, após importar, sem documentação comprobatória de sua regular importação. O valor dos tributos iludidos foi de R$ 5.891,09 (cinco mil, oitocentos e noventa e um reais e nove centavos) (fls. 96).

5. Por fim, em 10/01/2013, às 15h, na BR 163, Km 474, nesta capital, durante fiscalização de rotina, policiais rodoviários federais abordaram o veículo Fiat Siena, placas JIH-9532 (fl. 09), conduzido pelo denunciado (fl. 8-v), e efetuaram a apreensão de mercadorias estrangeiras, que o denunciado transportou, após importar, sem documentação comprobatória de sua regular importação (fl. 11). O valor dos tributos iludidos foi de R$ 3.170,37 (três mil cento e setenta reais e trinta e sete centavos) (fl. 07). Tal fato resultou na Representação Fiscal para Fins Penais n° 19715.720012/2013-59 (fl. 07/21).

6. Segundo Laudo Pericial Criminal n° 876/2014, o valor das mercadorias foi de R$ 5.344,21 (cinco mil, trezentos e quarenta e quatro reais e vinte e um centavos) (fls. 49/52).

7. Expostos os fatos, tem-se a classificação legal.

8. O denunciado NEY BATISTA, de forma voluntária e consciente, importou e transportou, por ao menos 04 (quatro) vezes, mercadorias estrangeiras, sem documentação comprobatória de sua regular importação, iludindo os tributos devidos pela entrada no pais, no montante de R$ 15.513,73 Assim agindo, incorreu, por 04 (quatro) vezes nas penas do artigo 334, caput, do Código Penal (redação original). ”

A denúncia foi recebida em 16 de janeiro de 2018 (ID 138035066 fls.06/07).

Após instrução, foi proferida sentença condenatória, publicada em 17 de setembro de 2019 (ID 138035067 fls. 17).

Da materialidade.

A materialidade delitiva não foi objeto de recurso e restou devidamente comprovada pela relações de mercadorias anexadas aos Boletins de Ocorrência nº 277367/2013 (ID 138035062 fls. 18/19), nº 276659/2011 (ID 138035063 fls. 58/60), nº 129772 (ID 138035064 fls. 19/20) e pelo auto de infração e guarda fiscal nº 0145300/SAANA003182/2012 (ID 138035064 fls.01).   

Da autoria.

A autoria delitiva também não foi impugnada e foi demonstrada pela confissão realizada pelo réu durante a audiência de instrução e julgamento (ID 138035070).

Dada a oportunidade de se manifestar, o réu confirmou que teria importado, por 04 (quatro) vezes, mercadorias sem realizar o pagamento de tributo devido.

Do princípio da insignificância.

O princípio da insignificância exclui da área de atuação do poder punitivo estatal condutas que apesar de formalmente típicas representam uma agressão tão ínfima ao bem jurídico protegido a ponto de não serem capazes de causar-lhe lesão. Trata-se de um benefício concedido ao réu sem previsão legal cujos requisitos autorizadores consistem em: a) mínima ofensividade da conduta, b) nenhuma periculosidade social, c) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento, e, d) inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Os Tribunais Superiores entendem ser devida uma análise de ordem objetiva e outra de ordem subjetiva do caso concreto. A reincidência específica ou a habitualidade criminosa impedem a incidência do referido princípio.

O Superior Tribunal de Justiça já fixou sua jurisprudência no sentido de ser possível o reconhecimento do princípio em questão aos crimes de descaminho desde que circunstâncias pessoais do agente indiquem ser esta a medida recomendável.

DIREITO PENAL. REITERAÇÃO CRIMINOSA NO CRIME DE DESCAMINHO E PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. A reiteração criminosa inviabiliza a aplicação do princípio da insignificância nos crimes de descaminho, ressalvada a possibilidade de, no caso concreto, as instâncias ordinárias verificarem que a medida é socialmente recomendável. Destaca-se, inicialmente, que não há consenso sobre a possibilidade ou não de incidência do princípio da insignificância nos casos em que fica demonstrada a reiteração delitiva no crime de descaminho. Para a Sexta Turma deste Tribunal Superior, o passado delitivo do agente não impede a aplicação da benesse. Já para a Quinta Turma, as condições pessoais negativas do autor inviabilizam o benefício. De fato, uma conduta formalmente típica, mas materialmente insignificante, mostra-se deveras temerária para o ordenamento jurídico acaso não se analise o contexto pessoal do agente. Isso porque se estaria instigando a multiplicação de pequenos crimes, os quais se tornariam inatingíveis pelo ordenamento penal. Nesse sentido, o Plenário do STF, quando do julgamento dos HC 123.734-MG (DJe 2/2/2016), HC 123.533-SP (DJe 8/8/2014) e HC 123.108-MG (DJe 1º/2/2016), a despeito de ter exarado que a aplicação do princípio da insignificância "deve ser analisada caso a caso pelo juiz de primeira instância, e que a Corte não deve fixar tese sobre o tema", acabou por traçar orientação no viés de que a vida pregressa do agente pode e deve ser efetivamente considerada ao se analisar a possibilidade de incidência do preceito da insignificância. Ressaltou-se, no mencionado julgamento, que adotar indiscriminadamente o princípio da insignificância, na hipótese em que há qualificação ou reincidência, seria tornar a conduta penalmente lícita e também imune a qualquer espécie de repressão estatal. Além disso, na mesma ocasião, salientou-se que a imunização da conduta do agente, ainda que a pretexto de protegê-lo, pode deixá-lo exposto à situação de justiça privada, na medida em que a inação do Estado pode fomentar a sociedade a realizar "justiça com as próprias mãos", com consequências imprevisíveis e provavelmente mais graves. Concluiu-se, assim, que: "o Judiciário não pode, com sua inação, abrir espaço para quem o socorra. É justamente em situações como esta que se deve privilegiar o papel do juiz da causa, a quem cabe avaliar em cada caso concreto a aplicação, em dosagem adequada, seja do princípio da insignificância, seja do princípio constitucional da individualização da pena". Portanto, entende-se que, para aplicação do princípio da insignificância no crime de descaminho, além de ser analisado o tributo iludido e os vetores - (a) mínima ofensividade da conduta do agente; (b) nenhuma periculosidade social da ação; (c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada -, deve ser examinada a vida pregressa do agente. Note-se que a incidência do princípio da insignificância nos casos de reiteração do crime de descaminho estaria legitimando a conduta criminosa, a qual acabaria por se tornar, em verdade, lícita. Ora, bastaria, por exemplo, que o agente fizesse o transporte das mercadorias de forma segmentada. Logo, a reiteração delitiva deve efetivamente ser sopesada de forma negativa para o agente. Esclareça-se que, ao somar um requisito de ordem subjetiva ao exame acerca da incidência do princípio da insignificância, não se está desconsiderando a necessidade de análise caso a caso pelo juiz de primeira instância. Antes, se está afirmando ser imprescindível o efetivo exame das circunstâncias objetivas e subjetivas do caso concreto, porquanto, de plano, aquele que reitera e reincide não faz jus a benesses jurídicas. Dessa forma, ante a ausência de previsão legal do princípio da insignificância, deve-se entender que não há vedação à sua aplicação ao reincidente, o que não significa, entretanto, que referida circunstância deva ser desconsiderada. A propósito, ressalta-se a teoria da reiteração não cumulativa de condutas de gêneros distintos, a qual considera que "a contumácia de infrações penais que não têm o patrimônio como bem jurídico tutelado pela norma penal (a exemplo da lesão corporal) não poderia ser valorada como fator impeditivo à aplicação do princípio da insignificância, porque ausente a séria lesão à propriedade alheia" (STF, HC 114.723-MG, Segunda Turma, DJe 12/11/2014). Destaca-se, ainda, que apenas as instâncias ordinárias, que se encontram mais próximas da situação que concretamente se apresenta ao Judiciário, têm condições de realizar o exame do caso concreto, por meio da valoração fática e probatória a qual, na maioria das vezes, possui cunho subjetivo, impregnada pelo livre convencimento motivado. Por fim, não se desconhece a estrutura objetiva do princípio da insignificância. No entanto, preconiza-se a ampliação de sua análise para se incorporar elementos subjetivos que revelem o merecimento do réu. Isso não guarda relação com o direito penal do autor, mas antes com todo o ordenamento jurídico penal, o qual remete à análise de mencionadas particularidades para reconhecer o crime privilegiado, fixar a pena-base, escolher o regime de cumprimento da pena, entre outros. Nesse contexto, ainda que haja um eventual desvirtuamento da teoria da insignificância em sua gênese, faz-se isso com o intuito de assegurar a coerência do ordenamento jurídico pátrio, tornando a incidência do princípio da bagatela um verdadeiro privilégio/benefício, que, portanto, deve ser merecido, não se tratando da mera aplicação de uma teoria, haja vista, não raras vezes, ser necessária a adaptação de teorias à nossa realidade. Precedentes citados do STF: HC 120.662-RS, Segunda Turma, DJe 21/8/2014; HC 109.705-PR, Primeira Turma, DJe 28/5/2014. EREsp 1.217.514-RS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 9/12/2015, DJe 16/12/2015.  

Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal vem negando a incidência do princípio da insignificância em caso que diga respeito a crime de descaminho, cujo montante total de tributos sonegados seja inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), porém trate de réu habitualmente envolvido na prática criminosa.

DECISÃO AGRAVADA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: DESCAMINHO. VALOR SONEGADO INFERIOR AO ESTABELECIDO NO ART. 20 DA LEI 10.522/2002, COM AS ATUALIZAÇÕES INSTITUÍDAS PELAS PORTARIAS 75/2012 E 130/2012, AMBAS DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. INAPLICABILIDADE AOS CASOS DE REINCIDÊNCIA OU COMPROVADA HABITUALIDADE DELITIVA: ELEVADO GRAU DE REPROVABILIDADE DA CONDUTA DO AGENTE. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I - O agravante apenas reitera os argumentos anteriormente expostos na inicial do habeas corpus, sem, contudo, aduzir novos elementos capazes de afastar as razões expendidas na decisão agravada. II –A jurisprudência desta Suprema Corte é pacífica no sentido de que o princípio da insignificância poderá ser aplicado ao delito de descaminho quando o valor sonegado for inferior ao estabelecido no art. 20 da Lei 10.522/2002, com as atualizações instituídas pelas Portarias 75/2012 e 130/2012, ambas do Ministério da Fazenda, ressalvados os casos de reincidência ou comprovada habitualidade delitiva, que impedirão a aplicação desse princípio, em razão do elevado grau de reprovabilidade da conduta do agente. III – Na espécie, o princípio da insignificância não foi aplicado ao caso concreto. HC 161848 AgR-segundo Órgão julgador: Segunda Turma Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI Julgamento: 05/11/2019 Publicação: 18/11/2019.

ARGUMENTOS EXPOSTOS NA INICIAL QUE NÃO INFIRMAM OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: DESCAMINHO. VALOR SONEGADO INFERIOR AO ESTABELECIDO NO ART. 20 DA LEI 10.522/2002, COM AS ATUALIZAÇÕES INSTITUÍDAS PELAS PORTARIAS 75/2012 E 130/2012, AMBAS DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. INAPLICABILIDADE NOS CASOS DE REINCIDÊNCIA OU COMPROVADA HABITUALIDADE DELITIVA: ELEVADO GRAU DE REPROVABILIDADE DA CONDUTA DO AGENTE. INVIABILIDADE DO REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO EM SEDE DE WRIT. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I - Os agravantes apenas reiteram os argumentos anteriormente expostos na inicial do habeas corpus, sem, contudo, aduzirem novos elementos capazes de afastar as razões expendidas na decisão agravada. II - A jurisprudência desta Suprema Corte é pacífica no sentido de que o princípio da insignificância poderá ser aplicado ao delito de descaminho quando o valor sonegado for inferior ao estabelecido no art. 20 da Lei 10.522/2002, com as atualizações instituídas pelas Portarias 75/2012 e 130/2012, ambas do Ministério da Fazenda, ressalvados os casos de reincidência ou comprovada habitualidade delitiva, que impedirão a aplicação desse princípio, em razão. HC 152922 AgR Órgão julgador: Segunda Turma Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI Julgamento: 15/06/2018 Publicação: 27/06/2018.

No caso dos autos, as circunstâncias pessoais do réu impedem a caracterização da conduta como irrelevante penal. Com efeito, consta contra o réu a instauração de 10 (dez) procedimentos administrativos por sonegação fiscal (ID 138035063 fls.13 e 53/54) além de 02 (dois) processos judiciais pelo mesmo tipo penal (ID 138035065 fls. 02/06).

Portanto, a contumácia delitiva não pode ser caracterizada como insignificante para fins de aplicação do Direito Penal, de forma que inaplicável o princípio da insignificância à hipótese dos autos.

Da dosimetria.

Ao realizar a dosimetria, o juízo de primeira instância assim procedeu:

“O réu não registra maus antecedentes criminais, conforme certidões e folhas de antecedentes de fls. 131/133 e 150.

Inquéritos policiais e processos criminais sem trânsito em julgado não podem ser considerados maus antecedentes, em face do princípio constitucional do estado de inocência, insculpido no art. 5°, LVII, da CF ("ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória"). Nesse sentido, o plenário do excelso STF firmou entendimento, em sede de repercussão geral (RE 591.054), de que ações penais em curso não servem como maus antecedentes.

 A culpabilidade, entendida como intensidade do dolo (STF, RHC n. 116169, j. 18.6.2013, rel. Min. Gilmar Mendes), não desborda do limite do tipo. Nada há sobre a conduta social da ré. Personalidade comum. Os motivos do crime não desfavorecem o réu. As circunstâncias do fato não desfavorecem o réu. As consequências extrapenais não foram graves. O comportamento da vítima não facilitou ou incentivou a ação do réu.

Atento às diretrizes do art. 59, do CP, acima analisadas, fixo a pena-base, para o réu, no mínimo legal, previsto no art. 334, caput, do Código Penal, isto é, em 1 (um) ano de reclusão, para cada crime.

 Há a atenuante de confissão (art. 65, III, "d", CP), pois, a confissão judicial foi utilizada para embasar a condenação. Nesse sentido: Súmula 545 do STJ: "Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no art. 65, III, d do Código Penal Todavia, como a pena-base foi fixada no mínimo legal, deixo de aplicá-la (súmula 231 do STJ).

Não há agravante e causa de diminuição ou de aumento de pena, de forma que torno definitiva a pena aplicada.

CONTINUIDADE DELITIVA

Tendo em vista que as penas são idênticas para todos os crimes, aplico a pena de um dos crimes, aumentada em 1/4 (um quarto), tendo m vista que foram praticados 4 (quatro) crimes, fixando a pena em definitivo em (um) ano e 3 (três) meses de reclusão.

Tendo em vista que as penas são idênticas para todos os crimes, aplico a pena de um dos crimes, aumentada em 1/4 (um quarto), tendo em vista que foram praticados 4 (quatro) crimes, fixando a pena em definitivo em (um) ano e 3 (três) meses de reclusão. “

O recurso da acusação pleiteia a majoração da pena-base, tendo em vista as consequências do crime. Também requer a desconsideração da atenuante da confissão, a aplicação do concurso material, a fixação do regime inicial semiaberto e, por fim, a impossibilidade de substituição da reprimenda. 

Não merece prosperar a pretensão acusatória.

Enquanto circunstância judicial apta a exasperar a pena base, as consequências do crime dizem respeito a efeitos decorrentes da prática delitiva que ultrapassam àqueles já previstos no tipo penal e causam maiores estragos e maior juízo de reprovabilidade.

Na hipótese dos autos, as consequências do crime encontram-se dentro do esperado. Não fosse a reiteração criminosa, cada conduta em si seria um indiferente penal tendo em vista o baixo valor econômico.

A atenuante da confissão deve ser reconhecida. Com efeito, a autoria delitiva só foi comprovada com assunção de culpa pelo réu. A testemunha arrolada pela acusação não foi apta a esclarecer os fatos devidamente. Desse modo, é direito subjetivo do réu o reconhecimento da atenuante prevista no artigo 65, III, alínea d do Código Penal, nos moldes da súmula nº 545 do STJ.

Os requisitos previstos para configuração do crime continuado encontram-se no artigo 71 do Código Penal que considera os crimes de mesma espécie como subsequentes do primeiro, presentes as mesmas condições de tempo, lugar e modo de execução.

Segundo narra a inicial acusatória, a conduta do réu abrangeria os eventos ocorridos em quatro oportunidades, 14/08/2011, 11/05/2012, 24/10/2012 e 10/01/2013, em localidades próximas, Campo Grande, Ponta Porã e Jataí. A fiscalização tributária identificou uma sonegação no total de R$ 15.513,73 (quinze mil, quinhentos e treze reais e setenta e três centavos).

Apesar de o lapso entre os delitos superar 30 dias, tenho que tal critério não é absoluto, devendo-se levar em conta também a identidade das condições de tempo e maneira de execução. 

Superadas essas questões passo a dimensionar a pena do réu.

Na primeira fase, a pena-base deve ser fixada no mínimo legal tendo em vista que todas as circunstâncias judiciais são favoráveis. Desse modo, resta fixada a pena base em 01 (um) ano de reclusão.

Na segunda fase, reconheço a atenuante da confissão, entretanto essa circunstância não possui aptidão para influenciar no cômputo da pena por força da Súmula nº 231 do STJ. A pena intermediária fica equivalente a pena base em 01 (um) ano de reclusão.

Na terceira fase, reconheço a continuidade delitiva entre as quatro condutas praticadas pelo réu. Conforme entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça:

PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 157, § 2°, I E II (POR SEIS VEZES), E ART. 157, § 2°, I, II E V, DO CÓDIGO PENAL. IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DE RECURSO ESPECIAL. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. DOSIMETRIA. PENA-BASE APLICADA. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. ILEGALIDADE NÃO EVIDENCIADA. CONTINUIDADE DELITIVA. QUANTUM DE AUMENTO. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO. PENA SUPERIOR A 4 ANOS DE RECLUSÃO. CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL. REGIME INICIAL FECHADO. ADEQUAÇÃO. NÃO CONHECIMENTO.

1. Tratando-se de habeas corpus substitutivo de recurso especial, inviável o seu conhecimento.

2. Não existe ilegalidade na dosimetria da pena-base se instâncias de origem apontam motivos concretos para a fixação da pena no patamar estabelecido. Em sede de habeas corpus não se afere o quantum aplicado, desde que devidamente fundamentado, como ocorre na espécie, sob pena de revolvimento fático-probatório.

3. É pacífica a jurisprudência deste Sodalício, em se tratando de aumento de pena referente à continuidade delitiva, aplicando-se a fração de aumento de 1/6 pela prática de 2 infrações; 1/5, para 3 infrações; 1/4, para 4 infrações; 1/3, para 5 infrações; 1/2, para 6 infrações; e 2/3, para 7 ou mais infrações. Na espécie, observando o universo de infrações cometidas pelo paciente [roubo a José Roberto Lopes da Silva e Supermercado Rede Mais (...) roubo no Beto's Lanches (seis vítimas) ], deve-se considerar viável o aumento de 1/2, eis que tal acréscimo poderia ter sido estabelecido em até 2/3, por terem sido identificadas oito condutas típicas. 4. Nos termos do artigo 33 do Código Penal, fixada a pena em patamar superior a 4 anos de reclusão, a estipulação do regime inicial fechado é apropriada, eis que existe circunstância judicial desfavorável, tanto que a pena-base foi fixada acima do mínimo legal.

5. Habeas corpus não conhecido.

HC 342475/RN HABEAS CORPUS 2015/0300507-3. Relator(a) Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA. Órgão Julgador T6-SEXTA TURMA. Data do Julgamento 02/02/2016. Data da Publicação/Fonte DJe 23/02/2016

Nesse sentido, aplicando-se a fração de 1/4 pela continuidade, a pena definitiva deve ser fixada em 01 (um) ano e 03 (três) meses de reclusão.

A pena deverá ser cumprida inicialmente sob o regime aberto, nos termos do artigo 33, §2º, c, do Código Penal.

Presentes os requisitos previstos no artigo 44 do Código Penal, mantenho a substituição da pena privativa de liberdade nos moldes feitos pelo juízo de primeira instância.

Ante o exposto, voto para negar provimento aos recursos interpostos pelo Ministério Público Federal e por NEY BATISTA DOS SANTOS.

É o voto.    

 

 

 

 



E M E N T A

 

 

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. DESCAMINHO. ARTIGO 334, CAPUT DO CP. AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS DEVIDAMENTE COMPROVADAS NOS AUTOS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO APLICABILIDADE. CONFISSÃO. CRIME CONTINUADO. RECURSOS IMPROVIDOS.

  1. Segundo a denúncia, o réu teria cometido o crime de descaminho em 04 (quatro) ocasiões, 14/08/2011, 11/05/2012, 24/10/2012 e 10/01/2013. Com essa conduta, houve prejuízo de R$ 15.513,73 (quinze mil, quinhentos e treze reais e setenta e três centavos) aos cofres públicos.

  2. Materialidade delitiva comprovada a partir dos procedimentos fiscalizatórios elaborados pela Receita Federal.

  3. Autoria delitiva comprovada a partir de confissão em juízo.

  4. A defesa pleiteia a absolvição do réu pela atipicidade material da conduta. Não merece prosperar a argumentação da defesa tendo em vista o número de condutas perpetradas pelo réu. Conforme jurisprudência das cortes superiores, a habitualidade criminal impede a aplicação do princípio da insignificância.

  5. É preciso a observância das mesmas situações de tempo, local e modo de execução para o reconhecimento do crime continuado. Dadas as circunstâncias do presente caso, constata-se o elo de continuidade entre as quatro condutas descritas na denúncia.

  6. Conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em hipótese de crime continuado, a exasperação da pena deve ser feita sob percentual de 1/4 (um quarto).

  7. Recursos a que se nega provimento.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quinta Turma, por unanimidade, decidiu, negar provimento aos recursos interpostos pelo Ministério Público Federal e por NEY BATISTA DOS SANTOS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.