AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5027496-25.2022.4.03.0000
RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
AGRAVANTE: UNIÃO FEDERAL
AGRAVADO: EDSON CABRAL DOS SANTOS
Advogado do(a) AGRAVADO: ROBERTA LOPES PERRET - SP346062
OUTROS PARTICIPANTES:
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5027496-25.2022.4.03.0000 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO AGRAVANTE: UNIÃO FEDERAL AGRAVADO: EDSON CABRAL DOS SANTOS Advogado do(a) AGRAVADO: ROBERTA LOPES PERRET - SP346062 OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O Exmo. Sr. Desembargador Federal Carlos Francisco (Relator): Trata-se de agravo de instrumento interposto pela UNIÃO FEDERAL contra r. decisão proferida nos autos de ação ordinária movida por EDSON CABRAL DOS SANTOS. O r. provimento judicial agravado foi proferido nos seguintes termos: “(...) Através da presente demanda, pretende o autor a concessão de tutela de urgência para poder ficar afastado do expediente para assistir seu filho, enquanto o processo de reforma tem seu regular andamento. Alega ser militar do exército, 1° sargento de saúde (doc6), e estava afastado por Licença de Tratamento de Saúde de Pessoa da Família – LTSPF (doc2), prevista no art. 67 § 1° ‘c’ da Lei 6880/80 – Estatuto dos militares, por período superior a 2 anos. Em 05/08/2022, após dois anos exatos de afastamento, requereu a reforma com base no artigo Art. 98 Inciso XIII do Estatuto dos Militar tendo permanecido afastado até 21.08.2022, quando recebeu ofício para retornar ao trabalho. Aduz que sua licença para tratar de pessoa da família não foi considerada válida, razão pela qual ingressou com recurso administrativo em face da decisão que determinou seu retorno ao trabalho, mas que até a presente data não recebeu qualquer resposta. Seu filho necessita de cuidados especiais e que sua presença é essencial para o tratamento de sua saúde. Requer a concessão da justiça gratuita. Juntou procuração e documentos. Vieram os autos à conclusão. É o relatório. Fundamento e decido. Afasto a possibilidade de prevenção com os feitos indicados na aba associados em face da divergência de objeto. Defiro o benefício da Justiça Gratuita. Anote-se. Presentes os requisitos necessários à concessão da tutela de urgência. Os documentos anexados comprovam que o filho do autor demanda cuidados. Inclusive foi essa a razão do deferimento da licença para tratamento de pessoa da família, conforme consta no ID 261566521, pág 4. O Artigo 98 XIII da Lei n° 6.880/80 é expresso ao assegurar a transferência para a reserva remunerada quando o militar ultrapassar dois anos contínuos em licença para tratamento de pessoa da família, circunstância que se encontra demonstrada nos autos. Não há como afirmar que, após dois anos de afastamento para cuidar da saúde de seu filho, a licença concedida seria inválida. O E. TRF da 2ª Região já reconheceu a correção da reforma de militar afastado por mais de 2 (dois) anos para tratar de saúde de familiar: ‘APELAÇÃO. REMESSA NECESSÁRIA. MILITAR. LICENÇA PARA TRATAMENTO DE PESSOA DA FAMÍLIA. TÉRMINO DO PRAZO DE 2 ANOS. TRANSFERÊNCIA PARA A RESERVA REMUNERADA. ARTIGO 98, INCISO XIII, DA LEI Nº 6.880/80. REMESSA NECESSÁRIA E RECURSO DE APELAÇÃO DA UNIÃO FEDERAL PROVIDOS. 1. Trata-se de remessa necessária e recurso de apelação interposto pela União Federal, contra sentença que julgou procedente o pedido autoral para (I) anular o ato administrativo que transferiu o autor para a reserva remunerada; (II) reintegrá-lo às fileiras do Exército Brasileiro, com todos os direitos do militar da ativa, inclusive promoções; (III) determinar sua transferência a uma das organizações militares de guarnição do Rio de Janeiro, por motivo de saúde do filho e (IV) condenar a União Federal, ora Apelante, a indenizar o demandante por danos morais, arbitrados no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais). 2. Ao militar foi concedida licença para tratamento de pessoa da família na data de 19 de maio de 2005, a qual perdurou até a data de 19 de maio de 2007, pelo que, na prática, gozou ininterruptamente da referida licença por prazo superior a dois anos. 3. Não merece reparo o ato administrativo que, em observância ao princípio da legalidade, reformou o militar, tendo em vista que o mesmo incidiu o disposto no inciso XIII, do artigo 98, do Estatuto dos Militares, ao ultrapassar, como comprovado nos autos, o período de dois anos em fruição de licença para tratamento de saúde de pessoa da família. 4. Quanto ao pleito de movimentação do militar, é certo que o ato de lotação e movimentação de militares é pautado pelos critérios de conveniência e oportunidade da Administração Militar, não cabendo ao Poder Judiciário adentrar na análise de mérito desse juízo discricionário, sob pena de interferir na organização interna do quadro efetivo das Forças Armadas. 5. A Administração agiu dentro dos limites fixados na Lei 6.880/80 e na Constituição Federal/88, não havendo em que se falar em ilegalidade do ato e, consequentemente, em reparação dos danos morais. 6. Remessa necessária e recurso de apelação da União Federal providos’. (APELREEX - Apelação / Reexame Necessário - Recursos - Processo Cível e do Trabalho 0009824-33.2008.4.02.5101, ALUISIO GONÇALVES DE CASTRO MENDES, TRF2 - 5ª TURMA ESPECIALIZADA ..ORGAO_JULGADOR:). Disso tudo se infere a presença da probabilidade do direito invocado, sendo que o risco de dano decorre do estado de saúde do filho do autor. Em face do exposto, DEFIRO O PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA, para assegurar o afastamento do autor de suas atividades, até ulterior deliberação deste Juízo. Deixo de designar audiência de tentativa de conciliação por se tratar de matéria que não comporta autocomposição. Cite-se e intime-se para pronto cumprimento. Publique-se. (...)”. Sustenta a parte-agravante, em síntese, que a narrativa do autor no sentido de ser imprescindível aos cuidados de seu filho não merece amparo, pois, conforme Ata de Junta Médica de Saúde, sua esposa pode se encarregar de tais cuidados. Afirma que a mãe tem obrigação moral e legal de guarda e de zelo pelo seu filho. Aduz que não é possível a concessão de tutela de urgência contra o Estado. Pugnou pela concessão de tutela de urgência e, no mérito, pelo provimento do recurso. Proferiu-se r. decisão que indeferiu pedido de atribuição de efeito suspensivo ao presente agravo (ID 269475863). Foi apresentada contraminuta (ID 266411001). É o relatório.
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5027496-25.2022.4.03.0000 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO AGRAVANTE: UNIÃO FEDERAL AGRAVADO: EDSON CABRAL DOS SANTOS Advogado do(a) AGRAVADO: ROBERTA LOPES PERRET - SP346062 OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O Exmo. Sr. Desembargador Federal Carlos Francisco (Relator): No presente caso, nenhuma das partes trouxe qualquer argumento apto a infirmar o entendimento já manifestado na r. decisão que indeferiu pedido de atribuição de efeito suspensivo ao presente agravo (ID 269475863). Dentro de tal contexto, passo a transcrever os fundamentos do r. provimento judicial por mim lavrado: “(...) O art. 142, da Constituição de 1988, prevê que as Forças Armadas (constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica) são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, destinando-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. Nos moldes desse art. 142 § 3º, X, da ordem de 1988 (na redação dada pela Emenda nº 18/1998), os membros das Forças Armadas são denominados militares, sendo que ‘a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra.’. O art. 142, § 3º, X, da Constituição, delimitou o âmbito da reserva absoluta de lei (ou estrita legalidade) e recepcionou vários diplomas normativos, dentre eles a Lei nº 4.375/1964 (Lei do Serviço Militar), a Lei nº 6.880/1980 (Estatuto dos Militares), e a Lei nº 6.391/1976 (Lei do Pessoal do Exército), com os correspondentes regulamentos. A solução jurídica do problema posto nos autos deve se dar pelos atos normativos vigentes à época da ocorrência do objeto litigioso, razão pela qual, para os fatos posteriores à sua publicação, são aplicáveis as disposições da Lei nº 13.954/2019 (DOU de 17/12/2019). O Estatuto dos Militares em seu art. 67 definiu o conceito de licença e estipulou as suas modalidades: ‘Art. 67. Licença é a autorização para afastamento total do serviço, em caráter temporário, concedida ao militar, obedecidas às disposições legais e regulamentares. § 1º A licença pode ser: (...) c) para tratamento de saúde de pessoa da família; (...)’. Embora o acesso à prestação jurisdicional tenha conteúdo de garantia fundamental (art. 5º, XXXV, da Constituição), permitindo a judicialização de controvérsias envolvendo atos da administração pública, a separação de poderes e as legítimas competências conferidas às autoridades administrativas impõem limites à apreciação judicial. O Poder Judiciário deve analisar a validade jurídica de aspectos formais (notadamente as garantias do devido processo legal) de feitos administrativos, mas o mérito de decisões administrativas somente pode ser controlado se houver violação ao postulado da proporcionalidade (ou da razoabilidade), ou se o julgamento administrativo transgredir os parâmetros da legalidade de modo claro, objetivo ou manifesto. Se a decisão administrativa for compatível com o ordenamento jurídico constitucional e infraconstitucional, e congruente com as provas dos autos, o magistrado deve respeitar as interpretações e as avaliações feitas pela autoridade administrativa competente. Como exemplo, trago à colação os seguintes julgados do E. STJ: ‘ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. REITOR DE UNIVERSIDADE FEDERAL. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR (PAD). PENA DE DEMISSÃO. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. IMPARCIALIDADE DOS MEMBROS DA COMISSÃO DE PAD QUE PARTICIPARAM DE OUTRAS COMISSÕES. CONTROLE JURISDICIONAL DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. EXAME DA REGULARIDADE DO PROCEDIMENTO E DA LEGALIDADE DO ATO. IMPOSSIBILIDADE DE INCURSÃO DO MÉRITO DO ATO ADMINISTRATIVO. FUNDAMENTAÇÃO. PROPORCIONALIDADE. 1. Processo administrativo disciplinar (PAD) que aplicou penalidade de demissão ao impetrante, professor e ex-Reitor de Universidade Federal, por concluir que o impetrante valeu-se do cargo que ocupava junto à Universidade para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública, ao assinar contrato com o Governo do Distrito Federal e subcontratos com Fundações ligadas à Universidade, utilizadas em desvio de finalidade, para que recursos do Distrito Federal fossem destinados a particulares, sem a realização de licitação. 2. O impetrante respondeu a quatro PADs por irregularidades constatadas ao tempo em que foi Reitor, sendo cada qual decorrente de um Relatório de Demandas Especiais (RDE) elaborado pela CGU (Controladoria-Geral da União). Embora os fatos sejam conexos e pudessem ser apurados em um único PAD, foram agrupados em 4 PADs por uma questão de eficiência, operando-se a interrupção da prescrição relativa a cada grupo de fatos com a abertura do respectivo PAD. Art. 142, parágrafo 3º, da Lei 8.112/90. 3. Não há parcialidade de membro da Comissão Processante apenas por compor outra Comissão Processante, que apura outros fatos pelos quais é investigado o mesmo servidor público. Precedente: MS 21859. 4. O exame da prova produzida no PAD foi feito de forma fundamentada pela autoridade impetrada, que concluiu pela participação dolosa do impetrante nos atos a ele imputados a partir dos elementos de prova indicados e sopesados no Relatório Final da Comissão processante, adotado pela autoridade impetrada. 5. O servidor acusado no processo administrativo disciplinar defende-se dos fatos a ele imputados e não da tipificação legal relacionada. O valimento do cargo (art. 117, IX) ou a improbidade administrativa já levariam por si só à imposição da penalidade de demissão (art. 132, IV e XIII, da Lei 8.112/90), não havendo que se falar em nulidade se não houve prejuízo à ampla defesa do impetrante. 6. A avaliação da gravidade da infração efetuada em sede de Processo Administrativo Disciplinar, se não ultrapassa a esfera do proporcional e do razoável, como nos presentes autos, não se sujeita à revisão judicial. 7. Ordem denegada’ (MS 21.773/DF, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 23/10/2019, DJe 28/10/2019). ‘ADMINISTRATIVO. PROCESSO DISCIPLINAR. INCURSÃO NO MÉRITO ADMINISTRATIVO. IMPOSSIBILIDADE. PENA APLICADA. PROPORCIONALIDADE. PARÂMETROS. MAGISTRADO. CONDUTA INCOMPATÍVEL COM A DIGNIDADE, HONRA E DECORO DAS FUNÇÕES. SANÇÃO. ADEQUAÇÃO. 1. No controle jurisdicional do processo administrativo, a atuação do Poder Judiciário limita-se ao campo da regularidade do procedimento, bem como à legalidade do ato, não sendo possível nenhuma incursão no mérito administrativo a fim de aferir o grau de conveniência e oportunidade. 2. É firme o entendimento de que é possível o exame da penalidade imposta, acerca da proporcionalidade e da razoabilidade na aplicação da pena, já que estaria relacionada com a própria legalidade do ato administrativo. 3. Nos termos do art. 2º da Lei n. 9.784/1999, a Administração obedecerá, entre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa e contraditório, devendo os referidos postulados ser observados inclusive na aplicação dos atos sancionatórios. 4. Especificamente em relação à proporcionalidade, alguns parâmetros devem ser adotados, sendo três as balizas a serem observadas: i) adequação - verificando-se se a medida adotada é eficaz para alcançar o resultado pretendido; ii) necessidade - devendo ser observado se o fim almejado pode ser atingido por meio menos gravoso ou oneroso; iii) proporcionalidade em sentido estrito - consubstanciada na relação custo-benefício, ponderando-se se a providência acatada não irá sacrificar bem de categoria jurídica mais elevada do que aquele que se pretende resguardar. 5. Do magistrado exige-se comportamento ético, moral, ilibado e probo tanto na vida pública como na particular, devendo agir sempre de forma compatível com a relevante função que exerce, conforme inteligência do Código de Ética da Magistratura, aprovado pelo Conselho Nacional de Justiça em agosto de 2008, que estabeleceu preceitos complementares aos deveres funcionais dos juízes que emanam da Constituição Federal, do Estatuto da Magistratura e das demais disposições legais. 6. Hipótese em que mostra-se correta a aplicação da pena de aposentadoria compulsória com proventos proporcionais à magistrada ante a prática de conduta gravísssima, incompatível com a dignidade, honra e decoro de suas funções, qual seja, a determinação de busca e apreensão de armas que estariam em poder, supostamente, de um morador do condomínio no qual ela residia, sem provocação do Ministério Público ou de autoridade policial, diligência que ela conduziu pessoalmente, e, ainda, o confisco de câmera fotográfica e a voz de prisão dada à empregada doméstica da residência. Aplicação do art. 56, II, da LC 73/1979. 7. Recurso desprovido’ (RMS 33.671/RJ, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, Rel. p/ Acórdão Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/02/2019, DJe 14/03/2019). Ao presente caso não é aplicável a vedação à concessão de medidas liminares contida no art. 1º da Lei 9.494/1997, segundo o qual ‘Art. 1º Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil o disposto nos arts. 5º e seu parágrafo único e 7º da Lei nº 4.348, de 26 de junho de 1964, no art. 1º e seu § 4º da Lei nº 5.021, de 9 de junho de 1966, e nos arts. 1º, 3º e 4º da Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992’. Consoante previsão do art. 5º da Lei 4.348/1964, não será concedida liminar em mandados de segurança impetrados para reclassificação ou equiparação de servidores públicos, ou para concessão de aumento ou extensão de vantagens, razão pela qual somente é possível executar a ordem pretendida depois de transitada em julgado a respectiva sentença. Tanto é assim que o art. 7º dessa Lei 4.348/1964 prevê que terá efeito suspensivo a remessa oficial decorrente da decisão concessiva de mandado de segurança que importe outorga ou adição de vencimento ou ainda reclassificação funcional. Já o art. 1º, e o § 4º, da Lei 5.021/1966 prevê que o pagamento dos vencimentos e vantagens pecuniárias asseguradas a servidores públicos federais (da Administração direta ou autárquica), e a servidores públicos estaduais ou municipais, somente será efetuado relativamente às prestações que se vencerem a contar da data do ajuizamento da inicial, disposição normativa que deve ser ponderada no caso concreto sob pena de odiosa lesão aos direitos e garantias fundamentais do trabalhador. Por sua vez, os arts. 1°, 3º e 4º da Lei 8.437/1992, também estabelecem que não é cabível medida liminar contra atos do Poder Público, no procedimento cautelar ou em quaisquer outras ações de natureza cautelar ou preventiva, toda vez que providência semelhante não puder ser concedida em ações de mandado de segurança, em virtude de vedação legal, e, especialmente, quando a liminar esgotar, no todo ou em qualquer parte, o objeto da ação. Também nesse caso a remessa oficial deverá ser admitida com efeito suspensivo, se importar em outorga ou adição de vencimentos ou de reclassificação funcional. O tema ainda foi objeto da MP 2.180-35, de 24.08.2001, cujos efeitos se estendem na forma do art. 2º da Emenda Constitucional 32, de 11.09.2001. E a vedação à concessão de medidas liminares contida no art. 1º da Lei 9.494/1997, cuja constitucionalidade foi afirmada pela ADC 04-DF, na qual o E. STF conferiu efeito vinculante. Porém, consoante o entendimento dessa mesma Suprema Corte, em casos que versem sobre matéria pacificada pela jurisprudência do E. STF ou pelos tribunais competentes para decidir com definitividade, é admitida a possibilidade de liminares sem violação aos termos da Lei 9.494/1997, tendo em vista a inexistência de dano pela conformação do pedido liminar à orientação dominante nos tribunais (nesse sentido, veja-se, por exemplo, a decisão proferida na Reclamação - AgRg - 1.067/RS, Rel. Min. Octavio Galloti, de 17.06.99, Informativo STF 154, de junho de 1999, pág.01). Acrescente-se que o E. STF também entende que a decisão proferida na ADC 4-DF não se aplica às hipóteses lides envolvendo matéria previdenciária, tanto que a Súmula 729 desse E. Tribunal afirma que ‘A decisão na ADC-4 não se aplica à antecipação de tutela em causa de natureza previdenciária’, o que é corroborado pelas RCL -AgRg- 1.132-RS, rel. Min. Celso de Mello, RCL -AgRg- 1.105-RS e RCL -AgRg- 1.137-RS, relator Min Néri da Silveira, 23.3.2000. Por sua vez, não incide ao presente caso a Súmula 339, do E. STF (que cuida de aumento de vencimentos). Ademais, a tutela de urgência pleiteada no presente caso não é satisfativa, não exaurindo, de qualquer maneira, o mérito do processo. No caso dos autos, o agravado, 1º Sargento do Exército, sustenta ter sido afastado do serviço em razão de licença para tratamento de saúde de pessoa da família. Afirma que possui dois filhos com autismo, sendo que a doença de seu filho mais novo é considerada grave. Afirma que após formular pedido de reforma, foi informado pelo Exército que deveria retornar ao expediente devido à invalidade de sua licença. Pugnou pelo deferimento de tutela de urgência para que permaneça afastado do serviço de modo a poder cuidar de seu filho. Referido pedido foi deferido pelo juízo de primeiro grau. Contra essa decisão foi interposto o presente agravo de instrumento pela UNIÃO FEDERAL, a qual alega, em resumo, que a narrativa do autor no sentido de ser imprescindível aos cuidados de seu filho não merece amparo, pois conforme Ata de Junta Médica de Saúde, sua esposa pode se encarregar de tais cuidados. Afirma que a mãe tem obrigação moral e legal de guarda e zelo pelo seu filho. Pugna pela concessão de efeito suspensivo. Em que pesem as alegações formuladas pela ora agravante, extrai-se dos autos de origem que a última inspeção de saúde realizada pelo Exército no filho menor do agravado, em 01/04/2020, diagnosticou-o com autismo infantil e concluiu pela necessidade de assistência permanente de pessoa da família durante 60 dias (Id. 265088848 – fl. 18 dos autos subjacentes). Nesse sentido, a solução de sindicância de Portaria nº 023/Sect/HMASP, fundamentando-se na referida inspeção de saúde, bem como em relatório médico da Dra. Clara Gontijo Camelo, especialista em neurologia infantil, o qual afirma que o grau de comprometimento neurológico do menor é grave, com deficiência mental, possuindo total dependência para a realização das atividades diárias, com episódios de agressividade e necessidade de contenção de mais de uma pessoa, concluiu pela necessidade de concessão de licença ao agravado para tratamento de seu filho. (id. 265088850 – fl. 10/11 dos autos subjacentes). Na mesma linha, relatório médico exarado pela neuropediatra Dra. Patrícia Takahashi, em 20/10/2021, afirma ser o menor portador de transtorno do espectro autista nível 3, necessitando de dois acompanhantes – preferencialmente os pais – em razão de sua agressividade. Referido documento ainda recomendou a realização de diversas terapias para o tratamento do menor (id. 261566519 dos autos subjacentes). Deve-se salientar que o filho mais velho do casal, atualmente com catorze anos, também foi diagnosticado como portador do espectro autista, de menor gravidade, demandando tratamento de psicoterapia comportamental e fonoterapia (id. 261566526 dos autos subjacentes). Diante do acima exposto, denota-se que a situação de saúde dos filhos do agravado exige uma série de cuidados e assistência integral de ambos os pais, não tendo sido trazido aos autos qualquer documento que indique que o estado de saúde dos menores tenha se alterado. Ademais, o grau de evolução de direitos e deveres parentais avançou o suficiente para que o ordenamento jurídico não atribua apenas à mãe o cuidado com os filhos. Destarte, ao menos nesse momento processual, no qual se mostra necessário maiores esclarecimentos a respeito do estado de saúde dos filhos do agravado, bem como da situação administrativa do militar perante o Exército, e considerando a absoluta prioridade e especial proteção atribuída pela Constituição Federal às crianças e aos adolescentes, entendo que não estão presentes os requisitos para a atribuição do efeito suspensivo pleiteado. Diante do exposto, INDEFIRO o pedido atribuição de efeito suspensivo ao presente agravo. (...)”. Ausente qualquer motivo para alteração, entendo que a r. decisão deve ser mantida. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao agravo de instrumento interposto pela UNIÃO FEDERAL. É o voto.
E M E N T A
AGRAVO DE INSTRUMENTO. MILITAR. REVISÃO DO ATO ADMINISTRATIVO. LIMITES DA ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. ANÁLISE DO CASO CONCRETO. LICENÇA. TRATAMENTO DE SAÚDE DE PESSOA DA FAMÍLIA. FILHOS AUTISTAS. MANUTENÇÃO DA R. DECISÃO AGRAVADA.
- Embora o acesso à prestação jurisdicional tenha conteúdo de garantia fundamental (art. 5º, XXXV, da Constituição), permitindo a judicialização de controvérsias envolvendo atos da administração pública, a separação de poderes e as legítimas competências conferidas às autoridades administrativas impõem limites à apreciação judicial. O Poder Judiciário deve analisar a validade jurídica de aspectos formais (notadamente as garantias do devido processo legal) de feitos administrativos, mas o mérito de decisões administrativas somente pode ser controlado se houver violação ao postulado da proporcionalidade (ou da razoabilidade), ou se o julgamento administrativo transgredir os parâmetros da legalidade de modo claro, objetivo ou manifesto. Se a decisão administrativa for compatível com o ordenamento jurídico constitucional e infraconstitucional, e congruente com as provas dos autos, o magistrado deve respeitar as interpretações e as avaliações feitas pela autoridade administrativa competente.
- Denota-se dos autos que a situação de saúde dos filhos do agravado exige uma série de cuidados e assistência integral de ambos os pais, não tendo sido trazido ao presente feito qualquer documento que indique que o estado de saúde dos menores tenha se alterado. O grau de evolução de direitos e de deveres parentais avançou o suficiente para que o ordenamento jurídico não atribua apenas à mãe o cuidado com os filhos. Considerando a absoluta prioridade e especial proteção atribuída pela Constituição Federal às crianças e aos adolescentes, a r. decisão agravada, que deferiu tutela de urgência para assegurar o afastamento do agravado de suas atividades castrenses, deve ser mantida.
- Agravo de instrumento desprovido.