AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5025186-46.2022.4.03.0000
RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE
AGRAVANTE: COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS - CVM
AGRAVADO: MARIO JORGE GERMANOS
Advogado do(a) AGRAVADO: DANIEL BORGES COSTA - SP250118-A
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AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5025186-46.2022.4.03.0000 RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE AGRAVANTE: COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS - CVM AGRAVADO: MARIO JORGE GERMANOS Advogado do(a) AGRAVADO: DANIEL BORGES COSTA - SP250118-A pbv R E L A T Ó R I O Agravo de instrumento interposto pela Comissão de Valores Mobiliários – CVM contra decisão que, em sede de mandado de segurança, deferiu a liminar para: “para assegurar o direito do impetrante de aderir à transação individual prevista na Portaria nº 249/2020 da Advocacia-Geral da União e na Portaria nº 333/2020 da Procuradoria-Geral Federal, perante a Administração Pública, para regularização dos débitos da empresa Itagro Agrícola S.A.” (Id 259207695 dos autos originários). Alega a agravante, em síntese, que (Id. 263774898): a) "o débito em nome do devedor não se enquadra na hipótese de créditos irrecuperáveis e de difícil recuperação"; b) "uma vez concluído o processo de transação individual", há a possibilidade de "extinção do crédito em execução, situação que poderia acarretar a alienação de bens pelo devedor pessoa física com discussão da boa fé de eventual adquirente, esvaziando a possibilidade de êxito das execuções fiscais correspondentes". Foi indeferido o pedido de efeito suspensivo (Id. 265066045). Contraminuta apresentada (Id. 266458124). Manifestação do Ministério Público Federal (Id. 267494259). É o relatório.
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5025186-46.2022.4.03.0000 RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE AGRAVANTE: COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS - CVM AGRAVADO: MARIO JORGE GERMANOS Advogado do(a) AGRAVADO: DANIEL BORGES COSTA - SP250118-A pbv V O T O A demanda originária é um mandado de segurança. Dispõe o artigo 7º, inciso III, da Lei nº 12.016/2009: Art. 7o Ao despachar a inicial, o juiz ordenará: [...] III - que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida, sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica. [ressaltei] Dessa forma, necessários a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. No que se refere ao último, o agravado sustentou na inicial do mandamus: [...] o Impetrante, no caso de não concessão da liminar, não será capaz de transacionar os débitos que possui perante a AGU/PGF, e sofrerá, com isso, danos irreparáveis com a cobrança coercitiva, expropriação de seus bens e demais prejuízos oriundos dos apontamentos de irregularidade fiscal. O dano precisa ser atual e presente, o que não ocorre no caso, em que apenas suscitado foi genericamente prejuízo devido à possibilidade de indisponibilidade de bens e/ou em razão de atos de execução forçada. A concessão de medidas de urgência exige a demonstração de prejuízo real e objetivo e não se pode fundamentar em risco presumido, conforme entendimento jurisprudencial (STJ: AgInt no TP 1.477/SP e AgInt na Pet 12.234/RJ). Dessa maneira, ausente o dano grave ou de difícil reparação, desnecessária a apreciação da probabilidade do direito, pois, por si só, não legitima a providência almejada. Confira-se o seguinte julgado desta 4ª Turma: SuspApel 5016710-87.2020.4.03.0000. Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao agravo de instrumento para cassar a liminar. É o voto.
DECLARAÇÃO DE VOTO
A fim de deixar consignadas nos autos as razões que me levaram a divergir do voto proferido pelo i. Relator, procedo à presente declaração de voto.
Trata-se de agravo de instrumento interposto pela COMISSÃO DE VALORES IMOBILIÁRIOS - CVM em face de decisão que, em sede de mandado de segurança, deferiu o pedido liminar para assegurar o direito do impetrante de aderir à transação individual prevista na Portaria nº 249/2020 da Advocacia-Geral da União e na Portaria nº 333/2020 da Procuradoria-Geral Federal, perante a Administração Pública, para regularização dos débitos da empresa Itagro Agrícola S.A.
Alega a agravante, preliminarmente, a incompetência da Justiça Federal da Terceira Região para julgar o mandado de segurança impetrado. No mérito, aduz que para os créditos serem considerados irrecuperáveis, e aptos para o processo de transação, é necessária a demonstração da falta de capacidade de pagamento dos devedores solidários, bem como o esgotamento de todos os procedimentos de cobrança previstos legalmente.
É o relatório.
Decido.
Nos termos do Parágrafo Único do artigo 995 do Código de Processo Civil, a eficácia da decisão recorrida poderá ser suspensa por decisão do relator, se da imediata produção de seus efeitos houver risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação e se ficar demonstrada a probabilidade de provimento de recurso.
Não é o caso dos autos.
Com efeito, o mandado de segurança contra ato de autoridade integrante da Administração Pública Federal pode ser impetrado no domicílio do autor. Nesse sentido é o posicionamento firmado pelo Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, sendo também entendimento dominante nesta Corte. Confira-se:
CONSTITUCIONAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA. UNIÃO. FORO DE DOMICILIO DO AUTOR. APLICAÇÃO DO ART. 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal está pacificada no sentido de que as causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal. 2. Agravo regimental improvido.
(RE 509442 AgR, Relator(a): ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 03/08/2010, DJe-154 DIVULG 19-08-2010 PUBLIC 20-08-2010 EMENT VOL-02411-05 PP-01046 RT v. 99, n. 901, 2010, p. 142-144)
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA. DESPROVIMENTO DO AGRAVO INTERNO MANUTENÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA. JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA. RENÚNCIA DE FORO. ART. 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
I - Nesta Corte, Trata-se de conflito negativo de competência instaurado entre o Juízo Federal da 7ª Vara Cível de Brasília - SJ/DF, suscitante, e o Juízo Federal da 13ª Vara Cível de São Paulo - SJ/SP, suscitado, nos autos do mandado de segurança impetrado por VillaNova Engenharia e Desenvolvimento Ambiental Ltda em face do Presidente da Câmara Superior de Recursos Fiscais do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CSRF), com sede funcional no Distrito Federal. Foi declarado o Juízo Federal da 13ª Vara Cível de São Paulo - SJ/SP como competente.
II - Com efeito, esta Corte tinha jurisprudência pacificada no sentido de que, no âmbito de ação mandamental, a competência seria absoluta e fixada em razão da qualificação da autoridade apontada como coatora e de sua sede funcional.
III - Não obstante, tendo em vista o entendimento do STF, o STJ reviu seu posicionamento anterior e, visando facilitar o acesso ao Poder Judiciário, estabeleceu que as causas contra a União poderão, de acordo com a opção do autor, ser ajuizadas nos juízos indicados no art. 109, § 2º, da Constituição Federal.
IV - Assim, caberá ao autor da ação escolher o foro em que irá propor a demanda, podendo ajuizá-la no foro de seu domicílio. Ainda, houve o destaque de que o texto constitucional não faz distinção entre o tipo de ação para a aplicação dessa regra, não havendo justificativa para sua não incidência em sede de mandado de segurança. Nesse sentido: CC 169.239/DF, relator Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 10/6/2020, DJe 05/8/2020; RE 627.709, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 20/8/2014, processo eletrônico repercussão geral - mérito DJe-213, divulgação em 29/10/2014 publicação 30/10/2014.
V – (...).
VI - Assim, após a impetração do mandado de segurança, não é possível a parte impetrante renunciar ao foro por ela escolhido, sob pena de violação ao princípio do juiz natural.
VII - Agravo interno improvido.
(AgInt nos EDcl no CC n. 185.608/DF, relator Ministro Francisco Falcão, Primeira Seção, julgado em 14/3/2023, DJe de 17/3/2023.)
PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA. COMPETÊNCIA. FORO. DOMICÍLIO DO AUTOR. EXEGESE DO ARTIGO 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. POSSIBILIDADE. VALIDADE. COMPETÊNCIA RELATIVA. IMPOSSIBILIDADE DE DECLINAÇÃO EX OFFICIO. CONFLITO NEGATIVO PROCEDENTE.
1. O artigo 109, § 2º, da Constituição Federal prevê a possibilidade de que as ações intentadas contra a União poderão ser propostas no foro do domicílio do autor.
2. (...).
3. Em sintonia com o posicionamento das Cortes Superiores, o Órgão Especial deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região, tem se posicionado pela possibilidade de impetração do mandado de segurança no foro de domicílio do autor, conforme precedentes.
4. Considerados tais fundamentos, é inegável, hodiernamente, o reconhecimento da possibilidade de impetração do mandado de segurança no foro de domicílio do autor, nos termos do artigo 109, §2º, da Constituição Federal.
5. Como corolário, no caso concreto, se a ação foi impetrada na Subseção Judiciária sede do domicílio do autor, inexiste incompetência de Juízo a ser reconhecida haja vista a validade da escolha.
6. No mais, com a possibilidade de aplicação do artigo 109, §2º, da Constituição Federal, exsurge competência de natureza relativa a qual, diga-se, é impassível de declinação ex officio.
7. Conflito negativo de competência procedente.
(TRF 3ª Região, Órgão Especial, CCCiv - CONFLITO DE COMPETÊNCIA CÍVEL - 5031394-46.2022.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal ANTONIO CARLOS CEDENHO, julgado em 04/04/2023, Intimação via sistema DATA: 11/04/2023)
“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA. AUTORIDADE FEDERAL. ART. 109, § 2º, DA CF/1988. AJUIZAMENTO NA SEDE DA AUTORIDADE COATORA OU NO DOMICÍLIO DO IMPETRANTE. OPÇÃO CONFERIDA AO IMPETRANTE.
Nos termos do art. 109, § 2º, da CF/1988: “As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal.”
Ressalvado o entendimento esposado em causas anteriores, curvo-me à jurisprudência das Cortes Superiores e do Órgão Especial deste Tribunal, em homenagem ao princípio da colegialidade, segundo a qual a hipótese de opção de foro, prevista no artigo 109, § 2º, da Constituição Federal, aplica-se também ao mandado de segurança.
No caso concreto, a redistribuição do mandado de segurança à Subseção Judiciária de Santo André (juízo suscitante) decorreu da alteração da polaridade passiva do feito por determinação do d. Juízo suscitado (São Bernardo do Campo). Ocorre que a indicação da autoridade coatora no mandado de segurança é de exclusiva responsabilidade do impetrante, não podendo o magistrado substituir a parte nesse aspecto.
Destarte, não há óbice para que o feito seja processado no foro para o qual optou a impetrante na inicial da ação, a Seção Judiciária de seu domicílio.
Conflito negativo de competência procedente” (TRF 3ª Região, 2ª Seção, CCCiv - CONFLITO DE COMPETÊNCIA CÍVEL - 5003367-87.2021.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal MARLI MARQUES FERREIRA, julgado em 10/05/2021, Intimação via sistema DATA: 11/05/2021).
Pois bem.
Conforme consta dos autos e da decisão agravada, a transação prevista na Lei 13.988/2020 poderá contemplar créditos irrecuperáveis ou de difícil recuperação de acordo com critérios estabelecidos pela autoridade competente.
A fim de possibilitar a aplicação da referida disposição legal foram editadas as Portarias n. 249/2020 (AGU) e 333/2020 (PGF).
Acerca da caracterização dos créditos irrecuperáveis, dispõe o art. 8º da Portaria 333/2020:
“Art. 8º Serão ainda considerados créditos irrecuperáveis ou de difícil recuperação, independentemente dos requisitos dos artigos anteriores, aqueles cujos devedores sejam:
I - pessoas físicas com informação de óbito e inexistência de bens ou direitos;
II - pessoas jurídicas com falência decretada ou que estejam em intervenção, recuperação ou liquidação, sejam judiciais ou extrajudiciais; e
III - pessoas jurídicas cuja situação cadastral no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica - CNPJ conste:
a) baixa por:
1. inaptidão;
2. inexistência de fato;
3. omissão contumaz; ou
4. encerramento da falência, liquidação ou liquidação judicial;
b) inaptidão por:
1. localização desconhecida;
2. inexistência de fato;
3. omissão e não localização;
4. omissão contumaz; ou
5. omissão de declarações; e
c) suspensão por inexistência de fato (...)”
Muito embora a outros artigos das Portarias supracitadas também tratem de diretrizes que devem nortear a classificação dos créditos de difícil recuperação, o artigo 8º acima transcrito prevê expressamente que quando verificada uma das hipóteses nele previstas estar-se-á diante de um crédito irrecuperável, independente de outros requisitos.
Trata-se de disposição que não depende de qualquer discricionariedade, mas apenas da concretização do fato elencado.
As alegações da agravante, no sentido de que a responsabilidade solidária do sócio a quem foi redirecionada a execução impediria a classificação do crédito como irrecuperável, resultam em uma tese que não se extrai da literalidade dos artigos das Portarias que tratam do tema ou da lei n. 13.988/2020.
Isso porque tais normas não tratam especificamente do devedor solidário e muito menos das hipóteses de redirecionamento da execução fiscal. A interpretação de que - para fins de enquadramento do crédito como irrecuperável - necessária se faz a comprovação de falta de capacidade de pagamento de todos os devedores solidários e de óbito do devedor sem deixar bens é uma interpretação extensiva, contrária ao princípio da legalidade, norteador do direito administrativo.
Ademais, como bem consignado na decisão agravada, o crédito devido por pessoa jurídica baixada por inaptidão é considerado irrecuperável.
Por fim, destaca-se que a agravante CVM não demonstrou qual seria o dano grave resultante da manutenção da decisão agravada. O processo de transação requerido pelo agravado sequer foi deferido, existindo apenas a proposta realizada.
Por outro lado, o indeferimento da medida liminar, na hipótese, ocasionaria dano grave ao agravado, vez que o acesso dele à eventual transação restaria integralmente tolhido, dada a existência de resposta negativa na esfera administrativa. Somente com a demonstração de que, de fato, o mesmo não é destinatário da transação pleiteada é que ele pode ser excluído de forma irreversível do referido procedimento.
Dessa maneira, a r. decisão agravada deverá ser mantida.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo de instrumento, nos termos da fundamentação.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. LIMINAR. NECESSÁRIOS A RELEVÂNCIA DA FUNDAMENTAÇÃO E O PERIGO DA DEMORA. NÃO CONFIGURAÇÃO DO ÚLTIMO REQUISITO. RECURSO PROVIDO.
- Necessários o fundamento relevante e o perigo da demora para a concessão da liminar (artigo 7º, inciso III, da Lei nº 12.016/2009).
- Ausente o perigo atual de dano ou o risco ao resultado útil do processo, desnecessária a apreciação da probabilidade do direito, pois, por si só, não legitima a providência almejada.
- Agravo de instrumento provido para cassar a liminar.