MANDADO DE SEGURANÇA CRIMINAL (1710) Nº 5010254-53.2022.4.03.0000
RELATOR: Gab. DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
IMPETRANTE: UNIÃO FEDERAL
IMPETRADO: DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES - QUINTA TURMA
OUTROS PARTICIPANTES:
MANDADO DE SEGURANÇA CRIMINAL (1710) Nº 5010254-53.2022.4.03.0000 RELATOR: Gab. DES. FED. THEREZINHA CAZERTA IMPETRANTE: UNIÃO FEDERAL IMPETRADO: DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES - QUINTA TURMA OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de mandado de segurança “em face de ato ilegal praticado pela 5ª TURMA DA 4ª SEÇÃO DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO, nos autos do agravo em execução nº 5007.204.95.2021.403.6000, o qual, no sentir desse signatário, violou direito líquido e certo da impetrante insculpidos no art. 5º, caput, c/c art. 144, todos das Constituição Federal, art. 52, § 5º, da Lei de Execuções Penais e Lei 11.671/2008”, buscando-se “tutelar o direito líquido e certo da União de vedar o ingresso de visitantes com aplique ou alongamento de cabelo em Estabelecimento Penal Federal de Segurança Máxima sito em Campo Grande/MS, nos moldes do disposto no art. 23, § 1º, da Portaria GAB-DEPEN/ DEPEN/MJSP nº 22, de 01 de fevereiro de 2021” (Id. 255847414). Despacho de Id. 255954426, in verbis: 1) Retifique-se o polo passivo, para que passe a constar como impetrado o Desembargador Federal Paulo Fontes, prolator do voto condutor e redator do acórdão objeto deste mandado de segurança (Id. 255847606). 2) Previamente à análise tanto do pleito liminar formulado na petição inicial dos presentes autos, em que requerido “seja concedida tutela de urgência para determinar, liminarmente, a suspensão da eficácia do acórdão da 5ª TURMA DA 4ª SEÇÃO DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO, que permitiu a entrada de visitante de custodiado com prótese capilar, aplique ou mega hair, no estabelecimento penal de segurança máxima em Campo Grande/MS” (Id. 255847414); quanto da própria viabilidade da impetração, solicitem-se, nos termos do inciso I do art. 7.º da Lei n.º 12.016/2009, informações à autoridade apontada como coatora, oportunizando-se, outrossim, “ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada, enviando-lhe cópia da inicial sem documentos, para que, querendo, ingresse no feito” (inciso II do dispositivo a que se fez menção). Com o retorno, façam-se imediatamente conclusos os autos. Outros Documentos, Id. 256299709 – “Juntada de Informações prestadas”, de teor abaixo reproduzido o ofício subscrito pelo Desembargador Federal Paulo Fontes (Id. 256299717): Excelentíssima Senhora Desembargadora: Em atenção ao ofício enviado, presto a Vossa Excelência as informações solicitadas. Trata-se de Agravo em Execução Penal nº 5007204-95.2021.4.03.6000 interposto por Fabrício Santos da Silva contra decisão proferida pelo Juízo da 5ª Vara Federal de Campo Grande/MS que indeferiu requerimento para que a companheira do recorrente possa visitá-lo sem a necessidade de retirada de prótese capilar de que faz uso. Alegou em síntese: a) o recorrente ingressou no Sistema Penitenciário Federal de Campo Grande em 09.11.20, oriundo do Rio Grande do Sul; b) por estar distante da família, apenas sua companheira Marcieli Lazzarotto da Silva cadastrou-se como visitante, junto com o filho menor de idade; c) a companheira do recorrente é portadora de doença inflamatória crônica e faz uso de medicamentos cujo efeito colateral é a alopecia, razão pela qual tem prótese capilar (Mega Hair); d) a Portaria GAB-DEPEN/ DEPEN/MJSP n. 22/2021, que regulamenta os procedimentos de visita aos presos custodiados no Sistema Penitenciário Federal, veda o ingresso de visitantes com qualquer tipo de aplique ou alongamento de cabelo; e) a retirada da prótese capilar quando das visitas ao recorrente agrava o quadro clínico de Marcieli Lazzarotto da Silva;f) a prótese capilar é costurada e não contém metal, inexistindo fundamento válido para a sua retirada quando do ingresso da visitante; g) o preso tem direito a visita de cônjuge, companheira ou parentes em dias determinados (LEP, art. 41, X) (Id n. 193005029). O Ilustre Procurador Regional da Republica, Dr. Uendel Domingues Ugatti, manifestou-se pelo provimento do recurso. A E. Quinta Turma, em sessão de julgamento realizada em 13 de dezembro de 2021, decidiu, por maioria, dar provimento à apelação. O aresto restou ementado nos seguintes termos: PENAL. PROCESSUAL PENAL. AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. DIREITO DO PRESO. ARTIGO 41, X, DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL. PORTARIA GAB-DEPEN/DEPEN/MJSP nº 22/2021. VISITANTE COM PRÓTESE CAPILAR. CONDIÇÃO EXCEPCIONAL COMPROVADA. QUESTÃO DE SAÚDE. PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DA DIGNIDADE DA PESSOA. PROVIMENTO 1. De acordo com o artigo 41, X, da Lei de Execução Penal, é direito do preso receber visitas do cônjuge, da companheira, de parentes e de amigos. 2. A Portaria GAB-DEPEN/DEPEN/MJSP nº 22/2021, que traz disposição acerca dos procedimentos de visita aos presos no Sistema Penitenciário Federal, em seu artigo 23, §1º, de fato, traz vedação quanto ao ingresso dos visitantes com qualquer tipo de aplique ou alongamento de cabelo nas Penitenciárias Federais. 3. No presente caso, a condição excepcional da companheira do reeducando se mostrou excepcional e está devidamente comprovada por meio de atestado médico, no qual consta que faz uso de medicação corticóides, imunossupressores e anti-inflamatórios, tendo tais medicamentos como efeito colateral a perda de pelos do corpo (alopécia), motivo pelo qual ela faz uso de prótese/aplique capilar (“Mega Hair”). 4. A excepcionalidade do caso encontra respaldo na aplicação do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana. É medida de rigor assegurar a dignidade da pessoa humana em relação ao preso e a sua esposa, resguardando a convivência familiar e garantindo a proteção da família, nos termos do art. 1º, III, c.c art. 226, da Constituição. 5. Provimento do recurso. O acórdão foi disponibilizado no DJe em 04/02/2022. O Ministério Público Federal tomou ciência do acórdão em 07/02/2022 e não apresentou recurso. O acórdão transitou em julgado em 23/02/2022. No ensejo, externo a Vossa Excelência protestos de elevada estima e consideração. Parecer da Procuradoria Regional da República da 3.ª Região, “pela denegação da segurança” (Id. 256339534). Pronunciamento da Coordenação Geral Jurídica da Procuradoria-Regional da União da 3.ª Região, no sentido de que “não tem interesse em intervir na lide, tendo em vista se tratar de impugnação da União contra ato judicial em incidente de ação penal” (Id. 256619988). Decisão de Id. 256945545, pela qual indeferido o pedido liminar inicialmente formulado. Manifestação do órgão ministerial sob Id. 257013063 – “Ciente o Ministério Público Federal da decisão de id. 256945545 que indeferiu o pedido liminar formulado pela Procuradoria-Regional da União da 3ª Região. Nesta oportunidade, reitero o parecer de id. 256339534, no qual opinei pela denegação da segurança”. É o relatório. THEREZINHA CAZERTA Desembargadora Federal Relatora
MANDADO DE SEGURANÇA CRIMINAL (1710) Nº 5010254-53.2022.4.03.0000 RELATOR: Gab. DES. FED. THEREZINHA CAZERTA IMPETRANTE: UNIÃO FEDERAL IMPETRADO: DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES - QUINTA TURMA OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Por ocasião do início da apreciação deste feito, na sessão de 13/7/2022, lançado por esta Relatora voto propondo fosse denegada a ordem mandamental, à ocasião tendo sido, consoante certidão de de Id. 260651966, "acompanhada pelos Desembargadores Federais NERY JÚNIOR, CARLOS DELGADO, LUIZ STEFANINI, DALDICE SANTANA (convocada para compor quórum), TORU YAMAMOTO (convocado para compor quórum), MARCELO SARAIVA (convocado para compor quórum), GILBERTO JORDAN (convocado para compor quórum), HÉLIO NOGUEIRA (convocado para compor quórum) e NEWTON DE LUCCA", suspenso o julgamento pois "pediu vista o Desembargador Federal NELTON DOS SANTOS (convocado para compor quórum)". Após a apresentação do "voto-vista do Desembargador Federal NELTON DOS SANTOS, no sentido de que o feito seja convertido em diligência, ao fim de intimar-se a impetrante a promover, em dez dias e sob pena de extinção do processo sem resolução do mérito, a citação do litisconsorte passivo necessário, para que possa oferecer a contestação que tiver, no que foi acompanhado pelos Desembargadores Federais BAPTISTA PEREIRA, CARLOS MUTA e SOUZA RIBEIRO; e do voto da Desembargadora Federal INÊS VIRGÍNIA, acompanhando a Relatora, foi suspenso o julgamento, para coleta dos votos dos Desembargadores Federais ANDRÉ NABARRETE e PEIXOTO JÚNIOR" (sessão de 10/8/2022, certidão de julgamento de Id. 262420873). Retomado o julgamento na sessão de 14/9/2022, após reanálise a partir dos fundamentos trazidos pelo eminente desembargador vistor, os quais levaram a novo convencimento, motivadamente, acerca do encaminhamento a ser conferido ao presente mandado de segurança, sobreveio a alteração do pronunciamento inicialmente proferido por esta Relatora, "acompanhando integralmente a divergência inaugurada pelo Desembargador Federal NELTON DOS SANTOS (convocado para compor quórum)" (certidão de Id. 263758308), encaminhamento que restou encampado por este Órgão Especial, ao final e por maioria, "vencido o Desembargador Federal BAPTISTA PEREIRA, que rejeitava a questão de ordem e concedia em parte a segurança" (certidão de Id. 272662693). Isso posto, em retificação de voto, converto o julgamento em diligência, para que seja intimada a impetrante a promover, em dez dias e sob pena de extinção do processo sem resolução do mérito, a citação do litisconsorte passivo necessário, oportunizando-se o oferecimento da contestação que tiver, nos exatos termos do voto-vista apresentado pelo Desembargador Federal Nelton dos Santos. É o voto. THEREZINHA CAZERTA Desembargadora Federal Relatora
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V O T O
Cuida-se de mandado de segurança impetrado pela União em face de acórdão prolatado pela 5ª Turma desta Corte, nos autos do agravo em execução nº 5007204-95.2021.403.6000, em que fora reconhecido o direito da companheira do agravante de visita-lo na unidade prisional em que se encontra sem que lhe seja exigida a retirada de aplique de cabelo de que faz uso em razão de alopécia tendo em vista o constrangimento experimentado pela visitante no meio social para além do período de visita por ser compelida a expor publicamente os efeitos causados por sua enfermidade bem como o agravamento de seu quadro de saúde.
O apenado, residente no Estado do Rio Grande do Sul, foi transferido para a Penitenciária Federal de Campo Grande/MS.
Contudo, o ingresso de sua esposa, devidamente cadastrada como visitante, no estabelecimento prisional foi condicionado à retirada de alongamento capilar conforme disposto no § 1º do Art. 23 do Regulamento dos Procedimentos de Visita aos Presos Custodiados no Sistema Penitenciário Federal aprovado pela Portaria nº 22/2021 do Departamento Penitenciário Nacional:
"Art. 23. Para ingresso ao local desnado à visita, o visitante portador de prótese metálica, órtese, aparelho ortodônco metálico e óculos de grau, deverá possuir autorização prévia e expressa da Direção da Penitenciária Federal, mediante apresentação de laudo médico ou odontológico.
§ 1º É vedada a entrada de visitante com qualquer tipo de aplique ou alongamento de cabelo."
Diante de tal imposição o apenado apresentou requerimento ao MM. Juiz Corregedor da Penitenciária Federal de Campo Grande a fim de que a sua esposa fosse dispensada de tal exigência e pudesse ingressar no presídio sem a retirada do alongamento capilar em razão de sua enformidade.
O MM. Juiz a quo indeferiu o requerimento, tendo sido interposto agravo em execução penal, objeto do presente mandamus, o qual fora julgado provido pela 5ª Turma desta Corte em 13.12.2021, autorizando o ingresso da esposa do requerente no estabelecimento prisional sem que lhe seja exigida a retirada de seu aplique capilar. O trânsito em julgado foi certificado em 23.02.2022.
Em 18.04.2022, portanto, após o trânsito em julgado, a União impetrou o presente mandado de segurança na condição de terceiro interessado.
Após aguardar o pedido de vista do E. Desembargador Federal Nelton dos Santos no sentido de que o feito baixasse em diligência para que fosse intimado o agravante em razão da possível ocorrência de listisconsórcio passivo necessário, pedi vista dos autos para melhor refletir sobre o tema.
Acompanho a E. Relatora quanto ao cabimento de mandado de segurança impetrado por terceiro interessado que, no caso concreto, não tinha legitimidade recursal no agravo em execução penal, conforme entendimento firmado na Súmula n. 202 do e. STJ:
"A impetração de segurança por terceiro, contra ato judicial, não se condiciona à interposição de recurso."
Entretanto, melhor refletindo sobre o tema, tenho que o caso dos autos está eivado de nulidade que não pode ser sanada neste mandamus a partir da intimação do agravante.
Isto porque, não se pode extrair a caracterização de violação ao direito do preso de receber visitas, conforme previsto no Art. 41, X, da LEP, a partir da mera aplicação do regulamento que dispõe sobre a visitação em estabelecimento prisional.
Explico: a referida norma é aplicável indistintamente aos visitantes com vistas a garantia da segurança de todos aqueles que se encontram no estabelecimento prisional sejam os apenados e seus visitantes ou a força de segurança presente no local de modo a impedir, por exemplo, a entrada de objetos que possam ser utilizados como arma.
Destaco a Resolução nº 5/2014 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), que assim dispõe:
Art. 1º. A revista pessoal é a inspeção que se efetua, com fins de segurança, em todas as pessoas que pretendem ingressar em locais de privação de liberdade e que venham a ter contato direto ou indireto com pessoas privadas de liberdade ou com o interior do estabelecimento, devendo preservar a integridade física, psicológica e moral da pessoa revistada. Parágrafo único. A revista pessoal deverá ocorrer mediante uso de equipamentos eletrônicos detectores de metais, aparelhos de raio-x, scanner corporal, dentre outras tecnologias e equipamentos de segurança capazes de identificar armas, explosivos, drogas ou outros objetos ilícitos, ou, excepcionalmente, de forma manual.
Art. 2º. São vedadas quaisquer formas de revista vexatória, desumana ou degradante. Parágrafo único. Consideram-se, dentre outras, formas de revista vexatória, desumana ou degradante:
I – desnudamento parcial ou total;
II – qualquer conduta que implique a introdução de objetos nas cavidades corporais da pessoa revistada;
III – uso de cães ou animais farejadores, ainda que treinados para esse fim;
IV – agachamento ou saltos.
Art. 3º. O acesso de gestantes ou pessoas com qualquer limitação física impeditiva da utilização de recursos tecnológicos aos estabelecimentos prisionais será assegurado pelas autoridades administrativas, observado o disposto nesta Resolução.
Nestes termos, a pretensão de que seja reconhecida excepcionalidade à aplicação do referido regulamento, conforme disposto no Art. 3º supracitado, deriva de circunstância inerente à pessoa da companheira, dos efeitos da aplicação da norma sobre a enfermidade de que foi acometida e na qual se sustenta o pleito de preservação de sua saúde e honra.
A causa de pedir, portanto, não guarda conexão com o direito de visita do preso, mas sim com direito personalíssimo da visitante.
Nessa mesma linha de que se trata de direito do visitante observo que a Suprema Corte reconheceu a ocorrência de repercussão geral na seguinte questão:
"Tema 998 - Controvérsia relativa à ilicitude da prova obtida a partir de revista íntima de visitante em estabelecimento prisional, por ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana e à proteção ao direito à intimidade, à honra e à imagem."
Note-se que a matéria em discussão é a proteção do direito à intimidade, honra e imagem do visitante e não do apenado tal qual ocorre no caso concreto.
Da mesma forma o entendimento manifestado pelo E. STJ no sentido de que o Estado deve assegurar aos visitantes os direitos relacionados com à sua integridade física e moral, admitindo inclusive a substituição processual, por associação civil que lhes represente, em sede de ação civil pública em defesa de direitos individuais homogêneos:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRÁTICA DE ATOS VEXATÓRIOS EM REVISTA ÍNTIMA DOS VISITANTES DE UNIDADES PRISIONAIS. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. ASSOCIAÇÃO CUJA FINALIDADE INSTITUCIONAL É A DEFESA DE DIREITOS HUMANOS. LEGITIMIDADE ATIVA. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL PACÍFICA.
1. Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC (Enunciado n. 3 do Plenário do STJ).
2. A tese firmada pelo STF, no RE 573.232/SC, não se aplica às ações coletivas ajuizadas por associações para a defesa de direitos individuais homogêneos, na hipótese em que há substituição processual e, notadamente, quando vinculados à proteção dos direitos humanos e ao proceder administrativo do Estado com relação aos visitantes das unidades prisionais, de alta relevância social.
Precedentes.
3. À luz da Lei n. 7.347/1985 e da Lei n. 8.078/1991, as associações civis podem ajuizar Ações Civis Públicas para a defesa de direitos individuais homogêneos, situação em que atuam como substitutas processuais, com dispensa da juntada das autorizações individuais das pessoas interessadas.
4. As pessoas visitantes de unidades prisionais estão submetidas a diversos procedimentos de identificação e segurança e o Estado deve-lhes assegurar, dentre outros, os direitos relacionados com integridade física e moral e com tratamento impessoal, digno e respeitoso. E, considerado o fato de a pretensão autoral se remeter a direitos das pessoas submetidas ao procedimento de revista íntima, deve-se compreender tratar-se de direitos individuais homogêneos.
5. Agravo interno do Estado de São Paulo não provido.
(AgInt no REsp n. 1.833.056/SP, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 22/8/2022, DJe de 24/8/2022.)
Portanto, forçoso o reconhecimento de que a legitimidade para formular pretensão de dispensa de aplicação do regulamento de visitação ao estabelecimento prisional é da visitante e não do apenado.
Disto resulta em flagrante nulidade ab initio do pleito formulado pelo preso ao Juiz Corregedor do estabelecimento prisional quando a legitimidade ativa é de sua companheira.
Tal vício de iniciativa contamina todos os atos processuais subsequentes, incluindo-se o acórdão objeto do presente mandado de segurança.
Nestes termos, em razão da verificação de teratologia resultante de ilegitimidade ativa no processo objeto do presente writ, conheço do presente mandado de segurança para declarar a nulidade do incidente de execução penal.
Ante o exposto, concedo em parte a segurança.
É o voto.
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V O T O
Egrégio Órgão Especial,
Cuida-se de mandado de segurança impetrado pela União, contra acórdão da C. 5ª Turma deste Tribunal.
Aquele órgão fracionário deu provimento a agravo em execução penal interposto por Fabrício Santos da Silva, interno do Presídio de Segurança Máxima de Campo Grande, ao fim de permitir que recebesse visitas de sua esposa sem que esta fosse compelida a remover a prótese capilar de que faz uso.
O e. relator do acórdão impugnado prestou informações e a d. Procuradoria Regional da República manifestou-se pela denegação da segurança.
Com vista dos presentes autos, constatei que o beneficiado pela decisão impugnada não foi citado como litisconsorte passivo necessário, providência que, a meu sentir, seria de rigor.
Assim penso porque a decisão que, nesta instância ou em outra, for proferida na impetração repercutirá na esfera jurídica da pessoa cujo recurso foi acolhido pela C. 5ª Turma.
O litisconsórcio passivo necessário é, por sinal, regra nesse tipo de mandado de segurança, precisamente porque, diversamente do que se dá nas impetrações em geral – em que o impetrado presenta a pessoa jurídica de direito público que restará alcançada pela decisão a ser proferida no mandado de segurança –, no mandado de segurança contra ato judicial o impetrado não exerce tal função, ente imparcial que é.
Note-se que, na atual lei do mandado de segurança, mesmo nos casos de impetração clássica, para além da notificação da autoridade impetrada, faz-se necessária a intimação da respectiva pessoa jurídica de direito público. Com mais razão, sempre que um terceiro puder ser atingido juridicamente pela decisão a ser proferida, ele deve compor a relação jurídica processual.
Cuidando-se de mandado de segurança contra ato judicial, as partes figurantes no feito originário devem integrar a relação jurídica processual da ação de mandado de segurança, em especial quando o acolhimento do pedido inicial tiver o condão de fulminar o efeito jurídico produzido no processo de origem. Nesse sentido, traz-se o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:
“PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. INEXISTÊNCIA. CANCELAMENTO DA CARTA DE ARREMATAÇÃO. DÚVIDA QUANTO À PROPRIEDADE DO BEM ARREMATADO. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. INTEGRAÇÃO DA LIDE.
1. A ação mandamental não admite a dilação probatória (Lei 1.511/51, art. 1º), impondo-se ao impetrante a demonstração do direito líquido e certo a ser assegurado, o que não ocorreu no presente caso, pois é controvertida a situação do imóvel levado à hasta pública cuja arrematação se pretende cancelar, inexistindo provas suficientes para determinar, com precisão, a quem pertence a propriedade do bem. Também não há como atestar a ausência de avaliação e intimação pessoal da executada, além da ilegalidade da imissão de posse por extravasar os limites da arrematação.
2. Para a validade da formação do processo, é essencial a integração da lide, na qualidade de litisconsortes passivos necessários (CPC, art. 47), de todos os interessados na desconstituição do ato judicial impugnado pelo mandado de segurança.
3. Recurso ordinário a que se nega provimento.
(STJ, RMS n. 18.184/RS, relator Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 5/4/2005, DJ de 25/4/2005, p. 223.)
Especificamente em matéria penal, o Supremo Tribunal Federal assentou a Súmula 701, a dizer que, “No mandado de segurança impetrado pelo Ministério Público contra decisão proferida em processo penal, é obrigatória a citação do réu como litisconsorte passivo”.
O caso dos presentes autos, frise-se, envolve decisão proferida em agravo em execução penal, ou seja, um feito de inquestionável natureza criminal. A C. 5ª Turma deste Tribunal deu provimento ao recurso do condenado e a União, neste mandado de segurança, volta-se exatamente contra aquela decisão.
Nesse cenário, mostra-se certa a necessidade de chamamento daquele que figurou como agravante no feito de origem, sob pena de nulidade.
Não por outra razão, a Súmula 631 do Supremo Tribunal Federal reza: “Extingue-se o processo de mandado de segurança se o impetrante não promove, no prazo assinado, a citação do litisconsorte passivo necessário.”
A lógica desses dois enunciados sumulares e do julgado acima referido funda-se na percepção de que ninguém pode, em processo judicial, ser diretamente atingido em sua esfera de direitos sem que tenha a oportunidade de defender-se. No caso de mandado de segurança contra decisão judicial, aquele que restou favorecido pelo ato impugnado tem o direito de defender sua legalidade; e a falta dessa citação contamina de nulidade o processo de mandado de segurança.
Destaque-se uma vez mais que a decisão impugnada pela União beneficiou Fabrício Santos da Silva, destarte sendo de rigor que este seja citado no mandado de segurança impetrado contra aquela mesma decisão.
Nem se diga que o resultado proposto pela e. relatora – a denegação da segurança – modificaria esse quadro. A falta de citação é vício capital, que invalida o processo como um todo, não havendo espaço para perquirições a respeito de ausência de prejuízo.
Por fim, saliente-se que, mesmo que a segurança seja denegada nesta instância, caberá recurso ordinário ao Superior Tribunal de Justiça, que não lhe poderá dar provimento sem a presença de Fabrício Santos da Silva na relação processual. Penso, assim, que cabe a este Tribunal, uma vez verificando a tempo a falta de citação, determinar a sua realização, obviando qualquer nulidade.
Ante o exposto, proponho que o feito seja convertido em diligência, ao fim de intimar-se a impetrante a promover, em dez dias e sob pena de extinção do processo sem resolução do mérito, a citação do litisconsorte passivo necessário, para que possa oferecer a contestação que tiver.
É como voto.
Nelton dos Santos
Desembargador Federal
E M E N T A
COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA. MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO POR TERCEIRO (UNIÃO FEDERAL) CONTRA ACÓRDÃO DA 5.ª TURMA. AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL EM QUE RECONHECIDO DIREITO DA ENTRADA DE VISITANTE (COMPANHEIRA DE PRESO EM UNIDADE DO SISTEMA PENITENCIÁRIO FEDERAL) COM PRÓTESE (ALONGAMENTO) CAPILAR (APLIQUE DE CABELO/”MEGA HAIR”) DE QUE FAZ USO. CONVERSÃO DO JULGAMENTO EM DILIGÊNCIA.
- Necessidade de citação, como litisconsorte passivo necessário, da parte agravante no feito criminal em que proferido o julgado que deu ensejo à presente impetração, beneficiado pela decisão impugnada naquele processo.