Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000331-79.2018.4.03.6127

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

APELANTE: OLIVO SIMOSO

Advogados do(a) APELANTE: JOAO AUGUSTO PRADO DA SILVEIRA GAMEIRO - SP221389-A, JULIA CASELLI MARTINS - SP445013-A, TIAGO CARUSO TORRES - SP357708-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000331-79.2018.4.03.6127

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

APELANTE: OLIVO SIMOSO

Advogados do(a) APELANTE: JOAO AUGUSTO PRADO DA SILVEIRA GAMEIRO - SP221389-A, TIAGO CARUSO TORRES - SP357708-A, JULIA CASELLI MARTINS - SP445013-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

 

 R E L A T Ó R I O

 

 

Trata-se de recurso de apelação interposto pela defesa do acusado Olivo Simoso contra a sentença que o condenou a 3 (três) anos, 1 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 15 (quinze) dias-multa, no valor unitário de 5 (cinco) salários mínimos vigentes à época do fato, corrigidos monetariamente quando do pagamento, pela prática do delito do art. 1º, I, da Lei n. 8.137/90, substituída a pena privativa de liberdade por 2 (duas) restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública, conforme definido pelo Juízo das Execuções Criminais, e na prestação pecuniária de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), a ser depositada em conta à disposição do Juízo, fixado em R$ 44.507.157,37 (quarenta e quatro milhões, quinhentos e sete mil, cento e cinquenta e sete reais e trinta e sete centavos) o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, em conformidade com o art. 387, IV, do Código de Processo Penal (Id n. 255722826).

Recorre com os seguintes argumentos:

- Preliminarmente:

a) é nula a sentença que condenou o apelante antes do oferecimento do benefício do Acordo de Não Persecução Penal – ANPP;

b) os fundamentos utilizados para negar ao apelante o oferecimento da proposta de Acordo de Não Persecução Penal estão equivocados, pois a pena mínima prevista para o crime do art. 1º, I, da Lei n. 8.137/1990 é inferior a 4 (quatro) anos, bem como porque a extinção da sua punibilidade na Ação Penal n. 000108711.2006.403.6127 retirou a alegada reiteração da sua conduta delituosa antes registrada em folha de antecedentes;

c) sendo a pena mínima cominada ao delito imputado ao apelante inferior a 4 (quatro) anos (art. 28-A, caput, do Código de Processo Penal), não havendo elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual (art. 28- A, §2º, II, do Código de Processo Penal) e ausentes quaisquer outras vedações legais, o Acordo de Não Persecução Penal deve ser necessária e imediatamente oferecido ao apelante, por se tratar de direito público subjetivo;

d) o Supremo Tribunal Federal anulou o trânsito em julgado de ação penal e suspendeu a execução da pena para determinar o retorno dos autos à origem para o oferecimento de Acordo de Não Persecução Penal (v. STF, HC 199.180-SC, Relator Min. GILMAR MENDES, j. em 22.02.22);

e) a sentença deve ser então anulada e devolvida ao Juízo de primeira instância para que o Ministério Público Federal ofereça proposta de Acordo de Não Persecução Penal – ANPP ao apelante, com fundamento no art. 564, IV e V, do Código de Processo Penal;

f) a sentença também é nula por ter invertido o ônus da prova para condenar o apelante, competindo à acusação afirmar a validade da autuação fiscal e do auto de infração, em consonância com o art. 156 do Código de Processo Penal;

g) a inversão do ônus da prova para uma condenação penal é causa de nulidade absoluta da sentença, por falta de fundamentação, nos termos do art. 564, inciso V, do Código de Processo Penal;

h) são ilícitas as provas obtidas no cumprimento de medida de busca e apreensão, que decorreu, na sua origem, de notícia de crime anônima;

i) o Ministério Público Federal representou pelo decreto de busca e apreensão a ser cumprido na sede da Construtora Simoso Ltda., baseado, unicamente, em comunicação anônima de crime, sendo que todas as provas obtidas naquela diligência são ilícitas, nos termos do art. 157 do Código de Processo Penal, o que afeta a constituição do crédito tributário;

j) é preciso, no mínimo, averiguação preliminar para atestar a plausibilidade das imputações deduzidas por meio de comunicação anônima, sendo que a decretação de medidas graves e/ou restritivas de direitos fundamentais, entre as quais, a busca e apreensão, não pode ser o primeiro ato de investigação;

k) sendo a constituição do crédito tributário resultado de documentos obtidos em cumprimento de mandado de busca e apreensão fundamentado em comunicação apócrifa de crime, a materialidade da suposta sonegação fiscal decorre de documentos obtidos ilicitamente;

l) a sentença deve ser reformada e o processo anulado ab initio, nos termos do art. 157 do Código de Processo Penal, tendo em vista que o ingresso nas dependências da empresa do apelante desrespeitou a inviolabilidade do domicílio (art. 5º, XI, da Constituição Federal e art. 240, do Código de Processo Penal) e a vedação ao anonimato (art. 5º, IV, da Constituição Federal);

m) é devido o reconhecimento da ilicitude da busca e apreensão e de todos os atos dela decorrentes, inclusive a constituição do crédito tributário, por infringência à Súmula Vinculante n. 24 do Supremo Tribunal Federal, na medida em que “as Autoridades Fiscais somente iniciaram a fiscalização depois do deferimento da medida de busca e apreensão pelo Juízo Criminal (...) o próprio Ministério Público Federal reconheceu que foi com fundamento no material apreendido que as Autoridades Fiscais teriam, depois, encontrado indícios de crimes tributários (...) se não havia crédito tributário constituído à época da medida cautelar, não havia prova da materialidade delitiva de crime tributário, ou seja, não havia à época fumus commissi delicti apto a justificar qualquer ato restritivo de direitos fundamentais, o que também desatende o que postula a Súmula Vinculante nº 24 do Supremo Tribunal Federal” (destaques originais, Id n. 257143897, pp. 19-20);

n) a sentença deve ser reformada e a lide penal deve ser suspensa até final solução da lide no Juízo Tributário, por falta de justa causa e por força do art. 93 do Código de Processo Penal, ou a absolvição do apelante é medida que se impõe, nos termos do art. 386, III, do Código de Processo Penal, já que inexistente a afetação, sequer potencial, do bem jurídico tutelado pela via dos crimes tributários;

o) a sentença deve ser reformada e a lide penal deve ser suspensa até final solução da lide no Juízo Tributário, em que tramita a Execução Fiscal n. 0000809-58.2016.403.6127, por falta justa causa e em observância ao art. 93 do Código de Processo Penal;

p) há informação de que a referida Execução Fiscal está suspensa, desde 09.11.17, " ‘considerando a existência de penhoras de bens imóveis, ativos financeiros bloqueados e bens com decreto de indisponibilidade, além da interposição de embargos do devedor em regular processamento’ " (Id n. 257143897, p. 20), sendo que a suspensão da exigibilidade do crédito tributário pela penhora, nos termos do art. 151 do Código Tributário Nacional, impacta, diretamente, o âmbito criminal, podendo ocasionar o desaparecimento do substrato fático que enseja caracterização de crime contra a ordem tributária, vale dizer, somente é possível ao Juízo Criminal afirmar a existência de tributo devido quando solucionada a lide pelo Juízo Fiscal, único competente para realizar referida valoração jurídica;

q) qualquer que seja o resultado da lide tributária, nunca haverá a mínima chance de lesão ao bem jurídico protegido pela via dos crimes tributários: se o Juízo Tributário reconhecer que o Imposto de Rena Retido na Fonte – IRRF não é devido pela Construtora Simoso Ltda., jamais, por decorrência lógica, pode-se cogitar na ocorrência de crime tributário; se houver a confirmação da dívida tributária, os bens e ativos já penhorados e indisponíveis serão convertidos em renda, garantirão o adimplemento integral da obrigação fiscal e, nessa hipótese, a consequência é a extinção da punibilidade no âmbito penal, nos termos do art. 9º, §2º, da Lei n. 10.684/2003;

- No mérito:

r) refutadas as preliminares arguidas, requer-se o reconhecimento da ausência de tipicidade material do crime de sonegação fiscal em razão da superveniência de lei tributária mais benéfica;

s) a constituição definitiva do crédito tributário ocorreu quando do julgamento do recurso especial pela Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), na sessão do dia 14 de maio de 2013, mediante voto de qualidade, em que o desempate resolveu-se com a duplicação do voto do presidente da Câmara Superior, em favor do Fisco, sendo que, naquela época, estava em vigor o art. 25, §9º, do Decreto n. 70.235/72, o qual determinava que, em casos de empate no julgamento do processo administrativo, o presidente da Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais do CARF, mediante manifestação intitulada como voto de qualidade, decidiria sobre a questão controvertida a fim de resolver o julgamento;

t) em 14.04.20, entrou em vigor a Lei n. 13.988/20, que, por meio do respectivo art. 28, suprimiu o voto de qualidade no CARF, determinando que, se houver empate, não se aplica o voto de qualidade e o caso deverá ser resolvido a favor do contribuinte;

u) a alteração na forma da constituição definitiva do crédito tributário impacta, diretamente, o âmbito penal;

v) ao contrário do que consignou o Juízo sentenciante, não se trata de regra procedimental de natureza processual, mas de norma de conteúdo material com aplicação retroativa inerente às normas mais benéficas, principalmente para efeitos penais;

w) como a constituição definitiva do crédito na esfera administrativa é condição para a tipicidade do crime na esfera penal, a lei que daquela trata não é mera regra processual, mas sim norma de conteúdo de direito material para fins penais e, por essa razão, o art. 28 da Lei n. 13.988/20 deve, necessariamente, retroagir, nos termos do art. 5º, XL, da Constituição da República e do art. 2º, parágrafo único, do Código Penal, já que a alteração que promoveu na matéria é benéfica ao acusado;

x) se fosse julgado hoje o PAF n. 10830.004864/2005-02, pelos exatos mesmos Conselheiros da Câmara Superior do CARF, o empate necessariamente seria resolvido em favor da Construtora Simoso Ltda., não haveria constituição definitiva do crédito e, por via de consequência, inexistiria crime tributário a ser apurado e, sem decisão definitiva administrativa que afirme a ocorrência de redução ou supressão de um tributo devido, falta condição de procedibilidade para a ação penal, porque não há tipicidade material, nem formação de materialidade delitiva, tornando inviável a tomada de qualquer medida criminal;

z) o juízo competente para a execução da pena imposta ao apelante na Ação Penal n. 0001087-11.2006.403.6127, autuada no Juízo da Execução sob n. 0001121-46.2020.8.26.0363, acertadamente levou tudo isso em consideração e, naquele caso, resolvida a celeuma no âmbito administrativo pela via do voto de qualidade, foi aplicado, retroativamente, o art. 28 da Lei n. 13.988/20, sendo declarada extinta a punibilidade em relação ao apelante;

a’) com a alteração promovida pela Lei n. 13.988/20, não está confirmada, pela esfera administrativa tributária competente, a existência de tributo devido no presente caso e, sem essa elementar típica previamente confirmada, como exige a Súmula Vinculante n. 24 do Supremo Tribunal Federal, impossível a condenação por crime tributário;

b’) considerando a entrada em vigor de lei mais benéfica na esfera penal, que suprimiu o voto de qualidade, deve o art. 28 da Lei n. 13.988/20 ser aplicado, retroativamente, ao presente caso e, por via de consequência, deve ser desconsiderada a constituição definitiva do crédito tributário no âmbito administrativo e afirmada a ausência de tipicidade do crime tributário imputado na espécie, sendo a sentença reformada e o apelante absolvido, com fundamento no artigo 386, III, do Código de Processo Penal;

c´) a constituição definitiva do crédito tributário em 31.08.15 decorreu de indevida autorização antecipada de medida cautelar penal e desrespeitou a ordem de exaurimento da via administrativa-tributária, a teor do que exige a lei processual penal e a Súmula Vinculante n. 24 do Supremo Tribunal Federal, impondo-se a absolvição do apelante, por falta de prova de materialidade delitiva, com fundamento no art. 386, II e VII, do Código de Processo Penal;

d’) a legislação tributária autoriza a incidência do IRRF a todo pagamento efetuado pelas pessoas jurídicas a beneficiário não identificado e a pagamentos efetuados ou entrega de recursos a beneficiários identificados quando não comprovada a operação ou a sua causa, sendo que, no presente caso, “a Autoridade Fiscal não comprovou o elemento material, equiparando saque a pagamento; ainda, presumiu que os pagamentos se destinavam a terceiros não identificados” (destaques originais, Id n. 257143897, p. 31);

e’) a testemunha Alexandre Jaguaribe, então Conselheiro do CARF e redator do voto vencedor perante o Conselho de Contribuintes, confirmou em juízo o teor do referido voto e foi bastante claro em afirmar que “o fato gerador do IRRF que seria devido pela pessoa jurídica não ocorreu na espécie e que o lançamento feito pela fiscalização estava errado” (destaques originais, Id n. 257143897, p. 32);

f’) de acordo com o art. 61 da Lei n. 8.981/95, só incide IRRF quando o beneficiário não estiver identificado, sendo que, no presente caso, a própria acusação, desde a denúncia e durante a instrução processual, reforçou que a fiscalização identificou os beneficiários dos valores do suposto "caixa 2";

g’) se a destinação dos valores do alegado "caixa 2" estava expressamente indicada, tanto na fiscalização, como na própria denúncia e na sentença, não há fato gerador para o nascimento do IRRF e o Auto de Infração lavrado está errado;

h’) o acórdão do CARF não deixa dúvida do erro da autuação fiscal ao consignar que "seria necessário que a fiscalização buscasse os elementos comprobatórios de que os recursos saídos do 'caixa 2' para a empresa foram por esta destinados a beneficiários não identificados, pois a simples indicação de que os valores saíram do 'caixa 2' para a empresa não caracteriza o fato gerador" (Id n. 257143897, p. 33);

i’) não fosse esse argumento suficiente, era ônus da acusação provar, inequivocamente, que aqueles saques identificados foram, de fato, pagamentos, para, então, haver alguma chance de ter sido gerado IRRF;

j’) não havendo prova da ocorrência do fato gerador tributário, não há se falar em materialidade delitiva de crime tributário material, sendo de rigor a reforma da sentença e a absolvição do apelante, com fundamento no art. 386, II e VII, do Código de Processo Penal;

k’) a acusação deveria ter sido capaz de provar que foi Olivo Simoso quem omitiu informações ao Fisco, ou provar de que forma ele teria concorrido para essa omissão praticada por um terceiro, sendo certo que nenhuma das testemunhas ouvidas, nem as arroladas pela própria acusação, nem as arroladas pela defesa, afirmaram que o apelante participava da gestão de questões tributárias da Construtora Simoso Ltda.;

l’) é da própria sentença que se colhe a prova de que havia pessoas na empresa do apelante que trabalhavam diretamente no departamento responsável pelas questões financeiras, fiscais e contábeis, da qual Olivo Simoso não fazia parte, logo o conjunto probatório dos autos não contém elemento algum para afirmar a autoria delitiva em relação ao apelante;

m’) imputar crime a alguém porque faz parte dos quadros da empresa, principalmente quando a pessoa ocupa posições mais altas na hierarquia interna, como é o caso dos administradores, é presunção de responsabilidade penal, imputação de responsabilidade penal em razão de cargo ou condição estática e/ou imputação de responsabilidade penal objetiva, todas proibidas no nosso ordenamento jurídico;

n’) a sentença deve ser reformada e o apelante absolvido, portanto, por falta de prova de autoria delitiva, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal;

o’) mantida a condenação, requer-se que as penas sejam todas fixadas no mínimo legal;

p’) pleiteia-se a redução do valor do dia-multa ao mínimo legal, bem como a diminuição do valor da prestação pecuniária;

q’) requer-se, por fim, a exclusão da condenação do apelante ao pagamento do valor fixado para os fins do art. 387, IV, do Código de Processo Processual, sob pena de indevido bis in idem, considerando a pendência da Execução Fiscal n. 0000809-58.2016.403.6127 que tramita perante o mesmo juízo e está suspensa por decisão judicial em razão da penhora de bens suficiente para a garantia do débito tributário (Id n. 255722830 e 257143897).

Não foram apresentadas contrarrazões recursais pelo Ministério Público Federal, consignado em parecer da Procuradoria Regional da República que, “em decisão do colegiado dos Procuradores Regionais da República da 3ª Região, oficiantes no núcleo criminal, restou decidido que doravante, nas hipóteses do artigo 600 § 4º do Código de Processo Penal, haverá apresentação de uma peça única, sendo as contrarrazões dispensáveis, uma vez que a ausência de contrarrazões de apelação não constitui causa de nulidade, senão mera irregularidade, pois a falta dessa peça não enseja qualquer prejuízo à defesa” (destaques originais, Id n. 259054668, p. 3).

A Ilustre Procuradora Regional da República, Dra. Elizabeth Mitiko Kobayashi, manifestou-se pelo desprovimento do recurso de apelação (Id n. 259054668).

É o relatório.

Encaminhem-se os autos à revisão, nos termos regimentais.

 

 

 


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VOTO

 

EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES: Inicialmente, destaco a estima e a admiração que nutro pelo E. Relator do presente feito, Des. Fed. André Nekatshalow. Pedi vistas dos autos para uma melhor apreciação do feito e, após fazê-lo, ouso divergir de Sua Excelência nos seguintes termos.

Acompanho o E. Relator para rejeitar as preliminares, com seus mesmos fundamentos.

Destaco a rejeição da preliminar constante na alteração legislativa da sistemática de votação do processo fiscal, trazida pela Lei 13988/2020. Como asseverou o Relator, o feito foi julgado de acordo com os preceitos legais vigentes à época e, portanto, a constituição do crédito tributário foi válida, assim como a subsequente representação fiscal para fins penais.

Contudo, penso que a materialidade do crime de sonegação não restou provada para além da dúvida razoável, como exigido no Direito e no Processo Penal.

Não é demais lembrar que as presunções na esfera tributária não podem ser importadas de forma automática para o âmbito penal, onde a prova deve ser produzida e confirmada, podendo as conclusões do Fisco restarem refutadas ou enfraquecidas pelos elementos dos autos.

O presente caso apresenta certa complexidade contábil e não ficou suficientemente clara a sistemática de funcionamento de eventual “caixa 2” e, sobretudo, a natureza dos pagamentos que seriam feitos a partir dali.

A acusação sustenta que houve omissão no recolhimento de Imposto de Renda retido na fonte, mormente porque teria havido pagamentos a “beneficiários não identificados”, o que permitiria a incidência de presunção fiscal de que sobre tais valores incide a referida espécie tributária.

Porém, elementos há nos autos, inclusive algum reconhecimento nesse sentido por parte da fiscalização, no sentido de que tais pagamentos retornavam ao fluxo regular da empresa ou eram destinados a pagamentos de despesas pessoais dos sócios, o que não acarretaria a incidência do imposto.

Não foi por outra razão que o julgamento final do processo administrativo-fiscal terminou empatado e foi resolvido pelo voto de qualidade do presidente do conselho. Os conselheiros vencidos vislumbraram essa dificuldade em comprovar a natureza dos pagamentos efetuados a partir do caixa 2 e, portanto, a própria incidência do Imposto de Renda retido na fonte, conforme depoimento prestado em juízo pela então Conselheira do CARF, Susy Gomes Hoffman, que declarou ter “votado a favor da empresa, por também entender que os recursos do ‘Caixa 2’ destinaram-se à própria empresa, para pagamento de contas contabilizadas, e que o Fisco não logrou fazer prova da fraude associada à destinação desses recursos a beneficiários não identificados” (Id n. 255722754).

Concluo, portanto, pela insuficiência probatória, que deve acarretar a absolvição do acusado.

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO à apelação da defesa para absolver Olivo Simoso, na forma do artigo 386, VII, do CPP.

É o voto. 


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APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

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V O T O

Trata-se de apelação criminal interposta pela defesa de Olivo Simoso em face da sentença que o condenou às pena de 3 (três) anos, 1 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial aberto e pagamento de 15 (quinze) dias-multa, no valor unitário de 5 (cinco) salários mínimos vigentes à época do fato pela prática do delito do artigo 1º, inciso I da Lei 8.137/90, substituída a sanção corporal por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública e prestação pecuniária no valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), além do pagamento de indenização pelos danos causados no importe de R$ 44.507.157,37 (quarenta e quatro milhões, quinhentos e sete mil, cento e cinquenta e sete reais e trinta e sete centavos).

Em suas razões recursais, a defesa sustenta, em suma, preliminarmente, a nulidade da sentença, pois não oferecido o Acordo de Não Persecução Penal, especialmente porque deve ser afastado o óbice da reiteração delitiva dada a extinção da punibilidade obtida na Ação Penal nº 000108711.2006.403.6127 e também pela ilegal inversão do ônus probatório, uma vez que cabe à acusação validar a autuação fiscal e o auto de infração. Sustenta, ainda, a ilicitude das provas oriundas da busca e apreensão concretizada na sede da Construtora Simoso LTDA., já que esta foi decorrente de notícia de crime anônima, nulidade que também alcança a constituição do crédito tributário, arremata com a alegação de violação das garantias constitucionais da inviolabilidade do domicílio (art. 5º, XI, da Constituição Federal e art. 240, do Código de Processo Penal) e da vedação ao anonimato (art. 5º, IV, da Constituição Federal) e da Súmula Vinculante 24 do Supremo Tribunal Federal.

Ainda, preliminarmente, requer a reforma da sentença condenatória e a suspensão até resultado final da demanda que discute a existência e legalidade do crédito tributário Execução Fiscal nº 0000809-58.2016.403.6127) que está suspensa por garantia da dívida com a penhora de bens imóveis, ativos financeiros e bloqueio/indisponibilidade de bens ou, alternativamente, a absolvição, com fundamento no artigo 386, III do Código de Processo Penal

No mérito, aduz a atipicidade material do crime de sonegação fiscal em razão da superveniência de lei tributária mais benéfica que exige a aplicação do princípio da retroatividade em favor do penalmente acusado, pois à época do julgamento do recurso administrativo vigia o artigo 25, §9º do Decreto nº 70.235/72, o qual disciplinada que, em caso de empate, a controvérsia era decidida pelo voto de qualidade do presidente da Turma, no entanto, a Lei 13.988/2020 suprimiu esta previsão e, no caso de empate, determina a solução a favor do contribuinte, o que significaria a inexistência do crédito tributário e este foi o fundamento adotado pelo juízo da execução penal que extinguiu a punibilidade do réu na Ação Penal nº 0001087-11.2006.403.6127 (Execução Penal nº 0001121-46.2020.8.26.0363).

Acresce que a testemunha Alexandre Jaguaribe, então Conselheiro do CARF e redator do voto vencedor perante o Conselho de Contribuintes, confirmou em juízo o teor do referido voto e afirmou que o fato gerador do IRRF que seria devido pela pessoa jurídica não ocorreu na espécie e que o lançamento feito pela fiscalização estava errado”, o que reforça a tese defensiva de que o artigo 61 da Lei nº 8.981/95, exige a incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte para o beneficiário não identificado, porém, no caso dos autos, a própria acusação admite que a fiscalização identificou os beneficiários do suposto "caixa 2", de modo que não fato gerador do tributo, de modo que pleiteia a absolvição do apelante, com fundamento no artigo 386, incisos II e VII do Código de Processo Penal;

Sustenta que a acusação não se desincumbiu de seu ônus probatório, eis que não provou que o réu Olivo Simoso omitiu informações ao Fisco ou que tenha concorrido para a omissão, sendo que da prova testemunhal resulta que ele não participava da gestão financeiro-tributária da pessoa jurídica, daí porque também não há demonstração suficiente da autoria delitiva, sob pena de responsabilidade penal objetiva. 

Subsidiariamente, se mantida a condenação, a defesa pugna pela redução das penas ao mínimo legal, inclusive a pena de multa, a diminuição do valor da prestação pecuniária, a exclusão da condenação ao pagamento da indenização por reparação de danos, eis que configura bis in idem em relação à cobrança em curso na Execução Fiscal nº 0000809-58.2016.403.6127.

O Ministério Público Federal, embora intimado, não apresentou contrarrazões recursais e a Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo desprovimento do apelo defensivo.

Na sessão de julgamento ocorrida em 17/10/2022, após sustentações orais e voto do i. relator, Des. Fed. André Nekatschalow, no sentido de conhecer parcialmente do recurso e, nesta parte conhecida, rejeitar as questões preliminares e dar parcial provimento para, mantida a condenação, fixar as penas em 3 (três) anos, 1 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial aberto e pagamento de 15 (quinze) dias-multa pela prática do delito do artigo 1º, inciso I da Lei 8.137/90, reduzir o valor da prestação pecuniária para 50 (cinquenta) salários mínimos, bem como excluir a condenação ao pagamento do valor fixado para os fins do artigo 387, IV do Código de Processo Penal, o julgamento foi suspenso em razão do pedido de vista do Des. Fed. Paulo Fontes.

Em prosseguimento, na sessão ocorrida em 27/03/2023, o i. Des. Fed. Paulo Fontes apresentou voto-vista em que dá provimento ao recurso de apelação da defesa de Olivo Simoso para absolvê-lo da imputação, na forma do artigo 386, VII do Código de Processo Penal.

Na ocasião, pedi vista dos autos para análise mais detida de todo o processado e melhor reflexão sobre as questões jurídicas determinantes.

Passo a declarar meu voto.

Consta dos autos que Olivo Simoso foi denunciado pela prática do delito do artigo 1º, inciso I da Lei nº 8.137/90, em breve resumo, porque, na condição de responsável pela administração da empresa Construtora Simoso LTDA., no período de 31 de outubro de 1999 a 31 de maio de 2004, suprimiu Imposto de Renda Retido na Fonte - IRRF, mediante omissão de informações às autoridades fazendárias.

Narra a denúncia que, em cumprimento a mandado de procedimento fiscal expedido no bojo de Representação Criminal nº 2003.61.27.002370-9, o fisco federal deflagrou ação fiscal, da qual adveio, dentre outros o PAF 10830.004864/2005-02 que apurou a existência de contabilidade paralela ("caixa 2"), identificada como "cód_banco CAIXA EX" (denominado como "CAIXA EX" pela Receita Federal), mantida pela empresa com recursos em espécie, cheques e outros créditos, os quais não constam da escrituração regular (livros diário e razão).

Apuraram-se várias saídas de numerário a título de empréstimos aos sócios, saques ou pagamentos à diretoria e outros desembolsos (inclusive fornecedores), todas não contabilizadas e muitas sem a comprovação da causa de tais movimentos e/ou identificação dos beneficiários e, finalmente, diversas transferências em favor dos sócios Olivo Simoso e Antônia Tereza Campaldi Simoso.

Em sua defesa administrativa, a empresa sustentou que a referida movimentação já fora ofertada à tributação por "denúncia espontânea", na figura de "lucros distribuídos que não são tributados", o que foi refutado pelo fisco, pois estes registros não foram contabilizados, além de que os valores constantes das listagens do "caixa 2" e documentação apreendida na empresa indicam que se referem a despesas pessoais dos sócios Olivo Simoso e Antônia Tereza Campaldi Simoso (cartões de crédito, mensalidades de clubes, gastos com veículos, telefones, energia elétrica, aquisição de bens etc). 

Conclui-se que esta contabilidade paralela beneficiava diretamente os mencionados sócios e, pela ausência de escrituração regular, ensejou a supressão do IRRF, no valor originário de R$ 19.310.591,57 (dezenove milhões, trezentos e dez mil, quinhentos e noventa e um reais e cinquenta e sete centavos), tendo sido arrolados bens como garantia de satisfação do crédito tributário.

O crédito tributário foi definitivamente constituído em 31/08/2015 e é objeto de execução fiscal que apontou o montante atualizado de R$ 44.507.157,37 (quarenta e quatro milhões, quinhentos e sete mil, cento e cinquenta e sete mil reais e trinta e sete centavos).

A acusação afirmou, ainda, que ouvidos pela autoridade policial, a sócia Antônia Tereza Campaldi Simoso negou participar da administração da empresa, uma vez que apenas figurava no contrato social e seu esposo, Olivo Simoso, sempre foi o responsável pela pessoa jurídica. 

Finalmente, acrescentou que, na manhã de 06/10/2004, o auditor fiscal João Batista Bacchin Filho compareceu à Construtora Simoso LTDA. para cumprir intimação fiscal, porém seu ingresso foi embaraçado pelo funcionário José Carlos Manara, sob a justificativa de que não havia outra pessoa local, no entanto, pode constatar que o sócio e denunciado Olivo Simoso estava no local. Seu ingresso só admitido no fim da tarde, possibilitando a transmissão eletrônica de quatro declarações retificadoras, no intuito de falsear a realidade como denúncia espontânea e obter o benefício fiscal do artigo 138 do Código Tributário Nacional, conduta que, no entender do Ministério Público Federal, revela a "nítida consciência da existência de irregularidades" e o uso de artifício, ambos reveladores de conduta incompatível com a boa-fé.

A denúncia foi recebida em 11/02/2019 (id. 255722692 - fls. 10/12).

Após instrução processual, sobreveio a sentença que condenou Olivo Simoso na forma já relatada (id. 255722823).

Inicialmente, rejeito as preliminares arguidas pelo i. relator, nos exatos termos de seu voto, com os quais me ponho inteiramente de acordo.

Note-se que, embora entenda que a norma legal que introduziu o acordo de não persecução penal no artigo 28-A do Código de Processo Penal encerre caráter misto com conteúdo material e processual e por esta natureza despenalizadora assegura aplicação também para os processos em curso, desde que não superado o trânsito em julgado (artigo 5º, XL da Constituição Federal de 1988), não há como desconsiderar que o legislador pátrio expressamente reservou ao titular da ação penal um campo de atuação discricionária no que a lei se refere ao que é necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime.

Aqui, o Ministério Público Federal, em duas oportunidades, avaliou as condições concretas do processo e manifestou-se com firmes fundamentos de forma contrária à proposta de acordo, sendo certo que os registros criminais do réu, de fato, impedem a incidência do benefício, atentando-se para o fato que lei não exige condenação criminal definitiva para consideração dos antecedentes penais.

Na mesma linha, adoto como razões de decidir os fundamentos lançados pelo i. relator quanto à alegada nulidade da sentença por ausência de fundamentação válida de sentença de 1º  grau, ausência de justa causa com violação da Súmula Vinculante 24 do Supremo Tribunal Federal e ilegal inversão do ônus probatório, especialmente no ponto da ausência de crédito tributário definitivamente constituído.

Ademais, como bem destacado pelo i. relator, a prova dos autos é suficiente e clara quanto ao contexto no qual se desenrolou a investigação e a existência de outros elementos indiciários que apoiaram a decisão judicial que autorizou a busca e apreensão na sede da empresa, de modo que não há falar em deflagração de operação policial baseada unicamente em denúncia anônima.

No tocante ao enquadramento típico, especialmente quanto à alegada aplicação da retroatividade benéfica ao acusado, rememoro os argumentos defensivos principais, nos quais se afirma que o crédito tributário foi constituído após julgamento de recurso especial pela Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - CARF, em 14/05/2013, pelo voto de qualidade que, à época, materializava-se pela reiteração do voto do presidente da Câmara Superior, no caso em favor do fisco, consoante artigo 25, §9º do Decreto 70.235/72.

Ocorre que, como arguido pela defesa, sobreveio a Lei 13.988/2020 que suprimiu o referido voto de qualidade e disciplinou que, no caso de empate, a controvérsia é resolvida no sentido favorável ao contribuinte. Daí que, no seu entender tal regra tem natureza de direito material, alcança fatos anteriores a sua edição e, por lhe ser mais benéfica atrai a garantia constitucional do artigo 5º, inciso XL da Constituição Federal.

A defesa alega que, se o julgamento perante o CARF do PAF 10830.004864/2005-02 tivesse ocorrido sob a égide da Lei 13.988/2020, o resultado seria outro, pois prevaleceria o voto favorável ao contribuinte e, neste caso, o crédito tributário não seria constituído e, por consequência, a ação penal careceria de justa causa.

Muito embora o esforço defensivo, não há como dar guarida a sua tese e, mais uma vez, acompanho as conclusões do i. relator.

Inicialmente, observo que os artigos 105 e 106 do Código Tributário Nacional disciplinam a aplicação da lei tributária e relaciona as hipóteses nas quais ela retroage em favor do contribuinte para alcançar fatos geradores pretéritos e infere-se que tal garantia de retroatividade destina-se aos casos ainda pendentes, ou seja, os que ainda não tenham exaurido seu trâmite perante a autoridade administrativa, o que não é o caso dos autos.

Outrossim, como também destacado pelo magistrado sentenciante, a Lei 13.988/2020 alterou o artigo 28 do Decreto 70.235/72 que é a legislação de regência do processo administrativo fiscal e, como tal, veicula regra de igual natureza (processual) e não assume contornos de norma penal. De mais a mais, a garantia constitucional da retroatividade da lei penal mais benéfica convive em harmonia com a salvaguarda igualmente constitucional da segurança jurídica (art. 5º, XXXVI da Constituição Federal. 

Prossigo no exame do mérito e quanto à materialidade delitiva, embora a alentada fundamentação e as judiciosas conclusões adotadas pelo i. relator, ouso discordar no sentido da divergência inaugurada pelo Des. Fed. Paulo Fontes, cuja fundamentação também adoto como razões decidir.

Com efeito, a prova da materialidade delitiva está toda apoiada no Procedimento Administrativo Fiscal nº 10830.004864/2005-02 juntado nos apensos ao feito principal (id. 255721573 a 255722690), do qual destaco o acórdão nº 9101-001.647 da 1ª  Turma do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - CARF, datado de 14/05/2013 que confirma o lançamento de IRRF incidente sobre "saída de numerário não contabilizado para beneficiários não identificados", com base no artigo 61 da Lei 8.981/95 (id. 255721573 - fls. 39/74, id. 255722684 - fls. 37/50) que revela ter se fundamentado o lançamento tributário sobre tais pagamentos em matéria bastante controversa na esfera administrativo-fiscal.

O crime de sonegação fiscal só se aperfeiçoa com a constituição definitiva do crédito tributário, que é um ato privativo da autoridade administrativa, a teor do artigo 142, caput do Código Tributário Nacional e conforme sedimentado na Súmula Vinculante nº 24 do Supremo Tribunal Federal.

Porém, no caso concreto a higidez desse lançamento foi abalada pela prova dos autos na ação penal, dadas as circunstâncias em que se aperfeiçoou e esse fato impede se tenha certeza sobre se a exigência fiscal tinha supedâneo fático capaz de preencher a hipótese de incidência, na forma em que constituída.

 Em que pese não ser o caso de aplicar a Lei 13.988/2020 com efeitos retroativos, anulando-se o voto de qualidade, fato é que houve empate entre no CARF, desempatado pelo duplo voto do presidente da turma, como bem explicitou a conselheira Suzy Gomes Hoffman, em depoimento bastante esclarecedor em juízo em relação à divergência que se instaurou no CARF.

Do exame acurado de todo o processado, noto que a questão da omissão de informações e/ou receitas pela pessoa jurídica ao fisco federal, a meu ver, é incontroversa, pois está clara e, de certa forma, até reconhecida pela defesa, a existência de contabilidade paralela ou "caixa 2".

Ocorre que o lançamento tributário que respalda a presente ação penal não se baseia na omissão de receitas. O crédito corresponde a aferição, pelo fisco de "pagamentos a beneficiários não identificados", o que não ficou claro se realmente houve, ou se os pagamentos foram identificados, na medida em que dois Conselheiros da Câmara Superior em recurso da Fazenda e também a Câmara Baixa do CARF concluíram que o dinheiro do "Caixa 2" servia para pagar as despesas da própria pessoa jurídica, não havendo que se falar em pagamentos geradores de IRRF. É dizer: houve omissão de receitas, houve irregularidade na escrituração, mas o lançamento, nos moldes em que foi feito  - e o crédito decorrente dele, que constitui a materialidade do crime aqui apurado, são bastante duvidosos.

Assim, a dúvida repousa justamente sobre a natureza jurídica e a configuração da hipótese de incidência tributária do Imposto de Renda Retido na Fonte - IRRF e, neste ponto, há sólida dúvida sobre a existência do crédito tributário e, por consequência, sobre a própria materialidade delitiva, na medida em que se o lançamento é inexistente ou incerto,  tanto o é a prova material do crime. 

No particular, é bastante ilustrativo o depoimento da testemunha da defesa Susy Gomes Hoffman, conselheira do CARF que também participou do julgamento do recurso especial da Fazenda Nacional ocorrido em maio de 2013, no qual afirma com tranquilidade que os valores registrados no "caixa 2" destinavam-se em parte para remuneração dos sócios/pró-labore e outros para o caixa da própria empresa e não para beneficiários não identificados, pois essa destinação não ficou provada,  de modo que os conselheiros do CARF no julgamento anterior concluíram que, apesar da escrituração irregular, os pagamentos integraram o caixa da empresa. Contudo, no julgamento de que participou o entendimento ficou "dividido" e sua compreensão dos fatos foi favorável ao contribuinte, pois também concluiu que os recursos do "caixa 2" foram destinados para pagamentos de despesas e/ou remuneração da própria empresa em contas registradas na contabilidade regular, até porque o Fisco Federal não apresentou prova da fraude ou da destinação incerta destes pagamentos, vale dizer, de recursos destinados a beneficiários não identificados (id. 255722694 - fls. 171, 553 e 255722754).

Ora, diante da dúvida da própria higidez do crédito tributário, não vejo como afastar a incerteza sobre a materialidade delitiva e a solução do impasse milita em favor da defesa (princípio favor rei), isto porque, o juízo condenatório reclama convicção da presença de todos os elementos do crime, o que não se verifica no presente caso.

E, ausente a certeza da materialidade delitiva, entendo prejudicada a análise das demais teses recursais.

Ante o exposto, com a devida vênia, divirjo do i. relator, para acompanhar o voto divergente e, portanto, dou provimento ao recurso defensivo para absolver o réu Olivo Simoso da imputação do crime do artigo 1º, inciso I da Lei 8.137/90, o que faço com fulcro no artigo 386, inciso VII do Código de Processo Penal.

É o voto.

 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000331-79.2018.4.03.6127

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

APELANTE: OLIVO SIMOSO

Advogados do(a) APELANTE: JOAO AUGUSTO PRADO DA SILVEIRA GAMEIRO - SP221389-A, TIAGO CARUSO TORRES - SP357708-A, JULIA CASELLI MARTINS - SP445013-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

 

 V O T O

 

Desembargador André Nekatschalow. 

Imputação. Olivo Simoso foi denunciado pela prática do delito do art. 1º, I, da Lei n. 8.137/90 pela prática dos seguintes fatos:

 

I. SÍNTESE DA ACUSAÇÃO

Olivo Simoso, na condição de responsável pela administração da pessoa jurídica Construtora Simoso Ltda. (CNPJ n. 48.169.53610001-61), estabelecida na Rodovia SP -147, Quilômetro 63, Sobradinho, em Mogi Mirim (SP), suprimiu Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) referente a fatos geradores ocorridos no período de 31 de outubro de 1999 a 31 de maio de 2004, mediante a conduta de omitir informações às autoridades fazendárias, ficando incurso nas penas do artigo 1º, inciso I, da Lei n. 8.137190.

II. HISTÓRICO DOS FATOS RELEVANTES

Em cumprimento do Mandado de Procedimento Fiscal n. 08.1.04.00-2004-00625-0 (fl. 2 da mídia digital de fl. 54 dos autos principais), expedido no interesse da execução do mandado de busca e apreensão exarado por esse Juízo nos autos da Representação Criminal n. 2003.61.27.002370-9, a fiscalização fazendária levou a cabo uma ação fiscal pertinente à pessoa jurídica Construtora Simoso Ltda. (CNPJ n. 48.169.53610001-61), estabelecida na Rodovia SP -147, Quilômetro 63, Sobradinho, em Mogi Mirim (SP), originando, entre outros, o Processo Administrativo n. 10830.004864/2005-02, da Delegacia da Receita Federal do Brasil em Campinas (fls. 4 dos autos principais e fls. 1 e 36-38 do arquivo contido na mídia digital de fl. 54 dos mesmos autos).

A narrativa contida nas folhas de continuação do auto de infração pertinente ao referido processo administrativo (fls. 36-53 do arquivo contido na mídia digital de fl. 54) revela que a contabilidade paralela ("Caixa 2") da Construtora Simoso era composta de dois caixas distintos, sendo que um deles, identificado como "cód_banco CAIXA EX" (e denominado "CAIXA EX" pela fiscalização fazendária), é o objeto da presente persecução penal.

Consoante apurado na ação fiscal, o fluxo do CAIXA EX era "mantido pela fiscalizada na forma de dinheiro, cheques ou outros créditos, cuja contabilização não foi encontrada na escrituração da empresa (livros Diário e Razão)".

Com efeito, os extratos e tabelas de fls. 54-95 do arquivo contido na mídia digital apontam várias saídas de numerário a título de empréstimos aos sócios, saques da diretoria (ou pagamentos a ela) e saques e pagamentos diversos (Inclusive a fornecedores), sem que constasse a entrada dos respectivos valores na contabilidade oficial da pessoa jurídica e, em muitos casos, sem que tivesse sido comprovada a causa de tais movimentações e/ou fossem identificados os seus beneficiários, além de diversas transferências de recursos aos sócios Olivo e Antônia Simoso.

A empresa alegou que os valores questionados pela fiscalização já haviam sido tributados em uma "denúncia espontânea" por ela oferecida, correspondendo a "lucros distribuídos que não são tributados". Tal assertiva, porém, foi rejeitada, porquanto:

(...) os registros de tais supostos lucros distribuídos não foram encontrados em sua contabilidade, a qualquer título. Além do mais, o próprio histórico dos valores, encontrados nas listagens do CAIXA 2, bem como os documentos apreendidos, que constam do Volume ANEXO 1, demonstram que os valores debitados se referem a despesas pessoais do Sr. OLIVO Simoso da Sra. Antônia Simoso (cartões de crédito, mensalidades de clubes, despesas com veículos, telefones, energia elétrica, aquisição de bens, etc.), não havendo qualquer referência a "lucros distribuídos".

Assim, constatou-se a existência de uma contabilidade paralela criada em beneficio direto dos sócios Olivo Simoso e Antônia Tereza Campaldi Simoso, até porque foram identificados:

( ... ) ingressos, coincidentes em datas e valores, nas contas "OLIVO SIMOSO" (contas 2.1.1.02.0002 em 1999 e 2.1.1.91.0002 em 2000 a 2004) e "ANTÔNIA T C SIMOSO" (conta 2.1.1.9 . 0003 em 2000 a 2004), conforme cópias das contas em anexo, extraídas dos livros RAZÃO da fiscalizada (cujos arquivos magnéticos encontram-se em poder da fiscalização). Esses valores, então, saíram do CAIXA 2 BANESPA (ANEXOS IV e V), para o sócio identificado, e ingressaram na contabilidade da SIMOSO, como empréstimos dos sócios. Dessa forma, serão considerados como valores pagos ao sócio identificado, e não como beneficiário não identificado ( ... )

A fiscalização concluiu, portanto, pela supressão de tributo federal (imposto de renda retido na fonte), referente a fatos geradores ocorridos no período de 31 de outubro de 1999 a 31 de maio de 2004, mediante a conduta de omitir informações às autoridades fazendárias, e exarou o auto de infração de fls. 34-53 do arquivo contido na mídia digital de fl. 54, no valor originário de R$ 19.310.591,57 (dezenove milhões, trezentos e dez mil e quinhentos e noventa e um reais e cinquenta e sete centavos), tendo arrolado e penhorado bens para futura satisfação dos créditos lançados (fl. 123 dos autos principais).

O crédito tributário foi constituído definitivamente na seara administrativa em 31 de agosto de 2015 (fl. 23 dos autos principais) e é objeto de ação de execução fiscal, constando na respectiva exordial que o valor atualizado no momento do ajuizamento era de R$ 44.507.157,37 (quarenta e quatro milhões, quinhentos e sete mil, cento e cinquenta e sete reais e trinta e sete centavos).

Foram ouvidos em sede inquisitorial Olivo Simoso e Antônia Tereza Campaldi Simoso (fls. 98 e 100).

III. DA MATERIALIDADE E DA AUTORIA DELITIVAS

A materialidade delitiva está comprovada pelo auto de infração e pelos documentos que o embasaram, inclusive aqueles pertinentes às diligências administrativas levadas a cabo pela fiscalização fazendária.

Ademais, o crédito tributário apurado foi definitivamente constituído na seara administrativa em 31 de agosto de 2015 (fl. 23 dos autos principais), não havendo pagamento parcelamento pendente (fl. 117), razão pela qual inexiste óbice à propositura da presente ação.

De outro giro, há indícios suficientes de autoria delitiva.

Ouvido em sede inquisitorial, Olivo Simoso declarou que "à esposa do declarante Sra. ANTÔNIA TEREZA CAMPALDI SIMOSO figura no contrato social como sócia mas, de fato nunca administrou a empresa, sendo certo que a empresa sempre foi administrada pelo declarante" (fl. 98 dos autos principais).

Outrossim, a conduta de Olivo Simoso durante a ação fiscal demonstra às escâncaras o dolo delitivo.

Na manhã de 6 de outubro de 2004, por volta das 9h10min, o auditor fiscal João Batista Bacchin Filho esteve na sede da Construtora Simoso, com o fito de realizar uma intimação, e teve seu ingresso embaraçado pelo funcionário José Carlos Manara ao argumento de que não haveria ninguém autorizado a recebê-lo, o que não era verdade, pois o ora denunciado Olivo Simoso, único administrador da empresa, se encontrava no local, consoante revelaram os controles de entrada e saída do estabelecimento; o auditor somente foi atendido, pela funcionária Irani da Penha Oliveira Fogaça, ao retomar no final da tarde, às 17h10min, dando à fiscalizada tempo suficiente para, no intervalo, transmitir eletronicamente à Receita Federal quatro declarações retificadoras de imposto de renda da pessoa jurídica, dando ao fato uma falsa aparência de "denúncia espontânea" para propiciar ilicitamente os benefícios do artigo 138 do Código Tributário Nacional” (fls. 152-160 e 168-176 da mídia digital de fl. 54).

Tal postura revela a nítida consciência da existência de irregularidades fiscais na empresa, bem como o uso de um artifício para perpetuá-Ias totalmente incompatível com a boa-fé.

IV. CONCLUSÃO

Diante do exposto, o Ministério Público Federal denuncia Olivo Simosio como incurso nas sanções do artigo 1º, inciso I, da Lei n. 8.137190. (destaques originais, Id n. 255722692, pp. 4-8)

 

Preliminar. Acordo de não persecução penal (ANPP). CPP, art. 28-A. Ações penais em curso quando da entrada em vigor da Lei n. 13.964/19. Admissibilidade do acordo antes do trânsito em julgado. A atual redação do Enunciado n. 98 da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, alterado em 31.08.20, é a seguinte:

É cabível o oferecimento de acordo de não persecução penal no curso da ação penal, isto é, antes do trânsito em julgado, desde que preenchidos os requisitos legais, devendo o integrante do MPF oficiante assegurar seja oferecida ao acusado a oportunidade de confessar formal e circunstancialmente a prática da infração penal, nos termos do art. 28-A do CPP, quando se tratar de processos que estavam em curso quando da introdução da Lei nº 13.964/2019, conforme precedentes, podendo o membro oficiante analisar se eventual sentença ou acórdão proferido nos autos configura medida mais adequada e proporcional ao deslinde dos fatos do que a celebração do ANPP. Não é cabível o acordo para processos com sentença ou acórdão após a vigência da Lei nº 13.964/2019, uma vez oferecido o ANPP e recusado pela defesa, quando haverá preclusão.

Cabe registrar que ainda não foi pacificada pelos Tribunais Superiores a questão a respeito dos limites temporais do oferecimento do acordo de não persecução penal aos processos em curso quando da entrada em vigor da Lei n. 13.964/19, estando pendente de julgamento o HC n. 185.913/DF, afetado ao plenário do Supremo Tribunal Federal pelo Relator, Ministro Gilmar Mendes, no qual será também debatido o cabimento da propositura do referido acordo em casos nos quais o acusado não tenha previamente confessado a prática da infração penal.

Todavia, ante a edição do Enunciado n. 98 da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, privilegiando a aplicabilidade do instituto de justiça negociada, é razoável que se admita o oferecimento de acordo de não persecução penal no curso da ação penal, até o trânsito em julgado, caso ainda não tenha sido oferecido, bem como que haja certo controle judicial da recusa do órgão acusatório em oferecer o acordo.

Assim, de forma semelhante ao instituto da suspensão condicional do processo, conforme Súmula n. 696 do Supremo Tribunal Federal, cabe ao Juízo, caso discorde das razões invocadas pelo Ministério Público Federal para recusar-se a propor acordo de não persecução penal e entenda preenchidos os requisitos legais do art. 28-A do Código de Processo Penal, remeter os autos à 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, nos termos do art. 28 do Código de Processo Penal, em sua redação original, mantida em vigor pelo Supremo Tribunal Federal.

Do caso dos autos. A defesa aduz que é nula a sentença que condenou o apelante antes do oferecimento do benefício do Acordo de Não Persecução Penal – ANPP.

Sustenta que os fundamentos utilizados para negar ao apelante o oferecimento da proposta de Acordo de Não Persecução Penal estão equivocados, pois a pena mínima prevista para o crime do art. 1º, I, da Lei n. 8.137/1990 é inferior a 4 (quatro) anos, bem como porque a extinção da sua punibilidade na Ação Penal n. 000108711.2006.403.6127 retirou a alegada reiteração da sua conduta delituosa antes registrada em folha de antecedentes.

Argumenta que, sendo a pena mínima cominada ao delito imputado ao apelante inferior a 4 (quatro) anos (art. 28-A, caput, do Código de Processo Penal), não havendo elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual (art. 28- A, §2º, II, do Código de Processo Penal) e ausentes quaisquer outras vedações legais, o Acordo de Não Persecução Penal deve ser necessária e imediatamente oferecido ao apelante, por se tratar de direito público subjetivo.

Refere a julgado em que o Supremo Tribunal Federal anulou o trânsito em julgado de ação penal e suspendeu a execução da pena para determinar o retorno dos autos à origem para o oferecimento de Acordo de Não Persecução Penal (v. STF, HC 199.180-SC, Relator Min. GILMAR MENDES, j. em 22.02.22).

Requer-se, então, seja a sentença anulada e devolvida ao Juízo de primeira instância para que o Ministério Público Federal ofereça proposta de Acordo de Não Persecução Penal – ANPP ao apelante, com fundamento no art. 564, IV e V, do Código de Processo Penal.

Não prevalecem os argumentos defensivos.

O Ministério Público Federal oficiante perante o primeiro grau de jurisdição assinalou o seguinte:

 

Olivo Simoso foi denunciado como incurso nas penas do artigo 1.º inciso I, da Lei n.º 8.137/90.

Olivo Simoso, na condição de responsável pela administração da pessoa jurídica Construtora Simoso Ltda. (CNPJ n.º 48.169.53610001-61), estabelecida na Rodovia SP -147, Quilômetro 63, Sobradinho, em Mogi Mirim (SP), suprimiu Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) referente a fatos geradores ocorridos no período de 31 de outubro de 1999 a 31 de maio de 2004, mediante a conduta de omitir informações às autoridades fazendárias, ficando incurso nas penas do artigo 1.º inciso I, da Lei n.º 8.137/90.

A denúncia foi recebida aos 11 de fevereiro de 2019 (ID39017433 p.10-12) e o feito está em fase de instrução, com audiência designada para o dia 06 de julho de 2021 (ID47575384).

Contudo, em vista do teor do Enunciado n.º 98 da E. 2.ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal e da liminar recentemente concedida pelo Tribunal Regional Federal da 3.ª Região no Habeas Corpus n.º 5007907- 81.2021.4.03.0000, suspendendo o curso da Ação Penal n.º 0000140-97.2019.4.03.6127, em trâmite nesse Juízo, impende verificar a possibilidade de proposta de acordo de não persecução penal ao acusado.

Com efeito, dispõe o referido Enunciado n.º 98:

É cabível o oferecimento de acordo de não persecução penal no curso da ação penal, isto é, antes do trânsito em julgado, desde que preenchidos os requisitos legais, devendo o integrante do MPF oficiante assegurar seja oferecida ao acusado a oportunidade de confessar formal e circunstancialmente a prática da infração penal, nos termos do art. 28-A do CPP, quando se tratar de processos que estavam em curso quando da introdução da Lei n.º 13.964/2019, conforme precedentes, podendo o membro oficiante analisar se eventual sentença ou acórdão proferido nos autos configura medida mais adequada e proporcional ao deslinde dos fatos do que a celebração do ANPP. Não é cabível o acordo para processos com sentença ou acórdão após a vigência da Lei n.º 13.964/2019, uma vez oferecido o ANPP e recusado pela defesa, quando haverá preclusão.

De fato, em 23 de janeiro de 2020 passou a viger o artigo 28-A do Código Processo Penal, acrescentado pela Lei n.º 13.964/19, que dispõe:

(...)

No presente caso, o crime apurado está tipificado no artigo 1.º, inciso I, da Lei n.º 8.137/90 do Código Penal, cujo teor é o seguinte:

(...)

Verifica-se, assim, que o delito em tela é punido com pena mínima de dois anos, do que se depreende que o caso dos autos se amolda às hipóteses previstas no caput do já referido artigo 28-A do Código de Processo Penal.

Observa-se, ademais, ser incabível a transação penal, eis que a pena máxima cominada ao crime é superior a dois anos.

A análise dos documentos trazidos aos autos, especialmente das folhas de antecedentes, à luz das considerações já tecidas, revela ser incabível proposta de acordo de não persecução em relação ao réu nos termos do artigo 28-A, §§2.º do Código de Processo Penal, haja vista registros que demonstram reiteração específica e conduta criminosa habitual.

Resta claro que eventual proposta de acordo em relação a ele não será suficiente para a reprovação e a prevenção do crime, o que a afasta a aplicação do artigo 28-A do Código de Processo Penal.

O Ministério Público Federal aguarda, portanto, o regular prosseguimento do feito, com a colheita da prova oral. (Id n. 255722782, p. 3)

 

Em memoriais apresentados pela defesa do acusado, a matéria foi suscitada, tendo o Parquet reiterado o descabimento do Acordo de Não Persecução Penal – ANPP:

 

(...) nem se diga que, em razão de eventual extinção da punibilidade em outra ação penal, o réu deve ter, aqui, a sua “primariedade” reconhecida para fins de acordo de não persecução penal.

Isso porque, em primeiro lugar, na manifestação de ID 54035029, a possibilidade de acordo foi afastada em razão da “reiteração específica e conduta criminosa habitual”, revelada pelas folhas de antecedentes da Justiça Federal e da Justiça Estadual, e não por motivo de reincidência. Não se trata, pois, apenas da Ação Penal n.º 000108711.2006.403.6127, a qual, diferentemente da presente, tratou de “caixa 2” em benefício de outras pessoas que não os sócios Olivo Simoso e Antônia Tereza Campaldi Simoso – questão que já foi exaustivamente esclarecida pelo Ministério Público desde a cota denuncial até as suas alegações finais.

Em segundo lugar, a alegada “primariedade” não é, por si, o pressuposto único para o acordo de não persecução penal.

Sabidamente, o acordo de não persecução é uma medida de autêntica política criminal, destinada a prestigiar o agente que não é contumaz em práticas delituosas (vale dizer: o escopo da benesse não é, meramente, prestigiar o agente “primário”).

Bem por isso, o acordo é vedado não só aos reincidentes, mas também nos casos em que elementos probatórios indicam conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas (vide artigo 28-A, parágrafo 2.º, inciso II, do Código de Processo Penal).

In casu, a benesse não foi negada porque o réu não era “primário” e sim porque, repita-se, as suas folhas de antecedentes, tanto da Justiça Federal quanto da Justiça Estadual, revelam reiteração específica e conduta criminosa habitual, motivo pelo qual continua sendo incabível o acordo de não persecução.

No ponto, vale repetir que o réu já foi condenado, por esse juízo, com trânsito em julgado, pela prática de crime tributário. Eventual extinção da punibilidade por causa posterior a esse trânsito em julgado obviamente não exclui o fato de que, na época da conduta delituosa, o fato era ilícito e o agente o praticou imbuído de vontade livre e consciente, não sendo possível, pois, afastar-se a caracterização da reiteração específica e da conduta criminosa habitual, até porque ainda há que se considerar as folhas de antecedentes da Justiça Estadual.

E, apenas para que a tese defensiva seja cabalmente afastada, vale dizer que a mera extinção da punibilidade, por óbvio, não tem o condão de imediatamente afastar a reincidência; somente o decurso do prazo de cinco anos, após a extinção da punibilidade, teria esse efeito (vide artigo 64, inciso I, do Código Penal) – o que evidentemente não ocorreu no caso em tela. Nesse sentido: STJ – 6.ª Turma – AGRESP 1567351 – Rel. Ministro Rogério Schietti Cruz – DJE 28.03.2016. (destaques originais, Id n. 255722819, p. 2)

 

Contrariamente à tese defensiva, o acordo de não persecução penal não constitui direito subjetivo do investigado, sua propositura está condicionada à análise das peculiaridades do caso concreto e deverá ser proposto apenas nos casos em que for considerado necessário e suficiente para a reprovação e a prevenção da infração penal, sendo fundamentadamente expostos os motivos da recusa pelo Parquet, à vista das folhas de antecedentes do acusado (Id n. 255722692, pp. 22-24, 30-31, 33-34 e 36-37, Id n. 255722694, pp. 103-104, 106, 108-110, Id n. 255722769, Id n. 255722774 e Id n. 255722777).

Preliminar que se rejeita.

Preliminar. Nulidade. Sentença. Fundamentação. Prejuízo. Exigibilidade. No processo penal vige a máxima pas de nulitté sans grief segundo a qual se exige a demonstração de prejuízo para a configuração da nulidade, princípio válido também no que toca à imprescindibilidade de fundamentação da sentença:

 

PROCESSUAL PENAL. (...) AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DO DECISUM. NÃO-OCORRÊNCIA. (...). (...) 3. No âmbito do processo penal, só se declara a nulidade do ato se evidenciado o prejuízo, consoante a máxima ne pas de nulitté sans grief, insculpido no art. 563 do Código de Processo Penal. (...) 7. Ordem parcialmente conhecida e, nessa extensão, denegada.

(STJ, HC n. 133211, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 15.10.09)

 

Crimes contra a ordem tributária. Constituição definitiva do crédito tributário. Justa causa para o início da persecução penal. Reformulo meu entendimento para acompanhar a jurisprudência dos Tribunais Superiores e deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região no sentido de que, no tocante aos crimes materiais contra a ordem tributária previstos nos incisos I a IV do art. 1º da Lei n. 8.137/90, não há justa causa para a instauração de inquérito policial ou de ação penal antes de decisão definitiva no processo administrativo-fiscal de lançamento do tributo, em conformidade com o que dispõe a Súmula Vinculante n. 24 do Supremo Tribunal Federal, sendo certo que a constituição do crédito tributário após o recebimento da denúncia não tem o condão de convalidar atos realizados em ação penal e impõe a decretação da nulidade do processo criminal desde o seu início:

 

HABEAS CORPUS CONTRA INDEFERIMENTO DE LIMINAR NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. CRIME DE SONEGAÇÃO FISCAL. CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO APÓS O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. VÍCIO INSANÁVEL. ORDEM CONCEDIDA. 1. A Súmula Vinculante 24 estabelece que “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”. 2. Instaurada a persecução penal em momento anterior ao lançamento definitivo do débito tributário, não há como deixar de reconhecer a falta de justa causa para a ação penal. 3. Circunstância que a jurisprudência majoritária do Supremo Tribunal Federal tem como “vício processual que não é passível de convalidação” (HC 100.333, Rel. Min. Ayres Britto, Segunda Turma). Precedentes: HC 97.118, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma; HC 105.197, Rel. Min. Ayres Britto. 4. Superação da Súmula 691/STF. 5. Ordem concedida, ratificada a liminar deferida, para anular o processo-crime instaurado contra o paciente.

(STF, HC n. 97854, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 11.03.14)

HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA (INCISOS I, II E IV DO ART. 1º DA LEI 8.137/1990). DENÚNCIA OFERECIDA ANTES DA CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO DÉBITO TRIBUTÁRIO. PEDIDO DE TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE CONFIGURADA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. (...) 2. É pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto à necessidade do exaurimento da via administrativa para a validade da ação penal, instaurada para apurar as infrações penais dos incisos I a IV do art. 1º da Lei 8.137/1990. Precedentes: HC 81.611, da relatoria do ministro Sepúlveda Pertence (Plenário); HC 84.423, da minha relatoria (Primeira Turma). Jurisprudência que, de tão pacífica, deu origem à Súmula Vinculante 24: “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”. 2. A denúncia ministerial pública foi ajuizada antes do encerramento do procedimento administrativo fiscal. A configurar ausência de justa causa para a ação penal. Vício processual que não é passível de convalidação. 3. Habeas Corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para trancar a ação penal.

(STF, HC n. 105197, Rel. Min. Ayres Britto, j. 08.11.11)

PROCESSO PENAL E PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. DELITO DE NATUREZA MATERIAL. INTELIGÊNCIA DO ART. 1º DA LEI 8.137/90. IMPOSSIBILIDADE DE PROCEDER-SE A QUALQUER ATO DE CUNHO PERSECUTÓRIO PENAL ANTES DA FORMAÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. INTELIGÊNCIA DA DECISÃO PROFERIDA NA ADI 1.571, REL. MIN. GILMAR MENDES. JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA DO STF. ENTENDIMENTO JÁ VIGENTE À ÉPOCA DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. E HOJE CONSOLIDADO NA SÚMULA VINCULANTE 24. ORDEM CONCEDIDA. I - Os delitos previstos no art. 1º da Lei 8.137/90 são de natureza material, exigindo, para a sua tipificação, a constituição definitiva do crédito tributário para o desencadeamento da ação penal. II - Carece de justa causa qualquer ato investigatório ou persecutório judicial antes do pronunciamento definitivo da administração fazendária no tocante ao débito fiscal de responsabilidade do contribuinte. III - O entendimento fixado na ADI 1.571 reafirmou a jurisprudência do STF no sentido de que a constituição definitiva do crédito tributário configura condição necessária para o início da persecutio criminis, sendo equivocada a interpretação do julgado em questão pelo primeiro e segundo graus de jurisdição. IV - Entendimento já pacíficado por ocasião do recebimento da denúncia e, hoje, consolidado na Súmula Vinculante 24. V - Ordem concedida.

(STF, HC n. 97118, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 23.03.10)

HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 1º, I, LEI Nº 8.137/90. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO EM CURSO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A INSTAURAÇÃO DA AÇÃO PENAL. PRECEDENTES. RESSALVA DO ENTENDIMENTO PESSOAL DA RELATORA. 1. A decisão definitiva do processo administrativo em que se impugna o lançamento do crédito tributário é condição objetiva de punibilidade dos crimes previstos no art. 1º da Lei 8.137/90. Precedente: HC 81.611 (Pleno) (...) 3. Ordem concedida para trancar a ação penal.

(STF, HC n. 84457, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 08.03.05)

Crime material contra a ordem tributária (L. 8137/90, art. 1º): lançamento do tributo pendente de decisão definitiva do processo administrativo: falta de justa causa para a ação penal, suspenso, porém, o curso da prescrição enquanto obstada a sua propositura pela falta do lançamento definitivo. 1. Embora não condicionada a denúncia à representação da autoridade fiscal (ADInMC 1571), falta justa causa para a ação penal pela prática do crime tipificado no art. 1º da L. 8137/90 - que é material ou de resultado -, enquanto não haja decisão definitiva do processo administrativo de lançamento, quer se considere o lançamento definitivo uma condição objetiva de punibilidade ou um elemento normativo de tipo (...).

(STF, HC n. 81611, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 10.12.03)

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. (...) SÚMULA VINCULANTE Nº 24/STF (...) 1. Como é sabido, o Supremo Tribunal Federal, em 02 de dezembro de 2009, aprovou a Súmula Vinculante n° 24, assim redigida: "Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei

no 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo". 2. Assim, segundo a orientação firmada pela Suprema Corte, a constituição definitiva do crédito tributário constitui elemento normativo do tipo penal, de modo que enquanto não sobrevier certeza absoluta acerca da exigibilidade da obrigação e liquidez do crédito, não há se falar em justa causa para a instauração do inquérito policial ou da ação penal. (...) 6. Agravo regimental a que se nega provimento.

(STJ, AGRESP n. 201202078440, Rel. Min. Gurgel de Faria, j. 02.10.14)

HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. PROCEDIMENTO INVESTIGATIVO QUE APURA AUTOS DE INFRAÇÕES PENDENTES DE RECURSO ADMINISTRATIVO. TRANCAMENTO. PRECEDENTES. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Segundo orientação do Plenário do Supremo Tribunal Federal (HC 81.611/DF), a decisão definitiva do processo administrativo-fiscal constitui condição objetiva de punibilidade, consistindo elemento fundamental à exigibilidade da obrigação tributária, tendo em vista que os crimes previstos no art. 1º da Lei 8.137/90 são materiais ou de resultado. 2. Consoante posicionamento da Terceira Seção (Rcl 1.985/RJ), deve ser reconhecida a ausência de justa causa para a instauração de inquérito policial na pendência de recurso na esfera administrativa, por inexistir lançamento definitivo do débito fiscal. Precedentes do Supremo Tribunal Federal (HC 83.353-5 e 86.120-2). 3. Ordem de ofício concedida para reconhecer a ilegalidade da prova invasiva (quebra dos sigilos bancário e fiscal) e determinar o trancamento do inquérito policial.

(STJ, HC n. 200602282520, Rel. Min. Nefi Cordeiro, j. 18.06.14)

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO (...) CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO APÓS O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA VINCULANTE N.º 24 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ORDEM DE HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDA. WRIT CONCEDIDO DE OFÍCIO (...) 2. A perfectibilização típica do crime previsto no art. 1.º, incisos I a IV, da Lei n.º 8.137/1990 ocorre somente com o lançamento definitivo do tributo, antes do qual não há falar em justa causa para o exercício da ação penal. 3. A constituição do crédito tributário após o recebimento da denúncia não tem o condão de convalidar atos realizados em ação penal que, em completo descompasso com as normas jurídicas vigentes - inclusive com a Súmula Vinculante n.º 24 do Supremo Tribunal Federal -, desde o seu nascedouro não alcança o plano da validade jurídica. Precedentes. 4. Ordem de habeas corpus não conhecida. Writ concedido de ofício para o fim de determinar o trancamento da ação penal, sem prejuízo do oferecimento de nova denúncia com base no lançamento definitivo do crédito tributário.

(STJ, HC n. 201200694806, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 11.03.14)

HABEAS CORPUS IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO PREVISTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO (...) 2. AÇÃO PENAL. CRIME TRIBUTÁRIO. LANÇAMENTO DEFINITIVO DO CRÉDITO. PRESSUPOSTO. SÚMULA VINCULANTE 24/STF (...) 2. Nos termos da

Súmula Vinculante nº 24 do Supremo Tribunal Federal, somente há justa causa para a persecução penal pela prática do crime previsto no art. 1º da Lei nº 8.137/1990 - por ser delito material ou de resultado -, com o advento do lançamento definitivo do crédito tributário, o que efetivamente se verificou no caso dos autos. No entanto, não se pode descurar que a constituição definitiva do crédito tributário, apesar de ser pressuposto para a persecução penal, não enseja, por si só, sua deflagração (...) 5. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, confirmando-se a liminar deferida, para suspender a Ação Penal nº 2003.61.81.008480-8, em trâmite na 3ª Vara Criminal da 1ª Subseção Judiciária de São Paulo, até o trânsito em julgado da ação anulatória de débito fiscal.

(STJ, HC n. 201000200146, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 18.06.13)

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. SONEGAÇÃO FISCAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ALEGADA AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. INEXISTÊNCIA. CRÉDITO TRIBUTÁRIO CONSTITUÍDO (...) É certo, ainda, que esta Corte Superior possui o entendimento pacífico de que, nos crimes materiais contra a ordem tributária, é inviável a persecução penal pelo recebimento da denúncia antes do esgotamento da via administrativa com a consequente constituição definitiva do crédito tributário (...) Recurso não provido.

(STJ, RHC n. 201202531268, Rel. Des. Conv. Do TJ/SE Marilza Maynard, j. 06.06.13)

HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. INEXISTÊNCIA DE LANÇAMENTO DEFINITIVO À ÉPOCA DO OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. AUSÊNCIA DA NECESSÁRIA CONDIÇÃO OBJETIVA DE PUNIBILIDADE. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. 1 - Nos crimes contra a ordem tributária, a constituição definitiva do crédito tributário configura condição necessária ao oferecimento da denúncia. 2 - Constatado que o lançamento definitivo se consolidou apenas em momento posterior ao recebimento da denúncia, a qual atribui ao paciente a prática de sonegação fiscal, de rigor a decretação da nulidade do processo criminal desde o seu início. 3 - Não há como cogitar no exercício da pretensão punitiva estatal, em se tratando de crimes contra a ordem tributária, se a exigibilidade do crédito estava, à época, sendo debatida no âmbito administrativo, daí se falar na impossibilidade de determinação dos contornos da própria materialidade delitiva. 4 - Ordem concedida.

(STJ, HC n. 200602483444, Rel. Min. Og Fernandes, j. 27.11.12)

PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 1º, I, DA LEI Nº 8.137/90 (...) 2. O STJ fundamentou a concessão da ordem no fato de que a ação penal fora iniciada quando ainda não se havia esgotado a esfera administrativa, motivo que afeta a própria tipicidade do delito. 3. A ação penal pelo crime do art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90 somente possui justa causa quando existente decisão administrativa definitiva acerca do lançamento tributário, ou seja, quando o crédito tributário está definitivamente constituído. Súmula vinculante nº 24 do Supremo Tribunal Federal (...) Apelação prejudicada.

(TRF 3ª Região, ACR n. 00081221020054036110, Rel. Des. Fed. Nino Toldo, j. 31.03.15)

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL (...) CRIME DE SONEGAÇÃO FISCAL. ART. 1º, I, DA LEI 8.137/90 (...) CRÉDITO TRIBUTÁRIO NÃO CONSTITUÍDO. AUSÊNCIA DE EXAURIMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA. DELITO NÃO CONSUMADO. FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL (...) Súmula Vinculante nº 24. Na hipótese dos autos, não houve constituição do crédito tributário em nome de João Carlos de Oliveira Guena. Ademais, a Delegacia da Receita Federal do Brasil em São José do Rio Preto/SP informou que o crédito tributário já foi alcançado pela decadência, não sendo mais possível o lançamento de ofício. Desta forma, não há, nos autos, a comprovação da exigibilidade e do valor do crédito tributário supostamente sonegado, e, portanto, nos termos do entendimento consolidado do E. Supremo Tribunal Federal, não se considera consumado o delito previsto no artigo 1º, da Lei nº 8.137/90. 5- Por outro lado, a ausência de exaurimento da via administrativa não constitui fundamento para a absolvição da ré, pois não se trata do reconhecimento de não haver prova da existência do fato (art. 386, II, CPP), mas de falta de justa causa para a ação penal. Assim, relativamente a tal fato, deve ser declarada, ex officio, a nulidade da decisão que recebeu a denúncia e, como consequência, de todos os atos posteriores e dela decorrentes, nos termos do artigo 573, § 1º, do Código de Processo Penal, e determinado o trancamento da ação penal. (...) 7- Julgado prejudicado o exame do mérito da apelação.

(TRF 3ª Região, ACR n. 00042267320024036106, Rel. Des. Fed. Antonio Cedenho, j. 29.01.15)

HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 1.º, INCISO I, DA LEI N.º 8.137/90. SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. ART. 337-A DO CP. AÇÃO PENAL. CRÉDITO FISCAL. PESSOA JURÍDICA EXTINTA. PROCESSO ADMINISTRATIVO CONCLUÍDO. EXISTÊNCIA DE LANÇAMENTO DEFINITIVO. DELITO CONSUMADO (...) 1. Há justa causa para a persecução penal dos crimes previstos no art. 1º da Lei n.º 8.137/90 e art. 337-A do Código Penal, segundo o entendimento desta Corte, quando o crédito fiscal possui lançamento definitivo. (...) 4. Ordem denegada. Prejudicado o agravo regimental com pedido de reconsideração da decisão que indeferiu a liminar.

(TRF 3ª Região, HC n. 00204274220134030000, Rel. Des. Fed. José Lunardelli, j. 22.10.13)

 

Do caso dos autos. A defesa alega que a sentença também é nula por ter invertido o ônus da prova para condenar o apelante, competindo à acusação afirmar a validade da autuação fiscal e do auto de infração, em consonância com o art. 156 do Código de Processo Penal.

Argui que a inversão do ônus da prova para uma condenação penal é causa de nulidade absoluta da sentença, por falta de fundamentação, nos termos do art. 564, inciso V, do Código de Processo Penal.

Aduz que são ilícitas as provas obtidas no cumprimento de medida de busca e apreensão, que decorreu, na sua origem, de notícia de crime anônima.

Afirma que o Ministério Público Federal representou pelo decreto de busca e apreensão a ser cumprido na sede da Construtora Simoso Ltda., baseado, unicamente, em comunicação anônima de crime, sendo que todas as provas obtidas naquela diligência são ilícitas, nos termos do art. 157 do Código de Processo Penal, o que afeta a constituição do crédito tributário, vale dizer, sendo a constituição do crédito tributário resultado de documentos obtidos em cumprimento de mandado de busca e apreensão fundamentado em comunicação apócrifa de crime, a materialidade da suposta sonegação fiscal decorre de documentos obtidos ilicitamente.

Sustenta que é preciso, no mínimo, averiguação preliminar para atestar a plausibilidade das imputações deduzidas por meio de comunicação anônima, sendo que a decretação de medidas graves e/ou restritivas de direitos fundamentais, entre as quais, a busca e apreensão, não pode ser o primeiro ato de investigação.

Requer-se, por consequência, que a sentença seja reformada e o processo anulado ab initio, nos termos do art. 157 do Código de Processo Penal, tendo em vista que o ingresso nas dependências da empresa do apelante desrespeitou a inviolabilidade do domicílio (art. 5º, XI, da Constituição Federal e art. 240, do Código de Processo Penal) e a vedação ao anonimato (art. 5º, IV, da Constituição Federal).

Pugna pelo reconhecimento da ilicitude da busca e apreensão e de todos os atos dela decorrentes, inclusive a constituição do crédito tributário, por infringência à Súmula Vinculante n. 24 do Supremo Tribunal Federal, na medida em que “as Autoridades Fiscais somente iniciaram a fiscalização depois do deferimento da medida de busca e apreensão pelo Juízo Criminal (...) o próprio Ministério Público Federal reconheceu que foi com fundamento no material apreendido que as Autoridades Fiscais teriam, depois, encontrado indícios de crimes tributários (...) se não havia crédito tributário constituído à época da medida cautelar, não havia prova da materialidade delitiva de crime tributário, ou seja, não havia à época fumus commissi delicti apto a justificar qualquer ato restritivo de direitos fundamentais, o que também desatende o que postula a Súmula Vinculante nº 24 do Supremo Tribunal Federal” (destaques originais, Id n. 257143897, pp. 19-20).

Não lhe assiste razão, contudo.

Extrai-se da notícia-crime em desfavor da Construtora Simoso Ltda.:

 

1. Existência de um CAIXA 2, movimentado na conta corrente mantida pela empresa na Agência do BANESPA-SANTANDER de Mogi Mirim, de n. 0047, sendo a referida conta n. 13001634-3.

2. O CAIXA 2 e toda a contabilidade relativa ao mesmo é realizada em um computador do Departamento Financeiro da empresa operado pelo tesoureiro de nome EDGAR, sendo que a máquina pode ser identificada porque contém um buraco para a colocação de um disco rígido especial para a realização da referida contabilidade. Após a realização da mesma, tira-se o citado disco rígido.

3. O disco rígido em questão é guardado no arquivo do citado Departamento, ou no cofre pequeno localizado também nas dependências do mesmo. O denunciante esclarece inclusive que no Departamento Financeiro existem dois cofres, um pequeno e um grande, sendo que o referido disco rígido e outros documentos referentes ao Caixa 2 costumam ser guardados no cofre pequeno.

4. A empresa também mantém na mesma agencia do Banespa a conta correspondente a sua contabilidade oficial de n. 1300678-4. Se a referida conta for checada em conjunto com a conta onde se movimenta o Caixa 2, facilmente se constatará a coincidência de datas no recebimento e depósito de valores;

5. No próprio Departamento Financeiro existe um computador para lançamento de todo o trabalho realizado sem emissão de nota fiscal, sendo chamado o referido trabalho entre os funcionários do setor de "PCM". O referido computador é operado pela funcionária de nome RAQUEL.

6. Para "esquentar" os valores do CAIXA 2, a empresa simula pagamentos a fornecedores, falsificando recibos da seguinte forma:

- No computador do Departamento do Contas a Pagar a empresa mantém uma listagem dos supostos compromissos a serem saldados com os fornecedores por data de vencimento. O código para os pagamentos inexistentes é o pedido de listagem até 2.200. (a data de 2.200 é na verdade a senha para saber que aqueles compromissos listados são "frios", pois ao pedir a lista até a referida data, apenas aparecerão os compromissos inexistentes).

- Alguns fornecedores que aparecerão na referida lista são: POSTONIN, POSTONIN ARATICUM, POSTONIN MORADA DO SOL, entre outros.

- Para pagar os "supostos "compromissos, preenche-se um cheque no valor que se pretende "esquentar", normalmente abaixo de R$ 10.000,00 (pare não levantar suspeita) e extrai-se uma cópia do cheque em questão. É realizada então, uma montagem na cópia do citado cheque para que pareça que o mesmo foi emitido de forma nominal a um dos fornecedores citados. No entanto, o cheque original é realizado nominativo à própria Construtora ou a uma pessoa física que irá comparecer no banco e realizar o saque do numerário correspondente. Para dar maior credibilidade é realizado um recibo em nome do fornecedor que teoricamente esta sendo pago, sendo que o referido recibo é assinado por qualquer funcionário do Departamento Financeiro;

- Importante salientar que as empresas citadas são de fato fornecedoras da empresa denunciada, não se sabendo porém se conhecem o procedimento em questão ou mesmo se emitem notas "frias" para justificar a operação descrita;

- Os recibos dos supostos pagamentos realizados bem como a cópia dos cheques em questão, ou se encontram em caixas de arquivo no próprio Departamento Financeiro ou estão guardados embaixo de uma escada que da acesso ao estacionamento utilizado pelos Diretores.

7. Muitos funcionários da empresa, principalmente da administração, recebem salário "por fora" dos valores anunciados a este titulo em registro, visando a empresa com o referido procedimento não recolher os valores devidos a titulo de INSS, e ainda, fraudar direitos trabalhistas elementares tais como FGTS, pagamento de férias, 13° salário, entre outros, considerando-se o real salário pago. Os valores para a realização dos citados pagamentos correspondentes ao salário "por fora" saem da conta corrente onde é movimentado o CAVA 2 da empresa. Os pagamentos em questão são realizados até o quinto dia al do mês, em dinheiro, sendo que existe uma lista dos funcionários beneficiados com o mesmo escrita próprio Olivo Simoso, proprietário da empresa, que está guardada no cofre de sua sala. Os denunciantes podem informar com antecedência de um ou dois dias a data correta dos citados pagamentos e a em que os mesmos serão realizados, caso se pretenda um flagrante.

8. No Departamento de Planejamento poderá se constatar pelo computador da empresa que esta "monta" os editais de licitação para as Prefeituras da região, visando manipular a concorrência de forma a assegurar que ela seja a única escolhida;

9. A empresa emite notas "frias" para as suas filiais de usina de asfalto, como se o material tivesse ido para outras obra, sem contudo tal condição ter ocorrido. O referido procedimento visa pagar menos ISSQN.

10. A empresa possui uma filial em Goiânia e como no Estado de Goiás o ICMS é menor, realiza as compras de massa asfáltica para a sua matriz em Mogi Mirim, por meio da citada filial, como se o material em questão fosse para o Estado citado.

11. Segundo os denunciantes, visando impedir flagrantes de fiscalização, existe ordem dos proprietários da empresa para que todos sejam barrados na Portaria até segunda ordem dos responsáveis. Assim, caso se pretenda realizar a busca e apreensão de equipamentos ou mesmo a realização de um flagrante nos pagamentos realizados "por fora" deverá se ter em conta tal conduta da empresa. (Id n. 255722702, pp. 107-109)

 

Segundo consta, em 20.11.03, o Ministério Público Federal representou pela busca e apreensão na Construtora Simoso Ltda. com base em notícia-crime de que a citada empresa “mantém ‘CAIXA 2’ para movimentar valores decorrentes de trabalhos realizados sem emissão de nota fiscal (movimentado em uma conta corrente mantida pela empresa na Agência do Banco BANESPA-SANTANDER de Mogi Mirim, Agência n.º 0047, conta n.º 13001634-3 (doc. 1), onde a empresa mantém também a conta referente a sua contabilidade oficial sob o n.º 1300678-4 (doc. 2) e que para ‘esquentar’ esses valores, chamados ‘PCM’, a empresa falsifica recibos e emite cheques fazendo montagem na cópia dos mesmos (...) os valores movimentados no ‘CAIXA2’ também são utilizados para efetuar pagamentos por fora da folha de salários, com a finalidade de reduzir os recolhimentos devidos a título de FGTS, INSS e direitos trabalhistas como pagamento de férias e décimo terceiro salário. Que o proprietário da empresa, Sr. Olivo Simoso (doc. 3), mantém, no cofre da sua sala, uma lista escrita por ele próprio, com o nome dos funcionários que recebem pagamentos nessas condições (...) a empresa ‘monta’ os editais de licitação para as Prefeituras da região visando manipular a concorrência, e que tal informação poderá ser constatada nos computadores do Departamento de Planejamento da empresa (...) a empresa emite ‘notas frias’ para suas filiais de usina de asfalto sonegando ISSQN e que realiza compras de massa asfáltica para sua matriz em Mogi Mirim por meio da filial de Goiânia/GO, com o fim de recolher menos ICMS, tendo em vista que naquele estado a alíquota é menor.” (Id n. 255721575, pp. 18-19 e pp. 24-26).

De acordo com a representação ministerial, “muitas dessas informações constantes da notícia-crime foram confirmadas por pesquisas efetuadas por esta instituição” (Id n. 255721575, p. 20), sendo ratificado que “conforme consulta à base de dados CPF da Receita Federal (doc. 3), a empresa realmente pertence a Olivo Simoso” (Id n. 255721575, p. 20).

Extrai-se da decisão que autorizou a busca e apreensão na sede da Construtora Simoso Ltda. o seguinte:

 

Em se tratando, “in casu", de procedimento acautelatório de natureza processual penal, verifico que presentes se encontram os requisitos autorizadores da medida: o "fumus boni iuris" e o “periculum in mora”.

O "fumus boni iuris" reside na fundada suspeita da prática, em tese, de diversas infrações penais pelos representantes legais da pessoa jurídica "Construtora Simoso Ltda", quais sejam: sonegação tributária, fraude em licitação, frustração de direitos trabalhistas, falsificação e uso de documentos falsos e sonegação de contribuição previdenciária, pois a notícia-crime enviada ao órgão ministerial é rica em detalhes, e várias das informações já foram confirmadas pelo próprio órgão do Ministério Público Federal, titular da pretensão punitiva do Estado.

No que tange ao "periculum in mora", é de se ressaltar a possível frustração das diligências a serem realizadas pela polícia judiciária federal e pelos agentes federais dos órgãos de fiscalização trabalhista, fazendária e previdenciária, caso haja tempo hábil para que os imputados fiquem ciente delas e procedam à destruição ou à dissipação de eventuais vestígios, elementos probatórios ou instrumentos dos crimes, imprescindíveis para afirmação da "opinio delicti” do órgão do Ministério Público Federal, e inviabilizando, dessa forma, a instauração da persecução penal.

Nesse sentido, a propósito, trago à colação o seguinte precedente jurisprudencial do E. Superior Tribunal de Justiça:

"A busca e apreensão, como meio de prova admitido pelo Código de Processo Penal, deverá ser procedida quando houver fundadas razões autorizadoras e, dentre outros, colher qualquer elemento hábil a formar a convicção do julgador. Não há qualquer ilegalidade na decisão que determinou a busca e apreensão na residência ou no escritório do recorrente, se esta foi proferida em observância ao Princípio do Livre Convencimento Motivado, visando a assegurar a convicção por meio da livre apreciação da prova" (STJ, 51 Turma, ROMS 7691, Relator Min. Gilson Dipp, DJU 03/06/2002, pág. 213).

Isto posto, autorizo a busca e apreensão dos objetos e materiais necessários à comprovação da autoria e materialidade delitivas, relativos aos crimes, em tese, de sonegação tributária, de fraude em licitação, de frustração de direitos trabalhistas, de falsificação e uso d documentos falsos e de sonegação de contribuição previdenciária, na sede da empresa "CONSTRUTORA SIMOSO LTA”', estabelecida à Rua José Magrini, 50, 62, 126 e 259, Bairro Santa Cruz ou Saúde, em Mogi Mirim/SP, e Rodovia SP 147, s/ nº, Km 63, também em Mogi Mirim/SP, com fundamento no disposto no artigo 240, parágrafo 1º, alíneas “c” e “h”, do Código de Processo Penal. (destaques originais, Id n. 255722691, pp. 23-24)

 

Do cumprimento da busca e apreensão, foi lavrado Termo de Retenção Fiscal de documentos diversos, notadamente notas fiscais, extratos bancários, relatórios e livros contábeis (Id n. 255722702, pp. 112-115).

Note-se que, na sequência, também foi autorizada a quebra de sigilo dos dados constantes dos computadores apreendidos na Construtora Simoso Ltda., à vista da existência de indícios de autoria e materialidade de condutas praticadas em detrimento da ordem tributária (Id n. 255722691, pp. 26-29).

Como se vê, o MM. Magistrado a quo entendeu presentes o fumus boni iuris, consistente na fundada suspeita da prática de diversas infrações penais pelos representantes legais Construtora Simoso Ltda, entre elas, sonegação tributária, sendo a notícia-crime enviada ao órgão ministerial enriquecida de detalhes, com várias das informações confirmadas pelo próprio órgão do Ministério Público Federal, bem como o periculum in mora, sopesada a possível frustração das diligências fiscalizatórias, caso houvesse tempo hábil para que os imputados ficassem cientes delas e procedessem à destruição ou à dissipação de eventuais vestígios, elementos probatórios ou instrumentos dos crimes.

No que se refere às alegações de infringência à Súmula Vinculante n. 24, pertinentes as elucidações do Parquet:

 

O réu tenta, ainda, convencer o juízo de que as investigações realizadas na fase pré-processual violaram a Súmula Vinculante n.º 24. Tal alegação, no entanto, também é descabida.

A uma, porque as investigações preliminares aconteceram antes da edição da referida súmula vinculante, que ocorreu somente em 11 de dezembro de 2009. Por óbvio, não se poderia obrigar o Ministério Público a pautar-se, em 2003 (ID 58043449, p. 6-11), por uma súmula vinculante que sequer existia.

A duas, porque as diligências foram solicitadas cautelar e legalmente pelo Parquet com base no artigo 240 do Código de Processo Penal e no artigo 8.º da Lei Complementar n.º 75/93 e a busca e apreensão foi deferida judicialmente, em ato jurídico perfeito, tendo sido submetidas, portanto, ao crivo do Poder Judiciário (ID 58043449, p. 98- 101). Não há se falar, pois, em ilegalidade ou irregularidade alguma (a esse propósito, vide a ementa do julgamento do HC 2009.04.00.041580-0 pelo E. Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, já colacionada).

A três, vale lembrar que as investigações preliminares revelaram indícios de crimes não tributários, todos eles mencionados na decisão judicial que deferiu a busca e apreensão: fraude em licitação, frustração de direitos trabalhistas e falsificação e uso de documentos falsos. Nenhum desses delitos exige ou exigia prévia constituição definitiva de algum crédito tributário, portanto as investigações preliminares não podem ser consideradas ilegais.

Na verdade, o fato de o Ministério Público ter aguardado a constituição definitiva do crédito tributário na seara administrativa, desde antes da edição da referida súmula vinculante, para em momento ulterior (conforme admite o próprio acusado) empreender a persecução penal em relação ao delito tributário que é objeto da presente ação, revela, às escâncaras, tão somente a cautela e o zelo extremos com que o Parquet tratou o presente caso, sempre evitando a prática de atos que pudessem, ainda que em tese, ameaçar os sagrados direitos do ora acusado (destaques originais, Id n. 255722819, p. 8)

 

Preliminar que se rejeita.

Preliminar. Suspensão do processo penal (CPP, art. 93). Faculdade do magistrado. Nos termos do art. 93 do Código de Processo Penal, a suspensão do processo penal, em virtude de questão prejudicial heterogênea, é facultativa nos casos que não versem sobre estado civil das pessoas, dependendo da discricionariedade do juízo diante das particularidades do caso concreto (STJ, RHC n. 88.672, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, j. 13.11.18; STJ, AgInt no HC n. 480.789, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 19.03.19; STJ, AgRg no HC n. 429.531, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 21.02.19; STJ, RHC n. 76.331, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 04.12.18).

Do caso dos autos. A defesa pleiteia a reforma da sentença, com a suspensão da lide penal até final solução da lide no Juízo Tributário, porque lhe falta justa causa e por força do artigo 93 do Código de Processo Penal, ou a absolvição do apelante é medida que se impõe, nos termos do artigo 386, III, do Código de Processo Penal, já que inexistente a afetação, sequer potencial, do bem jurídico tutelado pela via dos crimes tributários;

Aduz que a sentença deve ser reformada e a lide penal deve ser suspensa até final solução da lide no Juízo Tributário, em que tramita a Execução Fiscal n. 0000809-58.2016.403.6127, por falta justa causa e em observância ao art. 93 do Código de Processo Penal.

Argumenta que há informação de que a referida Execução Fiscal está suspensa, desde 09.11.17, " ‘considerando a existência de penhoras de bens imóveis, ativos financeiros bloqueados e bens com decreto de indisponibilidade, além da interposição de embargos do devedor em regular processamento’ " (Id n. 257143897, p. 20), sendo que a suspensão da exigibilidade do crédito tributário pela penhora, nos termos do art. 151 do Código Tributário Nacional, impacta, diretamente, o âmbito criminal, podendo ocasionar o desaparecimento do substrato fático que enseja caracterização de crime contra a ordem tributária, vale dizer, somente é possível ao Juízo Criminal afirmar a existência de tributo devido quando solucionada a lide pelo Juízo Fiscal, único competente para realizar referida valoração jurídica.

Sustenta que qualquer que seja o resultado da lide tributária, nunca haverá a mínima chance de lesão ao bem jurídico protegido pela via dos crimes tributários: se o Juízo Tributário reconhecer que o Imposto de Rena Retido na Fonte – IRRF não é devido pela Construtora Simoso Ltda., jamais, por decorrência lógica, pode-se cogitar na ocorrência de crime tributário; se houver a confirmação da dívida tributária, os bens e ativos já penhorados e indisponíveis serão convertidos em renda, garantirão o adimplemento integral da obrigação fiscal e, nessa hipótese, a consequência é a extinção da punibilidade no âmbito penal, nos termos do art. 9º, §2º, da Lei n. 10.684/2003.

Não se sustenta a tese defensiva.

O Ministério Público Federal assinalou:

 

De outro giro, uma simples consulta no sítio eletrônico do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região revela que os Autos n.º 0000809-58.2016.4.03.6127 ainda estão em trâmite, com recente determinação de diligência, não havendo, pois, liquidação do débito e muito menos trânsito em julgado.

É certo, porém, que as instâncias são independentes e não há qualquer previsão legal que ampare tal pretensão de extinção da punibilidade. De fato, o que o artigo 93 do Código de Processo Penal autoriza, no máximo, é a suspensão da ação penal, com a correlata suspensão do curso do prazo prescricional, por prazo razoavelmente fixado, para que seja dada solução a uma questão prejudicial na seara não penal.

Lado outro, o artigo 156 do referido Codex estabelece que “a prova da alegação incumbirá a quem a fizer”. O réu não trouxe aos autos – e nem tampouco requereu ao juízo – uma certidão de inteiro teor do andamento do feito que indica, não sendo possível sequer verificar se tal execução fiscal efetivamente se refere ao crédito tributário mencionado na denúncia e, muito menos, se houve satisfação integral do crédito tributário. Trata-se, em tal contexto, de mais uma alegação meramente protelatória, destinada a, mais uma vez, tentar confundir o juízo e tumultuar o andamento da presente ação.

Ressalte-se, ademais, que a pretensão de extinção da punibilidade em razão de fato ainda não consumado (ou, pelo menos, não comprovado) é tão desprovida de fundamento legal, jurídico e lógico quanto apegar-se, por exemplo, à chamada “prescrição virtual”.

Outrossim, ao contrário do que o acusado pretende, o artigo 151 do Código Tributário Nacional não trata de hipóteses de extinção do crédito tributário e sim de hipóteses de suspensão do crédito tributário (as hipóteses de extinção vêm elencadas no artigo 156). Como consectário lógico, não havendo liquidação integral do débito, não há se falar em extinção da punibilidade na seara penal, eis que, não sendo equivalentes os vocábulos “extinção” e “suspensão”, não se pode pretender que uma causa suspensiva seja interpretada como causa extintiva, até porque a extinção é consequência muito mais grave, além de irreversível, podendo causar prejuízo irreparável à administração da Justiça.

Em síntese, somente há se falar em extinção da punibilidade pelo pagamento (ou pela conversão de depósito judicial em renda, com trânsito em julgado da respectiva decisão...) caso o crédito tributário seja, de fato, integralmente satisfeito – e isso não está comprovado nos autos. (destaques originais, Id n. 255722819, pp. 5-6)

 

Nesse mesmo sentido, pronunciou-se o MM. Magistrado a quo:

 

Em suas alegações finais (id 58043414), a defesa requer a suspensão da presente ação penal até que ocorra julgamento definitivo no Juízo Tributário, ao argumento de que, com base no mesmo Processo Administrativo, de n. 10830.004864/2005-02, foi ajuizada a execução fiscal n. 000809-58.2016.4053.6127, com penhora de imóveis e ativos e oposição de embargos (0003371-40.2016.403.6127), de maneira que se reconhecida a existência do crédito tributário tais valores penhorados serão transformados em pagamento, o que acarreta a extinção da punibilidade. Lado outro, se reconhecida a inexistência do crédito tributário, não há o crime aqui tratado.

Sem razão a defesa. A penhora em execução fiscal tem o condão de, no máximo, suspender a exigibilidade do crédito tributário, o que não equivale à extinção.

No caso, a ação penal teve início depois da constituição definitiva do crédito tributário, em obediência ao disposto na Sumula 24 do E. STF, e não consta comprovação da extinção da punibilidade pelo pagamento ou qualquer outra modalidade. (Id n. 255722823)

 

Não se encontrando presentes nenhuma das hipóteses de extinção do crédito tributário dispostas no art. 156 do Código Tributário Nacional, não há se falar em extinção da punibilidade.

A suspensão da exigibilidade do crédito tributário por meio de alguma das hipóteses do art. 151 do Código Tributário Nacional, caso satisfatoriamente demonstrada, poderia culminar com a suspensão do processo penal, nos termos do art. 93 do Código de Processo Penal, sendo facultativa nos casos que não versem sobre estado civil das pessoas, dependendo da discricionariedade do juízo diante das particularidades do caso concreto (STJ, RHC n. 88.672, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, j. 13.11.18; STJ, AgInt no HC n. 480.789, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 19.03.19; STJ, AgRg no HC n. 429.531, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 21.02.19; STJ, RHC n. 76.331, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 04.12.18).

Preliminar que se rejeita.

Tipicidade. Superadas as preliminares arguidas, a defesa requer o reconhecimento da ausência de tipicidade material do crime de sonegação fiscal em razão da superveniência de lei tributária mais benéfica.

Aduz que a constituição definitiva do crédito tributário ocorreu quando do julgamento do recurso especial pela Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), na sessão do dia 14 de maio de 2013, mediante voto de qualidade, em que o desempate resolveu-se com a duplicação do voto do presidente da Câmara Superior, em favor do Fisco, sendo que, naquela época, estava em vigor o art. 25, §9º, do Decreto n. 70.235/72, o qual determinava que, em casos de empate no julgamento do processo administrativo, o presidente da Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais do CARF, mediante manifestação intitulada como voto de qualidade, decidiria sobre a questão controvertida a fim de resolver o julgamento;

Prossegue, afirmando que, em 14.04.20, entrou em vigor a Lei n. 13.988/20, que, por meio do respectivo art. 28, suprimiu o voto de qualidade no CARF, determinando que, se houver empate, não se aplica o voto de qualidade e o caso deverá ser resolvido a favor do contribuinte.

Sustenta que a alteração na forma da constituição definitiva do crédito tributário impacta, diretamente, o âmbito penal e que, ao contrário do que consignou o Juízo sentenciante, não se trata de regra procedimental de natureza processual, mas de norma de conteúdo material com aplicação retroativa inerente às normas mais benéficas, principalmente para efeitos penais.

Argumenta que, como a constituição definitiva do crédito na esfera administrativa é condição para a tipicidade do crime na esfera penal, a lei que daquela trata não é mera regra processual, mas sim norma de conteúdo de direito material para fins penais e, por essa razão, o art. 28 da Lei n. 13.988/20 deve, necessariamente, retroagir, nos termos do art. 5º, XL, da Constituição da República e do art. 2º, parágrafo único, do Código Penal, já que a alteração que promoveu na matéria é benéfica ao acusado.

Salienta que, se fosse julgado hoje o PAF n. 10830.004864/2005-02, pelos exatos mesmos Conselheiros da Câmara Superior do CARF, o empate necessariamente seria resolvido em favor da Construtora Simoso Ltda., não haveria constituição definitiva do crédito e, por via de consequência, inexistiria crime tributário a ser apurado e, sem decisão definitiva administrativa que afirme a ocorrência de redução ou supressão de um tributo devido, falta condição de procedibilidade para a ação penal, porque não há tipicidade material, nem formação de materialidade delitiva, tornando inviável a tomada de qualquer medida criminal.

Informa que o juízo competente para a execução da pena imposta ao apelante na Ação Penal n. 0001087-11.2006.403.6127, autuada no Juízo da Execução sob n. 0001121-46.2020.8.26.0363, acertadamente levou tudo isso em consideração e, naquele caso, resolvida a celeuma no âmbito administrativo pela via do voto de qualidade, foi aplicado, retroativamente, o art. 28 da Lei n. 13.988/20, sendo declarada extinta a punibilidade em relação ao apelante;

Conclui que, com a alteração promovida pela Lei n. 13.988/20, não está confirmada, pela esfera administrativa tributária competente, a existência de tributo devido no presente caso e, sem essa elementar típica previamente confirmada, como exige a Súmula Vinculante n. 24 do Supremo Tribunal Federal, impossível a condenação por crime tributário.

Em síntese, considerando a entrada em vigor de lei mais benéfica na esfera penal, que suprimiu o voto de qualidade, deve o art. 28 da Lei n. 13.988/20 ser aplicado, retroativamente, ao presente caso e, por via de consequência, deve ser desconsiderada a constituição definitiva do crédito tributário no âmbito administrativo e afirmada a ausência de tipicidade do crime tributário imputado na espécie, sendo a sentença reformada e o apelante absolvido, com fundamento no artigo 386, III, do Código de Processo Penal.

A irresignação defensiva não merece prosperar.

Segundo consta, foram lavrados, em face da Construtora Simoso Ltda., Auto de Infração do IRPJ e dos seus reflexos, com os seguintes fundamentos: 001 – Omissão de Receitas – PCM – Plano Comunitário Municipal; 002 – Depósitos Bancários de Origem não comprovada; 003 – Omissão de Receitas – Passivo Fictício; 004 – Glosa de Despesas – Pagamento sem causa – notas frias; 005 – Glosa de despesas – Pagamento sem causa – notas de favor; 006 – Omissão de Receitas – “Caixa 2” e 007 – Glosa de Prejuízos Compensados Indevidamente.

A contribuinte, notificada do lançamento, apresentou impugnação, que foi julgada improcedente, por meio do Acórdão n. 12.332, de 23.02.06, da Delegacia da Receita Federal de Julgamento de Campinas (SP), que assentou a exigibilidade do IRRF, objeto do Procedimento Administrativo-Fiscal n. n 10830.004864/2005-02, para cobrança de multa de ofício isolada e juros de mora isolados de responsabilidade da fonte pagadora, devido à transferência de numerário aos sócios identificados, desacompanhada do recolhimento de IRRF, bem como o crédito decorrente de IRRF incidente sobre pagamentos, destinados genericamente à "Diretoria" ou a outros beneficiários, não especificados e/ou sem causa:

 

8.1. Os fatos são distintos. Nos autos sob n° 10830.004857/2005-01, as infrações que dão ensejo à autuação de IRRF constituem-se em saídas de numerários da contabilidade oficial da pessoa jurídica, lançados como custo/despesa, mas cuja respectiva operação mercantil, que lhe serviria de substrato, se mostrou inexistente. A uma porque as notas fiscais de compra eram frias ("INFRAÇÃO 004"), à duas porque as notas fiscais de compra eram de favor ("INFRAÇÃO 005"). Disto resultou, naturalmente, a glosa de tais custos/despesas (com autuações em IRPJ e CSLL) e a anotação de pagamentos a beneficiários não identificados e/ou sem causa (com autuação em IRRF). A propósito, vide o Acórdão n° 12.331, ora juntado (fls. 1255/1286).

8.2. Por outro lado, a autuação corrente de IRRF (autos sob n° 10830.004864/2005-02) tem por supedâneo a movimentação de recursos mantidos à margem da contabilidade, ou melhor, a sua destinação. No caso, tal "Caixa 2" se subdividiu em "Caixa Ex" e "Caixa 2 Banespa", o primeiro serviente ao controle de numerário em espécie (dinheiro, cheques, outros créditos), e o segundo para o propósito de controle da canta-corrente n° 13.001634-3, mantida no Banco -Banespa S/A, agência 0047, Mogi-Mirim/SP (vide Relatório retro, bem como Relatório do Acórdão n° 12.331, ora juntado (fls. 1255/1286). Identificou, a fiscalização, saídas de numerário de tal “Caixa 2” seja para os sócios na pessoa jurídica impugnante (Sr. Olivo Simoso, CPF sob n° 773.819.478-20, e Sra. Antônia Tereza Campaldi Simoso, CPF sob n° 965.164.618-72), seja a titulo genérico para a "Diretoria", seja ainda, saídas sem que fosse possível identificar o real beneficiário de tais pagamentos e/ou sua causa. Pois bem, parte da corrente autuação pretende alcançar, justamente: [1] a multa de ofício isolada e os juros de mora isolados, de responsabilidade da fonte pagadora (Construtora Simoso Ltda.), à conta de transferência de numerário aos sócios acima identificados, mas sem que se lhe seguisse o competente recolhimento do IRRF (ao espaço do art. 722 do RIR/99, mais art. 9° da Lei n° 10.426/2002, mais Parecer Normativo Cosit n° 01/2002; fls. 42, 47); [2] o IRRF assim incidente sobre pagamentos (oriundos do "Caixa 2") destinados, genericamente, "Diretoria" ou a outros beneficiários, igualmente não especificados, e/ou sem explicitação de sua causa.

8.3. À vista disso, logo se percebe que os fatos imputados, seja nos autos sob n° 10830.004857/2005-01, seja nos autos sob n° 10830.004864/2005-02, no ponto que interessa — autuação de IRRF são distintos. Dai, porque, o processamento em autos igualmente distintos. (Id n. 255722716, pp. 55)

 

Insatisfeita, a contribuinte interpôs recurso voluntário, em que, por intermédio do Acórdão n. 103-22.890, de 28.02.07, a 3ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes declarou a decadência do direito de constituir o crédito tributário para os fatos geradores ocorridos até 30.09.00 e, no mérito, por maioria de votos, deu parcial provimento ao recurso, extraindo-se do voto vencido e do voto vencedor:

 

Voto vencido

(...)

Verificou a Fiscalização a existência de uma conta bancária não escriturada e arquivos magnéticos com registros de operações efetuadas também à margem da escrituração regular.

(...)

No procedimento fiscal de que tratam os presentes autos, foi verificada a destinação dos recursos naqueles dois sistemas, principalmente aqueles valores identificados como destinados aos sócios. A fiscalização apurou que parte desses recursos foi comprovadamente entregue aos sócios, com destinação final identificada. Quanto a esses, a autoridade fiscal entendeu-os caracterizados como pro labore, sendo exigido apenas a multa e os juros de mora isolados pela não retenção do imposto de renda.

Para os demais valores o Fisco entendeu que não restou efetivamente comprovada de que maneira foram aplicados. Em se tratando de pagamentos sem causa ou a beneficiários não identificados, foi lavrado auto de infração para cobrança de IRRF, nos termos do art. 61 da Lei 8.891/95.

(...)

Na peça recursal o sujeito passivo defende que não foi comprovada a existência de pagamentos que motivaram a autuação. Teriam sido presumidos pela Fiscalização.

Importa definir o que seja pagamento, principalmente no que se refere à movimentação a conta corrente bancária envolvendo, por óbvio, a saída de recursos. De imediato, descarta-se quaisquer movimentações envolvendo aplicações financeiras ou outras transferências o que foi executado pela Fiscalização.

Quanto às demais retiradas, tendo-se em mente que a função da conta corrente bancária é por em prática um serviço de caixa no interesse do correntista, não há outro modo de definir as saídas desse "caixa" sendo como forma de pagamento, seja em espécie ou cheque emitido que se caracteriza, fundamentalmente, como meio de pagamento.

(...)

Não posso concordar com a afirmativa, até certo ponto imprudente, no sentido de que a destinação dos recursos a terceiros é conclusão decorrente da criatividade imaginativa da Fiscalização. A interessada foi devidamente intimada a esclarecer a destinação desses recursos e não o fez. Em contrapartida, a autoridade fiscalizadora foi meticulosa nas averiguações excluindo da tributação do IRRF os valores que foram comprovadamente transferidos aos sócios, exigindo em relação a eles apenas a multa de oficio isolada e os juros de mora.

Voto vencedor

(...) a simples transferência dos valores dos sistemas do "caixa 2" para a empresa não constitui, por si só, fato gerador do imposto de renda na fonte, caracterizado por pagamentos não identificados, pois não é ai que reside o fato gerador, uma vez que neste momento o beneficiário, que é a própria empresa, se acha perfeitamente identificado. O fato gerador somente surgirá se a empresa proceder a pagamentos sem identificar o beneficiário ou sem justificar a operação ou a sua causa.

Para a caracterização do fato gerador haveria de se perquirir a destinação dada aos valores transferidos, ou seja, estabelecer o nexo causal entre os valores recebidos e o destino a eles dado. (Id n. 255722716, pp. 153-162)

 

A Fazenda interpôs então recurso especial, a fim afastar a decadência reconhecida pela Câmara a quo, em infringência ao art. 173, I do CTN e à jurisprudência do Conselho de Contribuintes, bem como restabelecer o crédito tributário referente ao Imposto de Renda Retido na Fonte, argumentando:

 

Como se percebe, a aplicação do art. 61 da Lei 8181/95 se deu nos termos do art. 113 do CTN, pois configurado restou a ocorrência do fato gerador e a aplicação da hipótese de incidência constante na norma, qual seja, presunção de incidência de imposto de renda retido na fonte, eis que inerte o contribuinte em demonstrar o destino dos pagamentos que efetua, causa e beneficiário.

Portanto, devidamente aplicada a norma ao caso concreto, no que concerne às diversas retiradas efetuadas na escrituração paralela, incluindo o "Caixa 2 Banespa" e o "Caixa ex", considerando que, devidamente intimada, a contribuinte, a quem caberia o ônus da prova , não esclareceu a natureza e o destino dos pagamentos que efetuou, motivando a aplicação do art. 61 da Lei 8.981/95, a estabelecer a presunção de incidência do IRRF.

Ademais, as presunções legais relativas obrigam a autoridade fiscal a comprovar, tão somente, a ocorrência das hipóteses sobre as quais se sustentam as referidas presunções, atribuindo ao contribuinte o ônus de provar que os fatos concretos não ocorreram na forma como presumidos na lei, o que não fora efetuado pela recorrida.

(...)

No presente caso, conforme descrito pela autoridade fiscal e confirmado pela DRJ, houve a qualificação da multa, tendo em vista comprovada utilização de recursos movimentados à margem da escrituração para realização de diversas operações de interesse ou não da empresa ('Caixa 2"), conforme apurado pela Fiscalização e afirmado pela própria contribuinte, além de lavratura de Termo de Recusa e Termo de Embaraço à Fiscalização, demonstrando cabalmente o animus doloso de fraudar o fisco.

(...)

Como se vislumbra facilmente e bem observou a fiscalização, a não contabilização efetuada pelo contribuinte não foi isolada, vinculada a faltas pontuais de escrituração, mas a ausência de contabilização se deu por longo curso de tempo e contemplou expressivos valores, ensejando a exação tributária referente aos períodos de 1999 a 2004, tornando-se absolutamente inverossímil a idéia de que o contribuinte teria cometido meros equívocos.

Dessa forma, verifica-se reiterada e sistemática insubordinação aos ditames da lei por vários anos-calendário, não havendo como considerar involuntária a conduta do contribuinte, mas sim como uma conseqüência direta da intenção deliberada de omitir ao conhecimento da autoridade fiscal a ocorrência de fato gerador tributário, aplicável a multa qualificada prevista no inciso II do artigo 44 da Lei IV 9.430, de 1996.

(...)

Desta forma, analisando os autos, verifica-se que, na data da notificação do Auto de Infração, 07/10/2005, não estava extinto o direito de a Fazenda Pública constituir os créditos tributários ocorridos em 31/12/1999 e ulteriores, eis que o termo inicial da contagem do prazo decadencial é 10 de janeiro de 2001, a teor do que dispõe o art. 173, inciso I, do CTN. Portanto, teria o Fisco ate 31 de dezembro de 2005 para efetuar o lançamento referente ao imposto de renda retido na fonte, cujo fato gerador se deu em 31/12/1999. Ademais, por razões óbvias, os créditos tributários referentes aos fatos geradores a partir de 31/12/1999 não se encontram decaídos, diverso do que a Câmara a quo, segundo a qual decaídos estariam os créditos tributários a partir de 30/09/2000. (Id n. 255722716, pp. 182-225).

 

Sobreveio então o Acórdão n. 9101-001.647, de 14.05.13, da 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, o qual, por voto de qualidade, deu provimento ao recurso especial da Fazenda, restabelecendo o crédito tributário referente ao Imposto de Renda Retido na Fonte, à multa qualificada e aos juros de mora para os fatos geradores ocorridos a partir de 01.12.99:

 

Destarte, entendo demonstrado o enquadramento da situação fática ao disposto no art. 61 da Lei n° 8.981, de 1995, pois, constatou­se a saída de numerário não contabilizado para beneficiários não identificados.

(...)

Referida conduta juntamente com a movimentação reiterada de recursos à margem da Contabilidade, comprovadamente entregues aos sócios para os mais diversos fins e a beneficiários não identificados, (Fls. 68 a 84) demonstram o dolo em impedir, desde o início do mandado de procedimento fiscal, a ocorrência do fato gerador do IRRF, o que justifica a incidência do art. 72 da Lei n° 4.502, de 1964, e a consequente qualificação da multa para os períodos de apuração posteriores à publicação da MP n° 16, 27/12/2001, convalidada pela Lei  n° 0.426, de 2002 (...).

(...)

Quanto aos juros de mora, estes são devidos pela interessada independentemente do motivo determinante da falta do recolhimento do IRRF, conforme o CTN, art. 161, caput (demonstrativos dos juros de mora às Fls. 18 a 22 e Fls. 47 a 51) no período não abrangido pela decadência.

(...)

Demonstrada a fraude e cientificada a interessada do auto de infração em 07/10/2005, opera-se a decadência para os créditos tributários do IRRF pertinentes aos períodos de apuração até 30/11/1999, conforme a contagem do enunciado nº 72 da Súmula da jurisprudência do CARF:

Caracterizada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação, a contagem do prazo decadencial rege-se pelo art. 173, inciso I, do CTN.

(...)

Face ao exposto, DOU PROVIMENTO ao presente Recurso para restabelecer o crédito tributário referente ao Imposto de Renda Retido na Fonte, à multa qualificada e aos juros de mora para os fatos geradores ocorridos a partir de 01/12/1999. (destaques originais, Id n. 255722722, pp. 279-314)

 

Assim, os débitos do IRRF foram mantidos pela Câmara Superior de Recursos Fiscais e cobrados (Id n. 255722684, pp. 124-126 e Id n. 255722685, p. 15).

Não merece reparo a rejeição da ausência de tipicidade na sentença recorrida:

 

A defesa defende a ausência de tipicidade, ao argumento de supressão do voto de qualidade e a superveniência de lei tributária mais benéfica (fl. 27 do id 58043414).

Sustenta que a constituição definitiva decorreu do julgamento pela Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) na sessão do dia 14 de maio de 2013, mediante voto de qualidade (id 47573175 – fls. 279/314), mas em 14 de abril de 2020 entrou em vigor a Lei n. 13.988/2020 que, por meio do respectivo artigo 28, suprimiu o voto de qualidade no CARF, determinando que, se houver empate, não se aplica o voto de qualidade e o caso deverá ser resolvido a favor do contribuinte. Assim, entende a defesa pela aplicação do artigo 19-E da Lei 10.522/02, introduzido pelo artigo 28 da Lei 13.988/20, com determinação do cancelamento da autuação.

Improcede o pleito.

O julgamento administrativo que resultou em empate ocorreu em maio de 2013 (id 47573175 – fls. 279/314), antes do advento da Lei n. 13.988/2020. Tratando-se de regra procedimental, aplica-se aquela que estiver em vigência no momento da prática do ato, não havendo que se falar em aplicação retroativa de norma mais benéfica.

Com efeito, o artigo 112 do CTN, quando estabelece que a lei tributária deve ser interpretada de forma mais benéfica ao contribuinte, não dá ensejo à anulação de decisão administrativa que se utilizou do voto de qualidade como critério de desempate, uma vez que citado tipo de voto contava com expressa previsão legal (§ 9º do artigo 24 do Decreto n. 70.235/1972). 

Além disso, diferente do entendimento da defesa, não se trata de norma de caráter interpretativo de aplicação retroativa. Cuida-se de norma de natureza processual, que não permite sua retroação à fatos já consolidados, como no caso dos autos. Precedentes (TRF3 – Acórdão 5002763-04.2017.4.03.6100 - ApCiv - Desembargador Federal LUIS ANTONIO JOHONSOM DI SALVO – 6ª Turma - e - DJF3 Judicial 1 DATA: 28/12/2020) e (TRF3 – Acórdão 5004202-45.2020.4.03.6100 – ApCiv - Desembargador Federal HELIO EGYDIO DE MATOS NOGUEIRA – 1ª Turma - DJEN DATA: 28/09/2021).

Em conclusão, comprovadas materialidade e autoria delitivas, bem como o dolo e ausentes excludentes de qualquer espécie, condeno Olivo Simoso pela prática, no período de 31 de outubro de 1999 a 31 de maio de 2004, do crime previsto no artigo 1º, I da Lei 8.137/1990. (Id n. 255722823)

 

A utilização do voto de qualidade como critério de desempate, quando do julgamento administrativo de maio de 2013, deu-se com amparo em expressa previsão legal, em conformidade com o art. 25, § 9º, do Decreto n. 70.235/72, norma procedimental que se encontrava em plena vigência no momento da prática do ato, não havendo que se falar em aplicação retroativa de norma procedimental mais benéfica posterior, introduzida pela Lei n. 13.988/20, para desconstituir o lançamento tributário.

Nesse mesmo sentido deu-se a manifestação do Parquet, baseada em precedentes desta Corte Regional:

 

Também não prospera a alegação de que, com a recente introdução do artigo 19-E na Lei n.º 10.522/02, a nova norma retroage desconstituindo o lançamento tributário que embasa a acusação veiculada na denúncia, suprimindo a justa causa para a presente persecução penal.

Trata-se de norma de natureza processual – e não de natureza material – e, por conseguinte, sua aplicação não alcança créditos tributários constituídos antes da alteração legislativa, como é o caso dos autos. Nesse sentido, a firme jurisprudência da Corte Regional:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. CARF. VOTO DE QUALIDADE. INEXISTÊNCIA DE DÚVIDA NA FORMA DO ARTIGO 112 DO CTN. ARTIGO 19-E DA LEI 10.522/2002. IRRETROATIVIDADE. LEI 9.430/1996. IN SRF 243/2002. PREÇO DE TRANSFERÊNCIA. MÉTODO DE PREÇO DE REVENDA MENOS LUCRO - PRL 60 e PRL 20. BLISTERIZAÇÃO E EMBALAGEM DE MEDICAMENTOS. AGREGAÇÃO DE VALOR. CRITÉRIO DEFINIDOR DA MARGEM DE LUCRO APLICÁVEL. LEGALIDADE. AUSÊNCIA DE INOVAÇÃO NORMATIVA. RESPALDO EM ENTENDIMENTO MAJORITÁRIO À ÉPOCA. INOCORRÊNCIA. MULTA DE OFÍCIO. DEPÓSITO PARCIAL POSTERIOR AO INÍCIO DA APURAÇÃO FISCAL. SELIC.

1. Como decidiu esta Turma em julgamento recente (ApCiv 5002663- 15.2018.4.03.6100, Rel. Des. Fed. CARLOS MUTA, sessão de 04/11/2020, acórdão ainda não publicado), o artigo 19-E da Lei 10.522/2002 não comporta retroação. Com efeito, para além de que a retroação admitida pelo CTN é exclusivamente para reversão de penalidades (artigo 106), o comando legal em questão não veicula regra material (dado que o voto de qualidade não possui conteúdo material intrínseco, pois pode ser prolatado em favor de qualquer das partes), tampouco interpretativa (senão do artigo 25 do Decreto 70.235/1972, que estabeleceu originalmente a regra do voto de qualidade), sendo puramente processual, de modo que a aplicação respectiva deve ser imediata e, exclusivamente, ex nunc (artigo 14 do CPC).

2. De maneira conexa, o manejo do artigo 112 do CTN não induz entendimento diverso. Primeiro porque o dispositivo não embasa qualquer possibilidade de retroação do artigo 19-E da Lei 10.522/2002 (porque, além de igualmente tratar apenas de penalidades, não é norma de aplicação intertemporal de direito novo). Depois, porque não há que se confundir dúvida na aplicação da lei com resultado de julgamento colegiado. Como salientado no precedente da Turma referido: “(...) não há que se confundir técnica de votação com a análise, pelo intérprete, da legislação sobre o caso. O artigo 112 do CTN incide na aplicação da norma pelo intérprete, que o deve considerar ao apresentar seu entendimento sobre os fatos: no caso, na prolação de cada voto por cada conselheiro, e não na apuração do resultado do julgamento, pela Turma. Ainda que como decisão colegiada não se tenha resultado unânime ou mesmo majoritário em qualquer sentido, dada a divergência entre os votantes, que se presumem convictos de seus votos, disto não resulta configurada a situação de ‘dúvida’ do órgão julgador no sentido legal e para o efeito preconizado (...) [é] certo que pode ser estabelecido que, em caso de empate de votação, o julgamento deve ser definido a favor do indivíduo. Sucede que isto não ocorre, a rigor, porque haja dúvida do colegiado sobre os fatos em julgamento, mas apenas porque, em votação, não há maioria convicta (como critério objetivo de proclamação de resultado) da conduta infracional. A técnica de votação (que poderia até mesmo impor maioria absoluta ou qualificada) em si não é, ou de qualquer forma representa, pronunciamento de mérito”. (...)

10. Apelação desprovida.

(TRF 3.ª Região – 3.ª Turma – ApCiv 5028207-05.2018.4.03.6100 – Rel. Desembargador Federal Luís Carlos Hiroki Muta – Intimação via sistema 01.12.2020) – destaques do subscritor.

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RETENÇÃO ANTECIPADA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. RECOLHIMENTOS EFETUADOS EM NOTA FISCAL. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS A DESCONSTITUIR A PROVA DOCUMENTAL. MANTIDA A SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. RECURSO DESPROVIDO.

(...)

3. Primeiramente, no que concerne ao voto de qualidade, a superveniente promulgação do art. 19-E da Lei n.º 10.522/2002, que alterou sua sistemática no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, não aproveita à atual hipótese em tela, vez que firmada na jurisprudência pátria a natureza processual da norma, qual não permite sua retroação à fatos já consolidados. Vide manso posicionamento deste E. Tribunal.

(...)

8. Agravo de instrumento a que se nega provimento. Embargos Declaratórios prejudicados.

(TRF 3.ª Região – 1.ª Turma – AI 5031272-04.2020.4.03.0000 – Rel. Desembargador Federal Valdeci dos Santos – Intimação via sistema 23.03.2021) – destaque do subscritor

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. JULGAMENTO DE RECURSO ADMINISTRATIVO. CÂMARA SUPERIOR DE RECURSOS FISCAIS (CSRF). VOTO DE QUALIDADE. ARTIGO 19-E DA LEI 10.522/2002. IRRETROATIVIDADE. 1. Em conformidade com orientação firmada em julgados da Turma a respeito da controvérsia ora renovada, a técnica do voto de qualidade no âmbito do contencioso administrativo não encerra, em si, qualquer vício. Em tais oportunidades apontou-se, inclusive, ser incabível a retroação do novel artigo 19-E da Lei 10.522/2002, que mudou a aplicabilidade do regime de votação administrativo.

2. Apelação e remessa oficial providas.

(TRF 3.ª Região – 3.ª Turma – ApelRemNec 5008273-34.2018.4.03.6109 – Rel. Desembargador Federal Nery da Costa Júnior – Intimação via sistema 28.05.2021) – destaque do subscritor (Id n. 255722819)

 

Materialidade. O Inquérito Policial n. 360/16 foi instaurado para apurar a possível prática de crime tipificado no art. 1º, I, da Lei n. 8.137/90 por meio de representação criminal apresentada pelo Parquet Federal, tendo em vista que, após realização de busca e apreensão autorizada, constatou-se que representantes da empresa Construtora Simoso Ltda. teriam omitido informações ao Fisco, intentando reduzir ou suprimir quantia de tributos devidos. Em razão da mencionada investigação e finda a fiscalização realizada pela Delegacia da Receita Federal em Campinas (SP), foram lavrados 5 (cinco) autos de infração decorrentes dos processos administrativos n. 10830.002.724/2005-91 (CSLL), 10830.002.733/2005-82 (COFINS), 10830.002.732/2005-38 (PIS), 10830.004.857/2005-01 (IRPJ e reflexos) e 10.830.004.864/2005-02 (IRRF).

Foi encaminhado oficio à Receita Federal, solicitando informações referentes ao débitos tributários que originaram a lavratura dos apuratórios administrativos. Em resposta, foi informado que os processos de n. 10830.002.724/2005-91, 10830.002.733/2005-82, 10830.002.732/2005-38 foram encerrados por julgamento, que em relação ao processo n. 10830.004857/2005-01 ocorreu o parcelamento do débito, nos termos da Lei n. 12.865/2013 e quanto ao processo n. 10830.004864/2005-02, objeto desta investigação, o débito tributado foi inscrito em divida ativa e constituído definitivamente em 31 de agosto de 2005 (Id n. 255722691, pp. 134-141 e Id n. 255722691, pp. 171-173).

A materialidade delitiva encontra-se satisfatoriamente comprovada por intermédio do Procedimento Administrativo-fiscal n. 10830.004864/2005-02, notadamente por meio dos seguintes elementos de convicção:

a) Representação Fiscal para Fins Penais (Id n. 255721573, pp. 29-37);

b) inscrição em Dívida Ativa da União do valor de R$ 44.507.157,37 (quarenta e quatro milhões, quinhentos e sete mil e cento e cinquenta e sete reais e trinta e sete centavos) e propositura de execução fiscal (Id n. 255721573, p. 79);

c) demonstrativos de apuração e Auto de Infração, assinado por Diamantino Antonio, em 07.10.05, relativos ao Imposto de Renda Retido na Fonte - IRRF, crédito apurado no valor principal de R$ 18.317.048,39 (dezoito milhões, trezentos e dezessete mil e quarenta e oito reais e trinta e nove reais), que, acrescido de juros e multa, perfaz R$ 19.310.591,57 (dezenove milhões, trezentos e dez mil e quinhentos e noventa e um reais e cinquenta e sete centavos) (Id n. 255721574, pp. 198-226 e Id n. 255722702, pp. 12-53);

d) Ofício n. 1.757/09 da Agência da Receita Federal do Brasil em Mogi Guaçu (SP), datado de 26.11.15, que informou que os créditos tributários de Imposto de Renda Retido na Fonte - IRRF, controlados pelo Processo Administrativo Fiscal n. 10830.004864/2005-02, foram definitivamente constituídos em 31.08.15, bem como que não houve pagamento ou parcelamento, sendo apresentada pelo contribuinte medida judicial para suspensão da exigibilidade do crédito tributário, com encaminhamento dos débitos para a Procuradoria Seccional da Fazenda Nacional, em Campinas (SP), visando a inscrição em Dívida Ativa da União e cobrança executiva (Id n. 255722723, pp. 149-163).

A defesa alega que a legislação tributária autoriza a incidência do IRRF a todo pagamento efetuado pelas pessoas jurídicas a beneficiário não identificado e a pagamentos efetuados ou entrega de recursos a beneficiários identificados quando não comprovada a operação ou a sua causa, sendo que, no presente caso, “a Autoridade Fiscal não comprovou o elemento material, equiparando saque a pagamento; ainda, presumiu que os pagamentos se destinavam a terceiros não identificados” (destaques originais, Id n. 257143897, p. 31).

Menciona que a testemunha Alexandre Jaguaribe, então Conselheiro do CARF e redator do voto vencedor perante o Conselho de Contribuintes, confirmou em juízo o teor do referido voto e foi bastante claro em afirmar que “o fato gerador do IRRF que seria devido pela pessoa jurídica não ocorreu na espécie e que o lançamento feito pela fiscalização estava errado” (destaques originais, Id n. 257143897, p. 32).

Aduz que, de acordo com o art. 61 da Lei n. 8.981/95, só incide IRRF quando o beneficiário não estiver identificado, sendo que, no presente caso, a própria acusação, desde a denúncia e durante a instrução processual, reforçou que a fiscalização identificou os beneficiários dos valores do suposto "caixa 2" e, se a destinação dos valores do alegado "caixa 2" estava expressamente indicada, tanto na fiscalização, como na própria denúncia e na sentença, não há fato gerador de IRRF e o Auto de Infração lavrado está errado.

Sustenta também que o acórdão do CARF não deixa dúvida do erro da autuação fiscal ao consignar que "seria necessário que a fiscalização buscasse os elementos comprobatórios de que os recursos saídos do 'caixa 2' para a empresa foram por esta destinados a beneficiários não identificados, pois a simples indicação de que os valores saíram do 'caixa 2' para a empresa não caracteriza o fato gerador" (Id n. 257143897, p. 33).

Conclui que era ônus da acusação provar, inequivocamente, que aqueles saques identificados foram, de fato, pagamentos, para, então, haver alguma chance de ter sido gerado IRRF, sustentando, em linhas gerais, que não havendo prova da ocorrência do fato gerador tributário, não há se falar em materialidade delitiva de crime tributário material, sendo de rigor a reforma da sentença e a absolvição do apelante, com fundamento no art. 386, II e VII, do Código de Processo Penal.

Não procedem as teses defensivas.

A caracterização das hipótese de incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte – IRRF foi descrita, satisfatoriamente, no Auto de Infração:

 

DA AÇÃO FISCAL

4. Em 01/06/2004, através do "MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO" (processo judicial n° 2003.61.27.002370-9), foram retidos os seguintes documentos do contribuinte:

- Livros Diário de 1999 a 05/2004;

- Notas Fiscais, Recibos e outros comprovantes de pagamentos efetuados pela empresa no período de 01/1999 a 05/2004, controlados paralelamente à contabilidade através do "CAIXA 2", documentos estes apreendidos pela fiscalização do INSS;

- listagens denominadas "CONTA CORRENTE" - "CAIXA CARLOS" e "EDGARD", onde parte dos pagamentos dos documentos referidos no tópico anterior eram relacionados.

5. A ação fiscal teve inicio em 06/10/2004, as 10:20, mediante lavratura de Termo de Recusa.

6. Através de missiva datada de 05/10/2004 e protocolada na Agência da Receita Federal em Mogi Guaçu em 07/10/2004, a fiscalizada informou a este Serviço de Fiscalização (SEFIS) que teria encontrado "inconsistências" sobre a apuração dos tributos federais e, que teria retificado suas declarações e efetuado recolhimento sobre as bases de calculo de tributos e contribuições que julgou ter omitido anteriormente.

7. Cabe tecer sobre os procedimentos adotados pela fiscalizada os seguintes comentários:

- que tais recolhimentos foram efetuados de forma extemporânea e posteriormente ao inicio da Ação Fiscal de que trata este Mandado de Procedimento Fiscal, conforme exaustivamente detalhado no Termo de Constatação lavrado em 25/10/2004;

- que as infrações de omissão admitidas pelo próprio contribuinte não foram objeto de declaração espontânea por parte da fiscalizada anteriormente ao inicio da Ação Fiscal, fazendo com que os recolhimentos a elas referentes fujam, dessa forma, dos benefícios concedidos por lei através do art. 138 do CTN e do art. 47 da Lei 9.430/96;

- que os recolhimentos pretensamente efetuados sob a instituição da espontaneidade foram feitos de forma a não contemplar nenhum percentual de multa, nem mesmo a multa de mora prevista no Art. 61 da Lei 9.430/96;

- que a fiscalizada adotou procedimentos que ferem o ordenamento jurídico, conforme detalhado em Termo de Embaraço a Fiscalização lavrado em 29/10/2004 e em Representação Fiscal para Fins Penais de que trata o processo administrativo 10830.006333/2004-65, datada de 29/10/2004 e protocolado em 08/11/2004;

8. Em 19/10/2004, documentos que haviam sido apreendidos pela fiscalização do INSS (Notas Fiscais, Recibos e outros comprovantes de pagamentos efetuados pela empresa no período de 01/1999 a 05/2004, controlados paralelamente à contabilidade através do "CAIXA 2"), foram repassados à Secretaria da Receita Federal, através do Termo de Entrega de Documentos lavrado naquela data;

9. Em 25/10/2004, foi lavrado Termo de Constatação, através do qual pontuou-se detalhadamente os procedimentos adotados pela fiscalizada na data de 06/10/2004 com a finalidade de eximir-se ilegalmente da aplicação de penalidade cabível sobre as infrações fiscais por ela praticadas.

10. Em 27/10/2004, a fiscalizada manifestou sua inconformidade quanto à lavratura de Termo de Recusa em 06/10/2004.

11. Em 29/10/2004, após coligir elementos probantes que fundamentam a pratica em tese de procedimentos ilegais por parte da fiscalizada durante os momentos iniciais da Ação Fiscal, foi lavrado Termo de Embaraço à Fiscalização. Dentre os documentos apreendidos para a lavratura desse Termo encontram-se os formulários "Controle Diário de Entrada e Saída de Veículos Particulares" do dia 06/10/2004, os quais corroboram a comprovação da pratica de Embaraço à Fiscalização por parte dos responsáveis pela fiscalizada e a presença fiscal às 9:08 do mesmo dia 06/10/2004.

12. Ainda em 29/10/2004, foi lavrada Representação Fiscal para Fins Penais, protocolada em 08/11/2004, através da qual informou-se formalmente ao Ministério Publico sobre a prática de procedimentos ilegais por parte dos representantes da fiscalizada, cujo processo administrativo tem o número 10830.006333/2004-65.

13. Em 08/11/2004, quando do comparecimento à sede da empresa para dar ciência a seus representantes do Termo de Embaraço a Fiscalização, foi lavrado Termo de Constatação, através do qual constatou-se a demissão do vigia da empresa, Sr. Adilson Bezerra Regis, funcionário que atendeu o Auditor Fiscal às 09:08 do dia 06/10/2004 na portaria da empresa e fez contatos com a diretoria (Olivo e Antônia) e com o procurador, Sr. Diamantino Antonio, demonstrando que as pessoas procuradas encontravam-se na empresa naquele momento. Referido vigia foi demitido 6 (seis) dias após o inicio da Ação Fiscal.

14. Em 02/12/2004, a fiscalizada manifestou sua inconformidade quanto à lavratura dos Termos de 25/10/2004, 29/10/2004 e 08/11/2004.

15. Em 16/12/2004 foi lavrado Termo de Intimação solicitando-se as seguintes informações quanto à movimentação financeira encontrada na conta corrente no 13.001634- 4, da agência 0047 do BANESPA:

- "Informar os nomes e os números das contas contábeis em que foram contabilizadas as movimentações da conta bancaria em questão;

- Caso não tenha sido contabilizada, comprovar, mediante apresentação de documentação hábil e idônea, a origem dos recursos que possibilitaram a realização dos depósitos e/ou créditos nas referidas contas bancárias."

16. Em 07/01/2005, a fiscalizada respondeu ao Termo de Intimação lavrado em 16/12/2004, destacando as seguintes informações quanto à movimentação financeira ocorrida na conta corrente no 13.001634-4, mantida na agência 0047 do BANESPA:

"A movimentação da conta em referência não constava da escrituração contábil, pois ela referia-se a ingressos provenientes de contratos firmados com os munícipes aderentes ao Plano Comunitário Municipal - PCM, aprovado por lei de cada Prefeitura, contratos esses vinculados ao contrato firmado pela empresa com as Prefeituras. A execução das obras é fiscalizada pela Prefeitura, pois tais obras implementam a pavimentação asfáltica e o saneamento básico, que na realidade são de responsabilidade do Poder Público. Esses contratos têm as seguintes características:

Contratos de longo prazo, com relevante cunho social, sem qualquer garantia;

Alto índice de repactuação das condições contratuais originais, tanto no tocante ao valor da prestação, como nas condições de pagamento;

Períodos de vigência variáveis, dispersos e ate indeterminados;

Elevado índice de inadimplência.

Em razão dessas incertezas, optou-se pela abertura de conta bancária para segregação desses valores, de forma a permitir a apuração do efetivo resultado dessas operações, que, ao termino do recebimento de cada empreendimento, seus resultados seriam trazidos para a contabilidade." (GRIFOU- SE) 

17. Ainda em 07/01/2005, a fiscalizada acrescenta em sua resposta as seguintes justificativas para a origem dos recursos que possibilitaram a movimentação financeira ocorrida na conta corrente no 13.001634-4, mantida na agência 0047 do BANESPA:

"Como esclarecido no tópico precedente, a origem dos recursos provem dos recebimentos dos contratos do denominado PCM."(GRIFOU-SE)

18. Durante os procedimentos de auditoria e, como resultado do confronto dos documentos apreendidos com a escrituração contábil, identificamos que a fiscalizada apresentava desvios de recursos para alimentar o "CAIXA 2", por intermédio do qual os pagamentos eram efetuados. Os comprovantes de pagamentos (saídas do "CAIXA 2") são esclarecedores da condição da informalidade, constando em grande parte deles as expressões "por fora", "caixa 2", "sem vinculo empregatício", "II", conforme cópias das "Comunicações Internas".

001 — PAGAMENTOS SEM CAUSA OU A BENEFICIÁRIOS NÃO IDENTIFICADOS

19. Conforme disposto no TERMO DE INTIMAÇÃO lavrado as 09:00 hs do dia 09/08/2005, observamos que o "CAIXA 2" da empresa era composto de 2 caixas distintos, ambos não contabilizados: "cód_banco 130001634-3", e "cód_banco CAIXA EX".

- "Constatamos que o caixa "cód banco 130001634-3", doravante denominado "CAIXA 2 BANESPA", é o controle da conta-corrente mantida no banco BANESPA, ag. 0047 - MogiMirim, c/c no 0047-13-001634-3, não contabilizada pela empresa, a qual já foi objeto de TERMO DE NTIMAÇA0 lavrado em 02/02/2005, com resposta apresentada pelo contribuinte em 21/02/2005;

- Constatamos que o caixa "cod banco CAIXA EX", doravante denominado CAIXA EX, é o controle do caixa 2, mantido pela fiscalizada na forma de dinheiro, cheques ou outros créditos, cuja contabilização não foi encontrada na escrituração da empresa (livros Diário e Razão), sendo a justificação ou identificação desses valores um dos objetos do presente TERMO DE INTIMAÇÃO."

20. No mesmo TERMO a fiscalização elaborou 3 planilhas, "ANEXO III - Transferências dos Recursos do CAIXA EX aos sócios", "ANEXO IV - Transferências dos Recursos do CAIXA 2 BANESPA aos sócios", e "ANEXO V - Demonstrativo de pagamentos a serem comprovados e feita a identificação de seus beneficiários", tendo o fiscalizado sido INTIMADO A:

- "Informar se foram contabilizados em sua escrituração (Livros Diário e Razão) as transferências de recursos apontados nas planilhas "Demonstrativo das transferências dos Recursos do CAIXA EX aos sócios"(ANEXO III) e "Demonstrativo das transferências dos Recursos do CAIXA 2 BANESPA aos sócios" (ANEXO IV) e se sobre as mesmas foi efetuada a retenção e o regular recolhimento do Imposto de Renda Retido na Fonte;

- Identificar os beneficiários dos pagamentos listados no ANEXO V, bem como a operação a que se referem ou a sua causa, informando e demonstrando se os mesmos foram contabilizados em sua escrituração (Livros Diário e Razão);"

21. Em resposta datada em 20/09/2005, o fiscalizado informou o seguinte:

"Antes de oferecer resposta direta ao referido item, a intimada pede licença para observar que os valores indicados nos referidos Anexos (III e VI (a fiscalização observa que, na realidade é Anexo IV)) têm origem nos recursos já tributados na denúncia espontânea oferecida pela empresa, cujos dados já estão em poder dessa fiscalização.

Dessa forma, os valores questionados, no rigor da própria legislação de regência, correspondem a lucros distribuídos que não são tributados.

Além disso, no Anexo IV, há evidentes imprecisões! De fato, os valores tidos como sacados da conta do Banespa, sob o titulo "CONST. SIMOSO" ou "CONST. SIMOSO LIDA", ora são debitados ao sócio Olivo Simoso e ora permanecem centrados na primeira coluna, que tem o titulo de "Transferência à Diretoria". A intimada não conseguiu identificar claramente tais valores porque não constam do Anexo I, não constam nos extratos da conta do Banespa e não constam do Controle do "Caixa EX". Dessa forma, a intimada não sabe como foi composto o Anexo IV.

Sem embargo, valores tidos como destinados à empresa - "CONST. SIMOSO" ou "CONST. SIMOSO LIDA", não podem ser debitados aos sócios. ASSIM, NÃO PODEM SER TRIBUTADOS NA FONTE. IGUALMENTE, NÃO PODEM SER TRIBUTADOS NAS PESSOAS FÍSICAS.

Diante do exposto, no tocante a tais valores, para oferecer resposta definitiva, a intimada requer seja complementada à r. intimação.

- Quer a intimada ressaltar que os próprios termos utilizados na descrição dos eventos, no rigor do aludido Anexo V, afastam a insinuação de que teria havido "pagamentos a beneficiários a identificar".

- Apenas a titulo de exemplo, a intimada destaca os seguintes termos utilizados:

- "SAQUE CAIXA", "CONST. SIMOSO/SAQUE DE CAIXA", "CHEQUE EMITIDO TRANSE. P/ CAIXA", "CONST. SIT.TOSO/SAQUE": todos traduzem saída de recursos do Banco para ingresso na conta caixa. Não há, portanto, pagamento.

- "PENDÊNCIAS / APLIC. DPF": corresponde à aplicação financeira no próprio Banco. Não ha, portanto, pagamento.

- "SAIDA DE TRANSFERÊNCIA": traduz transferência movimentação de aplicação financeira. Não há, portanto, pagamento.

- "CONST. SIMOSO": traduz saída do Banco e ingressso na empresa intimada. Não ha, portanto, pagamento.

Diante do exposto, a intimada vê-se impossibilitada de oferecer a resposta solicitada, já que os próprios elementos apontados por essa fiscalização inviabilizam a tese oficial da "existência de pagamentos a beneficiários não identificados".

E para que não reste nenhuma dúvida sobre a inexistência dos vislumbrados "pagamentos", a intimada requereu ao Banco Banespa as cópias dos cheques correspondentes aos valores indicados no referido Anexo V. Dessa forma, neste ponto, a intimada requerer (sic) nova dilação de prazo de 20 (vinte) dias, na expectativa de que nesse prazo o Banco disponibilize as cópias dos respectivos cheques.

22. A fiscalização observa que não é verdadeira a afirmação de que "os valores questionados correspondem a lucros distribuídos", uma vez que os registros de tais supostos lucros distribuídos não foram encontrados em sua contabilidade, a qualquer titulo. Além do mais, o próprio histórico dos valores, encontrados nas listagens do CAIXA 2, bem como os documentos apreendidos, que constam do Volume ANEXO 1, demonstram que os valores debitados se referem a despesas pessoas do Sr. OLIVO Simoso da Sra. Antônia Simoso (cartões de crédito, mensalidades de clubes, despesas com veículos, telefones, energia elétrica, aquisição de bens, etc.), não havendo qualquer referência a "lucros distribuídos".

23. Com referência aos valores tidos como "CONST. SIMOSO" ou "CONST. SIMOSO LTDA", que ora são debitados ao sócio Olivo Simoso e ora na coluna "Transferências A Diretoria", tal distinção foi efetuada pela fiscalização com base nos documentos apreendidos (cujas cópias já foram entregues ao contribuinte, junto com o mesmo termo), os quais constam do Volume ANEXO 1.

24. Não é verdadeira também a afirmação do fiscalizado, de que "tais valores não constam do Anexo I, não constam nos extratos da conta do Banespa e não constam do controle do "Caixa EX", pois a simples consulta a esses documentos demonstrará que constam.

25. Com relação à descrição dos eventos do ANEXO V, não é verdadeira a afirmação de que os termos utilizados traduzem "saída de recursos do Banco para ingresso na conta caixa", uma vez que não foram encontrados, nas contas CAIXA da contabilidade oficial da empresa (cujos arquivos magnéticos encontram-se em poder da fiscalização) e no CAIXA EX, as entradas dos valores na conta caixa, coincidentes em datas e valores. Dessa forma, torna-se desnecessária a apresentação de cópia dos cheques, ficando então indeferida a prorrogação de prazo solicitada pelo fiscalizado, por se mostrar inócua.

26. Encontramos, porem, ingressos, coincidentes em datas e valores, nas contas "OLIVO SIMOSO" (contas 2.1.1.02.0002 em 1999 e 2.1.1.91.0002 em 2000 a 2004) e "ANTÔNIA T C SIMOSO"(conta 2.1.1.91.0003 em 2000 a 2004), conforme cópias das contas em anexo, extraídas dos livros RAZÃO da fiscalizada (cujos arquivos magnéticos encontram-se em poder da fiscalização). Esses valores, então, saíram do CAIXA 2 BANESPA (ANEXOS IV e V), para o sócio identificado, e ingressaram na contabilidade da SIMOSO, como empréstimos dos sócios. Dessa forma, serão considerados como valores pagos ao sócio identificado, e não como beneficiário não identificado, sendo que foram excluídos da PLANILHA “Demonstrativo do Imposto de Renda Retido na Fonte Sobre Pagamentos Sem Causa ou a Beneficiários Não Identificados”, em anexo.

27. Com relação às saídas para aplicação financeira, tem razão o contribuinte, e elas, quando identificadas nos extratos da conta BANESPA 0047-13-001634-3 como aplicação financeira, assim serão consideradas.

28. Dessa forma, os valores constantes na coluna “Transferências à Diretoria”, constantes dos Anexos III e IV, e aqueles constantes do Anexo V, com exceção daqueles que ingressaram nas contas “OLIVO SIMOSO” e “ANTÔNIA T. C. SIMOSO” e aqueles referentes a aplicações financeiras, serão tributados exclusivamente na fonte, uma vez que a empresa não identificou a causa e tampouco os beneficiários, apesar de intimada a fazê-lo, conforme o ENQUADRAMENTO LEGAL disposto a seguir. Tais valores estão consolidados na PLANILHA “Demonstrativo do Imposto de Renda Retido na Fonte Sobre Pagamentos Sem Causa ou a Beneficiários Não Identificados”, sendo que o rendimento é considerado líquido, cabendo o reajustamento da base de cálculo, sendo a alíquota do IRRFonte, de 35%. (destaques meus, Id n. 255722702, pp. 36-41)

 

Autoria. De acordo com a Alteração Contratual Consolidada da Construtora Simoso Ltda., registrada perante a JUCESP em 21.06.02, Olivo Simoso era sócio majoritário, sendo responsável, conjuntamente com Antônia Tereza Campaldi Simoso, pela gestão da sociedade (Id n. 255721573, pp. 21-28), situação que perdurou nas alterações contratuais registradas perante a JUCESP em 28.01.05 e 14.01.09 (Id n. 255721581, pp. 70-76 e Id n. 255722685, pp. 163-170).

Consta dos autos procuração outorgada pela Construtora Simoso Ltda., Construtora Scala Guaçu Ltda. e Construtora Destaque Ltda., representadas por Olivo Simoso, datada de 02.02.99, constituindo Diamantino Antônio como procurador, com amplos e ilimitados poderes para o fim especial de representar as outorgantes perante as repartições públicas federais, estaduais, municipais, autarquias e sociedades de economia mista, nelas requerendo o que for necessário (Id n. 255722702, p. 133).

Consta também procuração outorgada pela Construtora Simoso Ltda., representada por Olivo Simoso, datada de 17.06.05, para José Antônio Minatel, Antônio Airton Ferreira, Camila Dobner Pereira, Flávio Ricardo Ferreira, Gustavo Froner Minatel, Henrique Salim e Vanessa Gragnani, conferindo amplos poderes “para o foro em geral, em qualquer Juízo, Instância eu Tribunal e quaisquer repartições públicas federais, inclusive da Receita Federal, do Instituto da Previdência e Assistência Social - INSS e do Ministério do Trabalho e Emprego - MTE, podendo propor contra quem de direito as ações competentes e defendê-lo nas contrárias, seguindo uma e outras até final decisão, usando das defesas e dos recursos legais e acompanhando-os, além de todos os poderes, sem exclusão de qualquer um, inclusive para representação extrajudicial e administrativa, agindo em conjunto ou separadamente, podendo ainda substabelecer esta em outrem, com ou sem reservas de iguais” (Id n. 255721581, p. 77).

Interrogado em Juízo, Olivo Simoso manifestou desejo de permanecer em silêncio (Id n. 255722798).

Ouvido na fase inquisitiva, Olivo Simoso também manifestou desejo de permanecer em silêncio. Aduziu apenas que sua esposa, Antônia Tereza Campaldi Simoso, figura no contrato social como sócia, mas nunca administrou a empresa, o que lhe competia, exclusivamente (Id n. 255722691, p. 113).

Na fase policial, Antônia Tereza Campaldi Simoso declarou que figura do contrato social da Construtora Simoso Ltda., como sócia, conjuntamente com seu marido, Olivo Simoso, único responsável pela sua administração. Trabalha na empresa no departamento de recursos humanos (Id n. 255722691, p. 115).

Em Juízo, Cassiano Eduardo Christofoletti, Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil, declarou que participou da fiscalização desde a busca e apreensão requerida pelo Ministério Público Federal até a conclusão dos trabalhos. Foram apreendidos documentos na sede da empresa e em outros 2 (dois) endereços, sendo apurado “Caixa 2”, identificado como “Caixa ex”, mantido em bancos e também em dinheiro e por outros meios, que não constavam da contabilidade da empresa. Foram identificados que os valores movimentados por “Caixa 2” beneficiaram os sócios, o acusado Olivo Simoso e sua esposa, destinando-se ao pagamento de suas despesas pessoais. Quando não foi possível a identificação do beneficiário, há presunção de pagamento realizado a beneficiário não identificado, que permite a incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte – IRRF. Não foi esclarecida a existência de caixa paralelo ao longo do trabalho de fiscalização. Houve certa restrição à atuação do Fiscal João Bacchin, no início da fiscalização, que passou a receber apoio de outros 3 (três) fiscais. O lançamento foi julgado improcedente em julgamento de recurso voluntário interposto pela contribuinte, sendo que, com a interposição de recurso especial pela Procuradoria da Fazenda, foi integralmente restabelecido, pela Câmara Superior de Recursos Fiscais. Na fase administrativa, deu-se o trânsito em julgado. Todos os bens da empresa foram colocados à disposição, no âmbito de Execução Fiscal em andamento, não sendo suficientes para garantia do crédito tributário, que ultrapassa, atualmente, R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais). Foi apurado, em conjunto, omissão do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física, relativamente a 1999 a 2004. Os valores detectados pela fiscalização não se confundem com distribuição de lucros, que devem constar da contabilidade da empresa (Id n. 255722725).

Na fase judicial, João Batista Bacchin Filho, Auditor Fiscal da Receita Federal, aduziu que houve o cumprimento de busca e apreensão, por ordem judicial, na sede da empresa fiscalizada, que resultou na apreensão de diversos documentos e arquivos magnéticos, os quais foram encaminhados à Receita Federal. Foi constatada a existência de “Caixa 2”, consistente de recursos movimentados à margem da contabilidade, em dinheiro, cheque e contas bancárias, com o objetivo de suprimir tributos. Foi apurado que parte desses recursos destinou-se aos sócios e outra parte foi tributada como pagamentos sem causa. As denúncias que motivaram a medida de busca e apreensão foram muito bem fundamentadas, indicando a localização das provas, o que foi apreendido e repassado à Receita Federal, que seguiu com a execução dos trabalhos. Os valores detectados pela fiscalização não se confundem com distribuição de lucros, que devem constar da contabilidade da empresa (Id n. 255722727).

Na fase judicial, Sérgio Miya, Auditor Fiscal da Receita Federal, declarou que houve busca e apreensão, foi iniciada fiscalização, constatando-se a existência de “Caixa 2”, notas frias, notas de favor, passivo fictício, o que gerou diversas autuações, pela supressão/redução de diversos tributos (Id n. 255722729).

Em Juízo, Edgar Luiz de Oliveira aduziu que trabalhou na Construtora Simoso Ltda. de meados da década de 90 a meados da década de 2000, no departamento financeiro, especificamente com cobranças. Não era o responsável pela contabilidade. Reportava-se aos sócios, Olivo e Antônia Simoso. Recordou-se de ação fiscal iniciada em desfavor da empresa, não sabendo especificar seu objeto. Não era comum a distribuição de lucros aos sócios. Diamantino Antonio era o administrador contábil da empresa (Id n. 255722731 a 255722735).

Ouvida em Juízo, Irani da Penha Oliveira Fogaça alegou que trabalhou na Construtora Simoso Ltda., de 1997 a 2005, como assistente contábil. Não era a responsável pelas comunicações da empresa à Receita Federal, não elaborado declarações. Não se recordou de ter atendido Auditor Fiscal da Receita Federal no dia 06.10.04, mas confirmou ter recebido papéis. Não havia orientação para não receber documentos. Os sócios da empresa eram Olivo e Antônia Simoso. Não sabe se os sócios retiravam pró-labore. Diamantino Antonio era responsável pela contabilidade (Id n. 255722737 a 255722743).

Na fase judicial, José Carlos Manara disse que trabalhou na Construtora Simoso Ltda., como coordenador financeiro, de 2003 a 2013. O departamento contábil que atendeu a fiscalização exercida sobre a empresa. Cuidava apenas de recebimentos. Não se recorda dos nomes dos agentes fiscais que estiveram na empresa. Nunca proibiu a entrada de agente fiscal na empresa. Diamantino Antônio era responsável pelo departamento contábil. Os recebimentos eram feitos em contas bancárias, mantidas no Santander, Banco do Brasil e Itaú. Os proprietários da empresa eram Olivo e Antônia Simoso. Eles recebiam pró-labore. Todos os saques efetuados pelos sócios eram comunicados e deviam constar dos registros internos (Id n. 255722744 a 255722751).

Em Juízo, Paulo Jacinto do Nascimento aduziu que integrou o Conselho dos Contribuintes no ano de 2007 e ratificou os termos do voto lançado quando do julgamento de recurso administrativo, em favor da Construtora Simoso Ltda., pela não incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte – IRRF, pelas razões nele expostas (Id n. 255722753 e 255722755).

Na fase judicial, Susy Gomes Hoffman afirmou que era integrante do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF. Participou do julgamento havido em maio de 2013, em que foi dado provimento ao recurso da Fazenda, decidindo-se pelo voto de qualidade do Presidente, a favor da Fazenda. Na fiscalização, apurou-se a existência de “Caixa 2”, bem como que os valores movimentados por meio desse sistema destinaram-se, em parte, ao pagamento do pró-labore dos sócios e, em parte, a beneficiários não identificados. A Câmara Baixa do CARF havia entendido, no julgamento do recurso voluntário do contribuinte, que os recursos do “Caixa 2” haviam integrado o caixa da empresa. A Câmara Superior acabou ficando dividida, entre seus integrantes, tendo votado a favor da empresa, por também entender que os recursos do “Caixa 2” destinaram-se à própria empresa, para pagamento de contas contabilizadas, e que o Fisco não logrou fazer prova da fraude associada à destinação desses recursos a beneficiários não identificados (Id n. 255722754).

Em Juízo, Alexandre Barbosa Jaguaribe disse que foi integrante do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF e que entendeu, à época da proclamação do seu voto, pela inexigibilidade do IRRF, quando do julgamento de recurso administrativo, que os agentes fiscais não se aprofundaram na autuação porque a base da autuação foi a não identificação dos beneficiários dos recursos. Porém, consta dos autos que o beneficiário dos recursos foi a própria empresa. A tipificação do lançamento estava errada. A autuação não logrou demonstrar que os recursos advindos de “Caixa 2” destinaram-se a beneficiários não identificados, sendo possível constatar destinaram-se à própria empresa (Id n. 255722796 a 255722798).

A defesa alega que a acusação deveria ter sido capaz de provar que foi Olivo Simoso quem, com as próprias mãos, omitiu informações ao Fisco, ou provar de que forma ele teria concorrido para essa omissão praticada por um terceiro, sendo certo que nenhuma das testemunhas ouvidas, nem as arroladas pela própria acusação, nem as arroladas pela defesa, afirmaram que o apelante participava da gestão de questões tributárias da Construtora Simoso Ltda.

A defesa atribui a conduta delitiva a pessoas da empresa do apelante que trabalhavam diretamente no departamento responsável pelas questões financeiras, fiscais e contábeis, da qual Olivo Simoso não fazia parte.

Sustenta, em linhas gerais, que imputar crime a alguém porque faz parte dos quadros da empresa, principalmente quando a pessoa ocupa posições mais altas na hierarquia interna, como é o caso dos administradores, é presunção de responsabilidade penal, imputação de responsabilidade penal em razão de cargo ou condição estática e/ou imputação de responsabilidade penal objetiva, todas proibidas no nosso ordenamento jurídico, razão pela qual requer a absolvição, por falta de prova de autoria delitiva, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal.

Não obstante as alegações defensivas, a prova da autoria delitiva encontra-se satisfatoriamente demonstrada.

A responsabilidade pela administração da Construtora Simoso recai unicamente sobre o acusado Olivo Simoso, como ele próprio declarou, na fase administrativa, o que foi roborado pelas declarações extrajudiciais de sua esposa Antônia Tereza Campaldi Simoso, bem como pelas declarações judiciais do funcionário Edgar Luiz de Oliveira, não lhe favorecendo a alegação de que os funcionários dos departamentos financeiro e contábil da empresa que elaboravam as declarações sobre os tributos devidos pela empresa à Receita Federal, na tentativa de eximir-se da própria responsabilidade, que decorria, naturalmente, da sua condição de gestor da pessoa jurídica.

Os Auditores Fiscais Cassiano Eduardo Christofoletti, João Batista Bacchin Filho e Sérgio Miya ratificaram a identificação de contabilidade paralela no âmbito da Construtora Simoso, cujos recursos destinaram-se tanto ao pagamento de despesas pessoais dos sócios, como ao pagamento sem causa ou a beneficiários não identificados, refutando a possibilidade de se considerar os pagamentos aos sócios como distribuição de lucros, na medida em que não constaram dos registros contábeis oficiais da empresa.

Sem adentrar a valia da estratégia da defesa em arrolar como testemunhas julgadores dos recursos administrativos interpostos pela empresa do acusado, cumpre consignar que Alexandre Barbosa Jaguaribe proferiu voto em recurso administrativo, no âmbito do Processo Administrativo-Fiscal n. 10830.004857/2005-01, que não é objeto da presente persecução penal (cfr. Id n. 255722800, p. 6).

De igual modo, o dolo encontra-se devidamente comprovado, pelo embaraço à fiscalização, com o objetivo de beneficiar-se indevidamente do instituto da espontaneidade, previsto no art. 138 do Código Tributário Nacional, conforme se extrai da Representação Fiscal para Fins Penais, que relatou o seguinte:

 

(...) lavramos Termo de Constatação em 25.10.2004, no qual concluiu-se que a empresa agiu de má fé, com o objetivo deliberado de retardar e/ou impedir a fiscalização, com o intuito de retificar suas declarações, efetuar os recolhimentos respectivos e usufruir dos benefícios da espontaneidade, previstos no art. 138 do CTN.

21) Conforme descrito nos itens 16 a 19, ficou demonstrado que os sócios, diretores, procuradores e funcionários. encontravam-se na sede da empresa no momento da chegada do Auditor -Fiscal da Receita Federal àquele estabelecimento e que permaneceram no local, levando a crer que o funcionário José Carlos Manara, Coordenador Financeiro, foi orientado a fazer afirmações contrário à verdade dos fatos diante da presença de Auditor-Fiscal da Receita Federal, João Batista Bacchin Filho, com a clara intenção de retardar e/ou impedir os trabalhos de fiscalização.

22) Constatou-se finalmente que o TERMO DE RECUSA, lavrado em 06/10/2004, pelo servidor competente, nos termos do inciso I do art. 23 do Decreto 70.235/72 (Processo Administrativo Fiscal), corroborado pelos elementos colhidos junto à empresa, em 21.10.2004, principalmente o TEMO DE DEPOIMENTO do Sr. José Carlos Manara e os formulários de controle de entrada e saída de funcionários e visitantes, atende aos requisitos legais e determina que o início da ação fiscal deu-se às 09:15 do dia 06.10.2004, momento em que a empresa teve conhecimento da presença da fiscalização em seu estabelecimento, recusando-se a assinar os termos e embaraçando a fiscalização, e não à hora que assinou os termos (17:10 hs), excluindo-se então a partir das 09:15hs do dia 06.10.2004, a espontaneidade de que trata o art. 138 e parágrafo único do CTN, combinado com o art. 7º, parágrafo 1º, do Decreto 70.235/72.

CONCLUSÃO

23) Diante de todos os fatos relatados, ficou devidamente demonstrada a nítida intenção da empresa em impedir o início da Ação Fiscal, com o objetivo de beneficiar-se indevidamente do instituto da espontaneidade, previsto no art. 138 do CTN (Lei 5.172/66).

24) Diante do descaso demonstrado com o funcionário público no exercício de suas funções e com a Secretaria da Receita Federal, órgão de governo da República Federativa do Brasil, e em razão da retificação das DIPJ's e recolhimento de tributos de forma sorrateira, restou claramente demonstrada a inexistência de espontaneidade e sim o ato desregrado no atendimento â fiscalização federal, pois tudo não passou de uma simulação, que certamente já estava planejada, ficando caracterizado, dessa forma, o embaraço a atividade de fiscalização, conforme descrito no art. 919 do Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999(RIR/99).

"Art. 919 - Os que desacatarem, por qualquer maneira os Auditores-Fiscais da Receita Federal no exercício de suas funções e os que, por qualquer meio, impedirem a fiscalização serão punidos na forma do Código Penal, lavrando o funcionário ofendido o competente auto, que acompanhado do rol das testemunhas, será remetido ao Procurador da República pela repartição competente (Lei 2.354, de 1954, art. 7º)" -grifo nosso.

25) Não há que se falar em espontaneidade quando a empresa, com fortes indícios dede "Caixa 2" e notas fiscais de favor, recolhe tributos e Contribuições poucas horas depois de Auditor-Fiscal da Receita Federal comparecer na sede da mesma e ter sido impedido, por embaraço, de iniciar o procedimento fiscal.

26) Assim sendo, de acordo como disposto no artigo 7º da Lei 2.354, de 1954 e artigo 919 do Decreto 3.000/99 (RIM99), foi lavrado Termo de Embaraço à Fiscalização, em 29.10.2004, em razão de simulação, com o objetivo de retardar e/ou impedir os trabalhos de fiscalização, pois concluímos que o funcionário, Sr. José Carlos Manara, foi colocado à frente do atendimento à fiscalização federal, como uma blindagem previamente planejada pelos representantes legais da empresa. (destaques meus, Id n. 255721573, pp. 34-35)

 

Comprovadas satisfatoriamente a materialidade, a autoria e o dolo, impõe-se a manutenção da condenação do acusado Olivo Simoso pela prática do delito do art. 1º, I, da Lei n. 8.137/90.

Dosimetria. Consideradas as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, o MM. Magistrado a quo fixou a pena-base no mínimo legal de 2 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa. Sem atenuantes, agravantes ou causas de diminuição, elevou as penas em 1/3 (um terço), em razão da causa de aumento de pena do art. 12, I, da Lei n. 8.137/90 e, em seguida, em 1/6 (um sexto), em decorrência da continuidade delitiva, tornando definitivas as penas de 3 (três) anos, 1 (um ) mês e 10 (dez) dias de reclusão e 15 (quinze) dias-multa.

Estabeleceu o regime inicial aberto.

Arbitrou o valor unitário do dia-multa em 5 (cinco) vezes o salário mínimo vigente à época do primeiro fato (31.10.1999), corrigido monetariamente pelos índices oficiais quando do pagamento.

Substituiu a pena privativa de liberdade por 2 (duas) restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública (CP, art. 43, IV e art. 46), a ser definida pelo Juízo das Execuções Penais, bem como em prestação pecuniária no valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), a ser depositada em conta à disposição do Juízo (Resolução n. 295 do CJF e Resolução 154 do CNJ).

A defesa requer que as penas sejam todas fixadas no mínimo legal, reduzindo-se o valor do dia-multa ao mínimo legal, bem como o valor da prestação pecuniária.

O recurso da defesa merece parcial conhecimento e, na parte conhecida, o desprovimento.

Carece interesse recursal à defesa em pleitear a redução de todas as penas ao mínimo legal, considerando que a pena-base foi arbitrada no mínimo legal, o aumento de pena decorrente da incidência da causa de aumento de pena prevista no art. 12, I, da Lei n. 8.137/90 foi aplicado no mínimo legal, bem como o aumento decorrente da continuidade delitiva também foi aplicado no mínimo legal, a despeito de a conduta delitiva ter sido praticada de 1999 a 2004.

No que tange ao valor da prestação pecuniária, cabe readequação.

Dado que a prestação pecuniária associa tanto a punição quanto a reparação, os critérios para sua quantificação devem, na medida do possível, abranger tanto uma quanto outra dessas funções. Para esse efeito, cumpre atentar à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social do agente, às circunstâncias do crime (CP, art. 44, II; CP, art. 59, caput), mas também às consequências, dado que a prestação pecuniária é primordialmente um pagamento em dinheiro à vítima (CP, art. 45, § 1º, c. c. art. 59, caput, do CP).

Reputo adequada a redução da prestação pecuniária para 50 (cinquenta) salários mínimos, o que guarda proporcionalidade com a pena substituída.

Ressalte-se que a forma de pagamento da prestação pecuniária é estabelecida pelo Juízo das Execuções Criminais, competente para determinar a forma de cumprimento da pena restritiva de direitos, a teor do art. 66 da Lei n. 7.210/84.

Restam mantidos os demais termos da sentença recorrida, que não merecem reparo.

Valor mínimo. Sonegação fiscal. Execução fiscal em andamento. Desnecessidade. O art. 387, IV, do Código de Processo Penal determina que o juiz fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido. Dado que a condenação tem o efeito de tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime (CP, art. 91, I), nada mais natural e útil que o juiz, desde logo, estabeleça um valor provisório, certamente inferior ao dano, mas que pode ser desde logo cobrado mediante execução pela vítima, na maioria dos casos hipossuficiente. A vítima, então, disporá de uma via executiva na qual prescinde da liquidação do quantum debeatur com suas controvérsias e morosidade. Essa facilidade, porém, não se ajusta exatamente à Fazenda Pública, na hipótese em que já dispõe de título executivo e, mais que isso, execução fiscal já em andamento. Encontrando-se já instaurada a execução definitiva, posto que por título extrajudicial, não se revela necessária a constituição de um título executivo de caráter precário. Essa particularidade indica a inconveniência de se fixar, apenas por fixar, um valor mínimo nos crimes de sonegação fiscal, providência tal que, ademais disso, torna problemática a discussão subjacente ao crédito tributário, com seu regime jurídico específico. Em resumo, a fixação de valor mínimo nos casos de crimes de sonegação fiscal demanda uma justificação que revele sua necessidade e sua adequação (interesse processual), o que não se manifesta na hipótese que se encontra em tramitação execução definitiva do crédito tributário no juízo cível.

Do caso dos autos. A defesa requer a exclusão da condenação do apelante ao pagamento do valor fixado para os fins do art. 387, IV, do Código de Processo Processual, sob pena de indevido bis in idem, considerando a pendência da Execução Fiscal n. 0000809-58.2016.403.6127 que tramita perante o mesmo juízo e está suspensa por decisão judicial em razão da penhora de bens suficiente para a garantia do débito tributário (Id n. 255722830 e 257143897).

Não obstante a denúncia contenha pedido expresso de fixação de valor mínimo para a reparação dos danos causados pelas infrações, nos termos do art. 387, IV, do Código de Processo Penal (Id n. 255722692, p. 8), extrai-se a juntada aos autos de cópia de despacho proferido na Execução Fiscal n. 0000809-58.2016.403.6127, datado de 09.11.17, que determina a suspensão da execução, “considerando a existência de penhoras de bens imóveis, ativos financeiros bloqueados e bens com decreto de indisponibilidade, além da interposição de embargos de devedor em regular processamento (autos n. 0003371-40.2016.403.6127)” (Id n. 255722805).

Considerando a tramitação da execução definitiva do crédito tributário no juízo cível, excluo a condenação do apelante ao pagamento do valor fixado para os fins do art. 387, IV, do Código de Processo Penal. 

Ante o exposto, CONHEÇO PARCIALMENTE do recurso de apelação da defesa do acusado Olivo Simoso e, na parte conhecida, REJEITO as preliminares e DOU-LHE PARCIAL PROVIMENTO apenas para, mantida a condenação a 3 (três) anos, 1 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial aberto, e a 15 (quinze) dias-multa, pela prática do delito do art. 1º, I, da Lei n. 8.137/90, reduzir o valor da prestação pecuniária para 50 (cinquenta) salários mínimos, bem como excluir a condenação do apelante ao pagamento do valor fixado para os fins do art. 387, IV, do Código de Processo Penal, conservados os demais termos da sentença recorrida.

É o voto.


E M E N T A

 

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGO 1º, I, DA LEI Nº 8.137/90. MATERIALIDADE NÃO COMPROVADA. APELAÇÃO PROVIDA. ABSOLVIÇÃO. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 386, VII, DO CPP.

1. Acusado denunciado pelo cometimento do delito descrito no artigo art. 1º, I, da Lei n. 8.137/90.

2. Materialidade não demonstrada.

3. A materialidade do crime de sonegação não restou provada para além da dúvida razoável, como exigido no Direito e no Processo Penal.

4. As presunções na esfera tributária não podem ser importadas de forma automática para o âmbito penal, onde a prova deve ser produzida e confirmada, podendo as conclusões do Fisco restarem refutadas ou enfraquecidas pelos elementos dos autos.

5. Insuficiência probatória, que deve acarretar a absolvição do acusado.

6. Apelação defensiva provida para absolver o réu, com fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, Prosseguindo o julgamento, após o voto-vista da Juíza Federal Louise Filgueiras, a Quinta Turma, por maioria, decidiu DAR PROVIMENTO ao recurso defensivo para absolver o réu Olivo Simoso, na forma do art. 386, VII, do CPP, nos termos do voto do Des. Fed. Paulo Fontes, acompanhado pela Juíza Federal Louise Filgueiras, vencido o Relator que CONHECIA PARCIALMENTE do recurso de apelação da defesa do acusado Olivo Simoso e, na parte conhecida, REJEITAVA as preliminares e DAVA-LHE PARCIAL PROVIMENTO apenas para, manter a condenação a 3 (três) anos, 1 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial aberto, e a 15 (quinze) dias-multa, pela prática do delito do art. 1º, I, da Lei n. 8.137/90, reduzir o valor da prestação pecuniária para 50 (cinquenta) salários mínimos, bem como excluir a condenação do apelante ao pagamento do valor fixado para os fins do art. 387, IV, do Código de Processo Penal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.