APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001322-79.2009.4.03.6124
RELATOR: Gab. 18 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, UNIÃO FEDERAL, INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS, CESP COMPANHIA ENERGETICA DE SAO PAULO, RIO PARANÁ ENERGIA S.A
Advogados do(a) APELANTE: ADRIANA ASTUTO PEREIRA - SP389401-A, LARA PORTUGAL DA ROCHA - SP296822-A
Advogado do(a) APELANTE: ALEXANDRE ABBY - SP303656-A
APELADO: REINALDO CASTELLANI, CARMELIA JORGE GARCIA CASTELLANI, CESP COMPANHIA ENERGETICA DE SAO PAULO, MUNICIPIO DE RUBINEIA, RIO PARANÁ ENERGIA S.A, INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, UNIÃO FEDERAL
Advogados do(a) APELADO: ADRIANA ASTUTO PEREIRA - SP389401-A, LARA PORTUGAL DA ROCHA - SP296822-A
Advogados do(a) APELADO: ARNALDO DOS SANTOS - SP79986-N, DOUGLAS LUIZ DOS SANTOS - SP166979-N
Advogado do(a) APELADO: MILTON RICARDO BATISTA DE CARVALHO - SP139546-A
Advogado do(a) APELADO: ALEXANDRE ABBY - SP303656-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001322-79.2009.4.03.6124 RELATOR: Gab. 18 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, UNIÃO FEDERAL, INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS, CESP COMPANHIA ENERGETICA DE SAO PAULO, RIO PARANÁ ENERGIA S.A Advogados do(a) APELANTE: ADRIANA ASTUTO PEREIRA - SP389401-A, LARA PORTUGAL DA ROCHA - SP296822-A APELADO: REINALDO CASTELLANI, CARMELIA JORGE GARCIA CASTELLANI, CESP COMPANHIA ENERGETICA DE SAO PAULO, MUNICIPIO DE RUBINEIA, RIO PARANÁ ENERGIA S.A, INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, UNIÃO FEDERAL Advogados do(a) APELADO: DOUGLAS LUIZ DOS SANTOS - SP166979-N, ARNALDO DOS SANTOS - SP79986-N OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O R E L A T Ó R I O Trata-se de apelações interpostas pelo INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS - IBAMA, pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pela COMPANHIA ENERGÉTICA DE SÃO PAULO - CESP, pela UNIÃO FEDERAL e pelo RIO PARANÁ ENERGIA LTDA, nos autos da Ação Civil Pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, com pedido de tutela de urgência, em face de LUIZ CARLOS BERNARDI, CESP - COMPANHIA ENERGÉTICA DE SÃO PAULO, IBAMA - INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS, UNIÃO FEDERAL, e MUNICÍPIO DE RUBINÉIA/SP, objetivando tutelar os interesses transindividuais afetos à garantia ao meio ambiente, buscando responsabilização por dano ambiental causados pelos réus em razão de alterações produzidas em área de preservação permanente - APP, situada em reservatório artificial ao longo do Rio Paraná, (Usina Elétrica de Ilha Solteira - UHE), que banha os Estados de São Paulo e de Mato Grosso do Sul. Consoante consta da inicial, na década de 70 ocorreu a Construção da Hidrelétrica de Ilha Solteira - UHE, momento em que a UNIÃO FEDERAL desapropriou imóveis situados na Zona Rural do MUNICÍPIO DE RUBINÉIA/SP e promoveu a transposição de parte das águas do Rio Paraná para formação de um reservatório de água artificial. No mesmo período foi outorgado à CESP, mediante Contrato de Concessão, a exploração do potencial de energia hidráulica do reservatório artificial de Ilha Solteira, objetivando gerar energia elétrica destinada a serviço público, cujo contrato tinha como termo final a data de julho de 2015, nos termos da Portaria 289 de 11/11/2004, do Ministério de Minas e Energia. O Ministério Público Federal afirma que a concessionária não adotou as medidas necessárias para preservar e recuperar as áreas de proteção permanente situadas no redor do reservatório de Ilha Solteira, além de firmar contratos particulares (concessão de uso) permitindo que fossem utilizadas a faixa de segurança da represa em total desconformidade com os preceitos ambientais. Destaca que o Ministério das Minas e Energia, mediante Portaria, autorizou os concessionários de serviços públicos de energia elétrica, proprietários de usinas elétricas, a celebrarem com terceiros, contratos de concessão de direito de uso das áreas utilizadas como faixa de segurança dos reservatórios e remanescentes, para fins de exploração florestal e outras atividades afins que digam respeito à preservação do meio ambiente. Consigna que tais autorizações, cuja legalidade é questionável, impunham várias restrições que não foram observadas pela concessionária ou pelo usuário da área concedida. Aduz que os danos ambientais são decorrentes da omissão da concessionária de exploração de energia elétrica em fiscalizar e zelar pelo efetivo cumprimento da lei ambiental e das cláusulas protetivas previstas nos aludidos contratos de concessão de uso das áreas utilizadas como faixa de segurança do reservatório e também de sua omissão em cumprir o dever geral de prevenir e curar as alterações ambientais nas áreas de abrangência da bacia hidrográfica da Hidrelétrica. Diz que há responsabilização do IBAMA, nos termos do artigo 6º, III, da Lei nº 6.938/81, com nova redação dada pela Lei nº 7.804/89, em razão da ausência de fiscalização. A responsabilização do Município de Rubinéia decorre de contrato de comodato firmado com a Companhia Elétrica de São Paulo - CESP, referente à área "Remanescente de Rubinéia", que passou a ser loteada irregularmente na área de preservação permanente, em desacordo com o artigo 3º, V, da Lei nº 6.766/79. Afirma que a responsabilidade da União Federal está no fato de não ter fiscalizado a concessionária no cumprimento do ajuste contratual, em razão de sua omissão é responsável pela prática dos danos que se sucederam e que poderiam ter sido evitados com sua supervisão no cumprimento integral das obrigações avençadas com a concessionária, nos termos do artigo 37 da CF e do artigo 58 da Lei nº 8.666/93. Em razão desses fatos, o MPF requer, em síntese: Em razão desses fatos, o MPF requer: 1. com relação aos rancheiros: (a) seja determinado que se abstenham de promover ou permitir que se promova qualquer nova atividade antrópica na faixa de APP do imóvel objeto desta ação, como novas construções ou impermeabilizações ou aumento das já existentes, novo plantio de espécies exógenas, colocação de outros animais e movimentações do solo; (b) seja determinado que, em verificada qualquer nova atividade antrópica que altere a situação atual do imóvel em área de APP, se abstenham imediatamente de praticá-la, devendo, se for o caso, desfazê-la imediatamente, sem prejuízo da imposição de multa pela atividade irregularmente desenvolvida, a ser arbitrada pelo juízo. 2. com relação à concessionária: a) seja determinado à concessionária ré que promova medidas administrativas e executórias que se fizerem necessárias e adequadas para desocupar a faixa de segurança do reservatório e remanescentes, inteiramente inserida em área de preservação permanente, na hipótese de não serem desocupadas espontaneamente pelos primeiros réus.; b) seja determinado à empresa concessionária ré, a execução, no prazo de 60 dias, de demarcação física das áreas abrangidas pela desapropriação (faixa de segurança do reservatório). 3. Com relação ao IBAMA e à MUNICIPALIDADE: a) seja determinado ao IBAMA que proceda a fiscalização do cumprimento das obrigações estabelecias nos itens anteriores; b) seja determinado ao IBAMA e à MUNICIPALIDADE que procedam vistoria no imóvel objeto dos autos e, no prazo de 60 dias a contar da citação, elaborem um laudo preliminar detalhado em que constem todos os elementos necessários para garantir a eficácia do provimento mencionado nos itens anteriores, evitando que seja procedida alteração na situação do imóvel; c) alternativamente ao pedido anterior, seja utilizado como parâmetro garantidor para a não realização de alterações no imóvel o termo firmado pelo IBAMA em razão da autuação do réu rancheiro e que se encontra anexo aos autos; d) Seja determinado ao IBAMA e à Municipalidade que, após a providência requerida no item anterior, procedam vistoria periódica no imóvel objeto dos autos, de modo a verificar se novas atividades antrópicas foram ou estão sendo desenvolvidas em APP, devendo tais vistorias ser realizadas em interstício máximo de 6 (seis) meses entre cada uma delas; e) Seja determinado ao IBAMA que, ao ser verificado que novas atividades antrópicas foram ou estão sendo desenvolvidas em APP, proceda a imediata autuação do infrator e comunicação formal do ocorrido nos autos deste processo; f) Q Seja determinado que AFIXEM, mantenham e conservem as placas alertando sobre os limites da APP, informando ainda que se trata de bem insuscetível de ocupação/utilização. 4. Com relação à UNIÃO FEDERAL: a) seja condenada à obrigação de proceder à fiscalização efetiva da execução do contrato de concessão firmado com a Companhia Energética de São Paulo - CESP, sob pena de responsabilização pessoal do administrador público, especialmente do fiscal/gestor do contrato administrativo; b) Caso inexista cláusula expressa no contrato de concessão firmado com a Companhia Energética de São Paulo - CESP que preveja a imposição de sanção, bem como a eventual dissolução da avença por descumprimento de seus termos, especialmente em virtude do uso nocivo/abusivo da propriedade/posse por parte da concessionária, seja compelida a ré a proceder a imediata revisão do ajuste, de modo que se faça constar expressamente tais previsões; d) Seja imposta multa diária para o período de omissão da ré em proceder as medidas requeridas nos itens anteriores. 5. Com relação a todos os réus, (id.212270676 - pág. 10/ 12): a) Sejam condenados os réus no pagamento de indenização quantificada em perícia ou por arbitramento deste Juízo Federal, correspondente aos danos ambientais que, no curso do processo, mostrarem-se técnica e absolutamente irrecuperáveis nas áreas de preservação permanente irregularmente utilizadas pelos réus, acrescidas de juros e correção monetária, a ser recolhida ao Fundo a que se refere o artigo 13 da Lei n. 7.347/85 (Ação Civil Pública). b) Seja imposta multa diária não inferior a R$ 3.000,00 (três mil reais), com fundamento no artigo 461, § 40, do Código de Processo Civil, para a hipótese de descumprimento das obrigações impostas nos itens acima; e Seja reconhecida e declarada a rescisão do contrato de concessão entre a concessionária de energia e o infrator por quebra de cláusula contratual - (preservação do meio ambiente) c) Seja aplicada multa diária pelo eventual descumprimento de qualquer das determinações judiciais anteriores, nunca inferior ao valor de R$ 1.000,00 (um mil reais), mas que deverão, ante à situação concreta, ser arbitrados criteriosamente por Vossa Excelência e ter o valor revertido nos termos da legislação de regência. O Ministério Público Federal aduziu acerca da possibilidade da UNIÃO FEDERAL quando da sua citação, vir a integrar o polo ativo da demanda, aplicando-se analogicamente o disposto no artigo 6º, § 3º, da Lei nº 4.717/65 ( Lei de Ação Popular). A União Federal manifestou interesse em integrar o polo ativo da demanda, sendo deferida sua inclusão, (ID. 212270677, pág. 1/23). A Autarquia Federal IBAMA requereu sua exclusão do polo passivo da demanda, com sua consequente inclusão no polo ativo, nos termos do artigo 2º, § 5º, da Lei nº 7.347/85, o que foi deferido, ( ID. 212270677 pág. 31/33). A r. sentença, integrada pela decisão dos aclaratórios, julgou improcedente o pedido de rescisão do contrato de concessão por inadimplemento contratual, na medida em que os danos ambientais causados, apesar de relevantes, não atingiram o núcleo da prestação do serviço de geração de energia elétrica, não implicaram descontinuidade do serviço e não causaram danos relevantes aos consumidores. Julgou parcialmente procedentes os pedidos, nos termos do artigo 487, I, do CPC para: i) declarar que a APP no imóvel desta lide, no que tange ao entorno da UHE de Ilha Solteira é área correspondente à distância entre o nível máximo operacional normal e a cota "maxima maximorum"; ii) determinar a destruição de qualquer intervenção antrópica existente dentro da APP do imóvel objeto da lide para fins de recuperação natural da vegetação nativa degradada; (iii) constituir a obrigação subsidiária exigível contra o Município, a CESP e o RIO PARANÁ de que, em caso de omissão pelos proprietários, procedam às suas próprias custas (assegurado o direito de regresso contra os proprietários) à destruição e remoção de qualquer intervenção antrópica existente dentro da APP; (iv) declarar prejudicado o pedido indenizatório a título de danos morais coletivos; (v) declarar improcedentes os demais pedido. Fixou o prazo de 60 dias para início de cumprimento das obrigações descritas no item ii, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 a contar do 61º dia após a intimação dos proprietários quanto ao teor da sentença. Condenação de todas as partes requeridas pro rata ao pagamento das custas e despesas processuais. Sem honorários, por se tratar de ação ajuizada pelo Ministério Público Federal, nos termos do artigo 128, § 5º, II, "a". Em sede de embargos de declaração determinou que o início do cumprimento da obrigação a cargo dos responsáveis subsidiários (CESP, RIO PARANÁ S/A e o MUNICÍPIO, deverá ocorrer no prazo de 60 dias, que somente será computado a partir de específica intimação acerca da inércia dos obrigados em caráter principal ao cumprimento de suas obrigações, nos termos do artigo 231, § 3º, do CPC e condenar os proprietários/possuidores (rancheiros) a franquear livre aceso dos responsáveis subsidiários à APP atinente ao imóvel para o cumprimento da obrigação subsidiária, bem assim para determinar que se abstenham de praticar quaisquer atos que obstem o cumprimento da obrigação subsidiária relativa à recuperação da área degradada, cientes de que poderá, sendo o caso, ser acionada força policial para o cumprimento da ordem. (ID. 212282276 e 212283447). O Ibama apresenta suas razões de apelação nos seguintes termos: em sede preliminar: a) deve haver a reunião de todas as ações civis públicas que versam sobre a demolição de construções e recuperação de APP no entorno da UHE de Ilha Solteira para julgamento conjunto a fim de se evitar decisões conflitante ou contraditórias; b) a adequação da decisão, nos termos do artigo 1009, § 1º, do CPC, para que se adeque às balizas interpretativas do artigo 62, da Lei nº 12.651/12. No mérito, pretende a reformulação da determinação genérica proferida na sentença para o fim de que: 1) no caso específico de ocupação antrópica até 22 de julho de 2008, aplica-se o artigo 62 do Código Florestal, ou seja, nessas áreas ocupadas, a faixa da àrea de Preservação Permanente será a distância entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum; 2) onde não tiver ocorrido ocupação antrópica até a data da ocupação antrópica até a data da consolidação 22/07/2008, a APP para a UHE Ilha Solteira foi definida no licenciamento como área compreendida entre a cota máxima normal de operação (320m) e o limite da área desapropriada para formação do empreendimento, totalizando 208,44 km2 de área com largura variável. Requer o reconhecimento da responsabilidade por danos ambientais de natureza solidária e não subsidiária, nos termos do artigo 3º , IV e 14, § 1º, da Lei nº 6.938/1981. Deixa matéria prequestionada, ( ID. 212283442). Apela o Ministério Público Federal, arguindo, em sede preliminar: reforma da decisão interlocutória, nos termos do artigo 1.009, § 1º, do CPC, para reconhecer a inaplicabilidade das disposições do novo Código Florestal que fixou o artigo 62 como marco normativo, isto porque quando de sua entrada em vigor, a presente ação já estar curso, ao argumento caracterizar um retrocesso ambiental, uma vez que sob a égide do Código Florestal de 1995 a área de preservação permanente ao redor dos reservatórios artificiais de água destinados à geração de energia elétrica era de 100 metros. NO mérito, pretende que todos os apelados sejam condenados de forma solidária na recomposição integral do dano ambiental causado na área atingida mediante o reflorestamento e a adoção de praticas de adequação ambiental, utilizando-se de técnicas de plantio e de manutenção da área e produtos não lesivos ao meio ambiente, que deverão estar devidamente previstos em planos de recuperação previamente aprovado pelos órgãos ambientais, bem como à responsabilidade solidária pelos danos ambientais, nos termos do artigos 3º, IV e 14, § 1º, ambos da Lei nº 6.938/1981, (ID. 212283449). A CESP - COMPANHIA ENERGÉTICA DE SÃO PAULO aponta em sede preliminar: a) nulidade de sentença, ante a condenação sem comprovação de dano além da ocorrência de ofensa ao contraditório e ampla defesa, por ausência de prova pericial, imprescindível para o deslinde da questão e cerceamento de defesa além de pedido de devolução dos autos ao juízo de origem, para que: (i) diante de fato noticiado, relativo às medidas já adotadas pela RPSA no processo de licenciamento ambiental da UHE Ilha Solteira, que a RPSA seja intimada para apresentar toda a documentação pertinente à regularização das áreas de APP e (ii) ainda havendo dúvidas acerca da existência de danos e ou regularização da área, seja determinada a realização da perícia já requerida e deferida; b) ilegitimidade e improcedência dos pedidos considerando que desde 2016 não é mais sua a titularidade da UHE Ilha Solteira, o que é reforçado pelos recentes documentos aos quais a CESP teve acesso, comprobatórios de que a RPSA já está realizando as recuperações das APPS em cumprimento de condicionante da licença de operação do empreendimento. Postula pelo impossibilidade de sua condenação justamente pela assunção integral das responsabilidades, obrigações e passivos da concessão pela Rio Paraná, o que ficou expresso no Edital do Leilão, Contrato de Concessão e na licença ambiental perante o Ibama. Exclusão de sua responsabilização, diante da aplicabilidade do artigo 7º, § 2º, da Lei Federal nº 12.651/2012 que dispõe que as obrigações ambientais possuem natureza propter rem, que deverá recair única e exclusivamente para a RPSA, culminando a improcedência dos pedidos em relação à apelante. Por fim, aponta ausência de sua omissão que possa justificar a sua condenação solidária com a RPSA, ( ID. 212283451). Apela a RIO PARANÁ S/A - RPESA, apontando em sede preliminar sua ilegitimidade passiva posto ter sido incluída no polo após a estabilização da lide e em razão de não haver qualquer imputação nos autos que lhe possa ser atribuída, inclusive pelo fato de sequer existir ao tempo dos fatos narrados na inicial e mesmo da época da propositura da ação pelo MPF. No mérito requer a improcedência da ação por ausentes os elementos caracterizadores da responsabilidade ambiental, já que não há conduta atribuível à RPESA , nem o nexo de causalidade possível com qualquer dano decorrente dos fatos narrados na inicial e a RPESA, bem como demonstração de dano, ( ID. 212283467). A União Federal, em seu recurso, afirma que a interpretação adotada na sentença para delimitação da APP incidente no imóvel dos autos previsto no artigo 62, da Lei nº 12.651/12, destoa do qaunto decidido pelo E. STF, portanto, em que pese o art. 62 da Lei n. 12.651/12 seja aplicável ao caso sub judice, o D. juízo a quo se equivocou ao desconsiderar que o mencionado dispositivo legal somente tem incidência nos casos de ocupação antrópica (área consolidada) ocorrida até 22/07/2008. Portanto, afigura-se legítimo e constitucional o marco temporal suscitado para a consolidação da faixa de APP em reservatório artificial, qual seja, 22 de julho de 2008, o qual tem por referência a data em que entrou em vigor o Decreto 6.514, de 22/07/2008, que dispõe sobre infrações ambientais e suas correspondentes sanções administrativas, data eleita como “marco zero” na gestão da política ambiental pátria, conforme atestado pelo Supremo Tribunal Federal. Alternativamente, em caso de não acolhimento da tese do marco temporal de 22/07/2008 – o que se admite apenas por argumentação – há que se adotar como marco a data de entrada em vigor da Lei nº 12.651/2012, sob pena de se permitir uma consolidação ad eternum das áreas de preservação permanente no entorno dos reservatórios artificiais que não foram efetivamente suprimidas, o que, por conseguinte, implicará em uma diminuição significativa da área de preservação permanente da UHE Ilha Solteira que, como visto, não se coaduna com o entendimento do STF, ( ID. 212283470). Apresentadas as contrarrazões , subiram os autos a esta Corte. Manifestou-se o MPF pelo provimento do recurso do Ministério Público Federal, pelo provimento parcial do recurso de apelação do IBAMA e pelo não provimento dos recursos da União, CESP e Rio Paraná, (Id. 251793955). É o relatório.
Advogado do(a) APELANTE: ALEXANDRE ABBY - SP303656-A
Advogados do(a) APELADO: DOUGLAS LUIZ DOS SANTOS - SP166979-N, ARNALDO DOS SANTOS - SP79986-N
Advogados do(a) APELADO: ADRIANA ASTUTO PEREIRA - SP389401-A, LARA PORTUGAL DA ROCHA - SP296822-A
Advogado do(a) APELADO: MILTON RICARDO BATISTA DE CARVALHO - SP139546-A
Advogado do(a) APELADO: ALEXANDRE ABBY - SP303656-A
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001322-79.2009.4.03.6124 RELATOR: Gab. 18 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO APE RUBINEIA, RIO PARANÁ ENERGIA S.A, INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, UNIÃO FEDERAL Advogados do(a) APELADO: DOUGLAS LUIZ DOS SANTOS - SP166979-N, ARNALDO DOS SANTOS - SP79986-N OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Trata-se de Ação Civil Pública em que o Ministério Público Federal pretende obter provimento jurisdicional que determine a recuperação de área de preservação permanente (APP) indevidamente utilizada e danificada, situada no loteamento denominado Rubaiá, no Município de Rubineia – SP, na margem do Rio Paraná, confrontando-se com o reservatório artificial (Reservatório da Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira), sendo proprietários os corréus Reinaldo Castellani e Carmélia Jorge Garcia Castellani. Preliminares Reunião das 500 Ações Civis Públicas ajuizadas. Anoto, por oportuno, que a presente ACP é uma, dentre as mais de 500, ajuizadas pelo Ministério Público Federal entre 2008 e 2012, para a recuperação de área de preservação permanente do entorno de UHE de Ilha Solteira. Os apelantes IBAMA e UNIÃO FEDERAL pretendem a reunião dos feitos conexos para julgamento conjunto, a fim de serem evitadas decisões conflitantes. No entanto, não há como prevalecer referida tese, posto que reunião de processos, no caso, ao invés de ser útil como se pretende, prejudicaria a instrução processual e a celeridade, dada a mencionada diversidade fática relacionada às diversas propriedades e seus diferentes proprietários, os quais tem cada um uma situação particular em relação à utilização do próprio imóvel em área de preservação permanente, o que poderá exigir instrução probatória diferenciada de acordo com o caso concreto, conforme já decidido por esta C. Corte Regional Federal, nos autos do processo nº 0001553-09.2009.4.03.6124, de lavra do Eminente relator Johonsom Di Salvo, entendimento o qual ratifico. Ilegitimidade passiva arguida pela CESP e pela Rio Paraná S/A Sobre a ilegitimidade passiva arguida tanto pela CESP como pela RIO PARANÁ ENERGIA S/A, referida questão já foi decidida por esta C. Corte Regional Federal, nos autos nº 0001553-09.2009.4.03.6124, cujo teor do acórdão, peço vênia para transcrever, quanto ao ponto, ratificando-o: "DANO AMBIENTAL NA ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE NO ENTORNO DO RESERVATÓRIO DA USINA HIDRELÉTRICA DE ILHA SOLTEIRA: DA CONCESSÃO DA UHE DE ILHA SOLTEIRA: a UHE de Ilha Solteira, localizada no Rio Paraná, entre os municípios de Ilha Solteira/SP e Selvíria/MS é a terceira maior usina de energia elétrica no Brasil e a maior no Estado de São Paulo. No ano de 1970, a concessão para exploração da UHE de Ilha Solteira foi outorgada à CESP pela União Federal, por meio do Decreto nº 67.066, de 17/8/1970, sendo prorrogada por mais 20 anos, de 8/7/1995 a 7/7/2015, pela Portaria nº 289/2004 do Ministério das Minas e Energia, que antecedeu o Contrato de Concessão nº 003/2004/ANEEL/CESP (processo nº 48500.005033/00-41). Em 2105, a empresa China Three Gorges Brasil Energia Ltda (CTG BRASIL) /Rio Paraná Energia S/A venceu o processo licitatório aberto pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), obtendo a concessão da UHE de Ilha Solteira por 30 anos, formalizada por meio do Contrato de Concessão nº 01/2016/MME (processo 48500.002243/2015-62), firmado em 5/1/2016. Ou seja, em 24/7/2009, quando essa ação civil pública foi ajuizada, a concessão da UHE de Ilha Solteira era da CESP e no decorrer da instrução, em 5/1/2016, passou à Rio Paraná Energia S/A. ILEGITIMIDADE PASSIVA SUSCITADA PELA CESP E PELA RIO PARANÁ ENERGIA S/A AFASTADA: não obstante a vasta argumentação dessas corrés, cada qual defendendo a sua ilegitimidade passiva, ambas devem responder a ação. O dano ambiental em questão iniciou-se e tomou corpo ao tempo da CESP. E a Rio Paraná Energia S/A, contratualmente, tornou-se responsável pela APP do entorno da UHE de Ilha Solteira e, nessa esteira, por eventual passivo ambiental. Acrescente-se que os deveres associados à APP, além de solidários, têm natureza propter rem, aderindo ao título de domínio ou posse (STJ - Súmula 623, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/12/2018, DJe 17/12/2018)." Com efeito, os deveres associados à área de Preservação Permanente tem natureza propter rem, portanto, adere ao título de domínio ou à posse, no caso dos autos o dano ambiental iniciou-se ao tempo da CESP, a qual fora sucedida em 05/01/2016, pela Rio Paraná S/A, a qual, por contrato, tornou-se responsável pela APP do entorno da UHE e nesta toada eventual passivo ambiental deverá ser imputada a ambas, as quais terão o dever de repará-lo. De outro lado, e pelos mesmos fundamentos, não se sustenta a tese de ilegitimidade da CESP, em decorrência de sucessão processual determinada. O art. 109 do CPC, repetindo o art. 42 do CPC de 1973, dispôs que “A alienação da coisa ou direito litigioso por ato entre vivos, a título particular, não altera a legitimidade das partes.” Assim, é possível concluir que a assinatura do contrato de concessão não tem o condão de alterar a natureza solidária da responsabilidade ambiental. No caso, evidentemente presente a pertinência subjetiva, já que a petição inicial descreve conduta da ré CESP para a ocorrência e perpetuação do alegado dano ambiental ocorrido na região sob sua responsabilidade contratual à época dos fatos, em APP, da qual mantinha o domínio, na forma do art. 14, §1º, da Lei nº 6938/81, o que se coaduna ainda que a previsão geral do art. 942 do Código Civil. Neste sentido a assunção da concessão da UHE Ilha Solteira pela Rio Paraná Energia S/A não enseja a exclusão da CESP do processo, mas a inclusão da nova concessionária, formando um litisconsórcio passivo entre proprietário, CESP e RPESA. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça segue nessa direção: "ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO DOS ARTS. 3o. E 267, VI DO CPC/1973, E ARTS. 186 E 927 DO CC/2002. NEXO CAUSAL DA CONDUTA. INVIABILIDADE DE ANÁLISE SEM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. REEXAME DA MOLDURA FÁTICO-PROBATÓRIA DOS AUTOS. ÓBICE DA SÚMULA 7 DA STJ. DEGRADAÇÃO DE ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SOLIDÁRIA ENTRE O POSSUIDOR E O PROPRIETÁRIO DO IMÓVEL. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. AGRAVO INTERNO DA EMPRESA A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Referente à violação dos arts. 3o. e 267, VI do CPC/1973, e arts. 186 e 927 do CC/2002, verifica-se que sequer foram analisados pelo Tribunal de origem, de modo que carecem de prequestionamento. Incide, no caso, o óbice da Súmula 211 do STJ. 2. Para alterar a conclusão a que chegou a Corte de origem quanto à existência do nexo de causalidade entre a conduta da empresa e o resultado danoso, seria necessário o reexame do contexto fático-probatório dos autos, circunstância que redundaria na formação de novo juízo acerca dos fatos, e não de valoração dos critérios jurídicos concernentes à utilização da prova e à formação da convicção. 3. Conforme jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, os deveres associados às Áreas de Preservação Permanente têm natureza de obrigação propter rem, ou seja, aderem ao título de domínio ou posse, podendo ser imputada tanto ao proprietário quanto ao possuidor, independentemente de quem tenha sido o causador da degradação ambiental (AgInt no AREsp. 1.031.389/SP, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe 27.3.2018; REsp. 1.622.512/RJ, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 11.10.2016). 4. Agravo Interno da Empresa a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 819.176/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/09/2018, DJe 01/10/2018) – grifou-se A fim de que não pairem quaisquer dúvidas, transcrevo o precedente nº 5009019-85.2021.4.03.0000, proferido pelo Desembargador Federal Johonsom Di Salvo, TRF3 - Sexta Turma, e-DJF3 Judicial 1 data:14/03/2022, em que mantida a legitimidade passiva “ad causam” da CESP e do Rio Paraná S/A: Nesse sentido: "AGRAVO DE INSTRUMENTO. ACP. DANO AMBIENTAL. UHE DE ILHA SOLTEIRA. SUCESSÃO PROCESSUAL INDEVIDA. CASO DE INTEGRAÇÃO À LIDE. LITISCONSÓRCIO PASSIVO FACULTATIVO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. AGRAVO INTERNO PREJUDICADO. 1. A UHE de Ilha Solteira, localizada no Rio Paraná, entre os municípios de Ilha Solteira/SP e Selvíria/MS é a terceira maior usina de energia elétrica no Brasil e a maior no Estado de São Paulo (www.aneel.gov.br). No ano de 1970, a concessão para exploração da UHE de Ilha Solteira foi outorgada à CESP pela UNIÃO FEDERAL, por meio do Decreto nº 67.066, de 17/8/1970, sendo prorrogada por mais 20 anos, de 8/7/1995 a7/7/2015, pela Portaria nº 289/2004 do Ministério das Minas e Energia, que antecedeu o Contrato de Concessão nº 003/2004/ANEEL/CESP (processo nº 48500.005033/00-41). 2. Em 2105, a empresa CHINA THREE GORGES BRASIL ENERGIA LTDA (CTG BRASIL) /RIO PARANÁ ENERGIA S/A venceu o processo licitatório aberto pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), obtendo a concessão da UHE de Ilha Solteira por 30 anos, formalizada por meio do Contrato de Concessão nº 01/2016/MME (processo 48500.002243/2015-62), firmado em 5/1/2016 (www.aneel.gov.br). Ou seja, em 29/10/2008, quando essa ação civil pública foi ajuizada, a concessão da UHE de Ilha Solteira era da CESP e no decorrer da instrução, em 5/1/2016, passou à RIO PARANÁ ENERGIA S/A. 3. Não obstante a vasta argumentação da agravante RIO PARANÁ, e da agravada, CESP - que inclusive interpôs agravo interno -, cada qual defendendo a sua ilegitimidade passiva, ambas devem responder a ação (ACPCiv nº 0001871-26.2008.4.03.6124). 4. O dano ambiental em questão iniciou-se e tomou corpo ao tempo da CESP. E a RIO PARANÁ ENERGIA S/A, contratualmente (Contrato de Concessão nº 01/2016-MME-UHEs Ilha Solteira e Jupiá), tornou-se responsável pela APP do entorno da UHE de Ilha Solteira e, nessa esteira, por eventual passivo ambiental. 5. Os deveres associados à APP, além de solidários, têm natureza propter rem, aderindo ao título de domínio ou posse, conforme entendimento sumulado pelo STJ (Súmula 623). 6. Caso de litisconsórcio passivo facultativo, competindo ao autor, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a opção de litigar em desfavor da CESP ou da RIO PARANÁ ENERGIA S/A ou de ambas. Ocorre que, na singularidade, há divergência entre a Procuradoria da República de Andradina - que concordou com a sucessão processual da CESP pela RIO PARANÁ ENERGIA - a Procuradoria Regional da República que oficia no presente recurso - que pede a manutenção de ambas (CESP e RIO PARANÁ) no polo passivo da ACP, em litisconsórcio. Concluo que a melhor solução, na singularidade, não é sucessão processual, e sim a integração à lide. Precedentes do STJ. 7. Como bem ressaltado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em debate semelhante (ApCiv nº 0001396-36.2009.4.03.6124), ainda que sobre a RIO PARANÁ ENERGIA S/A, na qualidade de nova concessionária da UHE de Ilha Solteira, recaiam as obrigações de fazer atuais e prospectivas, como a efetiva reparação do dano e a fiscalização da APP, sobre a CESP permanece a responsabilidade pela degradação ambiental havida na sua gestão. 8. Esta Corte, em casos análogos, já decidiu pela manutenção da CESP e da RIO PARANÁ ENERGIA S/A, no polo passivo. Precedentes. 9. Posicionamento inicial revisto, para afastar a sucessão processual deferida na decisão recorrida, cabendo a integração à lide da agravante - RIO PARANÁ ENERGIA S/A - em litisconsórcio passivo com a CESP. 10. Agravo de instrumento parcialmente provido. Prejudicado o agravo interno.(AGRAVO DE INSTRUMENTO ..SIGLA_CLASSE: AI 5009019-85.2021.4.03.0000 ..PROCESSO_ANTIGO: ..PROCESSO_ANTIGO_FORMATADO:, ..RELATORC:, TRF3 - 6ª Turma, Intimação via sistema DATA: 14/03/2022 ..FONTE_PUBLICACAO1: ..FONTE_PUBLICACAO2: ..FONTE_PUBLICACAO3:.)." Portanto, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva arguida pela CESP e pela RPESA. Da ofensa ao contraditório e cerceamento de defesa - Preclusão Nenhum cerceamento de defesa se configura à causa, pois, no presente caso, o ônus da prova foi invertido em desfavor dos proprietários do imóvel, sendo determinado, em despacho saneador, o adiantamento dos honorários periciais, sob pena de preclusão, com advertência de julgamento do processo no estado em que se encontrava. Não houve impugnação por nenhuma das partes, de tal forma que diante da inércia dos proprietários em recolher os honorários a perícia não foi realizada e a questão tornou-se acobertada pelo manto da preclusão. Além disso, a CESP, devidamente intimada, também não se opôs aos termos da decisão saneadora, portanto, não há que se falar em nulidade ou cerceamento de defesa. Nesse sentido: “PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. FGTS. PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL. PREJUDICIALIDADE PELA INÉRCIA DA EMBARGANTE. PAGAMENTO. ALEGAÇÕES GENÉRICAS. Não obstante a questão da não realização da perícia estar acobertada pela preclusão, a materialidade dos fatos está demonstrada pelos documentos juntados aos autos, permitindo julgamento adequado da causa e sem prejuízo para as partes. Com efeito, neste momento processual, a realização de perícia é diligência prescindível pois o dano em área de preservação permanente restou comprovado por meio do Auto de Infração nº 264209 - Série D, e especialmente pelo Laudo Técnico lavrado pelo IBAMA em que se constatou que o loteamento denominado Rubaiá, localizado no município de Rubinéia, na margem do Rio Paraná, confrontando-se como Reservatório da UHE Ilha Solteira, do qual os corréus são proprietários possui construção erguida nas coordenadas geográficas latitude 20º10'47"S e Longitude 51º00' 21"W, ou seja, construção de 672 m2, e a menos de 100 metros da margem, em área de preservação permanente, em contato direto com a cota máxima normal de operação do reservatório, ( ID 212280493 pág. 4/12 e 212280494). Além disso, as irregularidade foram descritas na inicial, quando o MPF fez menção a laudo ambiental em que se constatou as irregularidades de construção em APP, não contestado por nenhuma das partes, tratando-se, pois, de questão incontroversa, (ID. 212270675 - pág. 25). Confira-se: "1. a permanência das edificações e a utilização antrópica do local impede o restabelecimento da vegetação na APP ao redor do reservatório, podendo trazer novos danos ambientais decorrentes do lançamento de efluentes (esgotos) e da utilização do lago da usina sem o competente licenciamento ambiental; 2. a impermeabilização do solo com as edificações e pisos cimentados reduzem a capacidade de infiltração do solo e intensificam processos erosivos e de assoreamento na área de proteção permanente, além de propiciar a contaminação da água e do solo pro afluentes. 3. Como consequências do desmatamento e da antropização das áreas de preservação permanente sobrevieram danos inestimáveis ao meio ambiente, que seguramente afetaram espécies raras e especialmente protegidas pertencentes à fisionomia botânica e à fauna da região." Assim, entende-se pela desnecessidade de realização de perícia, que só procrastinaria o feito, uma vez que comprovada está a existência de dano ambiental em APP. Outrossim, as obrigações prospectivas de remoção e/ou recuperação das intervenções antrópicas existentes na APP poderá ser aferida quando da liquidação e cumprimento da sentença, nos termos do artigo 509 do CPC, realizando-se, acaso necessária, eventual perícia a fim de ser verificada a persistência da ilegalidade que deverá ser removida, nos termos do artigo 510 do mesmo Código, bem como a forma como o dano ambiental deverá ser reparado. Afastadas as preliminares, passo ao exame do mérito. As demais matérias levantadas pelos apelantes em preliminar confundem-se com o mérito, e com ele serão analisadas. Mérito: Da delimitação da área de preservação permanente No caso dos autos, a presente ação foi ajuizada no ano de 2009, ainda na vigência do antigo Código Florestal (Lei nº 4.771/1965). No entanto, desde 2012 está vigente o novo Código Florestal - Lei nº 12.621/2012, com substanciais alterações no que toca a delimitação das Áreas de Preservação Permanente. Além disso, no julgamento das ADIs nº 4.937/DF, 4.902/DF e 4.903/DF, juntamente com a ADC 42/DF, o STF declarou a constitucionalidade do novo Código Florestal. Porém, o Ministério Público pretende ver afastada a aplicabilidade das normas do novo Código Florestal, especificamente o artigo 62, aduzindo que esse firmou novos parâmetros para delimitação de APP no entorno dos reservatórios artificiais das usinas hidrelétricas e quando da propositura da presente Ação Civil Pública a legislação que permeava o tema era a Lei nº 4.771/65 que afirmava em seu artigo 2º, "b", e Resolução CONAMA nº 04/1985, que as APPS ao largo de reservatórios restariam delimitadas em 100 (cem metros). Afirma que o artigo 62 da Lei nº 12.651/2012 (Novo Código Florestal), em vigor a partir de 25 de maio de 2012, passou a considerar como área de preservação permanente no entorno dos reservatórios artificiais que foram registrados ou tiveram seus contratos de concessão ou autorização em data anterior a 25 de agosto de 2001 somente a faixa compreendida entre o nível máximo de operação até a cota máxima maximorum, assim compreendida como a faixa máxima alcançada pelo reservatório em períodos de grandes cheias. Aponta que o artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, e o art. 6º, caput e §§ 1º a 3º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, dispõem que a norma em vigor tem efeito imediato e geral, respeitando sempre o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. Assim, a irretroatividade da lei Entende inviável a aplicação do art. 62 do Código Florestal ao caso concreto, porque reduziria sobremaneira a área de preservação permanente ao redor da UHE de Ilha Solteira, caracterizando evidente retrocesso ambiental, uma vez que sob a égide do Código Florestal de 1965, a área de preservação permanente ao redor de reservatórios artificiais de água destinados à geração de energia elétrica era de 100 metros. Em outros termos, entende que aplicar a legislação atual ao presente caso seria admitir situação de retrocesso ambiental, o que é vedado em nossa ordem constitucional, devendo-se assegurar, portanto, a proteção ambiental de maior eficácia, em respeito ao direito adquirido ambiental. No entanto, deve ser mantida a aplicação das normas do novo Código Florestal, ou seja, da regra trazida pelo artigo 62, que firmou novos parâmetros para delimitação de APP no entorno dos reservatórios artificiais das usinas hidrelétricas, isto porque a validade constitucional do referido artigo foi firmada pelo STF nas supra mencionadas ADIs 4.901; 4902;4.903 e 4.937, e na ADC nº 42/DF, nos seguintes termos: "Ementa : DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO AMBIENTAL. ART. 225 DA CONSTITUIÇÃO. DEVER DE PROTEÇÃO AMBIENTAL. NECESSIDADE DE COMPATIBILIZAÇÃO COM OUTROS VETORES CONSTITUCIONAIS DE IGUAL HIERARQUIA. ARTIGOS 1º, IV; 3º, II E III; 5º, CAPUT E XXII; 170, CAPUT E INCISOS II, V, VII E VIII, DA CRFB. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL. JUSTIÇA INTERGERACIONAL. ALOCAÇÃO DE RECURSOS PARA ATENDER AS NECESSIDADES DA GERAÇÃO ATUAL. ESCOLHA POLÍTICA. CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS. IMPOSSIBILIDADE DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO. EXAME DE RACIONALIDADE ESTREITA. RESPEITO AOS CRITÉRIOS DE ANÁLISE DECISÓRIA EMPREGADOS PELO FORMADOR DE POLÍTICAS PÚBLICAS. INVIABILIDADE DE ALEGAÇÃO DE VEDAÇÃO AO RETROCESSO. NOVO CÓDIGO FLORESTAL. AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE E AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE JULGADAS PARCIALMENTE PROCEDENTES. 1. O meio ambiente é tutelado constitucionalmente pela regra matriz do artigo 225, caput, da Constituição, que dispõe que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. 2. O meio ambiente assume função dúplice no microssistema jurídico, na medida em que se consubstancia simultaneamente em direito e em dever dos cidadãos, os quais paralelamente se posicionam, também de forma simultânea, como credores e como devedores da obrigação de proteção respectiva. 3. O homem é parte indissociável do meio ambiente, uma vez que, por intermédio das interações genéticas biologicamente evolutivas que se sucederam nos últimos milhares de anos, o meio ambiente produziu a espécie humana, cuja vida depende dos recursos nele contidos. Nesse ponto, nem os mais significativos avanços tecnológicos permitirão ao homem, em algum momento futuro, dissociar-se do meio ambiente, na medida em que a atividade humana inventiva e transformadora depende da matéria nele contida, sob todas as suas formas, para se concretizar. 4. A capacidade dos indivíduos de desestabilizar o equilíbrio do conjunto de recursos naturais que lhes fornece a própria existência tem gerado legítimas preocupações, que se intensificaram no último século. Afinal, recursos naturais têm sido extintos; danos irreversíveis ou extremamente agressivos à natureza tornaram-se mais frequentes; disfunções climáticas são uma realidade científica; diversas formas de poluição se alastram pelos grandes centros, entre outras evidências empíricas do que se cognomina crise ambiental. Nesse ínterim, o foco no crescimento econômico sem a devida preocupação ecológica consiste em ameaça presente e futura para o progresso sustentável das nações e até mesmo para a sobrevivência da espécie humana. O homem apenas progride como ser biológico e como coletividade quando se percebe como produto e não como proprietário do meio ambiente. 5. A Declaração das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, editada por ocasião da Conferência de Estocolmo, em 1972, consistiu na primeira norma a reconhecer o direito humano ao meio ambiente de qualidade . 6. Por sua vez, a Conferência Eco-92, no Rio de Janeiro, introduziu o princípio do desenvolvimento sustentável , consubstanciado na necessária composição entre o crescimento socioeconômico e o uso adequado e razoável dos recursos naturais. Essa nova perspectiva demandou aos Estados a construção de políticas públicas mais elaboradas, atentas à gestão eficiente das matérias primas, ao diagnóstico e ao controle das externalidades ambientais, bem como ao cálculo de níveis ótimos de poluição. Todos esses instrumentos atendem a perspectiva intergeracional, na medida em que o desenvolvimento sustentável estabelece uma ponte entre os impactos provocados pelas gerações presentes e o modo como os recursos naturais estarão disponíveis para as gerações futuras. 7. A recente Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Natural (Rio+20), em 2012, agregou ao debate a ideia de governança ambiental global . 8. Paralelamente a esses marcos, são incontáveis os documentos internacionais bilaterais e multilaterais que tem disciplinado questões específicas do meio ambiente. Exemplificadamente, cito a Convenção para Prevenção da Poluição Marinha por Fontes Terrestres (1974), a Convenção para Proteção dos Trabalhadores contra Problemas Ambientais (1977), a Convenção sobre Poluição Transfronteiriça (1979), o Protocolo sobre Áreas Protegidas e Fauna e Flora (1985), a Convenção sobre Avaliação de Impacto Ambiental em Contextos Transfronteiriços (1991), a Convenção da Biodiversidade (1992), o Protocolo de Quioto (1997), dentre outros. 9. Essa movimentação política de âmbito global tem despertado os Estados nacionais e a coletividade para a urgência e a importância da causa ambiental. Comparativamente, 150 constituições atualmente em vigor tratam da proteção ao meio ambiente em seus textos. No Brasil, não obstante constituições anteriores tenham disciplinado aspectos específicos relativos a alguns recursos naturais (água, minérios etc), a Carta de 1988 consistiu em marco que elevou a proteção integral e sistematizada do meio ambiente ao status de valor central da nação. Não à toa, a comunidade internacional a apelidou de Constituição Verde , considerando-a a mais avançada do mundo nesse tema. 10. O caráter transnacional e transfronteiriço das causas e dos efeitos da crise ambiental demanda dos Estados, dos organismos internacionais e das instituições não governamentais, progressivamente, uma atuação mais articulada para transformar a preservação da natureza em instrumento de combate à pobreza e às desigualdades. 11. Por outro lado, as políticas públicas ambientais devem conciliar-se com outros valores democraticamente eleitos pelos legisladores como o mercado de trabalho, o desenvolvimento social, o atendimento às necessidades básicas de consumo dos cidadãos etc . Dessa forma, não é adequado desqualificar determinada regra legal como contrária ao comando constitucional de defesa do meio ambiente (art. 225, caput , CRFB), ou mesmo sob o genérico e subjetivo rótulo de retrocesso ambiental, ignorando as diversas nuances que permeiam o processo decisório do legislador, democraticamente investido da função de apaziguar interesses conflitantes por meio de regras gerais e objetivas. 12. Deveras, não se deve desprezar que a mesma Constituição protetora dos recursos ambientais do país também exorta o Estado brasileiro a garantir a livre iniciativa (artigos 1º, IV, e 170) e o desenvolvimento nacional (art. 3º, II), a erradicar a pobreza e a marginalização, a reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III; art. 170, VII), a proteger a propriedade (art. 5º, caput e XXII; art. 170, II), a buscar o pleno emprego (art. 170, VIII; art. 6º) e a defender o consumidor (art. 5º, XXXII; art. 170, V) etc . 13. O desenho institucional das políticas públicas ambientais suscita o duelo valorativo entre a tutela ambiental e a tutela do desenvolvimento, tendo como centro de gravidade o bem comum da pessoa humana no cenário de escassez. É dizer, o desenvolvimento econômico e a preservação do meio ambiente não são políticas intrinsecamente antagônicas. 14. A análise de compatibilidade entre natureza e obra humana é ínsita à ideia de desenvolvimento sustentável, expressão popularizada pelo relatório Brundtland, elaborado em 1987 pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento. A mesma organização eficiente dos recursos disponíveis que conduz ao progresso econômico, por meio da aplicação do capital acumulado no modo mais produtivo possível, é também aquela capaz de garantir o racional manejo das riquezas ambientais em face do crescimento populacional. Por conseguinte, a proteção ao meio ambiente, no contexto de um desenvolvimento sustentável, não equivale a uma visão estática dos bens naturais, que pugna pela proibição de toda e qualquer mudança ou interferência em processos ecológicos ou correlatos. A história humana e natural é feita de mudanças e adaptações, não de condições estáticas ou de equilíbrio. 15. A preservação dos recursos naturais para as gerações futuras não pode significar a ausência completa de impacto do homem na natureza, consideradas as carências materiais da geração atual e também a necessidade de gerar desenvolvimento econômico suficiente para assegurar uma travessia confortável para os nossos descendentes. 16. Meio ambiente e Desenvolvimento Econômico enceram conflito aparente normativo entre diversas nuances, em especial a justiça intergeracional, demandando escolhas trágicas a serem realizadas pelas instâncias democráticas, e não pela convicção de juízes, por mais bem-intencionados que sejam. (REVESZ, Richard L.; STAVINS, Robert N. Environmental Law. In : Handbook of Law and Economics . A. Mitchell Polinsky; Steven Shavell (ed.). V. 1. Boston: Elsevier, 2007. p. 507) 17. A Jurisdição Constitucional encontra óbice nos limites da capacidade institucional dos seus juízes, notadamente no âmbito das políticas públicas, cabendo ao Judiciário a análise racional do escrutínio do legislador, consoante se colhe do julgado da Suprema Corte Americana FCC v. Beach Communications , Inc. 508 U.S. 307 (1993), em que se consignou que a escolha do legislador não está sujeita ao escrutínio empírico dos Tribunais e pode se basear em especulações racionais não embasadas em provas ou dados empíricos ( Legislative choice is not subject to courtroom factfinding and may be based on rational speculation unsupported by evidence or empirical data ). 18. A capacidade institucional, ausente em um cenário de incerteza, impõe auto-contenção do Judiciário, que não pode substituir as escolhas dos demais órgãos dos Estado por suas próprias escolhas (VERMEULE, Adrian. Laws Abnegation . Cambridge: Harvard University Press, 2016. p. 130, 134-135) 19. O Princípio da vedação do retrocesso não se sobrepõe ao princípio democrático no afã de transferir ao Judiciário funções inerentes aos Poderes Legislativo e Executivo, nem justifica afastar arranjos legais mais eficientes para o desenvolvimento sustentável do país como um todo. 20. A propósito, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal demonstra deferência judicial ao planejamento estruturado pelos demais Poderes no que tange às políticas públicas ambientais. No julgamento do Recurso Extraordinário nº 586.224/SP (Rel. ministro Luiz Fux , julgamento em 05/03/2016), apreciou-se o conflito entre lei municipal proibitiva da técnica de queima da palha da cana-de-açúcar e a lei estadual definidora de uma superação progressiva e escalonada da referida técnica. Decidiu a Corte que a lei do ente menor, apesar de conferir aparentemente atendimento mais intenso e imediato ao interesse ecológico de proibir queimadas, deveria ceder ante a norma que estipulou um cronograma para adaptação do cultivo da cana-de-açúcar a métodos sem a utilização do fogo. Dentre os fundamentos utilizados, destacou-se a necessidade de acomodar, na formulação da política pública, outros interesses igualmente legítimos, como os efeitos sobre o mercado de trabalho e a impossibilidade do manejo de máquinas diante da existência de áreas cultiváveis acidentadas. Afastou-se, assim, a tese de que a norma mais favorável ao meio ambiente deve sempre prevalecer ( in dubio pro natura ), reconhecendo-se a possibilidade de o regulador distribuir os recursos escassos com vistas à satisfação de outros interesses legítimos, mesmo que não promova os interesses ambientais no máximo patamar possível. Idêntica lição deve ser transportada para o presente julgamento, a fim de que seja refutada a aplicação automática da tese de vedação ao retrocesso para anular opções validamente eleitas pelo legislador. 21. O Código Florestal ostenta legitimidade institucional e democrática, sendo certo que a audiência pública realizada nas presentes ações apurou que as discussões para a aprovação da Lei questionada se estenderam por mais de dez anos no Congresso Nacional. Destarte, no âmbito do Parlamento, mais de 70 (setenta) audiências públicas foram promovidas com o intuito de qualificar o debate social em torno das principais modificações relativas ao marco regulatório da proteção da flora e da vegetação nativa no Brasil. Consectariamente, além da discricionariedade epistêmica e hermenêutica garantida ao Legislativo pela Constituição, também militam pela autocontenção do Judiciário no caso em tela a transparência e a extensão do processo legislativo desenvolvido, que conferem legitimidade adicional ao produto da atividade do Congresso Nacional. 22. Apreciação pormenorizada das impugnações aos dispositivos do novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012): (a) Art. 3º, inciso VIII, alínea b , e inciso IX (Alargamento das hipóteses que configuram interesse social e utilidade pública ): As hipóteses de intervenção em áreas de preservação permanente por utilidade pública e interesse social devem ser legítimas e razoáveis para compatibilizar a proteção ambiental com o atendimento a outros valores constitucionais, a saber: prestação de serviços públicos (art. 6º e 175 da CRFB); políticas agrícola (art. 187 da CRFB) e de desenvolvimento urbano (art. 182 da CRFB); proteção de pequenos produtores rurais, famílias de baixa renda e comunidades tradicionais; o incentivo ao esporte (art. 217 da CRFB), à cultura (art. 215 da CRFB) e à pesquisa científica (art. 218 da CRFB); e o saneamento básico (artigos 21, XX, e 23, IX, da CRFB). O regime de proteção das áreas de preservação permanente (APPs) apenas se justifica se as intervenções forem excepcionais, na hipótese de inexistência de alternativa técnica e/ou locacional. No entanto, o art. 3º, inciso IX, alínea g , limitou-se a mencionar a necessidade de comprovação de alternativa técnica e/ou locacional em caráter residual, sem exigir essa circunstância como regra geral para todas as hipóteses. Essa omissão acaba por autorizar interpretações equivocadas segundo as quais a intervenção em áreas de preservação permanente é regra, e não exceção. Ademais, não há justificativa razoável para se permitir intervenção em APPs para fins de gestão de resíduos e de realização de competições esportivas estaduais, nacionais ou internacionais, sob pena de subversão da prioridade constitucional concedida ao meio ambiente em relação aos demais bens jurídicos envolvidos nos dispositivos respectivos; Conclusão : (i) interpretação conforme à Constituição aos incisos VIII e IX do artigo 3º da Lei n. 12.651/2012, de modo a se condicionar a intervenção excepcional em APP, por interesse social ou utilidade pública, à inexistência de alternativa técnica e/ou locacional à atividade proposta, e (ii) declaração de inconstitucionalidade das expressões gestão de resíduos e instalações necessárias à realização de competições esportivas estaduais, nacionais ou internacionais , do artigo 3º, VIII, b , da Lei n. 12.651/2012; (b) Art. 3º, XVII, e art. 4º, IV ( Exclusão das nascentes e dos olhos dágua intermitentes das áreas de preservação permanente): Interpretações diversas surgem da análise sistemática dos incisos I e IV do artigo 4º da Lei n. 12.651/2017. Embora o artigo 4º, inciso IV, apenas tenha protegido o entorno de nascentes e olhos dágua perenes , o art. 4º, inciso I, protege, como áreas de preservação permanente, as faixas marginais de qualquer curso dágua natural perene e intermitente , excluídos os efêmeros (grifo nosso). In casu , a polissemia abrange duas interpretações: a primeira inclui as nascentes e os olhos dágua intermitentes como APPs; a segunda os exclui. Assim, cabe ao STF selecionar a interpretação que melhor maximize a eficácia das normas constitucionais. Considerando que o art. 225, §1º, da Constituição Federal, determina que incumbe ao Poder Público preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e promover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas , a interpretação mais protetiva deve ser selecionada. O Projeto de Lei n. 350/2015 (Autoria do Dep. Fed. Sarney Filho), em trâmite perante a Câmara Federal, prevê alteração nesse sentido no novo Código Florestal. A proteção das nascentes e olhos dágua é essencial para a existência dos cursos dágua que deles se originam, especialmente quanto aos rios intermitentes, muito presentes em áreas de seca e de estiagem; Conclusão : interpretação conforme ao artigo 4º, inciso IV, da Lei n. 12.651/2017, com vistas a reconhecer que os entornos das nascentes e dos olhos d´água intermitentes configuram área de preservação permanente (APP); (c) Art. 3º, XIX (Alteração do conceito de leito regular): A legislação em vigor tão somente modificou o marco para a medição da área de preservação ambiental ao longo de rios e cursos dágua, passando a ser o leito regular respectivo, e não mais o seu nível mais alto. O legislador possui discricionariedade para modificar a metragem de áreas de preservação ambiental, na medida em que o art. 225, § 1º, III, da Constituição, expressamente permite que a lei altere ou suprima espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos ; Conclusão : declaração de constitucionalidade do art. 3º, XIX, do novo Código Florestal; (d) Art. 3º, parágrafo único (Extensão do tratamento dispensado à pequena propriedade ou posse rural familiar aos imóveis com até 4 módulos fiscais): O tamanho da propriedade em módulos fiscais é critério legítimo para a incidência das normas especiais sobre Áreas de Preservação Permanente e de Reserva Legal previstas nos artigos 52 e seguintes do novo Código Florestal, quanto mais quando em concurso com outras formalidades, como a inscrição no cadastro ambiental rural (CAR) e o controle e a fiscalização dos órgãos ambientais competentes. Ademais, o módulo fiscal não consiste em unidade de medida baseada apenas no tamanho da propriedade imobiliária, uma vez que reúne uma série de outros critérios socioeconômicos que, uma vez conjugados, atendem às noções de razoabilidade e de equidade atinentes às especificidades da agricultura familiar. Por outro lado, a exigência de demarcação de terras indígenas e da titulação das áreas de povos e comunidades tradicionais, como pressuposto para a aplicação do aludido regime especial, viola o art. 231 da CF e o art. 68 da ADCT. A demarcação e a titulação de territórios têm caráter meramente declaratório e não constitutivo , pelo que o reconhecimento dos direitos respectivos, inclusive a aplicação de regimes ambientais diferenciados, não pode depender de formalidades que nem a própria Constituição determinou, sob pena de violação da isonomia e da razoabilidade; Conclusão : Declaração de inconstitucionalidade das expressões demarcadas e tituladas , do art. 3º, parágrafo único, da Lei n. 12.651/2012; (e) Art. 4º, inciso III e §§ 1º e 4º (Áreas de preservação permanente no entorno de reservatórios artificiais que não decorram de barramento de cursos dágua naturais e de reservatórios naturais ou artificiais com superfície de até um hectare): As alegações dos requerentes sugerem a falsa ideia de que o novo Código Florestal teria extinto as APPs no entorno dos reservatórios dágua artificiais, decorrentes de barramento ou represamento de cursos dágua naturais. No entanto, esses espaços especialmente protegidos continuam a existir, tendo a lei delegado ao órgão que promover a licença ambiental do empreendimento a tarefa de definir a extensão da APP, consoante as especificidades do caso concreto. Essa opção legal evita os inconvenientes da solução one size fits all e permite a adequação da norma protetiva ao caso concreto. Por sua vez, a pretensão de constitucionalização da metragem de Área de Proteção Permanente estabelecida na lei revogada ofende o princípio democrático e a faculdade conferida ao legislador pelo art. 225, § 1º, III, da Constituição, segundo o qual compete à lei alterar, ou até mesmo suprimir, espaços territoriais especialmente protegidos. Pensamento diverso transferiria ao Judiciário o poder de formular políticas públicas no campo ambiental. Conclusão : Declaração de constitucionalidade do art. 4º, III e §§ 1º e 4º, do novo Código Florestal; (f) Art. 4º, § 5º (Uso agrícola de várzeas em pequenas propriedades ou posses rurais familiares): O dispositivo em referência admite o uso agrícola de várzeas na pequena propriedade ou posse rural familiar, assim entendida aquela explorada mediante o trabalho pessoal do agricultor familiar e empreendedor familiar rural, incluindo os assentamentos e projetos de reforma agrária, e que atenda ao disposto no art. 3º da Lei nº 11.326/2006. Não cabe ao Judiciário criar requisitos extras para a permissão legal já estabelecida, limitando os sujeitos beneficiados a comunidades tradicionais ou até mesmo proibindo a utilização de agrotóxicos. A possibilidade excepcional do uso agrícola de várzeas é compatível com a otimização da produtividade sustentável em consonância com realidade dos pequenos produtores do país, sendo a definição de requisitos gerais e abstratos tarefa a ser exercida, por excelência, pelo Poder Legislativo; Conclusão : Declaração da constitucionalidade do art. 4º, §5º, do novo Código Florestal; (g) Art. 4º, incisos I, II, e §6º (Permissão do uso de APPs à margem de rios e no entorno de lagos e lagoas naturais para implantar atividades de aquicultura: O uso de áreas de preservação permanente à margem de rios (art. 4º, I) e no entorno de lagos e lagoas naturais (art. 4º, II) para atividades de aquicultura não encontra óbice constitucional. O legislador estabeleceu rígidos critérios para a admissão da referida atividade, a serem perquiridos em concreto pelo órgão ambiental competente. Havendo autorização legal restrita a pequenas e médias propriedades, proibição a novas supressões de vegetação nativa, necessidade de inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR), exigência de compatibilidade com os respectivos planos de bacia ou planos de gestão de recursos hídricos, bem como imposição de práticas sustentáveis de manejo de solo e água e de recursos hídricos, é de concluir-se pela plena legitimidade do regime jurídico criado pelo novo Código Florestal, à luz do preceito constitucional que consagra a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente (art. 186, II, da CRFB); Conclusão : Declaração de constitucionalidade do art. 4º, § 6º, do novo Código Florestal; (h) Artigos 5º, caput e §§ 1º e 2º, e 62 (Redução da largura mínima da APP no entorno de reservatórios dágua artificiais implantados para abastecimento público e geração de energia): O estabelecimento legal de metragem máxima para áreas de proteção permanente no entorno de reservatórios dágua artificiais constitui legítima opção de política pública ante a necessidade de compatibilizar a proteção ambiental com a produtividade das propriedades contíguas, em atenção a imperativos de desenvolvimento nacional e eventualmente da própria prestação do serviço público de abastecimento ou geração de energia (art. 175 da CF). Por sua vez, a definição de dimensões diferenciadas da APP em relação a reservatórios registrados ou contratados no período anterior à MP nº 2166-67/2001 se enquadra na liberdade do legislador para adaptar a necessidade de proteção ambiental às particularidades de cada situação, em atenção ao poder que lhe confere a Constituição para alterar ou suprimir espaços territoriais especialmente protegidos (art. 225, § 1º, III). Trata-se da fixação de uma referência cronológica básica que serve de parâmetro para estabilizar expectativas quanto ao cumprimento das obrigações ambientais exigíveis em consonância com o tempo de implantação do empreendimento; Conclusão: Declaração de constitucionalidade dos artigos 5º, caput e §§ 1º e 2º, e 62, do novo Código Florestal; (i) Artigos 7º, § 3º, e 17, caput e § 3º (Desnecessidade de reparação de danos ambientais anteriores a 22.08.2008 para a obtenção de novas autorizações para suprimir vegetação em APPs e para a continuidade de atividades econômicas em RLs): o legislador tem o dever de promover transições razoáveis e estabilizar situações jurídicas consolidadas pela ação do tempo ao edificar novos marcos legislativos, tendo em vista que a Constituição da República consagra como direito fundamental a segurança jurídica (art. 5º, caput). O novo Código Florestal levou em consideração a salvaguarda da segurança jurídica e do desenvolvimento nacional (art. 3º, II, da CRFB) ao estabelecer uma espécie de marco zero na gestão ambiental do país, sendo, consectariamente, constitucional a fixação da data de 22 de julho de 2008 como marco para a incidência das regras de intervenção em Área de Preservação Permanente ou de Reserva Legal; Conclusão : Declaração de constitucionalidade do art. 7º, § 3º, e do art. 17, caput e § 3º, da Lei n. 12.651/2012 ( vencido o Relator ); (j) Art. 8º, § 2º (Possibilidade de intervenção em restingas e manguezais para a execução de obras habitacionais e de urbanização em áreas urbanas consolidadas ocupadas por população de baixa renda): Ao possibilitar a intervenção em restingas e manguezais para a execução de obras habitacionais e de urbanização em áreas urbanas consolidadas ocupadas por população de baixa renda, o legislador promoveu louvável compatibilização entre a proteção ambiental e os vetores constitucionais de erradicação da pobreza e da marginalização, e redução das desigualdades sociais (art. 3º, IV, da CRFB); de promoção do direito à moradia (art. 6º da CRFB); de promover a construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico (art. 23, IX, da CRFB); de combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos (art. 23, X, da CRFB); e de estabelecer política de desenvolvimento urbano para ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes (art. 182 da CRFB). Ademais, os empreendimentos respectivos devem sempre vir acompanhados de estudos de impacto ambiental e medidas compensatórias, além das medidas de fiscalização administrativa, consoante a determinação constitucional. Ante a previsão legal desses requisitos estritos e plenamente razoáveis, considerados os interesses em jogo, exige-se do Judiciário uma postura de autocontenção, em homenagem à função constitucionalmente garantida ao Legislativo para resolver conflitos de valores na formulação de políticas públicas. Conclusão : Declaração de constitucionalidade do artigo 8º, § 2º, do novo Código Florestal; (k) Art. 11 (Possibilidade de manejo florestal sustentável para o exercício de atividades agrossilvipastoris em áreas de inclinação entre 25 e 45 graus): A admissão do manejo florestal sustentável e do exercício de atividades agrossilvipastoris em áreas de inclinação entre 25° e 45° se insere na margem de discricionariedade do legislador, máxime quando estabelecidos critérios para a autorização dessas práticas, exigindo dos órgãos ambientais a fiscalização da observância de boas práticas agronômicas, bem como vedando a conversão de novas áreas para as atividades mencionadas. Além disso, a legislação anterior já admitia atividades extrativas nessas áreas de inclinação, estabelecendo como restrição apenas a cláusula aberta da utilização racional. Nesse particular, as atividades agrossilvipastoris, em aperfeiçoamento das práticas agrícolas ortodoxas, são destinadas à otimização das vocações produtivas e ambientais na atividade agrícola; Conclusão: Declaração de constitucionalidade do artigo 11 do novo Código Florestal; (l) Art. 12, §§ 4º e 5º (Possibilidade de redução da Reserva Legal para até 50% da área total do imóvel em face da existência, superior a determinada extensão do Município ou Estado, de unidades de conservação da natureza de domínio público e de terras indígenas homologadas): A redução excepcional e facultativa da área de Reserva Legal em face de existência de unidades de conservação da natureza de domínio público e terras indígenas homologadas acomoda o atendimento de diversos interesses igualmente salvaguardados pela Carta Magna, como a proteção do meio ambiente (art. 225), o reconhecimento dos direitos dos índios (art. 231), o desenvolvimento nacional (art. 3º, II), a redução das desigualdades regionais (art. 3º, III) e a preservação dos entes federativos menores (art. 18). O Judiciário não é órgão dotado de expertise ou legitimidade democrática para definir percentuais de espaços territoriais especialmente protegidos, à medida que o próprio art. 225, § 1º, III, da Constituição atribui essa definição ao Executivo e ao Legislativo. A redução da área de Reserva Legal ocorre em graduação deveras razoável: de 80% (oitenta por cento) para até 50% (cinquenta por cento). Quando o poder público estadual optar pela redução, deverá ouvir o Conselho Estadual de Meio Ambiente, órgão estadual responsável pela análise da viabilidade ecológica dessa iniciativa, e possuir Zoneamento Ecológico-Econômico aprovado. Relativamente aos Municípios, as normas impugnadas visam a possibilitar uma alternativa institucional de manutenção da viabilidade e autonomia da municipalidade que tenha sua área sensivelmente afetada por iniciativa dos Estados (mediante a criação de unidades de conservação estadual), ou da União (seja pela instituição de unidades federais de proteção ambiental, seja pela homologação de terras indígenas). Trata-se, a rigor, de uma cláusula legal que protege o ente municipal de indevida intervenção estadual para além das cláusulas taxativas do art. 35 do texto constitucional; Conclusão: Declaração de constitucionalidade do artigo 12, §§ 4º e 5º, do novo Código Florestal; (m) Art. 12, §§ 6º, 7º e 8º (Dispensa de reserva legal para exploração de potencial de energia hidráulica e construção ou ampliação de rodovias e ferrovias): Na hipótese, a dispensa de reserva legal resulta de opção do legislador amparada pelos benefícios gerados quanto à satisfação dos objetivos constitucionais de prestação de serviços de energia elétrica e de aproveitamento energético dos cursos de água (art. 21, XII, b, da CRFB), de exploração dos potenciais de energia hidráulica (art. 176 da CRFB), de atendimento do direito ao transporte (art. 6º da CRFB) e de integração das regiões do país (art. 43, § 1º, I). Ademais, o novo Código Florestal não afastou a exigência de licenciamento ambiental, com estudo prévio de impacto, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente (art. 225, § 1º, IV, da Constituição); Conclusão : Declaração da constitucionalidade do artigo 12, §§ 6º, 7º e 8º, do novo Código Florestal; (n) Art. 68 (Dispensa de os proprietários que realizaram supressão de vegetação nativa respeitando os percentuais da legislação revogada se adaptarem às regras mais restritivas do novo Código Florestal): A aplicação da norma sob a regra tempus regit actum para fins de definição do percentual de área de Reserva Legal encarta regra de transição com vistas à preservação da segurança jurídica (art. 5º, caput , da Constituição). O benefício legal para possuidores e proprietários que preservaram a vegetação de seus imóveis em percentuais superiores ao exigido pela legislação anterior, consistente na possibilidade de constituir servidão ambiental, Cota de Reserva Ambiental e outros instrumentos congêneres, traduz formato de política pública inserido na esfera de discricionariedade do legislador; Conclusão: Declaração de constitucionalidade do artigo 68 do Código Florestal; (o) Art. 13, § 1º (Possibilidade de redução da reserva legal para até 50% da área total do imóvel rural): A redução ou aumento da Reserva Legal pelo poder público federal, por indicação do Zoneamento Ecológico-Econômico estadual, para fins de regularização em imóveis com área rural consolidada na Amazônia Legal, valoriza as particularidades das áreas, com o intuito de fixar alternativas de uso e gestão que oportunizam as vantagens competitivas do território, contempladas variadas atividades de preservação e desenvolvimento em níveis nacional, regional e local; Conclusão: Declaração de constitucionalidade do artigo 13, § 1º, do novo Código Florestal; (p) Art. 15 (Possibilidade de se computar as Áreas de Preservação Permanente para cômputo do percentual da Reserva Legal, em hipóteses legais específicas): As Áreas de Preservação Permanente são zonas específicas nas quais se exige a manutenção da vegetação, como restingas, manguezais e margens de cursos dágua. Por sua vez, a Reserva Legal é um percentual de vegetação nativa a ser mantido no imóvel, que pode chegar a 80% (oitenta por cento) deste, conforme localização definida pelo órgão estadual integrante do Sisnama à luz dos critérios previstos no art. 14 do novo Código Florestal, dentre eles a maior importância para a conservação da biodiversidade e a maior fragilidade ambiental. Em regra, consoante o caput do art. 12 do novo Código Florestal, a fixação da Reserva Legal é realizada sem prejuízo das áreas de preservação permanente. Entretanto, a incidência cumulativa de ambos os institutos em uma mesma propriedade pode aniquilar substancialmente a sua utilização produtiva. O cômputo das Áreas de Preservação Permanente no percentual de Reserva Legal resulta de legítimo exercício, pelo legislador, da função que lhe assegura o art. 225, § 1º, III, da Constituição, cabendo-lhe fixar os percentuais de proteção que atendem da melhor forma os valores constitucionais atingidos, inclusive o desenvolvimento nacional (art. 3º, II, da CRFB) e o direito de propriedade (art. 5º, XXII, da CRFB). Da mesma forma, impedir o cômputo das áreas de preservação permanente no cálculo da extensão da Reserva Legal equivale a tolher a prerrogativa da lei de fixar os percentuais de proteção que atendem da melhor forma os valores constitucionais atingidos; Conclusão : Declaração de constitucionalidade do artigo 15 do Código Florestal; (q) Art. 28 (Proibição de conversão de vegetação nativa para uso alternativo do solo no imóvel rural que possuir área abandonada): A ausência de vedação específica à conversão para uso alternativo do solo em áreas subutilizadas ou mal utilizadas não ofende a Constituição, mercê de o legislador ter transferido ao órgão ambiental competente a tarefa de apreciar a forma de utilização do imóvel ao decidir sobre o requerimento de autorização para a referida conversão ; Conclusão : Declaração de constitucionalidade do artigo 28 do novo Código Florestal; (r) Arts. 44; 48, § 2º; e 66, §§ 5º e 6º (Cota de Reserva Ambiental CRA): A Cota de Reserva Ambiental (CRA) consiste em mecanismo de incentivos em busca da proteção ambiental, não se limitando às tradicionais e recorrentemente pouco efetivas regras de imposições e proibições ( command-and-control ), por meio da criação de ativos correspondentes à preservação dos recursos ecológicos, de modo que qualquer tipo de degradação da natureza passa também a ser uma agressão ao próprio patrimônio. As soluções de mercado ( market-based ) para questões ambientais são amplamente utilizadas no Direito Comparado e com sucesso, a exemplo do sistema de permissões negociáveis de emissão de carbono ( European Union Permission Trading System ETS ). Um grande caso de sucesso é o comércio internacional de emissões de carbono, estruturado em cumprimento aos limites de emissões fixados pelo Protocolo de Kyoto. A União Europeia, por exemplo, estabeleceu em 2005 um sistema de permissões negociáveis de emissão de carbono, especificando os limites que cada poluidor deve atender, os quais são reduzidos periodicamente ( European Union Permission Trading System ETS ). Ao final de cada ano, as companhias devem possuir permissões suficientes para atender às toneladas de dióxido de carbono e outros gases de efeito estufa emitidos, sob pena de pesadas multas. Dessa forma, a possibilidade de negociação ( cap-and-trade ) incentiva a redução de emissões como um todo e, ao mesmo tempo, possibilita que os cortes sejam feitos em setores nos quais isso ocorra com o menor custo. Nesse sentido, além de atender aos ditames do art. 225 da Constituição, no que se refere à proteção do meio ambiente, esse instrumento introduzido pelo novo Código Florestal também satisfaz o princípio da eficiência, plasmado no art. 37, caput , da Carta Magna. Por fim, a necessidade de compensação entre áreas pertencentes ao mesmo bioma, bem como a possibilidade de compensação da Reserva Legal mediante arrendamento da área sob regime de servidão ambiental ou Reserva Legal, ou, ainda, por doação de área no interior de unidade de conservação, são preceitos legais compatíveis com a Carta Magna, decorrendo de escolha razoável do legislador em consonância com o art. 5º, caput e XXIV, da Constituição; Conclusão : Declaração de constitucionalidade dos artigos 44, e 66, §§ 5º e 6º, do novo Código Florestal; Interpretação conforme a Constituição ao art. 48, §2º, para permitir compensação apenas entre áreas com identidade ideológica ( vencido o relator ); (s) Arts. 59 e 60 (Programas de Regularização Ambiental - PRAs): Os Programas de Regularização Ambiental (PRAs) promovem transição razoável entre sistemas legislativos, revelando técnica de estabilização e de regularização das situações jurídicas já utilizada em outras searas do Direito brasileiro que igualmente envolvem a proteção de bens jurídicos igualmente indisponíveis. Eventual mora dos entes federados na regulamentação dos PRAs deverá ser combatida pelas vias próprias, não fulminando de inconstitucionalidade a previsão do novo Código Florestal. Necessidade de resguardar a interrupção da prescrição punitiva durante a execução do PRA, mediante interpretação conforme dos dispositivos questionados. Conclusão: Interpretação conforme do artigo 59, §§4º e 5º, de modo a afastar, no decurso da atuação de compromissos subscritos nos Programas de Regularização Ambiental, o risco de decadência ou prescrição, seja dos ilícitos ambientais praticados antes de 22.07.2008, seja das sanções dele decorrentes, aplicando-se extensivamente o disposto no §1º do art. 60 da Lei 12.651/2012 ( vencido o relator ); Declaração de constitucionalidade do artigo 60 da Lei n. 12.651/2012 ( vencido o relator ); (t) Art. 66, § 3º (Possibilidade de plantio intercalado de espécies nativas e exóticas para recomposição de área de Reserva Legal): Não existem elementos empíricos que permitam ao Judiciário afirmar, com grau de certeza, que a introdução de espécies exóticas compromete a integridade dos atributos de áreas de Reserva Legal. Tampouco há provas científicas de que utilização de espécies exóticas para o reflorestamento de biomas sempre prejudica as espécies nativas ou causa desequilíbrio no habitat. A autorização legal para a recomposição de áreas de Reserva Legal com plantio intercalado de espécies pode ser justificada em diversas razões de primeira e de segunda ordem: pode ser que o conhecimento da composição original da floresta nativa seja de difícil apuração; a espécie exótica pode apresentar crescimento mais rápido, acelerando a recuperação da floresta; a literatura científica pode conferir mais certeza sobre as características da espécie exótica, como a sua interação com outras espécies ou resposta a pragas, em contraposição ao possível desconhecimento do comportamento da espécie nativa etc . Todos esses elementos devem ser considerados pelo órgão competente do Sisnama ao estabelecer os critérios para a recomposição da Reserva Legal, consoante o cronograma estabelecido pelo art. 66, § 2º, do novo Código Florestal. É defeso ao Judiciário, sob pena de nociva incursão em tarefa regulatória especializada, impor ao Administrador espécies de plantas a serem aplicadas em atividades de reflorestamento. Conclusão : Declaração de constitucionalidade do artigo 66, § 3º, do Código Florestal; (u) Arts. 61-A, 61-B, 61-C, 63 e 67 (Regime das áreas rurais consolidadas até 22.07.2008): O Poder Legislativo dispõe de legitimidade constitucional para a criação legal de regimes de transição entre marcos regulatórios, por imperativos de segurança jurídica (art. 5º, caput , da CRFB) e de política legislativa (artigos 21, XVII, e 48, VIII, da CRFB). Os artigos 61-A, 61-B, 61-C, 63 e 67 da Lei n. 12.651/2012 estabelecem critérios para a recomposição das Áreas de Preservação Permanente, de acordo com o tamanho do imóvel. O tamanho do imóvel é critério legítimo para definição da extensão da recomposição das Áreas de Preservação Permanente, mercê da legitimidade do legislador para estabelecer os elementos norteadores da política pública de proteção ambiental, especialmente à luz da necessidade de assegurar minimamente o conteúdo econômico da propriedade, em obediência aos artigos 5º, XXII, e 170, II, da Carta Magna, por meio da adaptação da área a ser recomposta conforme o tamanho do imóvel rural. Além disso, a própria lei prevê mecanismos para que os órgãos ambientais competentes realizem a adequação dos critérios de recomposição para a realidade de cada nicho ecológico; Conclusão : Declaração de constitucionalidade dos artigos 61-A, 61-B, 61-C, 63 e 67 do Código Florestal; (v) Art. 78-A (Condicionamento legal da inscrição no Cadastro Ambiental Rural CAR para a concessão de crédito agrícola): O condicionamento legal da inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR) para a concessão de crédito agrícola é um incentivo para que proprietários e possuidores de imóveis rurais forneçam informações ambientais de suas propriedades, a fim de compor base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento. Não há norma constitucional que proíba a concessão de crédito para agricultores sem inscrição em cadastro de cunho ambiental, enquadrando-se a implementação do aludido condicionamento em zona de discricionariedade legislativa; Conclusão : Declaração de constitucionalidade do artigo 78-A do Código Florestal. 23. Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 4901, 4902, 4903 e 4937 e Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 42 julgadas parcialmente procedentes. No mesmo sentido, aplicando a nova disposição codificada aos fatos pretéritos: "EMENTA: DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ADC 42, ADI 4.901, ADI 4.902, ADI 4.903 e ADI 4.937. CONSTITUCIONALIDADE DE DISPOSITIVOS DA LEI 12.651/2012. INEXISTÊNCIA DE QUESTÃO LEGAL OU INFRACONSTITUCIONAL DE CONFLITO DE LEIS NO TEMPO. 1. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento conjunto da ADC 42 e das ADIs 4.901; 4.902; 4.903 e 4.937, Rel. Min. Luiz Fux, analisou a constitucionalidade de dispositivos da Lei 12.651/2012. 2. A não aplicação desses dispositivos, sob o argumento de que o novo código não poderia alcançar fatos pretéritos, resulta esvaziamento da eficácia da referida norma, cuja validade constitucional foi afirmada por este Tribunal. 3. Agravo interno a que se nega provimento. Nesse sentido, a não aplicação de dispositivos da Lei nº 12.651/2012 sob o argumento de que o novo Código não poderia alcançar fatos pretéritos resultaria em esvaziamento da referida norma, cuja validade constitucional foi afirmada pelo STF. Ademais, julgar de forma diversa seria declarar obliquamente a inconstitucionalidade do Novo Código Florestal, decisão que abriria ensejos, perante o STF de Reclamação para restabelecimento da autoridade da matéria decidida na ADI. Nesta toada verifica-se que o entendimento do STF é claro quando declara a constitucionalidade do artigo 62 do Novo Código Florestal que estabelece nova regra para fins de apuração de metragem de APP nos seguintes termos: "Art. 62. Para os reservatórios artificiais de água destinados a geração de energia ou abastecimento público que foram registrados ou tiveram seus contratos de concessão ou autorização assinados anteriormente à Medida Provisória nº 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, a faixa da Área de Preservação Permanente será a distância entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum . Com efeito, esta Corte Regional tem decidido, com base no entendimento da E. Corte Superior, que o artigo 62 do Novo Código Florestal tem aplicação pretérita já que o dispositivo, cuja constitucionalidade foi declarada, em sua literalidade, define novos parâmetros às áreas de preservação permanente: “Para os reservatórios artificiais de água destinados a geração de energia ou abastecimento público que foram registrados ou tiveram seus contratos de concessão ou autorização assinados anteriormente à MP nº 2.166-67 de 2001”, sendo este o caso da UHE de Ilha Solteira, tendo em vista que esta foi outorgada à CESP por meio do Decreto nº 67.066, de 17/08/1970. Como supramencionado, a concessão da UHE de Ilha Solteira foi outorgada à CESP, à época sob a denominação Centrais Elétricas de São Paulo S/A, por meio do Decreto nº 67.066, de 17/8/1970, cuja concessão foi prorrogada por mais mais 20 anos pela Portaria MMe 289/2004, portanto, antes da MP 2.166-67 de 2001. Neste sentido deve ser aplicado, por força do caráter vinculante, o entendimento firmado pelo STF na ADI e na ADCS mencionadas. Marco temporal O IBAMA e a UNIÃO FEDERAL alegam que o artigo 62 da Lei nº 12.651/2012 só seria aplicável em áreas consolidadas até 22/7/2008, (ou seja, somente quando não delimitada anteriormente a APP), conforme previsto no caput do artigo 61-A do mesmo diploma legal e após esse marco temporal a faixa de APP a ser considerada é a definida no licenciamento ambiental do empreendimento, onde não houver ocupação antrópica, nos termos dos artigos 4º, III, e 5º, da Lei nº 12.651/2012, explicitando que outra interpretação equivaleria a um salvo conduto para novas invasões/edificações em APP de reservatórios artificiais, a qual também não deve prevalecer, por ausência de previsão legal. Defendem que o marco temporal para aplicação do art. 62 do Novo Código Florestal, seja a data de 22/07/2008, ou então, subsidiariamente, 28/05/2012 (data da entrada em vigor do novo Código Florestal). A discussão se limita, então, a incidir para fins da extensão da APP, se prevalece o artigo 5º, caput; ou o artigo 62, ambos do novo Código Florestal. Para tanto, o Juízo deve declarar o discrímen aplicável, a saber, se o marco temporal relativo ao registro do reservatório de água (ou a assinatura do contrato de concessão) se qualifica como anterior ou posterior à vigência da MP 2.166/2001 (24/08/2001). Vejamos o disposto nos artigos 4º, III, 5º e 61-A: “Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei: (...) III - as áreas no entorno dos reservatórios d’água artificiais, decorrentes de barramento ou represamento de cursos d’água naturais, na faixa definida na licença ambiental do empreendimento;” (...) “Art. 5º Na implantação de reservatório d’água artificial destinado a geração de energia ou abastecimento público, é obrigatória a aquisição, desapropriação ou instituição de servidão administrativa pelo empreendedor das Áreas de Preservação Permanente criadas em seu entorno, conforme estabelecido no licenciamento ambiental, observando-se a faixa mínima de 30 (trinta) metros e máxima de 100 (cem) metros em área rural, e a faixa mínima de 15 (quinze) metros e máxima de 30 (trinta) metros em área urbana.” (...) "Art. 61-A. Nas Áreas de Preservação Permanente, é autorizada, exclusivamente, a continuidade das atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em áreas rurais consolidadas até 22 de julho de 2008. (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012). (Vide ADIN Nº 4.937) (Vide ADC Nº 42) (Vide ADIN Nº 4.902) " No que diz respeito à Área de Preservação Permanente no entorno de reservatórios artificiais de água, o novo Código Florestal , no artigo 4º, III, artigo 5º, e no já mencionado artigo 62, previu três extensões distintas, a depender da circunstância fática: Artigo 4º, III: no entorno dos reservatórios d’água artificiais, decorrentes de barramento ou represamento de cursos d’água naturais, a faixa definida na licença ambiental do empreendimento. Artigo 5º: no entorno de reservatório d’água artificial destinado a geração de energia ou abastecimento público, conforme estabelecido no licenciamento ambiental, observando-se a faixa mínima de 30 (trinta) metros e máxima de 100 (cem) metros em área rural, e a faixa mínima de 15 (quinze) metros e máxima de 30 (trinta) metros em área urbana. Artigo 62: no entorno de reservatórios artificiais de água destinados a geração de energia ou abastecimento público que foram registrados ou tiveram seus contratos de concessão ou autorização assinados anteriormente à Medida Provisória 2.166-67/2001, a distância entre o nível máximo operativo normal e a cota “ maxima maximorum”. Especificamente no que toca aos reservatórios de água destinados à produção de energia que foram registrados ou tiveram concessões autorizadas antes de 24 de agosto de 2001 (início da vigência da MP 2.166/2001), a APP foi desde logo delimitada como sendo a faixa compreendida entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum, assim compreendida como a faixa máxima alcançada pelo reservatório em períodos de grandes cheias. No caso dos autos a assinatura do contrato de concessão da UHE de Ilha Solteira é anterior a 2001. Portanto, não subsiste as alegações no sentido de que o artigo 62 teria lugar somente quando não delimitada anteriormente a APP, ou seja, em áreas consolidadas até 22/07/2008, conforme previsto no artigo 61-A do mesmo Diploma Legal, ou em casos em que houvesse ocupações antrópicas na extensão geral do artigo 5º, caput e nos termos do artigo 4º, da Lei nº 12.651/2012. Isto porque a legislação é clara ao estabelecer, como único critério para aplicação da exceção à regra geral, o marco temporal da MP 2.661/2001, descabendo ao Poder Judiciário inovar e trazer critérios diversos do previsto legalmente para indicar a aplicação de um ou outro critério. O artigo 62 do Código Florestal não faz alusão ao marco temporal do artigo 61-A, em 22/07/2008, portanto referida data deve ser afastada. Ainda, não há que se falar em aplicação subsidiária a data da entrada em vigor do novo código florestal, qual seja, 28/05/2012, posto que o registro ou concessão da UHE de Ilha Solteira é anterior a 2001, exatamente nos termos do disposto no artigo 62. No mesmo contexto não há que se falar em interpretação de cunho generalista porque o imóvel em discussão é de propriedade de REINALDO CASTELLANI e CARMÉLIA JORGE GARCIA CASTELLANI, cuja construção foi erguida em área de preservação permanente em loteamento denominado Rubaiá, localizado no Município de Rubinéia, na margem do Rio Paraná, confrontando-se com o reservatório da UHE de Ilha Solteira, cujo imóvel fora adquirido em 1993, em que os danos ambientais foram constatados por meio do Auto de Infração 264209- Série D, lavrado pelo IBAMA. Do dano ambiental e suas consequências O meio ambiente ecologicamente equilibrado é bem comum de uso do povo, cabendo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo. A Constituição Federal trata da proteção ao meio ambiente em seu art. 225, in verbis: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. §1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e dos ecossistemas; II –preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; III –definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; (...) VII –proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade." (grifos nossos)" No que concerne às Áreas de Proteção Permanente, o Código Florestal, Lei 12.651/2012, em seu art. 4º, I, “c”, VI e VII, e artigo 62, estabelecem que, in verbis: “Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei: I - as faixas marginais de qualquer curso d’água natural, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de: a) 30 (trinta) metros, para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura; b) 50 (cinquenta) metros, para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura; c) 100 (cem) metros, para os cursos d’água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura; d) 200 (duzentos) metros, para os cursos d’água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura; e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros; (…) VI - as restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues; VII - os manguezais, em toda a sua extensão;” "Art. 62. Para os reservatórios artificiais de água destinados a geração de energia ou abastecimento público que foram registrados ou tiveram seus contratos de concessão ou autorização assinados anteriormente à Medida Provisória nº 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, a faixa da Área de Preservação Permanente será a distância entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum . A presente ação civil pública objetiva a restauração do equilíbrio ecológico em virtude da ocorrência de danos ao meio ambiente, ocasionados por interferência em área de preservação ambiental. Tais danos decorrem das construções irregulares pelos demandados, Sr. Reinaldo Castellani e Carmelia Jorge Garcia Castellani, denominados rancheiros. O suporte fático que ensejou a propositura da ação civil pública foi a constatação de construções irregulares não autorizadas em área de preservação permanente, descritas no auto de infração lavrado pelo Ibama no loteamento denominado "Rubaiá", localizado no Município de Rubinéia, na Margem do rio Paraná, confrontando-se com o reservatório da UHE Ilha Solteira. O imóvel em questão possui área total de 672 m² sobre Área de Preservação Permanente, sendo que o IBAMA notificou o proprietário da irregularidade da edificação, lavrando Auto de Infração nº264209/D e Comunicação de Crime (art. 48 da Lei de crimes ambientais), (ID. 212280493 - pág. 2/9 e 212804494 - pág. 7) . Importante de menção que as impugnações apresentadas em sede de contestação e em apelação, não são em relação à ausência do dano, como consequência, não há controvérsia nos autos quanto à existência de danos, ou dos limites legais do terreno, ficando inconteste que os rancheiros invadiram área de preservação permanente, consoante Auto de Infração e Laudo Técnico ambiental descrito na inicial. No que diz respeito à reparação do dano ao meio ambiente, o ordenamento jurídico pátrio agasalha a responsabilidade objetiva e impõe o dever de recomposição integral dos prejuízos por parte dos agentes infratores. A responsabilidade por dano ambiental, portanto, possui evidenciado caráter objetivo, sendo necessária a presença do nexo e do dano, independentemente do caráter volitivo do agente (dolo/culpa). Conforme disposto no § 3° do art. 225: "As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados" A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, nº 6.938/81, cujo art. 14, § 1º, afirma: "o poluidor é obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade". Por sua vez, o art. 3º, IV, da referida lei, define poluidor como “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental.” Já o art. 4º, VII, dispõe que a Política Nacional do Meio Ambiente visará “à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados, e ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos”. Consoante entendimento do STJ, o sistema jurídico de proteção ao meio ambiente, disciplinado em normas constitucionais (CF, art. 225, § 3º) e infraconstitucionais (Lei 6.938/81, arts. 2º e 4º), está fundado, entre outros, nos princípios da prevenção, do poluidor-pagador e da reparação integral. A Lei nº 6.938/81, recepcionada pelo texto constitucional de 1988, prevê a responsabilidade civil objetiva do infrator das normas ambientais, ao estabelecer que “é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade" Dos princípios da prevenção, do poluidor-pagador e da reparação integral decorrem, para os destinatários (Estado e comunidade), deveres e obrigações de variada natureza, comportando prestações pessoais, positivas e negativas (fazer e não fazer), bem como de pagar quantia (indenização dos danos insuscetíveis de recomposição in natura), prestações essas que não se excluem, mas, pelo contrário, se cumulam, se for o caso. (REsp 605323 / MG ; RECURSO ESPECIAL 2003/0195051-9 Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI). Ademais, ressalta-se que tal entendimento foi firmado pelo STJ por meio do rito previsto no art. 543-C, do CPC/73 (Recurso Especial Representativo de Controvérsia), no sentido de que “a responsabilidade por dano ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato” (...) (REsp 1374284/MG). A responsabilidade objetiva ambiental significa que quem danificar o ambiente tem o dever jurídico de repará-lo. Mister enfatizar que a obrigação de recuperar a degradação ambiental abrange aquele que é titular da propriedade do imóvel, mesmo que não seja de sua autoria a deflagração do dano, tendo em conta sua natureza propter rem (Neste sentido, v., p. ex., REsp 343.741/PR, Rel. Min. Franciulli Netto, DJU 7.10.2002; REsp 745.363/PR, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJU 18.10.2007; e REsp 453.875/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 11.11.2009). No caso dos autos, não há dúvidas sobre a ocorrência de dano ambiental, visto que as construções foram realizadas em APP, o que alterou as características do meio ambiente, por meio de degradação, razão pela qual é devida a indenização. Por oportuno, anoto que embora não tenha sido efetuada a perícia, conforme mencionado alhures, as construções em área de preservação permanente foram confirmadas, conforme amplamente demonstrado pelo Auto de Infração, portanto, o dano ambiental deve ser reparado e a extensão da intervenção em APP será apurada em sede de liquidação de sentença. Da solidariedade na reparação do dano ambiental A responsabilidade civil pela reparação dos danos ambientais adere à propriedade como obrigação propter rem, sendo possível cobrar do atual proprietário as condutas derivadas de danos provocados pelos proprietários antigos, sem prejuízo da cumulação de obrigações de indenizar, não fazer e fazer (Precedentes: STJ, 1ª Turma, AgRg no REsp 1.254.935, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 28.3.2014; STJ, 2ª Turma, REsp 1.227.139, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 13.4.2012). Conforme retro mencionado,, nos termos do art. 225, §3º, da Constituição Federal c/c art. 14, §1º e art. 3º, IV da Lei 6.938/81, havendo mais de um causador, todos responderão solidariamente pela reparação do meio ambiente. O laudo ambiental descrito na inicial pelo MPF constatou que, "a permanência das edificações e a utilização de antrópica do local impede o restabelecimento da vegetação na APP ao redor do reservatório, podendo trazer danos ambientais decorrentes do lançamento de efluentes (esgotos) e da utilização do lago da usina sem o competente licenciamento ambiental" Portanto, a ocorrência dos danos ambientais foram ocasionados por aqueles que, direta, ou indiretamente contribuíram para a degradação do meio ambiente. Os rancheiros por terem construído em área de preservação permanente, com degradação do solo, impedindo a regeneração das gramíneas e demais vegetação. O Município de Rubinéia por ter autorizado loteamento, inclusive com a edição de lei incentivando a edificação, em área sabidamente proibida e protegida pela legislação e Resolução do IBAMA. A CESP titular da concessão Pública na exploração econômica do reservatório, geradora de energia elétrica, por ter permitido o uso irregular de área de proteção permanente, não impedindo nem fiscalizando a obra dentro da área de preservação, sendo que o dano se iniciou ao seu tempo. O Rio Paraná Energia S/A por ter sucedido a CESP, respondendo da mesma forma que esta. Portanto, devem ser providas as apelações do MPF e do IBAMA para reconhecer a responsabilidade solidária de todos os corréus na reparação do dano ambiental. Do plano de recuperação ambiental No que pertine ao pedido subsidiário de aprovação de um Plano de Recuperação Ambiental (recuperação da área degradada), sob a orientação do IBAMA, tal pleito se mostra plenamente compatível com a natureza do dano causado ao meio ambiente, sob pena de ocorrer o agravamento de tal situação. Com efeito, a condenação do poluidor em obrigação de fazer conforme decidido em sentença "destruir e remover qualquer intervenção antrópica existente dentro da APP do imóvel objeto da lide, para fins de recuperação natural da vegetação nativa degradada", imposta diretamente aos rancheiros e, de maneira subsidiária, aos demais requeridos, não é suficiente para recuperar a área degradada, portanto, todos os requeridos devem ser condenados na recomposição da área afetada, mediante o reflorestamento e práticas de adequação ambiental devidamente definidos em projeto/plano de recuperação a ser apresentado pelos proprietários do imóvel e aprovação pelos órgãos ambientais, tal como requerido na petição inicial, portanto o recurso do MPF deve ser provido quanto ao ponto. Neste sentido: "AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL. CONSTRUÇÃO EM APP. DEGRADAÇÃO AMBIENTAL COMPROVADA. QUESTÕES ANALISADAS. OMISSÕES. VIOLAÇÃO DO ART. 535, II, DO CPC/73 NÃO CARACTERIZADA. OCUPAÇÃO EM APP. DEGRADAÇÃO AMBIENTAL CONSTATADA. EFETIVA REPARAÇÃO. NECESSIDADE. PRECEDENTES. I - Na origem, o Ministério Público do Estado de São Paulo ajuizou ação civil pública ambiental com o objetivo de compelir os réus na obrigação de não fazer obras em continuidade às já existentes em imóvel situado em APP, onde não teriam sido devidamente observadas as regras ambientais pertinentes, bem como na obrigação de reparar os danos já causados. II - As questões foram devidamente analisadas pelo Tribunal a quo, em decisão fundamentada, não se evidenciando as omissões apontadas, sendo de rigor o afastamento da apontada violação do art. 535 do CPC/73. III - O acórdão recorrido é claro ao reconhecer a ocupação em APP, bem como a existência de degradação ambiental na hipótese dos autos, não sendo o caso de incidência do óbice sumular n. 7/STJ. IV - Nos termos da jurisprudência firmada por esta Corte de Justiça, o princípio que rege as condenações por lesões ao meio ambiente é o da máxima recuperação do dano, não incidindo nessa situação, nenhuma excludente de responsabilidade. Precedentes: REsp n. 176.753/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 11/11/2009; RESP n. 1.374.284/MG. Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 11/12/2013, entre outros. V - Os réus devem ser condenados, também, à reparação integral dos danos ambientais relacionados à demolição de toda edificação em APP; à indenização pelos danos ambientais irreparáveis; e, à realização do abandono da APP do entorno do reservatório mantido pelo acórdão recorrido, efetuando-se o licenciamento com projeto de recuperação da área degradada. VI - Agravo conhecido, com o provimento do recurso especial. (AREsp 1093640/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/05/2018, DJe 21/05/2018) Ante o exposto, rejeito as preliminares e, no mérito, dou parcial provimento às apelações do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E DO IBAMA e nego provimento às apelações da UNIÃO FEDERAL, da CESP e do RIO PARANÁ ENERGIA S/A, tudo, nos termos da fundamentação. É como voto.
Advogados do(a) APELADO: DOUGLAS LUIZ DOS SANTOS - SP166979-N, ARNALDO DOS SANTOS - SP79986-N
Advogados do(a) APELADO: ADRIANA ASTUTO PEREIRA - SP389401-A, LARA PORTUGAL DA ROCHA - SP296822-A
Advogado do(a) APELADO: MILTON RICARDO BATISTA DE CARVALHO - SP139546-A
Advogado do(a) APELADO: ALEXANDRE ABBY - SP303656-A
1. Oportunizada à embargante depositar os honorários periciais provisórios para iniciar a produção da perícia, à qual se quedou inerte, caracteriza a preclusão frente ao ônus processual que lhe é imposto legalmente. Não caracterização de cerceamento de defesa.
...”
(TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1283935 - 0006402-54.2003.4.03.6182, Rel. JUÍZA CONVOCADA LOUISE FILGUEIRAS, julgado em 06/02/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:13/02/2017 )."
nova é regra no silêncio da lei, mas poderá haver retroatividade, se expressa, e não ofender direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada.
(ADC 42, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 28/02/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-175 DIVULG 12-08-2019 PUBLIC 13-08-2019)."
(ARE 1322337 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 11/11/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-235 DIVULG 26-11-2021 PUBLIC 29-11-2021)"
E M E N T A
AÇÃO CIVIL PÚBLICA – AMBIENTAL – JULGAMENTO CONJUNTO. REUNIÃO DAS 500 AÇÕES CIVIS PÚBLICAS. IMPOSSIBILIDADE. INOCORRÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA – LEGITIMIDADE PASSIVA DA CESP E DA RIO PARANÁ ENERGIA S/A. – NOVO CÓDIGO FLORESTAL, LEI 12.651/2012 INCIDÊNCIA DO ARTIGO 62. VALIDADE CONSTITUCIONAL DO REFERIDO ARTIGO FIRMADA PELO STF NAS ADIS 4.901 4.902 4.903. 4.937 E NA ADC 42/DF - RESERVATÓRIOS ARTIFICIAIS DE ÁGUA DESTINADOS A GERAÇÃO DE ENERGIA OU ABASTECIMENTO PÚBLICO QUE FORAM REGISTRADOS OU TIVERAM SEUS CONTRATOS DE CONCESSÃO OU ATORIZAÇÃO ASSINADOS ANTERIORMENTE À MP 2.166-67 DE 2001. USINA HIDRELÉTRICA DE ILHA SOLTEIRA OUTORGADO À CESP POR MEIO DO DECRETO 67.066/1970.UTILIZAÇÃO DE ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE ENTORNO DO RESERVATÓRIO DA USINA HIDRELÉTRICA DE ILHA SOLTEIRA, NO MUNICÍPIO DE RUBINÉIA-SP - LOTEAMENTO RUBAÍÁ. DANO AMBIENTAL CONFIGURADO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. PLANO DE RECUPERAÇÃO AMBIENTAL.
1. Não há como prevalecer a tese de reunião das mais de 500 Ações Civis Pública, posto que a reunião de processos, no caso, ao invés de ser útil como se pretende, prejudicaria a instrução processual e a celeridade, dada a mencionada diversidade fática relacionada às diversas propriedades e seus diferentes proprietários, os quais tem cada um uma situação particular em relação à utilização do próprio imóvel em área de preservação permanente, o que poderá exigir instrução probatória diferenciada de acordo com o caso concreto, conforme já decidido por esta C. Corte Regional Federal, nos autos do processo nº 0001553-09.2009.4.03.6124, de lavra do Eminente relator Johonsom Di Salvo.
2.Legitimidade passiva da CESP e da Empresa Rio Paraná Energia S/A, questão já decidida por esta C. Corte Regional Federal, nos autos nº 0001553-09.2009.4.03.6124. A assunção da concessão da UHE Ilha Solteira pela Rio Paraná S/A não enseja a exclusão da CESP do processo, mas a inclusão da nova concessionária, formando um litisconsórcio passivo entre proprietário, CESP e RPESA.
3. Nenhum cerceamento de defesa se configura à causa, porque despicienda a produção de prova pericial neste momento processual. No presente caso o ônus da prova foi invertido em desfavor dos proprietários do imóvel, sendo determinado, em despacho saneador, o adiantamento dos honorários periciais, sob pena de preclusão, com advertência de julgamento do processo no estado em que se encontrava. Não houve impugnação por nenhuma das partes, de tal forma que diante da inércia dos proprietário em recolher os honorários, a perícia não foi realizada e a questão tornou-se acobertada pelo manto da preclusão. Além disso, a CESP, devidamente intimada, não se opôs aos termos da decisão saneadora, portanto, não há que se falar em nulidade ou cerceamento de defesa.
4. Não obstante a realização da perícia estar acobertada pela preclusão, neste momento processual é diligência prescindível pois o dano em área de preservação permanente restou comprovado por meio do Auto de Infração nº 264209 - Série D, e especialmente pelo Laudo Técnico lavrado pelo IBAMA em que se constatou que o loteamento denominado Rubaiá, localizado no município de Rubinéia, na margem do Rio Paraná, confrontando-se como Reservatório da UHE Ilha Solteira, do qual os corréus são proprietários possui construção erguida nas coordenadas geográficas latitude 20º10'47"S e Longitude 51º00' 21"W, ou seja, construção de 672 m2, e a menos de 100 metros da margem, em área de preservação permanente, em contato direto com a cota máxima normal de operação do reservatório.
5. As obrigações prospectivas de remoção/recuperação das intervenções antrópicas existentes na APP poderá ser aferida quando da liquidação e execução da sentença, nos termos do artigo 509 do CPC, realizando-se, acaso necessária, a mencionada perícia, a fim de ser verificada a persistência da ilegalidade que deverá ser removida, nos termos do artigo 510 do mesmo código, bem como a forma como o dano ambiental deverá ser reparado.
6. Aplicação das normas do novo Código Florestal, ou seja, da regra trazida pelo artigo 62, que firmou novos parâmetros para delimitação de APP no entorno dos reservatórios artificiais das usinas hidrelétricas, isto porque a validade constitucional do referido artigo foi firmada pelo STF nas supra mencionadas ADIs 4.901; 4902;4.903 e 4.937, e na ADC nº 42/DF.
7. Esta E. Corte Regional tem decidido, com base no entendimento da Corte Superior, que o artigo 62 do Novo Código Florestal tem aplicação pretérita já que o dispositivo, cuja constitucionalidade foi declarada, em sua literalidade, define novos parâmetros às áreas de preservação permanente: “Para os reservatórios artificiais de água destinados a geração de energia ou abastecimento público que foram registrados ou tiveram seus contratos de concessão ou autorização assinados anteriormente à MP nº 2.166-67 de 2001”, sendo o caso da UHE de Ilha Solteira, tendo em vista que esta foi outorgada à CESP por meio do Decreto nº 67.066, de 17/08/1970.
8. A tese do IBAMA e a UNIÃO FEDERAL em que o artigo 62 da Lei nº 12.651/2012 só seria aplicável em áreas consolidadas até 22/7/2008, (ou seja, somente quando não delimitada anteriormente a APP), conforme previsto no caput do artigo 61-A do mesmo diploma legal e após esse marco temporal a faixa de APP a ser considerada é a definida no licenciamento ambiental do empreendimento, onde não houver ocupação antrópica, nos termos dos artigos 4º, III, e 5º, da Lei nº 12.651/2012, explicitando que outra interpretação equivaleria a um salvo conduto para novas invasões/edificações em APP de reservatórios artificiais, deve ser rechaçada, por ausência de previsão legal.
9. Especificamente no que toca aos reservatórios de água destinados à produção de energia que foram registrados ou tiveram concessões autorizadas antes de 24 de agosto de 2001 (início da vigência da MP 2.166/2001), a APP foi desde logo delimitada como sendo a faixa compreendida entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum, assim compreendida como a faixa máxima alcançada pelo reservatório em períodos de grandes cheias. No caso dos autos a assinatura do contrato de concessão da UHE de Ilha Solteira é anterior a 2001, portanto plenamente aplicável os termos do artigo 62 do Código Florestal.
10. Não subsiste as alegações no sentido de que o artigo 62 teria lugar somente quando não delimitada anteriormente a APP, ou seja, em áreas consolidadas até 22/07/2008, conforme previsto no artigo 61-A do mesmo Diploma Legal, ou em casos em que houvesse ocupações antrópicas na extensão geral do artigo 5º, caput e nos termos do artigo 4º, da Lei nº 12.651/2012. Isto porque a legislação é clara ao estabelecer, como único critério para aplicação da exceção à regra geral, o marco temporal da MP 2.661/2001, descabendo ao Poder Judiciário inovar e trazer critérios diversos do previsto legalmente para indicar a aplicação de um ou outro critério.
11. O artigo 62 do Código Florestal não faz alusão ao marco temporal do artigo 61-A, em 22/07/2008, portanto referida data deve ser afastada.
12. O marco temporal relativo ao registro do reservatório de água (ou a assinatura do contrato de concessão) se qualifica como anterior à vigência da MP 2.166/2001 (24/08/2001). Não há que se falar em aplicação subsidiária a data da entrada em vigor do novo código florestal, qual seja, 28/05/2012, posto que o registro ou concessão da UHE de Ilha Solteira é anterior a 2001, exatamente nos termos do disposto no artigo 62.
13. Não há que se falar em interpretação de cunho generalista porque o imóvel em discussão é de propriedade de REINALDO CASTELLANI e CARMÉLIA JORGE GARCIA CASTELLANI, cuja construção foi erguida em área de preservação permanente em loteamento denominado Rubaía, localizado no Município de Rubinéia, na margem do Rio Paraná, confrontando-se com o reservatório da UHE de Ilha Solteira, cujo imóvel fora adquirido em 1993, e os danos ambientais foram constatados por meio do Auto de Infração 264209- Série D, lavrado pelo IBAMA.
14. Consoante entendimento do STJ, o sistema jurídico de proteção ao meio ambiente, disciplinado em normas constitucionais (CF, art. 225, § 3º) e infraconstitucionais (Lei 6.938/81, arts. 2º e 4º), está fundado, entre outros, nos princípios da prevenção, do poluidor-pagador e da reparação integral.
15. Dos princípios da prevenção, do poluidor-pagador e da reparação integral decorrem, para os destinatários (Estado e comunidade), deveres e obrigações de variada natureza, comportando prestações pessoais, positivas e negativas (fazer e não fazer), bem como de pagar quantia (indenização dos danos insuscetíveis de recomposição in natura), prestações essas que não se excluem, mas, pelo contrário, se cumulam, se for o caso. (REsp 605323 / MG ; RECURSO ESPECIAL 2003/0195051-9 Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI).
16. A responsabilidade objetiva ambiental significa que quem danificar o ambiente tem o dever jurídico de repará-lo.
17. No caso dos autos não há dúvidas sobre a ocorrência de dano ambiental, visto que as construções foram realizadas em APP, o que alterou as características do meio ambiente, por meio de degradação, razão pela qual é devida a indenização. Por oportuno, embora não tenha sido efetuada a perícia, as construções em área de preservação permanente foram confirmadas, conforme amplamente demonstrado pelo Auto de Infração, portanto, o dano ambiental deve ser reparado e a extensão da intervenção em APP será apurada em sede de liquidação de sentença.
18. A responsabilidade civil pela reparação dos danos ambientais adere à propriedade como obrigação propter rem, sendo possível cobrar do atual proprietário as condutas derivadas de danos provocados pelos proprietários antigos, sem prejuízo da cumulação de obrigações de indenizar, não fazer e fazer (Precedentes: STJ, 1ª Turma, AgRg no REsp 1.254.935, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 28.3.2014; STJ, 2ª Turma, REsp 1.227.139, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 13.4.2012).
19. Nos termos do art. 225, §3º, da Constituição Federal c/c art. 14, §1º e art. 3º, IV da Lei 6.938/81, havendo mais de um causador, todos responderão solidariamente pela reparação do meio ambiente. Os rancheiros por terem construído em área de preservação permanente, com degradação do solo, impedindo a regeneração das gramíneas e demais vegetação. O Município de Rubinéia por ter autorizado o loteamento, inclusive com a edição de lei incentivando a edificação, em área sabidamente proibida e protegida pela legislação e Resolução do IBAMA. A Cesp, titular da concessão Pública na exploração econômica do reservatório, geradora de energia elétrica, por ter permitido o uso irregular de área de proteção permanente, não impedindo nem fiscalizando a obra dentro da área de preservação, sendo que o dano se iniciou ao seu tempo. O Rio Paraná Energia S/A por ter sucedido a CESP, respondendo da mesma forma que esta.
20. Todos os requeridos devem ser condenados na recomposição da área afetada, mediante o reflorestamento e práticas de adequação ambiental devidamente definidos em projeto/plano de recuperação a ser apresentado pelos proprietários do imóvel e aprovação pelos órgãos ambientais, tal como requerido na petição inicial.
21. Preliminares rejeitadas. Parcial Provimento às apelações do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e do IBAMA e negado provimento às apelações da UNIÃO FEDERAL, da CESP e do RIO PARANÁ ENERGIA S/A.