
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5017543-08.2020.4.03.0000
RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. NELTON DOS SANTOS
AGRAVANTE: SINDICATO RURAL DE SETE QUEDAS
Advogado do(a) AGRAVANTE: GUSTAVO PASSARELLI DA SILVA - MS7602-A
AGRAVADO: LEDSON KURTZ DE ALMEIDA, FUNDACAO NACIONAL DO INDIO, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL, UNIÃO FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5017543-08.2020.4.03.0000 RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. NELTON DOS SANTOS AGRAVANTE: SINDICATO RURAL DE SETE QUEDAS Advogado do(a) AGRAVANTE: GUSTAVO PASSARELLI DA SILVA - MS7602-A AGRAVADO: LEDSON KURTZ DE ALMEIDA, FUNDACAO NACIONAL DO INDIO, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL, UNIÃO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de agravo de instrumento interposto por SINDICATO RURAL DE SETE QUEDAS em face da decisão que rejeitou a exceção de suspeição do perito. Sustenta a parte agravante, em síntese, que a impugnação à nomeação do perito ocorreu com base nos seguintes elementos e provas trazidas ao processo: a) participação em trabalhos, inclusive para o Governo Federal, em prol de direitos de comunidades indígenas, incluindo questões relacionadas à demarcação de terras; b) estudos e publicações de artigos em prol de comunidades indígenas; e c) filiação à Associação Brasileira de Antropologia (ABA), que, por sua vez, firmou convênio com o MPF para o fornecimento de profissionais para a defesa dos interesses das comunidades indígenas. Requer a concessão do efeito suspensivo e, ao final, a reforma da decisão. O recurso não foi conhecido, sob o fundamento de que a referida decisão não é passível de recurso por meio de agravo de instrumento. Em face dessa decisão, o agravante interpôs agravo interno. Na sessão de 10/11/2020, esta E. Primeira Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo interno. O agravante opôs embargos de declaração, os quais foram rejeitados, por unanimidade, na sessão de 13/04/2021. Irresignado, o agravante interpôs recurso especial. A E. Vice-Presidência desta Corte determinou o retorno dos autos a esta Turma, para verificação da pertinência de se proceder a juízo positivo de retratação na espécie, ante o julgamento do REsp nº 1.704.520/MT e do REsp nº 1.696.396/MT, julgados sob a sistemática dos recursos repetitivos, tema 988, que fixou a tese de que o rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada. Na sessão de 16/11/2021, a Primeira Turma, por maioria, em juízo negativo de retratação, manteve o v. acórdão recorrido. O recurso especial foi, então, admitido pela E. Vice-Presidência. O Exmo. Min. Francisco Falcão deu provimento ao recurso especial, para determinar a esta E. Primeira Turma a análise do mérito do presente agravo de instrumento. Ato contínuo, com o retorno dos autos, as partes agravadas foram intimadas a apresentar contraminuta. A União, a FUNAI e o Ministério Público Federal apresentaram contraminuta. É o relatório.
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5017543-08.2020.4.03.0000 RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. NELTON DOS SANTOS AGRAVANTE: SINDICATO RURAL DE SETE QUEDAS Advogado do(a) AGRAVANTE: GUSTAVO PASSARELLI DA SILVA - MS7602-A AGRAVADO: LEDSON KURTZ DE ALMEIDA, FUNDACAO NACIONAL DO INDIO, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL, UNIÃO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O De início, observo que o Sindicato Rural de Sete Quedas suscitou exceção de suspeição do perito Ledson Kurtz de Almeida, nomeado para a realização de perícia antropológica; nos autos de demanda que visa à declaração de que "as propriedades envolvidas no processo de demarcação da TI Sombrerito, situada no Município de Sete Quedas-MS, que consigam demonstrar a titularidade em período anterior ao marco temporal situado pelo STF no julgamento do caso Raposa Serra do Sol, não poderão ser objeto de demarcação indígena, nos termos do art. 231 da CF/88”. O excipiente fundamentou sua impugnação no art. 135, V, do CPC/73 (atual art. 145, IV, do CPC), argumentando a vinculação ideológica do perito com comunidades indígenas. A exceção foi rejeitada pelo D. Juízo, sob os seguintes fundamentos: “Com efeito, em que pesem as alegações tecidas pelo sindicato excipiente, fato é que não restou cabalmente comprovado qualquer grau de comprometimento no que diz respeito à imparcialidade do expert, notadamente porque, diferente do constante da peça inaugural, os diversos trabalhos elaborados, inclusive na seara governamental no bojo de convênios com organizações internacionais como a Unesco, somente demonstram o grande conhecimento e, consequentemente, grande capacidade técnica, para a realização da perícia judicial. Eventuais trabalhos previamente realizados cuja conclusão vá de encontro à pretensão da excipiente tampouco servem para infirmar a imparcialidade do perito. Ainda, há de se ressaltar que a mera entabulação de protocolo de intenções com o Ministério Público Federal também não é causa suficiente para o acolhimento da suspeição, uma vez que a própria atuação do Parquet, em regra, é alheia ao interesse das partes nos autos, eis que se dá na condição de fiscal da ordem jurídica. Diante do exposto, por não vislumbrar claramente a ocorrência de nenhuma das hipóteses contidas no art. 145 do Código de Processo Civil, rejeito a presente exceção de suspeição, mantendo-se a nomeação do excepto – LEDSON KURTZ DE ALMEIDA – como perito do juízo.” (ID 135686484). Irresignado, o Sindicato interpôs o presente recurso, sustentando que a impugnação à nomeação do perito ocorreu com base nos seguintes elementos e provas trazidas ao processo: a) participação em trabalhos, inclusive para o Governo Federal, em prol de direitos de comunidades indígenas, incluindo questões relacionadas à demarcação de terras; b) estudos e publicações de artigos em prol de comunidades indígenas; e c) filiação à Associação Brasileira de Antropologia (ABA), que, por sua vez, firmou convênio com o MPF para o fornecimento de profissionais para a defesa dos interesses das comunidades indígenas. De fato, por força do art. 148, II, do CPC, as hipóteses de suspeição do perito são as mesmas previstas para o juiz, estando estas elencadas no art. 145 do CPC, in verbis: Art. 145. Há suspeição do juiz: I - amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes ou de seus advogados; II - que receber presentes de pessoas que tiverem interesse na causa antes ou depois de iniciado o processo, que aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa ou que subministrar meios para atender às despesas do litígio; III - quando qualquer das partes for sua credora ou devedora, de seu cônjuge ou companheiro ou de parentes destes, em linha reta até o terceiro grau, inclusive; IV - interessado no julgamento do processo em favor de qualquer das partes. Ademais, nos termos do §1º do art. 148 supramencionado, a suspeição do perito deve ser suscitada na primeira oportunidade em que couber à parte se manifestar nos autos, ou seja, logo após a nomeação, sob pena de preclusão, não se admitindo que esta venha a ser alegada somente após a apresentação de laudo pericial desfavorável ao excipiente. Nesse sentido, é a jurisprudência do C. STJ (g.n.): AGRAVO INTERNO NO PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA. PRETENSÃO DE CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO A AGRAVO DIRIGIDO CONTRA A INADMISSÃO DO RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE FUMUS BONI IURIS. (...) 4. Consonância entre o acórdão estadual e precedentes desta Corte no sentido de que: "(...) por se tratar de nulidade relativa, a suspeição do perito deve ser arguida na primeira oportunidade em que couber à parte se manifestar nos autos, ou seja, no momento da sua nomeação, demonstrando o interessado o prejuízo eventualmente suportado, sob pena de preclusão (CPC, art. 245). De outro modo, permitir que a alegação de irregularidade da perícia possa ser realizada pela parte após a publicação do laudo pericial que lhe foi desfavorável, seria o mesmo que autorizá-la a plantar uma nulidade hibernada, o que não se coaduna com o sistema jurídico pátrio, que rejeita o venire contra factum próprio". (AgRg na MC 21.336/RS, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 08.04.2014, DJe 02.05.2014). (...) (AgInt no TP n. 2.528/RJ, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 14/9/2020, DJe de 22/9/2020) RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. PROVA PERICIAL. MOMENTO DE IMPUGNAÇÃO AO PERITO. PRECLUSÃO. NÃO OCORRÊNCIA. DISCUSSÃO ACERCA DA QUALIDADE TÉCNICO/CIENTÍFICA DO LAUDO PERICIAL. IMPUGNAÇÃO APÓS A ELABORAÇÃO DOS TRABALHOS PERICIAIS. POSSIBILIDADE (CPC, ART. 424, I). OMISSÕES RELEVANTES NO JULGADO (CPC, ART. 535). OCORRÊNCIA. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO (...) 3. As partes poderão recusar o perito por: a) impedimento ou suspeição (CPC, arts. 138, III, § 1º, e 423), deduzidos na conformidade dos arts. 304 a 306 e 312 a 314 do CPC; e b) deficiência formal de titulação acadêmica, a revelar ser possuidor de currículo profissional insuficiente para opinar sobre a matéria em debate. Nessas hipóteses, deverão deduzir a impugnação logo após a nomeação realizada pelo juiz, sob pena de preclusão. (...) (REsp n. 1.175.317/RJ, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 7/5/2013, DJe de 26/3/2014) Além disso, para a caracterização da hipótese de suspeição constante no inciso IV do artigo 145 supra, é necessário que se demonstre, no caso específico, o interesse concreto do excepto no julgamento em favor de uma das partes, não bastando para infirmar a sua imparcialidade a existência de trabalhos previamente realizados ou a manifestação anterior de opinião, em abstrato, em sentido contrário à pretensão do excipiente. Sobre o tema a autora Patricia Miranda Pizzol ensina que "o juiz não se torna suspeito por ter obra que trate, em abstrato, da matéria objeto da demanda" (In: ALVIM, Angélica Arruda et al. Comentários ao Código de Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 239). Outrossim, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, versando sobre o inciso V do artigo 135 do CPC/73 (atual inciso IV do artigo 145 do CPC), esclarecem que: "8. Interesse na causa. Não caracterização. A norma do CPC 135 V não incide, por exemplo, nos casos em que o juiz: a) é membro de uma determinada religião ou seita religiosa (Fasching, ZPR, n. 164, p. 95); b) é membro de determinada agremiação cultural, social ou esportiva; c) adota determinada linha de pensamento político, filosófico ou ideológico; d) é partidário de determinada corrente doutrinária ou jurisprudencial, majoritária ou minoritária; e) requisitou instauração de inquérito policial contra uma das partes (CPP 40); f) julgou ação penal contra uma das partes; g) decidiu contrariamente à parte, em ação anterior, ainda que semelhante (mesma causa de pedir ou pedido) (Fasching, ZPR, n. 164, p. 95); h) teve sua decisão ou sentença anulada ou reformada no mesmo processo; i) exteriorizou opinião científica sobre matérias ou teses jurídicas, em entrevistas, artigos, dissertação de mestrado, teses de doutorado, livre-docência e de professor titular, livros etc., matérias essas que estão sendo discutidas na causa. O que torna o juiz suspeito de parcialidade não é o conhecimento prévio que a parte e/ou o interessado possam ter sobre opinião jurídica, política, religiosa ou filosófica já exteriorizada pelo juiz, mas sim o adiantamento de sua opinião sobre o caso concreto que está ou estará sob julgamento (prejulgamento)."(g.n. - In: Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 421) Nesse sentido, destaco os seguintes julgados (g.n.): PROCESSUAL CIVIL. EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO. ALEGAÇÃO DE QUE A ESPOSA DO MAGISTRADO É CREDORA DA UNIÃO. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ARTIGO 135, INCISO II. ALEGAÇÃO DE QUE O MAGISTRADO TERIA INTERESSE NO JULGAMENTO DA CAUSA EM FATOR DE UMA DAS PARTES. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ARTIGO 135, INCISO V. EXCEÇÃO REJEITADA. (TRF 3ª Região, PRIMEIRA SEÇÃO - ExcSusp n. 0019646-25.2010.4.03.0000/SP, Rel. Des. Fed. NELTON DOS SANTOS, e-DJF3 Judicial 1 DATA:11/05/2011 PÁGINA: 140) PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO DE MAGISTRADO. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DAS HIPÓTESES PREVISTAS NO ART. 135 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 1. O presente apelo especial foi interposto com o objetivo de que fosse reconhecida a suspeição de Juiz substituto de 2º grau integrante do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, com base no art. 135, V, do Código de Processo Civil. 2. O Código de Processo Civil utiliza-se de forma genérica para a caracterização desta hipótese de suspeição, não especificando qual seria efetivamente o tipo de interesse que acarretaria na quebra do dever de imparcialidade trazida pela suspeição. Não obstante, de acordo com a doutrina processual civil, faz-se necessária uma interpretação do referido dispositivo de forma sistemática e teleológica a fim de que a sua amplitude não venha a desvirtuar a sua aplicação no caso em concreto, em prejuízo dos direitos e garantias fundamentais processuais que assistem os litigantes. 3. Neste mesmo sentido, este Sodalício, inclusive por meio de sua Corte Especial, já firmou entendimento de que o reconhecimento da suspeição, por significar o afastamento do juiz natural da causa, exige que fique evidenciado um prévio comprometimento do julgador para decidir o processo em determinada direção, a fim de favorecer ou prejudicar uma das partes, situação inocorrente na espécie. 4. Além disso, as hipóteses previstas no referido dispositivo legal são taxativas e devem ser interpretadas de foram restritiva, sob o ônus de comprometer a garantia da independência funcional que assiste à autoridade jurisdicional no desempenho de suas funções. 5. O Código de Processo Civil não prevê hipótese de suspeição/imparcialidade fundada na circunstância de o Juiz responder a processo por ato semelhante (como alegada pela parte ora recorrente). 6. Neste sentido: AgRg na ExSusp 120/DF, Corte Especial, Rel. Min. Felix Fischer, DJe 15.3.2013; AgRg no Ag 1.422.408/AM, 4ª Turma, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe 21.2.2013; AgRg na ExSusp 93/RJ, 3ª Seção, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 23.5.2009 AgRg na ExSusp 108/PA, Corte Especial, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 28.5.2012. Em caso semelhante ao presente, este Órgão Julgador proclamou que "o ato de ter contra si uma ação por improbidade administrativa, isoladamente, não compromete o seu desinteresse para a aplicação do art. 135 do CPC" (AgRg no REsp 1.340.343/MT, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 8.2.2013). 7. Recurso especial não provido. (STJ, 2a Turma, REsp 1.340.594/MT, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 17/12/2013, DJe 19/3/2014). No caso, observo que o perito, em sua manifestação nos autos da exceção de suspeição, esclareceu todos os pontos da impugnação do Sindicato, nos seguintes termos (g.n.): "(...) Minha trajetória é de prestação de serviço de assessoria e consultoria como autônomo na área de pesquisa e docência. Pela experiência acumulada durante décadas de atuação nesta área, prestei assessorias das mais diversas a órgãos públicos que lidam com a questão indígena, assim como a empresas particulares. Nunca estive vinculado na condição de servidor da FUNAI. Prestei assessorias a esta instituição em situações pontuais na área de minha competência através de contrato temporário com a UNESCO ou o PNUD apresentando relatórios decorrentes de atividades de pesquisa. Este foi o caso da assessoria citada no item 14 da arguição dos autores nos '"trabalhos realizados para o Prograrna de Proteção e Promoção dos Povos Indígenas". Trata-se de um convênio da UNESCO com o govemo brasileiro através do Projeto 914 BRA 4008. Para efetivação deste trabalho foi estabelecido um contrato temporário da minha parte com a UNESCO. Como havia uma contrapartida do Governo, esta se deu na disponibilização de recurso para ajuda de custos, que consta no documento apresentado pela parte autora extraído do Portal da Transparência. O período de atuação foi entre setembro de 2009 e outubro de 2010 e as atividades desenvolvidas foram as seguintes: (...) (...) Realizei pesquisas aprofundadas sobre religiões cristãs entre a sociedade Kaingang, tanto na dissertação de mestrado, quanto na tese de doutorado. Estes estudos serviram de base para minha capacitação como etnólogo. O que estava em questão não era a especialização em kaingang, mas nos métodos e teorias da pesquisa de antropologia social, para pesquisar e desenvolver competência para analisar qualquer sociedade organizada. (...) O item 19 da arguição coloca em questão a minha competência para analisar a sociedade guarani. A formação sólida em etnologia credencia o antropólogo a realizar pesquisa em qualquer sociedade indígena. Por isto, tenho estudos em sociedades indígenas de norte, sul e nordeste do Brasil. Especificamente com relação à sociedade guarani desenvolvi pesquisas específícas com esta etnia no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina, no Paraná e no Mato Grosso do Sul. Possuo artigo publicado especificamente sobre a sociedade guarani e participei de bancas na Universidade Federal de Santa Catarina que avaliavam trabalhos de pesquisa sobre a sociedade guarani. No item 29 da arguição a parte autora sugere que um profissional associado à Associação Brasileira de Antropologia (ABA) não teria isenção para desenvolver um trabalho técnico na área pericial. Seria um contrassenso exigir que um antropólogo não estivesse associado à ABA para realizar trabalhos técnicos. A ABA é uma instituição que congrega os mais renomados antropólogos do Brasil com encontros nacionais e regionais que refletem sobre a Antropologia Brasileira em articulação com as correntes e organizações intemacionais de antropologia. Possui um código de ética e um estatuto, específicos. (...) Com relação ao Código de Ética ao qual se refere o Estatuto da ABA destaca-se: Constituem responsabilidades dos antropólogos e das antropólogas: 1. Oferecer informações objetivas sobre suas qualificações profissionais e a de seus colegas sempre que for necessário para o trabalho a ser executado. 2. Na elaboração do trabalho, não omitir informações relevantes, a não ser nos casos previstos anteriomente [quando se tratar de informações confidenciais]. 3. Realizar o trabalho dentro dos cânones de objetividade e rigor inerentes à prática científica." (ID 135686489, p. 29/31) Diante de tais informações e de todo o exposto, não vislumbro qualquer interesse do perito no julgamento do processo em favor das agravadas. Ademais, o agravante sequer apontou qual seria a vantagem concreta que adviria ao excepto por favorecer a comunidade indígena no feito. Assim, nenhum dos fatos apresentados neste recurso enquadra-se nas hipóteses de suspeição do perito. Ressalte-se, ainda, que, nos termos dos artigos 479 e 371 do CPC, o juiz não está adstrito às conclusões do laudo pericial, podendo, inclusive, deixar de considerá-las para a formação de sua convicção, desde que o faça de forma fundamentada. Em face do exposto, nego provimento ao agravo de instrumento. É o voto.
1. Segundo o escólio de Celso Agrícola Barbi, se o juiz, ou as pessoas a ele ligadas, é credor da parte, pode haver interesse na vitória dessa mesma parte, como meio de manter, ou aumentar, seu patrimônio e, assim, assegurar o recebimento do crédito; e se a posição do juiz e seus parentes é de devedor, é de se recear que a dependência dessa posição em relação à parte acarrete julgamento favorável a ela, para obter tratamento mais benevolente, maior tolerância.
2. Em qualquer dessas duas situações, o interesse em obter o afastamento do juiz, pela suspeição, é, por certo, da parte contrária àquela que figura como credora ou devedora.
3. O inciso II do artigo 135 do Código de Processo Civil não encontra justificativa alguma quando a relação de crédito - ou mesmo de débito - existir entre o juiz e o poder público. É que a Administração não pode fazer ou deixar de fazer senão aquilo que a lei permite, de sorte que, independentemente de qualquer decisão do juiz, favorável ou desfavorável, daí não poderá resultar benefício ou malefício ao juiz, simplesmente porque o magistrado, de um modo ou de outro, continuará credor ou devedor do poder público e, mais, precisamente na mesma extensão de sempre.
4. De lição de Nelson Nery Júnior e de Rosa Maria de Andrade Nery extrai-se que o interesse referido no inciso V do artigo 135 do Código de Processo Civil é o próprio e direto, isto é, o interesse que possa transformá-lo em verdadeira parte processual, violando-se o princípio nemo iudex in causa sua, de modo que não haverá mais dúvida quanto à imparcialidade do juiz, mas sim presunção de que ele é parcial.
5. Do fato de, em determinado processo, o juiz ter afirmado sua suspeição por motivo de foro íntimo não resulta que deva ser afastado compulsoriamente de outro feito em que, apesar de discutir a mesma temática jurídica daquele, foi instaurado entre partes diversas e com vistas a objeto também distinto.
6. Da circunstância de o falecido sogro do juiz ter, eventualmente, sido filiado à Federação de Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul não resulta o interesse do magistrado em defender aquela entidade ou a classe por ela representada.
7. Ensinam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery que o que torna o juiz suspeito de parcialidade não é o conhecimento prévio que a parte e/ou o interessado possam ter sobre opinião jurídica, política, religiosa ou filosófica já exteriorizada pelo juiz, mas sim o adiantamento de sua opinião sobre o caso concreto que está ou estará sob julgamento (prejulgamento).
8. Se dos fatos narrados na exceção de suspeição não deriva, sequer em tese, seu acolhimento, é inútil a produção de provas propostas pelo excipiente.
9. Exceção rejeitada.
E M E N T A
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO DE PERITO. PERÍCIA ANTROPOLÓGICA. AÇÃO DECLARATÓRIA. TERRA INDÍGENA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO INTERESSE CONCRETO DO EXCEPTO EM FAVORECER UMA DAS PARTES. NÃO VERIFICADA NENHUMA HIPÓTESE DE SUSPEIÇÃO. RECURSO IMPROVIDO.
1. De início, observa-se que o Sindicato Rural de Sete Quedas suscitou exceção de suspeição do perito Ledson Kurtz de Almeida, nomeado para a realização de perícia antropológica; nos autos de demanda que visa à declaração de que "as propriedades envolvidas no processo de demarcação da TI Sombrerito, situada no Município de Sete Quedas-MS, que consigam demonstrar a titularidade em período anterior ao marco temporal situado pelo STF no julgamento do caso Raposa Serra do Sol, não poderão ser objeto de demarcação indígena, nos termos do art. 231 da CF/88”. O excipiente fundamentou sua impugnação no art. 135, V, do CPC/73 (atual art. 145, IV, do CPC), argumentando a vinculação ideológica do perito com comunidades indígenas.
2. A exceção foi rejeitada pelo D. Juízo, ocasionando a interposição do presente recurso. Sustenta o agravante que a impugnação à nomeação do perito ocorreu com base nos seguintes elementos e provas trazidas ao processo: a) participação em trabalhos, inclusive para o Governo Federal, em prol de direitos de comunidades indígenas, incluindo questões relacionadas à demarcação de terras; b) estudos e publicações de artigos em prol de comunidades indígenas; e c) filiação à Associação Brasileira de Antropologia (ABA), que, por sua vez, firmou convênio com o MPF para o fornecimento de profissionais para a defesa dos interesses das comunidades indígenas.
3. De fato, por força do art. 148, II, do CPC, as hipóteses de suspeição do perito são as mesmas previstas para o juiz, estando estas elencadas no art. 145 do CPC, in verbis: "Art. 145. Há suspeição do juiz: I - amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes ou de seus advogados; II - que receber presentes de pessoas que tiverem interesse na causa antes ou depois de iniciado o processo, que aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa ou que subministrar meios para atender às despesas do litígio; III - quando qualquer das partes for sua credora ou devedora, de seu cônjuge ou companheiro ou de parentes destes, em linha reta até o terceiro grau, inclusive; IV - interessado no julgamento do processo em favor de qualquer das partes".
4. Ademais, nos termos do §1º do art. 148 supramencionado, a suspeição do perito deve ser suscitada na primeira oportunidade em que couber à parte se manifestar nos autos, ou seja, logo após a nomeação, sob pena de preclusão, não se admitindo que esta venha a ser alegada somente após a apresentação de laudo pericial desfavorável ao excipiente. Precedentes.
5. Além disso, para a caracterização da hipótese de suspeição constante no inciso IV do artigo 145 supra, é necessário que se demonstre, no caso específico, o interesse concreto do excepto no julgamento em favor de uma das partes, não bastando para infirmar a sua imparcialidade a existência de trabalhos previamente realizados ou a manifestação anterior de opinião, em abstrato, em sentido contrário à pretensão do excipiente.
6. Sobre o tema a autora Patricia Miranda Pizzol ensina que "o juiz não se torna suspeito por ter obra que trate, em abstrato, da matéria objeto da demanda" (In: ALVIM, Angélica Arruda et al. Comentários ao Código de Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 239). Outrossim, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, versando sobre o inciso V do artigo 135 do CPC/73 (atual inciso IV do artigo 145 do CPC), esclarecem que tal norma não se aplica nos casos em que o excepto "exteriorizou opinião científica sobre matérias ou teses jurídicas, em entrevistas, artigos, dissertação de mestrado, teses de doutorado, livre-docência e de professor titular, livros etc., matérias essas que estão sendo discutidas na causa. O que torna o juiz suspeito de parcialidade não é o conhecimento prévio que a parte e/ou o interessado possam ter sobre opinião jurídica, política, religiosa ou filosófica já exteriorizada pelo juiz, mas sim o adiantamento de sua opinião sobre o caso concreto que está ou estará sob julgamento (prejulgamento)" (In: Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 421).
7. No caso, verifica-se que o perito, em sua manifestação nos autos da exceção de suspeição, esclareceu todos os pontos da impugnação do Sindicato.
8. Diante de tais informações e de todo o exposto, não se vislumbra qualquer interesse do perito no julgamento do processo em favor das agravadas. Ademais, o agravante sequer apontou qual seria a vantagem concreta que adviria ao excepto por favorecer a comunidade indígena no feito.
9. Assim, nenhum dos fatos apresentados neste recurso enquadra-se nas hipóteses de suspeição do perito. Ressalte-se, ainda, que, nos termos dos artigos 479 e 371 do CPC, o juiz não está adstrito às conclusões do laudo pericial, podendo, inclusive, deixar de considerá-las para a formação de sua convicção, desde que o faça de forma fundamentada.
10. Agravo de instrumento não provido.