Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Seção

EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE (421) Nº 0000837-48.2014.4.03.6110

RELATOR: Gab. 17 - DES. FED. MAURICIO KATO

EMBARGANTE: KATIA REGINA MURRO

Advogado do(a) EMBARGANTE: JOSE CARLOS PACIFICO - SP98755

EMBARGADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

INTERESSADO: LUIZ ANTONIO DE ARRUDA
 

ADVOGADO do(a) INTERESSADO: FABIO PEUCCI ALVES - SP174995-A

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Seção
 

EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE (421) Nº 0000837-48.2014.4.03.6110

RELATOR: Gab. 17 - DES. FED. MAURICIO KATO

EMBARGANTE: KATIA REGINA MURRO

Advogado do(a) EMBARGANTE: JOSE CARLOS PACIFICO - SP98755

EMBARGADO: MINISTÉRIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

INTERESSADO: LUIZ ANTONIO DE ARRUDA
ADVOGADO do(a) INTERESSADO: FABIO PEUCCI ALVES - SP174995-A

 

  

 

R E L A T Ó R I O

Trata-se de embargos infringentes e de nulidade opostos pela defesa de Kátia Regina Murro em face do acórdão da 11ª Turma desta Corte Regional (id. 258280838 - fls. 296/298 e 345/346) que, por unanimidade, rejeitou as questões preliminares, deu parcial provimento a sua apelação e à da defesa de Luiz Antonio de Arruda para manter a condenação de ambos pela prática do delito do artigo 342, caput c.c. o artigo 29, ambos do Código Penal, abrandar a dosimetria penal quanto ao primeiro corréu, para 1 (um) ano e 2 (dois) meses de reclusão, regime inicial aberto, substituída a pena corporal por duas penas restritivas de direito, bem como, quanto à Kátia, abrandar a respectiva dosimetria penal para 1 (um) ano, 5 (cinco) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, nos termos do voto do relator, Des. Fed. Fausto De Sanctis e, por maioria, de oficio, fixar a pena de multa em 11 (onze) dias-multa para o réu Luiz Antonio de Arruda e em 14 (catorze) dias-multa para a ora embargante, além de deixar de substituir sua pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, nos termos do voto divergente do Des. Fed. Nino Toldo, no que foi acompanhado pelo Des. Fed. José Lunardelli. Vencido o relator que fixava a penas de multa em 39 (trinta e nove) dias-multa para o corréu Luiz e em 90 (noventa) dias-multa para a embargante Kátia, bem como substituía sua sanção corporal por penas restritivas de direitos.

O acórdão foi assim ementado:

APELAÇÕES CRIMINAIS. IMPUTAÇÃO PELA PARTICIPAÇÃO NO DELITO DE FALSO TESTEMUNHO (ART. 342, CAPUT, C.C. O ART. 29, AMBOS DO CP). MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADOS. DOLO EVIDENCIADO. DOSIMETRIA PENAL ABRANDADA.

1. Apelações Criminais, decorrentes da condenação pela suposta prática do delito do art. 342, caput, c.c. o art. 29, ambos do Código Penal. Nas razões de Apelação, o corréu pleiteia a absolvição fundada, preliminarmente, no cerceamento de defesa e, no mérito, insuficiência de provas para a condenação. Também apela a corré, requerendo a absolvição com base na atipicidade do fato e, subsidiariamente, pleiteia a redução da pena imposta e a substituição da pena corporal por penas alternativas.

2. Adequação típica da conduta. Delito formal, que não depende da efetividade do depoimento falso. Questão preliminar atinente à atipicidade rejeitada.

3. Rejeição da preliminar de cerceamento de defesa. Preclusão do indeferimento de prova testemunhal. Alegação genérica que sequer infirma os fundamentos da decisão que indeferiu a prova pleiteada.

4. Materialidade e autoria delitiva comprovadas. Os acusados de participação no delito de falso testemunho, segundo reconheceu o próprio autor do testemunho inidôneo, foram os responsáveis por lhe impelir a falsear em juízo, para favorecer a empresa reclamada, na qual figuravam, respectivamente, como proprietário e advogada, que não juntaram em quaisquer das ações trabalhistas ou criminal a aventada documentação que abonaria a sua defesa, bem como a prova testemunhal, composta pelo depoimento de outros trabalhadores, prevaleceu no sentido de os reclamantes trabalhistas obterem êxito em seus pleitos contra a empresa reclamada no tocante ao desempenho de trabalho extraordinário, o que reforça e confirma a prova testemunhal originada da seara trabalhista e o interrogatório criminal do corréu acusado de falso testemunho.

5. No que concerne ao elemento subjetivo, a prova dos autos evidencia, portanto, que não foi por mero engano que o acusado prestou informações inverídicas ao depor, permitindo concluir que não se tratou, in casu, de um desencontro de versões em face da percepção natural variável da testemunha, mas sim, de alteração substancial e proposital dos fatos narrados à autoridade judicial, motivada pelo induzimento, consistindo o dolo no crime estampado no art. 342 do Código Penal exatamente na vontade livre e consciente de fazer afirmação falsa como testemunha em processo judicial.

6. Devidamente comprovada a materialidade, autoria delitiva e o dolo, de rigor a responsabilização penal dos acusados pela prática do delito do art. 342, caput, c.c. o art. 29, ambos do Código Penal, ante o cometimento de falso testemunho.

7. Dosimetria penal abrandada no quantum da pena privativa de liberdade e da pena de multa, a qual deverá ser fixada com base nos mesmos parâmetros de cálculo da pena privativa de liberdade. Concessão de penas alternativas somente a um dos corréus, eis que, em relação à corré, não estão presentes os requisitos legais.

8. Apelações providas em parte.

Em suas razões (id. 258280838 - fls. 300/310), a defesa de Kátia Regina Murro pretende o prevalecimento do voto vencido, na parte em que substituiu a pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, em razão das circunstâncias subjetivas favoráveis, a teor do artigo 44, §3º do Código Penal.

Registro a interposição de recurso especial pelo Ministério Público Federal, com fundamento no artigo 105, inciso III, alíneas "a" e "c", da Constituição Federal (id. 258280838 - fls. 350/365).

A Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo desprovimento dos embargos infringentes e de nulidade (id. 263341214).

É o relatório.

À revisão, nos termos regimentais.

 

 


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V O T O

Os embargos infringentes e de nulidade têm natureza jurídica de impugnação privativa da defesa, cabíveis apenas em face de acórdãos não unânimes de apelação e recurso em sentido estrito, com delimitação objetiva de matéria, pois restritos às questões jurídicas objeto de dissenso no órgão julgador.

No presente caso, a discordância cinge-se à possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade imposta a Kátia Regina Murro por restritivas de direitos e, no particular, o voto condutor (id. 258280838 - fls. 335/336) vedou a substituição, com a seguinte fundamentação:

Acompanho o e. Relator quanto ao mérito e à maior parte da dosimetria. Todavia, dele divirjo, com a devida vênia, quanto à substituição da pena privativa de liberdade imposta à acusada KATIA REGINA MURRO por penas restritivas de direitos e em relação ao quantum das penas de multa impostas a ambos os acusados.

A substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos condiciona-se à observância dos requisitos previstos no art. 44 do Código Penal, que, em seu caput, prevê o seguinte:

Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando:

I - aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;

II - o réu não for reincidente em crime doloso;

III - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.

O e. Relator reconheceu, em seu voto, que KATIA REGINA é reincidente, haja vista a existência de condenação anterior, com trânsito em julgado, pela prática do crime de concussão. Portanto, não é cabível, para ela, a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos ou multa, nos termos do art. 44, II, do Código Penal.

Por sua vez, o voto vencido do i. relator substituiu a pena privativa de liberdade por restritivas de direitos (id. 258280838 – fls. 287/294), vejamos:

(...)

A r. sentença merece reparo, todavia, no que tange à possibilidade de substituir a pena privativa de liberdade imposta à corré KÁTIA REGINA MURRO, acatando-se a sua irresignação recursal neste particular. Conquanto não se ignore que a reincidência constitua marca deletéria de desapreço pelas instituições públicas o encarceramento destoaria como medida excessivamente gravosa diante da natureza do crime cometido e das condições pessoais da acusada, de modo que, tendo em conta a função ressocializadora da pena, mostra-se socialmente recomendável a substituição por penas alternativas, conforme faculta o art. 44, § 3°, do Código Penal.

Consequentemente, defere-se em favor da corré KÁTIA REGINA MURRO, a substituição da pena corporal por duas penas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviços à comunidade, com a mesma duração da pena substituída, e prestação pecuniária no importe de 05 (cinco) salários mínimos ambas a serem individualizadas pelo Juízo da Execução Penal e destinadas em favor de entidade beneficente por este indicada.

Para fins de contextualização, observo que a ora embargante Kátia Regina Murro foi denunciada pela prática do crime do artigo 342, do Código Penal porque, em 03/08/2010, na condição de advogada, juntamente com Luiz Antonio de Arruda, proprietário da empresa TRANSLC Transportes LTDA., induziu e instruiu José Aparecido Câmara a prestar falso depoimento nos autos da Reclamação Trabalhista nº 00720-2010-135-15-9 que tramitou perante a 4ª Vara do Trabalho de Sorocaba/SP, com o objetivo de favorecer a empresa reclamada.

Na dosimetria das penas, a sentença condenatória agravou a sanção da embargante na segunda fase da dosimetria, em razão da reincidência, pois ela foi anteriormente condenada pela prática do delito de concussão em decisão definitiva não alcançada pelo quinquênio depurador (processo n° 0087823-93.2002.8.26.0405, da Vara Criminal do Foro de Osasco/SP - id. 258280842- fls. 30, 47 e 53/55), fixou regime inicial semiaberto e indeferiu a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos (id. 258280838  - fls. 158/163).

Em linhas gerais, a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos é medida socialmente recomendável no sentido de atender de forma mais eficiente ao desígnio legal de ressocialização do condenado, especialmente nos crimes menos graves, possibilitando mais adequada reinserção social do indivíduo, especialmente se as circunstâncias subjetivas do artigo 59 do Código Penal (culpabilidade, antecedentes, personalidade, conduta social e motivação do crime) não são desfavoráveis, a teor do que dispõe o artigo 44, I e III do Código Penal, tanto é assim que a Lei 9.714/98 ampliou o sistema de penas alternativas.

Neste contexto, atento a tais objetivos sócio-criminais, o legislador pátrio vedou a substituição aos condenados por crimes mais graves, considerando que para a prevenção desses delitos a pena restritiva de direitos não seria suficiente, por isso, a literalidade da lei penal fixou como requisitos objetivos: sanção não superior a 4 (quatro) anos, que não fosse o acusado reincidente em crime doloso e/ou que tenha praticado delito com violência ou grave ameaça à pessoa, além da avaliação favorável das circunstâncias judiciais pessoais.

No caso em tela, a embargante incidiu na conduta de falso testemunho e foi apenada com sanção inferior ao teto do inciso I do artigo 44 do Código Penal, aliás, de certa forma, próxima ao mínimo legal (1 ano, 5 meses e 15 dias de reclusão).

Em que pese caracterizada a reincidência, diante de sua condenação anterior por delito de concussão, não se trata de reincidência específica, já que os crimes não são de mesma espécie. 

O crime anterior fora cometido, como o presente, sem violência ou grave ameaça à pessoa e as circunstâncias do artigo 59 do CP não indicam que a substituição não seja adequada.

 Portanto, considerando que a imposição de penas restritivas de direitos é a medida que mais se ajusta ao caso concreto, ao evitar os efeitos deletérios do encarceramento desnecessário e promover de maneira mais eficiente a reeducação do condenado e sua reinserção social e, principalmente, diante do novo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no sentido do cabimento da substituição para reincidentes não específicos, como no caso, entendo ser mais adequada a substituição da sanção corporal por penas restritivas de direitos na linha do voto vencido.

Confira-se que o Superior Tribunal de Justiça firmou a sua jurisprudência neste sentido:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECEPTAÇÃO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. ART. 44, § 3º, DO CP. DEFINIÇÃO DO CONCEITO DE REINCIDÊNCIA ESPECÍFICA, PARA OS FINS DESTE DISPOSITIVO: NOVA PRÁTICA DO MESMO CRIME. VEDAÇÃO À ANALOGIA IN MALAM PARTEM. NO CASO CONCRETO, INVIABILIDADE DA SUBSTITUIÇÃO. MEDIDA NÃO RECOMENDÁVEL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. Consoante o art. 44, § 3º, do CP, o condenado reincidente pode ter sua pena privativa de liberdade substituída por restritiva de direitos, se a medida for socialmente recomendável e a reincidência não se operar no mesmo crime.

2. Conforme o entendimento atualmente adotado pelas duas Turmas desta Terceira Seção - e que embasou a decisão agravada -, a reincidência em crimes da mesma espécie equivale à específica, para obstar a substituição da pena.

3. Toda atividade interpretativa parte da linguagem adotada no texto normativo, a qual, apesar da ocasional fluidez ou vagueza de seus termos, tem limites semânticos intransponíveis. Existe, afinal, uma distinção de significado entre "mesmo crime" e "crimes de mesma espécie"; se o legislador, no particular dispositivo legal em comento, optou pela primeira expressão, sua escolha democrática deve ser respeitada.

4. Apesar das possíveis incongruências práticas causadas pela redação legal, a vedação à analogia in malam partem impede que o Judiciário a corrija, já que isso restringiria a possibilidade de aplicação da pena substitutiva e, como tal, causaria maior gravame ao réu.

5. No caso concreto, apesar de não existir o óbice da reincidência específica tratada no art. 44, § 3º, do CP, a substituição não é recomendável, tendo em vista a anterior prática de crime violento (roubo). Precedentes das duas Turmas.

6. Agravo regimental desprovido, com a proposta da seguinte tese: a reincidência específica tratada no art. 44, § 3º, do CP somente se aplica quando forem idênticos (e não apenas de mesma espécie) os crimes praticados. (AgRg no Agravo em Recurso Especial 1.716.664/SP, 3ª Seção, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 25/08.2021, DJe de 31/08/2021)

Ante o exposto, acolho os embargos infringentes e de nulidade opostos pela defesa de Kátia Regina Murro.

É como voto.



E M E N T A

PENAL. PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE. FALSO TESTEMUNHO. ARTIGO 342, CAPUT DO CÓDIGO PENAL. REINCIDÊNCIA NÃO ESPECÍFICA. SUBSTITUIÇÃO PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. ARTIGO 44 DO CÓDIGO PENAL.

1. A substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos é medida que atende de forma mais eficiente ao desígnio legal de ressocialização do condenado.

2. É cabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos ao réu reincidente desde que a reincidência não seja específica, assim considerados os crimes de mesma espécie, caso cumpridos os requisitos objetivos e se a avaliação das circunstâncias judiciais subjetivas do artigo 59 do Código Penal for favorável (Precedente: AgRg no AREsp 1.716.664/SP, 3ª Seção, Relator Min. Ribeiro Dantas, julgado em 25/08.2021, DJe de 31/08/2021).

2. Embargos Infringentes e de nulidade acolhidos.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Seção, por unanimidade, decidiu acolher os embargos infringentes e de nulidade opostos pela defesa de Kátia Regina Murro, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.