Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO


Nº 

RELATOR: 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0002824-53.2008.4.03.6103

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

APELANTE: EDINEY ALVES DE OLIVEIRA

 

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
ACUSADO - PUNIBILIDADE EXTINTA: CESAR RAMOS DA SILVA

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

  

 

R E L A T Ó R I O

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI

Trata-se de embargos de declaração opostos pela Defensoria Pública da União em favor de EDINEY ALVES DE OLIVEIRA em face do acórdão assim ementado (ID 272135753):

 

APELAÇÃO CRIMINAL. RECURSO DA DEFESA. ART. 289, §1º DO CP. CRIME IMPOSSÍVEL NÃO CONFIGURADO. POTENCIALIDADE LESIVA DAS CÉDULAS FALSAS. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO DEMONSTRADOS. CONDENAÇÃO MANTIDA. RÉU QUE CONTRATOU ADOLESCENTE PARA ADQUIRIR E TRANSPORTAR MOEDA FALSA. FIXAÇÃO DO REGIME INICIAL ABERTO. SUBSTITUIÇAO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. 

Foram apreendidas 74 cédulas falsas de R$50,00 cada uma, perfazendo o total de R$3.700,00. No momento da prisão em flagrante, as cédulas estavam guardadas em uma bolsa pertencente à adolescente contratada pelo apelante.

Ante a constatação da aptidão, em tese, da cédula para enganar pessoa de conhecimento médio e diligência ordinária, configurado está o tipo penal do artigo 289, §1º, do Código Penal e não há que se falar em falsificação grosseira. Afastada a alegação de crime impossível.

Os depoimentos prestados pelos policiais civis, na qualidade de testemunhas, são coesos e demonstram, com a certeza necessária, que o recorrente, valendo-se da então adolescente F.V.A.G, adquiriu 74 cédulas falsas de R$50,00, que foram transportadas da região metropolitana de São Paulo até Ilhabela, onde o réu pretendia introduzi-las em circulação.

Mantida a condenação do apelante pela prática do crime previsto no art. 289, §1º do CP.

Na primeira fase, a pena-base foi exasperada em razão dos maus antecedentes, diante da condenação definitiva por fato anterior ao crime objeto da presente ação penal.

Pena definitiva fixada em 3 anos, 4 meses e 15 dias de reclusão e 11 dias multa no valor unitário mínimo legal.

Em razão do concurso material reconhecido na sentença (art. 289, §1º do CP e art. 244-B da Lei 8.069/90), as penas foram somadas e totalizaram 4 anos, 4 meses e 15 dias de reclusão, o que impediu a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos e ensejou a fixação do regime semiaberto. Todavia, houve a extinção da punibilidade quanto ao delito de corrupção de menores, subsistindo apenas a condenação pela prática do crime de moeda falsa, cuja pena é inferior a 4 anos. Acolhimento do pedido de fixação do regime inicial aberto e substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, porquanto preenchidos os requisitos do art. 44 do CP.

Apelação parcialmente provida para fixar o regime inicial aberto e para substituir a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de 02 salários mínimos em favor da União.

 

O embargante aponta omissão no acórdão, em razão da necessidade de aplicação do art. 28-A do CPP.

Alega que a possibilidade de proposta de Acordo de não persecução penal configura alteração legislativa mais favorável ao acusado, que deve ser aplicada ao presente caso, pois ainda não se operou o trânsito em julgado.

Requer o acolhimento dos embargos, para que o Ministério Público Federal manifeste-se sobre o cabimento do acordo de não persecução penal (ID 272306282).

É o relatório.

Em mesa. 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0002824-53.2008.4.03.6103

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

APELANTE: EDINEY ALVES DE OLIVEIRA

 

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
ACUSADO - PUNIBILIDADE EXTINTA: CESAR RAMOS DA SILVA

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

V O T O

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço dos embargos de declaração opostos em favor de EDINEY ALVES DE OLIVEIRA.

Em sede de embargos de declaração, a defesa alega, em síntese, que há omissão no acórdão em razão da necessidade de aplicação do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), previsto no artigo 28-A do Código de Processo Penal.

O vício apontado não se verifica.

Primeiro, porque a tese lançada nos embargos de declaração é, em sua essência, apartada do próprio objeto a que estava restrito o julgamento da apelação.

Ademais, as questões atinentes à possibilidade de Acordo de Não Persecução Penal possuem caráter negocial a ser travado entre às partes, não havendo obrigação legal do Juiz ou Tribunal provocarem o Parquet ou o réu para que se manifestem quanto ao ponto.

Ainda que assim não fosse, não é o caso de acolhimento dos declaratórios.

DA POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO ANPP AOS PROCESSOS EM CURSO QUANDO DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI N° 13.964/2019

O ANPP - Acordo de Não Persecução Penal foi incluído no Código de Processo Penal, em seu art. 28-A, pela Lei nº 13.964/2019, com a seguinte redação:

 

"Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente:   

I - reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo;   

II - renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;

III - prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal);         

IV - pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou

V - cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada.

[...]"

 

A norma que regula o ANPP traz, em seu bojo, carga de conteúdo processual e material, o que permite sua incidência não só aos casos em que ainda não houve ajuizamento da ação penal, como também aos processos em andamento, já que se revela mais benéfica ao réu (art. 5º, XL, da Constituição Federal).

Em decorrência, é possível fazer incidir o ANPP aos processos que já estavam em curso quando da entrada em vigor da Lei 13.964/19, mesmo que em fase recursal.

Assim entendo pois, com a devida vênia de quem sustenta que tal só é possível até o momento anterior ao da prolação da sentença, tenho que por estar estampado em norma mais benéfica ao réu (art. 5º, XL, da Constituição Federal), o ANPP pode ser entabulado e trazido aos autos em qualquer etapa processual antes do trânsito em julgado.

Aliás, há orientação nesse sentido do órgão incumbido da coordenação, da integração e da revisão do exercício funcional dos membros do Ministério Público Federal na área criminal. É o que prescreve o Enunciado nº 98, da 2ª Câmara Criminal do Ministério Público Federal:

 

"É cabível o oferecimento de acordo de não persecução penal no curso da ação penal, isto é, antes do trânsito em julgado, desde que preenchidos os requisitos legais, devendo o integrante do MPF oficiante assegurar seja oferecida ao acusado a oportunidade de confessar formal e circunstancialmente a prática da infração penal, nos termos do art. 28-A do CPP, quando se tratar de processos que estavam em curso quando da introdução da Lei nº 13.964/2019, conforme precedentes, podendo o membro oficiante analisar se eventual sentença ou acórdão proferido nos autos configura medida mais adequada e proporcional ao deslinde dos fatos do que a celebração do ANPP. Não é cabível o acordo para processos com sentença ou acordão após a vigência da Lei nº 13.964/2019, uma vez oferecido o ANPP e recusado pela defesa, quando haverá preclusão." (Alterado na 187ª Sessão Virtual de Coordenação, de 31/08/2020). 

 

Destaco que trato aqui apenas dos processos cujo início se deu antes do advento da novel legislação, sendo distinta a análise para aqueles iniciados posteriormente, hipótese em que, evidentemente, as tratativas do referido acordo devem ocorrer obrigatoriamente antes do oferecimento da denúncia, pois a finalidade do instituto é justamente evitar o processo penal.

DO MOMENTO A SE FAZER INCIDIR O ANPP

O art. 28-A do CPP estabelece que "não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime (...)"

O acordo de não persecução penal é medida consensual de solução abreviada da lide penal, sujeita a requisitos e critérios previamente estabelecidos em lei. Inspira-se no chamado patteggiamento do direito italiano, criado com a reforma processual italiana, nos termos dos arts. 444 e seguintes do Código de Processo Penal Italiano, como "aplicazione dela pena su richiesta delle parti".

Neste sentido: "tal instituto tem como vantagens essenciais a dispensa de toda a fase debatimental e a economia de todo o segundo grau de jurisdição, uma vez que a sentença de primeiro grau é inapelável" (ATHAYDE BUONO, Carlos Eduardo e BENTIVOGLIO, Antônio Tomás. A Reforma Processual Penal Italiana - Reflexos no Brasil. RT, SP, pág.85).

Por outro lado, partilho do entendimento de que o oferecimento de ANPP não é direito público subjetivo do investigado. Ao revés, tal instituto constitui poder-dever do titular da ação penal, a quem cabe analisar a possibilidade de sua aplicação.

Neste sentido já decidiu o STJ no AgRg no RHC 74.464/PR, que tratava da suspensão condicional do processo, compreendendo-a não como um direito subjetivo do acusado, mas sim um poder-dever do Ministério Público, a quem compete, com exclusividade, analisar a possibilidade de aplicação do referido instituto, desde que o faça de forma fundamentada. Esse mesmo raciocínio pode ser aplicado para o instituto do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), já que ambos têm o mesmo caráter de instrumento da Justiça Penal consensual. O Ministério Público não é obrigado a ofertar o acordo, pois a ele compete avaliar a aptidão e suficiência do mesmo para reprovação e prevenção do crime, observado que, na hipótese de não oferecimento, o órgão fundamente a razão pela qual está deixando de fazê-lo.

Contudo, para os processos em curso quando da entrada em vigor da Lei que criou o ANPP, o momento processual da provocação é aquele imediatamente após a vigência, ou seja, na primeira oportunidade em que a parte poderia ter vindo a Juízo, peticionado e informado que tinha interesse em entabular o ANPP com o Ministério Público Federal.

Repito, ainda me reportando a processos iniciados antes da entrada em vigor da nova regra, se o processo está em primeiro grau, o réu não pode aguardar a sentença para depois pleitear o acordo. Se está em grau recursal, não pode aguardar a manifestação do Tribunal para só então vir a Juízo manifestar seu interesse pelo ANPP.

Admitir que o acusado ou a acusada aguardem o julgamento e, apenas na hipótese de um resultado que não lhes seja favorável, pleiteiem o ANPP, significa distorcer completamente o objetivo da legislação em baila, que tem como meta evitar a persecução penal, até porque, dado o seu caráter negocial, o ANPP deve observar os princípios da autonomia, da lealdade, da eficiência, do consenso, da boa-fé e da paridade de armas.

E não tendo o Ministério Público Federal ou a defesa do acusado comparecido aos autos para informar o interesse quanto ao ANPP, não cabia qualquer manifestação desta Corte quanto ao tema, dado esse caráter negocial do ANPP, que pressupõe a atuação da defesa e da acusação (ao Poder Judiciário cabe a verificação das condições e sua viabilidade e, se o caso, a homologação judicial).

E nem se alegue que não foi oportunizado o ANPP à defesa. Intimada do julgamento, quedou-se inerte, preferindo aguardar o desfecho do julgado, para, só então, ciente de um resultado contrário às suas pretensões, se manifestar pela via dos declaratórios.

De se ver, portanto, que nenhuma omissão, obscuridade ou contradição contamina o aresto embargado.

Sem que sejam adequadamente demonstrados quaisquer dos vícios elencados no artigo 619 do Código de Processo Penal, não devem ser providos os embargos de declaração.

Pelo exposto, não acolho os embargos de declaração.

É o voto. 



E M E N T A

 

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. APELAÇÃO CRIMINAL. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. ART. 28-A DO CPP. OMISSÃO NÃO VERIFICADA. EMBARGOS DESPROVIDOS.

1. O embargante alega, em síntese, que há omissão no acórdão em razão da necessidade de aplicação do art. 28-A do CPP.

2. A tese lançada nos embargos de declaração é, em sua essência, apartada do próprio objeto a que estava restrito o julgamento da apelação.

3. A norma que regula o ANPP traz, em seu bojo, carga de conteúdo processual e material, o que permite sua incidência não só aos casos em que ainda não houve ajuizamento da ação penal, como também aos processos em andamento, já que se revela mais benéfica ao réu (art. 5º, XL, da Constituição Federal).

4. O oferecimento de ANPP não é direito público subjetivo do investigado. Ao revés, tal instituto constitui poder-dever do titular da ação penal, a quem cabe analisar a possibilidade de sua aplicação.

5. Para processos iniciados antes da entrada em vigor da nova regra, se está em primeiro grau, o réu não pode aguardar a sentença para depois pleitear o acordo. Se está em grau recursal, não pode aguardar a manifestação do Tribunal para só então vir a Juízo manifestar seu interesse pelo ANPP.

6. Admitir que o acusado ou a acusada aguardem o julgamento e, apenas na hipótese de um resultado que não lhes seja favorável, pleiteiem o ANPP, significa distorcer completamente o objetivo da legislação em baila, que tem como meta evitar a persecução penal, até porque, dado o seu caráter negocial, o ANPP deve observar os princípios da autonomia, da lealdade, da eficiência, do consenso, da boa-fé e da paridade de armas. E não tendo o Ministério Público Federal ou a defesa do acusado comparecido aos autos para informar o interesse quanto ao ANPP, não cabia qualquer manifestação desta Corte quanto ao tema, dado esse caráter negocial do ANPP, que pressupõe a atuação da defesa e da acusação (ao Poder Judiciário cabe a verificação das condições e sua viabilidade e, se o caso, a homologação judicial).

7. Não se alegue que não foi oportunizado o ANPP à defesa. Intimada do julgamento, quedou-se inerte, preferindo aguardar o desfecho do julgado, para, só então, ciente de um resultado contrário às suas pretensões, se manifestar pela via dos declaratórios.

8. Nenhuma omissão, obscuridade ou contradição contamina o aresto embargado. Sem que sejam adequadamente demonstrados quaisquer dos vícios elencados no artigo 619 do Código de Processo Penal, não devem ser providos os embargos de declaração.

9. Embargos conhecidos e desprovidos.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu não acolher os embargos de declaração, tendo o Des. Fed. Fausto De Sanctis acompanhado o voto do e. Relator pela conclusão e o Des. Fed. Hélio Nogueira acompanhado o voto do e. Relator pela conclusão para rejeitar os embargos de declaração, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.