Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0006867-74.2001.4.03.6104

RELATOR: Gab. 32 - JUIZ CONVOCADO NILSON LOPES

APELANTE: UNIÃO FEDERAL, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Advogado do(a) APELANTE: MAURO FURTADO DE LACERDA - SP78638-A

APELADO: ESMERALDA SEVERINA NASCIMENTO RODRIGUES

Advogado do(a) APELADO: JOSE BARTOLOMEU DE SOUSA LIMA - SP67925-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0006867-74.2001.4.03.6104

RELATOR: Gab. 32 - JUIZ CONVOCADO NILSON LOPES

APELANTE: UNIÃO FEDERAL, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Advogado do(a) APELANTE: MAURO FURTADO DE LACERDA - SP78638-A

APELADO: ESMERALDA SEVERINA NASCIMENTO RODRIGUES

Advogado do(a) APELADO: JOSE BARTOLOMEU DE SOUSA LIMA - SP67925-A

OUTROS PARTICIPANTES:

R E L A T Ó R I O

O Senhor Juiz Federal Convocado NILSON LOPES (Relator): Tratam-se de recursos de apelação interpostos por ambos os réus, o INSS e a União Federal, em face da sentença que julgou procedente o pedido apresentado pelo Autor na inicial, confirmando a tutela antecipada anteriormente concedida, para condenação solidária dos réus ao restabelecimento do valor do benefício excepcional de anistiado, assegurando a não aplicação da redução imposta pelo artigo 129 do Decreto nº 2.172/1997, além de fixar os honorários em 20% sobre o valor atribuído à causa (Id. 170456608 - Pág. 51/59).

Em seu recurso, a União Federal afirma a ocorrência de prescrição da pretensão do Autor, a qual teria surgido no mês de junho do ano de 1996, quando o INSS reduziu o valor da aposentadoria, computando-se a partir daí o prazo prescricional, e não a partir da publicação do Decreto nº 2.172, em 15 de março de 1997. De tal maneira que, proposta a ação somente em 17 de dezembro de 2001, por tratar-se de ação condenatória, estaria atingido pela prescrição o próprio fundo de direito (Id. 170456608 - Pág. 81/94).

Quanto ao mérito recursal, alega a União a necessidade de observância da norma disposta no inciso XI do artigo 37 e artigo 248, ambos da Constituição Federal, uma vez que todos os benefícios previdenciários estariam incluídos na limitação constitucional imposta. Destaca, também, a aplicabilidade da norma regulatória prevista no artigo 128 do Decreto nº 2.172/1997, uma vez que o benefício do Autor não poderia ser diferente dos demais, pois a anistia visa igualar as pessoas e não garantir privilégios para alguns em detrimento de outros.

Continua a União em seu apelo afirmando que se o Autor estivesse na ativa, seus vencimentos estariam, necessariamente, limitados ao referido teto de pagamentos, especialmente por não haver direito adquirido em face dos comandos constitucionais, questionando, por fim, a exclusividade de responsabilidade por parte da Autarquia Previdenciária Federal e a necessidade de redução do percentual de honorários de sucumbência, postulando, ao final, a total improcedência da ação.

O INSS, por sua vez, em seu apelo, apresenta argumentos mais genéricos a respeito da necessidade de reforma da sentença, por considerar legal e constitucional o ato de adequação do valor da aposentadoria excepcional de anistiado, postulando a total improcedência do pedido apresentado na inicial (Id. 170456608 - Pág. 95/103).

Concedida vista à parte contrária foram apresentadas contrarrazões (Id. 170456608 - Pág. 120/124).

A sentença não foi submetida à remessa necessária.

É o relatório.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0006867-74.2001.4.03.6104

RELATOR: Gab. 32 - JUIZ CONVOCADO NILSON LOPES

APELANTE: UNIÃO FEDERAL, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Advogado do(a) APELANTE: MAURO FURTADO DE LACERDA - SP78638-A

APELADO: ESMERALDA SEVERINA NASCIMENTO RODRIGUES

Advogado do(a) APELADO: JOSE BARTOLOMEU DE SOUSA LIMA - SP67925-A

OUTROS PARTICIPANTES:

V O T O

O Senhor Juiz Federal Convocado NILSON LOPES (Relator): De início, verifico que a sentença não foi submetida ao reexame necessário.

Tomando-se a norma contida no artigo 475 do CPC de 1973, vigente à época da prolação da sentença apelada, recebo de ofício o reexame necessário, uma vez que, nos termos da Súmula nº 490 do Egrégio STJ, não se aplica aos julgados com sentença ilíquida a exceção prevista no § 2º daquele mesmo dispositivo processual.

Questão preliminar relacionada com a prescrição

Inicialmente, resta afastada a preliminar de prescrição apresentada pela União em seu recurso de apelação, uma vez que, ao contrário do que argumenta a recorrente, o prazo prescricional não atinge o fundo de direito, conforme decorre do entendimento apresentado pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal a respeito do prazo decadencial:

RECURSO EXTRAODINÁRIO. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL (RGPS). REVISÃO DO ATO DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. DECADÊNCIA.

1. O direito à previdência social constitui direito fundamental e, uma vez implementados os pressupostos de sua aquisição, não deve ser afetado pelo decurso do tempo. Como consequência, inexiste prazo decadencial para a concessão inicial do benefício previdenciário.

2. É legítima, todavia, a instituição de prazo decadencial de dez anos para a revisão de benefício já concedido, com fundamento no princípio da segurança jurídica, no interesse em evitar a eternização dos litígios e na busca de equilíbrio financeiro e atuarial para o sistema previdenciário.

3. O prazo decadencial de dez anos, instituído pela Medida Provisória 1.523, de 28.06.1997, tem como termo inicial o dia 1º de agosto de 1997, por força de disposição nela expressamente prevista. Tal regra incide, inclusive, sobre benefícios concedidos anteriormente, sem que isso importe em retroatividade vedada pela Constituição.

4. Inexiste direito adquirido a regime jurídico não sujeito a decadência.

5. Recurso extraordinário conhecido e provido.

(RE 626489 - Órgão julgador: Tribunal Pleno - Relator Ministro Roberto Barroso - Julgamento: 16/10/2013 - Publicação: 23/09/2014)

Seguindo a mencionada jurisprudência, o Superior Tribunal de Justiça também se posicionou expressamente no sentido contrário do que pretende a recorrente:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSOS ESPECIAIS REPRESENTATIVOS DA CONTROVÉRSIA. TEMA 1.017/STJ. RESP 1.772.848/RS E RESP 1.783.975/RS. SERVIDOR PÚBLICO. AÇÃO REVISIONAL. VERBAS SALARIAIS NÃO PAGAS NA ATIVA. REPERCUSSÃO NA APOSENTADORIA. PRESCRIÇÃO. ARTS. 1º E 3º DO DECRETO 20.910/1932. SÚMULA 85/STJ. FUNDO DE DIREITO. ATO DE APOSENTADORIA. PRESUNÇÃO DE NEGATIVA EXPRESSA DO DIREITO. IMPOSSIBILIDADE. IDENTIFICAÇÃO DA CONTROVÉRSIA

(...)

EXAME DO TEMA REPETITIVO

4. O regime prescricional incidente sobre as parcelas devidas a servidores públicos ativos e inativos está previsto no art. 1º do Decreto 20.910/1932, segundo o qual "as dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem."

5. De acordo com o art. 3º do mesmo Decreto, "quando o pagamento se dividir por dias, meses ou anos, a prescrição atingirá progressivamente as prestações à medida que completarem os prazos estabelecidos pelo presente decreto."

6. Interpretando os citados dispositivos, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 85/STJ: "Nas relações de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação."

7. Registra-se que o Superior Tribunal de Justiça, alinhado com a compreensão do Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 626.489/SE (Rel. Min. Roberto Barroso, DJe 23.9.2014), entende que o direito ao benefício previdenciário, em si, é imprescritível, mas incide a prescrição sobre a pretensão de revisar o ato administrativo de análise do pedido de aposentadoria.

8. O que se depreende desse contexto é que a prescrição sempre recairá sobre cada parcela inadimplida pela Administração, por negativa implícita ou explícita do direito.

(...)

19. Assim, não há falar em prescrição do fundo de direito, mas tão somente em prescrição das parcelas que antecedem os cinco anos anteriores ao ajuizamento da ação, como corretamente apreciou o acórdão recorrido.

CONCLUSÃO

20. Recurso Especial não provido, sob o rito dos arts. 1.036 e seguintes do CPC/2015.

(REsp 1772848/RS - Relator Ministro Herman Benjamin - Órgão Julgador Primeira Seção - data do julgamento 28/10/2020 - data da publicação/fonte DJe 01/07/2021)

Do mérito recursal

Julgada procedente a ação, para manutenção do valor da aposentadoria excepcional de anistiado, sem a incidência das normas redutoras constitucionais e regulamentares, ambos os réus se insurgiram contra a sentença, buscando sua total reforma.

Passemos então à análise da questão central geradora da presente ação e consequentes apelações, qual seja, a redução do valor do benefício decorrente da aposentadoria em regime excepcional de anistiado.

Inicialmente, necessário se faz deixar claro em que consiste tal aposentadoria excepcional, bem como sua origem constitucional, razão pela qual transcrevemos abaixo o artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que dispõe sobre a anistia, a fim de que possamos entendê-lo:

  Art. 8º.  É concedida anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da Constituição, foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares, aos que foram abrangidos pelo Decreto Legislativo n.º 18, de 15 de dezembro de 1961, e aos atingidos pelo Decreto-Lei n.º 864, de 12 de setembro de 1969, asseguradas as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividade previstos nas leis e regulamentos vigentes, respeitadas as características e peculiaridades das carreiras dos servidores públicos civis e militares e observados os respectivos regimes jurídicos.

De imediato, o que se extrai do texto acima é sua amplitude, uma vez que não se trata de dispositivo constitucional transitório que cuida apenas da aposentadoria ou concessão de qualquer benefício previdenciário, até porque não há qualquer menção expressa a tal espécie de benefício.

Assim, mais que conceder benefício previdenciário, o artigo 8º do ADCT concede anistia, o que segundo o dicionário “Novo Aurélio – Século XXI”, editado pela Editora Nova Fronteira em 1999, significa “perdão geral”, ou ainda, “ato pelo qual o poder público declara impuníveis, por motivo de utilidade social, todos quantos, até certo dia, perpetraram determinados delitos, em geral políticos, seja fazendo cessar as diligências persecutórias, seja tornando nulas e de nenhum efeito as condenações”.

Pois bem, firmado um primeiro entendimento geral do que seja anistia, cumpre-nos desenvolver outro raciocínio extremamente importante para a solução do problema posto em juízo, qual seja, a questão da aplicabilidade das normas constitucionais, para o que seguiremos o clássico e tradicional posicionamento apresentado pelo Professor José Afonso da Silva (Aplicabilidade das Normas Constitucionais, 3ª edição, Malheiros Editores) que divide as normas constitucionais em três categorias, considerando-as como de eficácia plena, de eficácia contida e de eficácia limitada ou reduzida.

Da explanação do Professor José Afonso, podemos concluir que as normas constitucionais de eficácia plena são aquelas que possuem aplicabilidade direta, imediata e integral, sobre os interesses objetos de sua regulação jurídica.

As normas constitucionais de eficácia limitada, por sua vez, seriam aquelas de aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, de tal forma que somente incidirão após uma normatividade infraconstitucional ulterior que lhes desenvolva a eficácia.

Finalmente, as normas constitucionais de eficácia contida, seriam aquelas que, assim como as de eficácia plena, têm aplicabilidade direta e imediata, mas, possivelmente, sua aplicação não será integral, pois sujeitam-se a restrições previstas ou se submetam a uma regulamentação que limite sua eficácia e aplicabilidade.

Antes de concluirmos a respeito da característica da norma constitucional em questão, classificando-a como de eficácia plena, contida ou limitada, devemos lembrar que ela se encontra no texto do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, as quais, haja vista a especial condição de norma transitória, destinadas a solucionar problemas relacionados com a transição de um ordenamento jurídico para outro, necessitam ter eficácia plena e aplicabilidade imediata.

De tal pensamento podemos, desde logo, excluir a possibilidade de considerar-se o artigo 8º do ADCT como norma de eficácia limitada ou reduzida, restando, então, considerá-la apenas como de eficácia plena ou contida, visto a necessidade da aplicação direta e imediata de seus mandamentos.

Parece-nos clara, assim, a característica de norma constitucional de eficácia contida do artigo 8º do ADCT, uma vez que, ainda que de aplicabilidade direta e imediata, a integralidade de sua aplicação fica condicionada às disposições infraconstitucionais, conforme determinou o legislador constituinte na parte final do caput daquele artigo:

“... obedecidos os prazos de permanência em atividade previstos nas leis e regulamentos vigentes, respeitadas as características e peculiaridades das carreiras dos servidores públicos civis e militares e observados os respectivos regimes jurídicos.

Tendo em mente, então, as duas conclusões básicas apresentadas acima, a primeira relacionada com a necessidade de interpretação ampla da norma concessiva da anistia, bem como da eficácia contida do dispositivo que a introduziu em nosso ordenamento jurídico, passemos a analisar a aplicação concreta do artigo 8º do ADCT.

De tal maneira, é concedida anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da Constituição, foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares, aos que foram abrangidos pelo Decreto Legislativo n.º 18, de 15 de dezembro de 1961, e aos atingidos pelo Decreto-Lei n.º 864, de 12 de setembro de 1969, de forma que, todos aqueles que tenham sido atingidos pelos efeitos daqueles atos, seja penal, administrativa ou civilmente, tenham sofrido qualquer tipo de punição, ou ainda continuem a sofrer seus efeitos, terão o direito de não mais serem afligidos por sua conduta anterior, a qual deverá ser esquecida.

Mais ainda, tais cidadãos, além de terem esquecidas as punições a que foram submetidos, quando suas penas tenham infligido o afastamento do serviço público, terão direito de a ele retornarem, asseguradas as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, ou seja, o período em que o anistiado permaneceu afastado de suas atividades em decorrência da pena que lhe fora imposta, deverá ser contado para fins de promoção na carreira, da mesma forma que ocorreria se não tivesse sido afastado de suas atividades.

De tal forma, o anistiado terá o direito não só de retornar à atividade, mas também de ocupar o cargo, emprego, posto ou graduação, a que teria direito com a consideração do período de afastamento e concessão das promoções como se em atividade estivesse.

Veja-se, então, que até aqui, o dispositivo constitucional garantiu aos anistiados o direito de retornarem ao serviço público com observância das promoções a que teriam direito, mas, na sequência, condiciona tal fato à necessidade de serem obedecidos os prazos de permanência em atividade previstos nas leis e regulamentos vigentes.

Daí devemos, sob aquela ótica de amplitude da anistia e contenção da norma constitucional, concluir que o anistiado impossibilitado de retornar ao serviço ativo pela aplicação das regras de aposentadoria compulsória, haja vista a necessidade de observância do prazo de permanência em atividade previstos em leis ou regulamentos, poderá postular sua aposentadoria naquele cargo, emprego, posto ou graduação que teria direito de ocupar com a aplicação da anistia.

Garante-se, ainda, ao anistiado, que nos termos das leis e regulamentos poderia voltar à atividade, pleitear sua aposentadoria nas mesmas condições, sempre que para tanto reúna os requisitos necessários para obtenção do benefício, devendo agora ser respeitadas as características e peculiaridades das carreiras dos servidores públicos civis e militares e observados os respectivos regimes jurídicos.

Fixada a regra matriz da norma do artigo 8º do ADCT, conforme consta acima, decorre ainda do mesmo artigo uma regra de extensão, a qual encontra-se prevista no § 2º que determina serem assegurados os benefícios estabelecidos neste artigo aos trabalhadores do setor privado, dirigentes e representantes sindicais que, por motivos exclusivamente políticos, tenham sido punidos, demitidos ou compelidos ao afastamento das atividades remuneradas que exerciam, bem como aos que foram impedidos de exercer atividades profissionais em virtude de pressões ostensivas ou expedientes oficiais sigilosos.

Diante de tal regra de extensão, é de se concluir que tudo o que foi dito anteriormente em relação ao caput do artigo 8º do ADCT, aplica-se também aos trabalhadores que se enquadrem em uma das categorias previstas no § 2º.

Pois bem, deixando de lado as implicações de ordem trabalhista decorrentes da regra constitucional, uma vez que não nos interessa em sede de ação previdenciária tal discussão, e especialmente pelo fato de que a presente ação se refere exclusivamente ao pagamento de benefício previdenciário denominado de aposentadoria excepcional, consideremos tal questão específica.

Editada a Lei nº 8.213 de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social, trouxe ela em seu artigo 150 a seguinte norma:

Art. 150 - Os segurados da Previdência Social, anistiados pela Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979, ou pela Emenda Constitucional nº 26, de 27 de novembro de 1985, ou ainda pelo artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal terão direito à aposentadoria em regime excepcional, observado o disposto no Regulamento.

Parágrafo único - O segurado anistiado já aposentado por invalidez, por tempo de serviço ou por idade, bem como seus dependentes em gozo de pensão por morte, podem requerer a revisão do seu benefício para transformação em aposentadoria excepcional ou pensão por morte de anistiado, se mais vantajosa.

Veja-se, portanto, que o legislador infraconstitucional, atendendo àquela necessidade de interpretação ampla do dispositivo constitucional concessivo da anistia, outorgou aos anistiados o direito de se aposentar sob um regime excepcional, que por assim o ser, não pode ser confundido com as aposentadorias do regime geral da previdência social, remetendo a possibilidade de definir o sistema excepcional de aposentadoria ao Regulamento.

O regulamento, então, inicialmente sob a forma do Decreto nº 357, de 07 de dezembro de 1991, e substituído pelo Decreto nº 611, de 21 de julho de 1992, sem que houvesse qualquer alteração no texto daquele primeiro, passou a tratar da aposentadoria especial do anistiado, dedicando a ela a Seção VIII dentro do Capítulo das Prestações em Geral, sob o Título do Regime Geral da Previdência Social, sendo que, daqui por diante, mencionaremos apenas o Decreto nº 611, uma vez que manteve os mesmos dispositivos daquele que o antecedeu.

Após repetir os direitos já garantidos pelo texto do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, o Decreto estabelece em seu artigo 127 que a aposentadoria excepcional independe da implementação dos pressupostos da legislação da Previdência Social, tais como o tempo de serviço mínimo e carência e seu valor não decorre de salário-de-benefício.

Tem-se a partir daí a excepcionalidade do benefício concedido aos anistiados, uma vez que deles não são exigidos os requisitos mínimos para a obtenção da aposentadoria prevista no Regime Geral da Previdência Social, seja pela dispensa da verificação de período mínimo de tempo de trabalho (contribuição) e carência, seja pela forma de cálculo do valor do benefício, o qual terá como base não o salário-de-benefício, mas sim o valor do último salário percebido pelo segurado no emprego ocupado à época da destituição (artigo 133), sem aplicação do limite estabelecido pelo máximo do salário-de-contribuição.

Outra característica do regime excepcional consiste no valor integral do benefício para os aposentados aos 35 (trinta e cinco) anos de serviço se homem, e aos 30 (trinta) se mulher, sendo a aposentadoria proporcional para aqueles que comprovarem tempo de serviço inferior, conforme regra do artigo 134 e seu § 3º.

Finalizando as características excepcionais do benefício de aposentadoria dos anistiados, prevê a norma do artigo 136 um sistema de reajuste totalmente diferenciado daquele utilizado para os benefícios concedidos sob o regime geral, uma vez que a aposentadoria excepcional será reajustada sempre que ocorrer alteração para maior no salário que o segurado estaria recebendo se permanecesse em atividade.

Posteriormente, com a edição do Decreto nº 2.172, de 05 de março de 1997, foi mantida a forma de concessão da aposentadoria excepcional dos anistiados, sendo que a única alteração substancial em relação ao que dispunha o Decreto nº 611/1992, relaciona-se com a forma de reajuste do mencionado benefício, dispondo o novo regulamento:

Art. 128.  A aposentadoria excepcional e a pensão por morte de segurado anistiado serão reajustadas com base nos mesmos índices aplicáveis aos benefícios de prestação continuada da previdência social.

Portanto, a partir de 05 de março de 1997, nos termos do Regulamento dos Benefícios da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 2.172/1997, os benefícios decorrentes da aposentadoria excepcional concedida aos anistiados deixou de ter a forma de reajustamento diferenciada dos demais benefícios de prestação continuada da previdência social, passando a respeitar a regra geral de reajustamento dos benefícios, quando então, mantendo-se o valor de benefício devidamente reajustado pelos critérios do Decreto nº 611/1992 até àquela data, deve ser, a partir de então, aplicada a forma de reajuste do novo Regulamento.

Veja-se que não há qualquer desrespeito a direito adquirido dos segurados, pois a excepcionalidade da forma de concessão e cálculo do valor inicial do benefício de aposentadoria decorrente da anistia foi preservada, alterando-se apenas a forma de reajuste de seus valores a partir de então.

Não cabe aqui o argumento de que o Decreto nº 2.172/1997 seria um regulamento autônomo, o que não é aceito em nosso ordenamento jurídico, pois se o raciocínio for esse, não poderíamos aceitar também a forma de reajuste que fora trazida pelo Decreto nº 611/1992.

Aliás, seguindo tal linha de raciocínio, poderíamos concluir que a forma de reajuste apresentada pelo Decreto nº 611/1992 teria um caráter autônomo bem maior em relação ao apresentado pelo Decreto nº 2.172/1997, uma vez que este segundo se refere à aplicação das regras já previstas na lei nº 8.213/1991, enquanto que aquele primeiro inovou a forma de reajustamento de benefícios para os anistiados, diferenciando-os dos demais aposentados.

Por diversas vezes o Egrégio Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de não haver direito adquirido a regime jurídico, especialmente em relação a questões remuneratórias, conforme se nota dos Temas 24 (RE 563708), 41 (RE 563965), 313 (RE 626489), 439 (RE 606199), 465 (RE 642890), 514 (ARE 660010) e 1112 (ARE 1288550).

Não existe, portanto, direito adquirido a regime jurídico remuneratório. Menos ainda, quando se refere à forma de atualização de valores de benefícios previdenciários, decorrentes de regime regulamentar, tornando-se inafastável a necessária submissão de tais benefícios teto imposto pela Constituição Federal, assim como à limitação estabelecida no artigo 128 do Decreto nº 2.172/1997.

Posto isso, dou provimento à remessa necessária, tida por interposta, bem como às apelações da União Federal e do INSS para reconhecer a regularidade da limitação do valor do benefício excepcional de anistiado, nos termos dos artigos 128 e 129 do Decreto nº 2.172/1997.

Resta a parte autora condenada ao pagamento dos honorários advocatícios, em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, aplicando-se a suspensão da exigibilidade do pagamento enquanto a autora mantiver a situação de insuficiência de recursos que deu causa à concessão do benefício da justiça gratuita, nos termos do parágrafo 3º, do artigo 98, do NCPC.

É o voto.



E M E N T A

PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. BENEFÍCIO EXCEPCIONAL DE ANISTIADOS. MANUTENÇÃO DE VALOR. REAJUSTE. TETO CONSTITUCIONAL. LIMITAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO A REGIME JURÍDICO.

1. Apelações da União Federal e do INSS em face da sentença que julgou procedente o pedido para restabelecimento do valor do benefício excepcional de anistiado, assegurando a não aplicação da redução imposta pelo artigo 129 do Decreto nº 2.172/1997.

2. Afastada a preliminar de prescrição, uma vez que, ao contrário do que argumenta a recorrente, o prazo prescricional não atinge o fundo de direito, conforme precedentes do STF (RE 626489) e do STJ (REsp 1772848/RS).

3. Extrai-se do disposto no artigo 8º do ADCT da CF/88, a amplitude da norma transitória, uma vez que não cuida apenas da aposentadoria ou concessão de benefício previdenciário, não havendo qualquer menção expressa a tal benefício.

4. De acordo com o clássico e tradicional posicionamento do Professor José Afonso da Silva, parece-nos clara a característica de norma constitucional de eficácia contida do artigo 8º do ADCT, uma vez que, ainda que de aplicabilidade direta e imediata, a integralidade de sua aplicação fica condicionada às disposições infraconstitucionais.

5. Conforme o texto do mencionado artigo 8º do ADCT, o anistiado deve não só de retornar à atividade, mas também de ocupar o cargo, emprego, posto ou graduação, a que teria direito com a consideração do período de afastamento e concessão das promoções como se em atividade estivesse. Garante-se, ainda, ao anistiado, que nos termos das leis e regulamentos poderia voltar à atividade, pleitear sua aposentadoria nas mesmas condições, sempre que para tanto reúna os requisitos necessários para obtenção do benefício, devendo agora ser respeitadas as características e peculiaridades das carreiras dos servidores públicos civis e militares e observados os respectivos regimes jurídicos.

6. De acordo com a regra de extensão prevista no § 2º do artigo 8º do ADCT, os mesmos benefícios indicados no caput aplicam-se aos trabalhadores do setor privado, dirigentes e representantes sindicais.

7. Atendendo à necessidade de interpretação ampla do dispositivo constitucional concessivo da anistia, a Lei nº 8.213/91, em seu artigo 150, outorgou aos anistiados o direito de se aposentar sob um regime excepcional, diferenciado das aposentadorias do Regime Geral da Previdência Social, remetendo a possibilidade de definir o sistema excepcional de aposentadoria ao Regulamento.

8. O Decreto nº 611/1992, estabeleceu a excepcionalidade do benefício concedido aos anistiados em seus artigos 127, 133 e 136, seja nos requisitos para sua concessão, na forma de cálculo da renda mensal inicial, assim como na forma de reajuste para manutenção de seu valor.

9. Com a edição do Decreto nº 2.172/1997, foi mantida a forma de concessão da aposentadoria excepcional dos anistiados, sendo que a única alteração substancial em relação ao que dispunha o Decreto nº 611/1992, relaciona-se com a forma de reajuste do mencionado benefício, que passa a seguir os mesmos índices aplicáveis aos benefícios de prestação continuada da previdência social, sem que isso implique qualquer desrespeito a direito adquirido dos segurados, pois a excepcionalidade da forma de concessão e cálculo do valor inicial do benefício de aposentadoria decorrente da anistia foi preservada, alterando-se apenas a forma de reajuste de seus valores a partir de então.

10. Por diversas vezes o STF já se manifestou no sentido de não haver direito adquirido a regime jurídico, especialmente em relação a questões remuneratórias, conforme se nota dos Temas 24 (RE 563708), 41 (RE 563965), 313 (RE 626489), 439 (RE 606199), 465 (RE 642890), 514 (ARE 660010) e 1112 (ARE 1288550).

11. Não existindo direito adquirido a regime jurídico remuneratório, menos ainda se poderia pretende-lo em relação à forma de atualização de valores de benefícios previdenciários, decorrentes de regime regulamentar, tornando-se inafastável a necessária submissão de tais benefícios teto imposto pela Constituição Federal, assim como à limitação estabelecida no artigo 128 do Decreto nº 2.172/1997.

12. Remessa necessária, tida por interposta, e apelações da União Federal e do INSS providas.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por unanimidade, decidiu dar provimento à remessa necessária, tida por interposta, bem como às apelações da União Federal e do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.