APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5034670-55.2021.4.03.6100
RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. JOHONSOM DI SALVO
APELANTE: UNIÃO FEDERAL
APELADO: OTHNIEL RODRIGUES LOPES, COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS - CVM
Advogados do(a) APELADO: JULIA GRABOWSKY FERNANDES BASTO - SP389032-A, KARINA GOLDBERG BRITTO - SP196284-A, SIMONE RODRIGUES ALVES ROCHA DE BARROS - SP182603-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5034670-55.2021.4.03.6100 RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. JOHONSOM DI SALVO APELANTE: UNIÃO FEDERAL APELADO: OTHNIEL RODRIGUES LOPES, COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS - CVM Advogados do(a) APELADO: JULIA GRABOWSKY FERNANDES BASTO - SP389032-A, KARINA GOLDBERG BRITTO - SP196284-A, SIMONE RODRIGUES ALVES ROCHA DE BARROS - SP182603-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Johonsom di Salvo, Relator: Trata-se de apelação interposta pela UNIÃO FEDERAL perante sentença que, após reconhecida a ilegitimidade passiva da COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS – CVM, julgou procedente o pedido feito por OTHNIEL RODRIGUES LOPES, anulando condenação administrativa ao pagamento de multa após o reconhecimento da prescrição intercorrente. O juízo condenou a União Federal a pagar ao autor honorários advocatícios, arbitrados em 10% sobre o valor do proveito econômico obtido, correspondente ao valor total das multas anuladas. Deu-se à causa o valor de R$ 600.000,00. O autor narra em sua inicial ter ajuizado ação anulatória anterior da multa administrativa em face da CVM (proc. 5001823-39.2017.4.03.6100), cujo resultado, em sede de recurso ordinário, foi o reconhecimento da ilegitimidade passiva da autarquia, confirmada a decisão administrativa que instituiu a penalidade pelo CONSELHO DE RECURSOS DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL – CRSFN. Pendente recurso especial, na eventualidade da derrota e de forma a preservar sua pretensão do efeito prescritivo (art. 54 da Lei 9.784/99), em não se entendendo que o vício a ser apontado configura nulidade, o autor defende a admissibilidade do presente ajuizamento, contra a União Federal, a CVM e o CRSFN, bem como sua distribuição por conexão e sobrestamento até o julgamento do recurso especial. Diz ter assumido diretoria junto à Parmalat Brasil S/A em Recuperação Judicial, recebendo como remuneração, além de seu salário, ações da holding da empresa gerida (LAEP), que poderiam ser convertidos em Brasilian Depository Receipts (BDR's), mediante Stock Incentive Plan. A possibilidade deste tipo de remuneração é autorizada pelo art. 168, § 3º, da Lei 6.404/76. Ocorrida a fusão da área de lácteos da empresa com as operações de lácteos da GP Investments, tornando-se esta a nova controladora da nova empresa, deixou o cargo de diretor-presidente em março de 2010. A partir do primeiro mês do ano de 2010, ciente da saída, começou a liquidar sua posição na LAEP, conforme os ditames do plano ao qual estava subordinado e da política da empresa sobre, e autorizado para tanto pelo Conselho de Administração, decisão ratificada em Assembleia. A venda foi efetivada no próprio mês de janeiro. A CVM instaurou processo administrativo sancionador (PAS) em 24.02.11, sob o pressuposto de que a operação foi feita a partir de informação privilegiada. Condenou-se o autor ao pagamento de 03 multas, no valor de R$ 200.000,00 cada, por três operações de venda. Após recurso, o CRSFN confirmou a decisão, por maioria dos votos. O autor defende a ocorrência da prescrição intercorrente, regida pelo art. 01º, § 1º, da Lei 9.783/99 (prazo de 03 anos), transcorrido o prazo após segunda proposta de termo de compromisso no PAS e ausente qualquer ato processual no período a não ser o ato de redistribuição, cujo conteúdo não se insere nas hipóteses do art. 02º da aludida lei. Sucessivamente, aduz: a ilegalidade da sanção por aplicar retroativamente a IN CVM 568/15 e considerar inválido o plano de incentivo então regulado pela IN CVM 358/02 (art. 13, § 7º, e art. 15); a ausência de dolo por parte do autor a ensejar a penalidade; e a necessidade de minorar o valor pecuniário devido, reputando-o desproporcional. O processo foi redistribuído por dependência (269969826 e 269969830). Certificou-se o trânsito em julgado do processo 5001823-39.2017.4.03.6100, após rejeição de embargos declaratórios contra acórdão que negou provimento a seu recurso especial (269969828). Após exclusão da CVM do polo passivo da demanda, findo o processo administrativo no âmbito do CRSFN, o juízo reconheceu a prescrição intercorrente trienal, afastando o ato de redistribuição da relatoria do feito administrativo como ato inequívoco que importe em apuração do fato ou em tentativa de solução conciliatório. Em apelo, a União aduz que de acordo com a literalidade do art. 02º da Lei 9.873/99, “qualquer despacho possui o condão de interromper a prescrição intercorrente. Sendo certo que o legislador não especificou qual o tipo de despacho possuiria esse efeito, não cabe ao intérprete realizar tal discrímen, podendo-se concluir que qualquer “despacho” lançado nos autos é capaz de interromper a prescrição intercorrente”.Ou seja, “o mero ato de movimentação processual, sob qualquer de suas formas e independentemente de sua natureza ou finalidade desde que impulsione o processo na direção de seu objetivo final é suficiente para afastar a ocorrência da prescrição intercorrente”. Aponta que a decisão do CRSFN foi nesse sentido. Contrarrazões. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5034670-55.2021.4.03.6100 RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. JOHONSOM DI SALVO APELANTE: UNIÃO FEDERAL APELADO: OTHNIEL RODRIGUES LOPES, COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS - CVM Advogados do(a) APELADO: JULIA GRABOWSKY FERNANDES BASTO - SP389032-A, KARINA GOLDBERG BRITTO - SP196284-A, SIMONE RODRIGUES ALVES ROCHA DE BARROS - SP182603-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Conforme já decidido (ApCiv 0006410-34.2013.4.03.6100 / TRF3 – Quarta Turma / Desª. Fed. MARLI MARQUES FERREIRA / 22.09.22), “no caso de multa aplicada pela Administração Pública no exercício do Poder de Polícia, atualmente, há, de acordo com a Lei nº 9.873/99, três prazos distintos a serem observados: 1. Prazo de cinco anos para apuração da infração e constituição do respectivo crédito (previsto no caput do art. 1º), de natureza decadencial, contado da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado; 2. Prazo prescricional de cinco anos para a cobrança da penalidade pecuniária aplicada (previsto no artigo 1º-A), contado da constituição definitiva do crédito, verificada com o término do processo administrativo de apuração da infração e constituição da dívida; 3. Prazo três anos para a conclusão do procedimento administrativo já iniciado e paralisado (previsto § 1º do artigo 1º), que tem natureza de prescrição intercorrente. Por outro lado, o artigo 2º da Lei nº 9.873/99 dispõe sobre as causas interruptivas da prescrição, as quais se inserem no âmbito do processo administrativo. Nesse contexto, infere-se que qualquer ato praticado pela administração pública, quando tenha por finalidade a apuração ou esclarecimento do fato, objeto da ação punitiva, insere-se na hipótese prevista no inciso II, do art. 2°, da Lei n° 9.873/99, desde que seja inequívoco”. No caso, o curso do processo sancionador tem pedido de reconsideração de proposta de termo de compromisso em 25.09.12 pelos acusados Luis Álvaro, Nilton Batista Muniz, Silvana Dino e Tarcísio Duque, após rejeição de proposta anterior (269969538 – fls. 02/05). Conforme relatório do Relator do PAS, o autor também apresentou proposta em 27.07.2012, assim como os acusados Rodrigo Ferraz Pimenta da Cunha e Arthur Gilberto Voorsluys em 02.08.2012, e os acusados inicialmente indicados renovaram o pedido em 13.03.2013, todos contra a rejeição datada de 19.06.2012 (269969538 – fls. 11). Em contestação, a União informou que, o processo foi redistribuído em duas oportunidades: (i) em 7.1.2014, para o Diretor Roberto Tadeu, em razão do término do mandato do Diretor Otavio Yazbek, e (ii) em 27.1.2015, para o efetivo relator da causa, nos termos do art. 10 da Deliberação CVM nº 558/2008. A decisão colegiada pela rejeição dos pedidos se deu em 20.10.2015, como relatado quando da apreciação da matéria de fundo pela CVM (269969532 – fls. 20). Tratando-se de fato averiguado no âmbito da CVM a ensejar múltipla acusação no campo subjetivo e sucessivos pedidos de reconsideração a respeito da proposta de termo de compromisso rejeitada em uma mesma decisão administrativa, há de se considerar a sucessão dos pedidos para fins prescricionais, já que comunga da economia processual e da racionalidade sua apreciação em conjunto pelo órgão colegiado daquela autarquia. Sob esta perspectiva, com o último pedido datado em 2013, renovando os argumentos despendidos e provocando novamente a Administração Pública, não há que se falar em transcurso do prazo trienal se os pedidos, em conjunto, foram apreciados em momento anterior. Não se tem, em suma, cindibilidade a ponto de necessariamente considerar os atos processuais como isolados para o curso de processo de averiguação de atos tidos por irregulares e, principalmente, para a configuração da mora administrativa a ponto de atrair a impossibilidade do sancionamento. A realidade dos autos não permite tomar tal conclusão – isso independentemente do ato de redistribuição e de o considerar como ato inequívoco, pois não afeta a contagem. Nesse sentido: ADMINISTRATIVO. AÇÃO ANULATÓRIA. COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS – CVM. MULTA ADMINISTRATIVA. INSTRUÇÃO CVM Nº 33/84. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. UNIÃO FEDERAL. PRESCRIÇÃO AFASTADA. LEI Nº 9.873/99. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA INAPLICÁVEL. (ApCiv 0006410-34.2013.4.03.6100 / TRF3 – Quarta Turma / Desª. Fed. MARLI MARQUES FERREIRA / 22.09.22) PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL – IBAMA – MULTA ADMINISTRATIVA - PRESCRIÇÃO: INOCORRÊNCIA. A questão de fundo tem base no art. 155, § 4º, da Lei 6.404/76 e no art. 13 da IN CVM 358/02 (insider trading), dada a alienação em bolsa de BDR's patrocinadas por Laep Investments Ltd. De posse de informação privilegiada ainda não divulgada por meio de fato relevante (ocorrida a divulgação somente em 15.01.2010) -, qual seja, a capitalização da empresa Laep, controladora indireta da Parmalat Brasil S/A em Recuperação Judicial, por fundo estrangeiro (fundo GEM) e posterior conversão em ações -, o que impactaria negativamente aqueles valores mobiliários no mercado, pois a nova subscrição dar-se-ia em preço inferior ao praticado. Em procedimento de fiscalização, a empresa Laep informou que o autor, na qualidade de diretor presidente da Parmalat e membro do Conselho de Administração, sabia das tratativas mantidas com o fundo antes de 14.01.10, data da reunião feita com demais acusados. Ou seja, ocupava cargo estatutário na empresa onde se realizaria a operação e, de acordo com a própria empresa, sabia das tratativas quando operou substancial venda de BDR's daquela empresa no período entre 13.01 e 15.01, ciente de sua depreciação em face da iminente diluição de seu capital social com a entrada do fundo GEM e o acordo de investimento. Apurou-se ainda que o autor participou das tratativas com o fundo. Não amparada na necessidade de prover recursos à companhia ou outra motivação econômica relevante que não pessoal, como bem explicado em voto prolatado junto ao Colegiado da CVM, e considerado seu conhecimento de fato relevante ainda não divulgado, a operação realizada em 13.01 com 400.000 BDR foi considerada irregular, ficando configurada a infração por insider trading. Acertadamente, ressaltou-se que a existência de plano individual de negociação e permissão para o negócio não pode ultrapassar os termos legais, vedando-se ao administrador da companhia aberta atuar no mercado dotado de informação privilegiada em razão de seu ofício junto àquela companhia, pendente de divulgação ao mercado em geral. A existência do plano em nada desnatura a configuração do ilícito, determinado pelo conjunto indiciário identificado em sede administrativa – como é próprio neste tipo de ilícito. O autor sofreu sancionamento também referente a fato relevante posterior, divulgado em 28.01.2010, por operações realizadas a partir da ciência de informação privilegiada, ocorridas em 18.01 (400.000) e 20.01 (350.000). A Laep informou a conversão de parte de sua dívida em ações classe A, importando também em diluição de seu capital. Ciente da decisão por compor o Conselho da Administração e participar da reunião que a deliberou, em 14.01, inexistindo outro intuito para a alienação que não a obtenção de vantagem pessoal, e ressaltado que a autorização prevista em plano individual não afasta a tipificação, decidiu o colegiado da CVM, após voto do relator, pela aplicação da penalidade também para essas operações. Dada a gravidade das infrações, com base no art. 11, I, § 1º, e II, da Lei 6.386/76, aplicou-se multa de R$ 200.000,00 por operação, totalizando R$ 600.000,00. O resultado do Colegiado da CVM (269969532) foi confirmado pelo CRSFN após recurso (269969536). A medida sancionatória se mostra adequada para o panorama analisado. A alta posição estatutária assumida pelo autor o fez ter acesso com antecedência de informações relevantes que impactaram, positiva ou negativamente, o preço das ações e valores mobiliários emitidos pelas companhias sob sua administração. Sob esta circunstância e em atenção à lei regente das companhias abertas e do mercado de valores mobiliários, assume a responsabilidade fiduciária de não atuar naquele mercado, na qualidade de investidor, desproporcionalmente aos demais justamente por ter acesso àquelas informações. O que não se mostrou nas operações realizadas. As vendas de suas BDR's em grande volume foram realizadas logo após fatos que importariam em diluição do capital quando implementados, e ainda não divulgados ao público em geral, demonstrando atipicidade negocial. Instado a se manifestar sobre aquela atipicidade e sendo inequívoca a ciência de fato relevante não divulgado ao tempo das negociações, o autor não apontou qualquer justificativa a afastar a presunção, trazida pelos fatos narrados, de que a negociação se deu por força da informação privilegiada detida (insider trading). Sim, pois a tipicidade da infração permite que sua configuração se dê a partir de um conjunto de indícios em um mesmo sentido – como o tempo da negociação e sua atipicidade, e o grau de acesso da pessoa à informação privilegiada -, presumindo-se sua ocorrência. No caso, dada a sua posição administrativa e a plena ciência da informação, a presunção ganha força, autorizando a autoridade fiscalizadora a reclamar justificativa para a atipicidade das operações, dado o alto grau de probabilidade de terem se dado sob informação privilegiada. O autor apenas ressaltou que estava respaldado por plano individual de investimento e que as operações foram autorizadas pela companhia. Porém, efetivamente a previsão contratual e a autorização não ilidem a ocorrência do insider trading, muito menos eximem o administrador de uma companhia aberta, sobretudo o de maior escalão, de zelar pelo atendimento da regra legal e pela preservação da confiança no mercado de valores mobiliários – o que não foi feito pelo autor em suas operações. No ponto, destaque-se não haver aplicação retroativa de normativa da CVM. Não se discute os termos do plano individual e sua legalidade em nenhum momento. A condenação administrativa se deu pelo disposto no art. 155, § 4º, da Lei 6.404/76 e da proibição do insider trading, norma que se coaduna com as melhores práticas adotadas internacionalmente e que não se abala com qualquer norma administrativa. Dado o volume negociado e vulnerados o mercado de valores mobiliários e os investidores em geral com a prática do insider trading, infração de alta gravidade justamente por provocar a quebra de confiança de um mercado essencialmente fiduciário, correta e proporcional a penalidade fixada para cada operação (R$ 200.000,00), lembrando que a gravidade deriva do comportamento em si, e não do resultado patrimonial alcançado. Ou seja, mesmo que o preço do valor mobiliário com a publicação do fato relevante não seja o esperado, até porque o mercado é especulativo, não se reduz o grau da ilegalidade da venda daquele valor em momento anterior dotado o vendedor do conhecimento daquele fato relevante. Nesse sentir a jurisprudência supracitada: ApCiv 0006410-34.2013.4.03.6100 / TRF3 – Quarta Turma / Desª. Fed. MARLI MARQUES FERREIRA / 22.09.22. Afastada a prescrição e atestada a legalidade da sanção administrativa, ficam invertidos os ônus sucumbenciais fixados em sentença. Pelo exposto, dou provimento ao apelo da União Federal para julgar improcedente a ação anulatória. É como voto.
Cediço que é da competência do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional - CRSFN, órgão integrante da estrutura do Ministério da Fazenda, a análise, em sede de recurso, das decisões proferidas pela Comissão de Valores Mobiliários, ainda hoje e nos termos do então vigente Decreto nº 1.935/96.
Resta assentado no e. Superior Tribunal de Justiça, o entendimento de que, quando a decisão administrativa sancionadora é submetida a recurso administrativo e substituída por acórdão do CRSFN, o órgão que aplicou originariamente a sanção, no caso a CVM, não mais detém legitimidade para figurar no polo passivo de ação judicial na qual se discute tal penalidade, diante do efeito substitutivo ocorrido no processo administrativo. A legitimidade, nesse caso, é da União Federal, por meio da Advocacia Geral da União, por se tratar de crédito de natureza não fiscal.
Na forma do entendimento consagrado no REsp 1.115.078/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, DJe 06/04/2010, julgado sob o rito dos recursos repetitivos, "antes da Medida Provisória 1.708, de 30 de junho de 1998, posteriormente convertida na Lei 9.873/99, não existia prazo decadencial para o exercício do poder de polícia por parte da Administração Pública Federal. Assim, a penalidade acaso aplicada sujeitava-se apenas ao prazo prescricional de cinco anos, segundo a jurisprudência desta Corte, em face da aplicação analógica do art.1º do Decreto 20.910/32".
Assim, no caso de multa aplicada pela Administração Pública no exercício do Poder de Polícia, atualmente, há, de acordo com a Lei nº 9.873/99, três prazos distintos a serem observados: 1. Prazo de cinco anos para apuração da infração e constituição do respectivo crédito (previsto no caput do art. 1º), de natureza decadencial, contado da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado; 2. Prazo prescricional de cinco anos para a cobrança da penalidade pecuniária aplicada (previsto no artigo 1º-A), contado da constituição definitiva do crédito, verificada com o término do processo administrativo de apuração da infração e constituição da dívida; 3. Prazo três anos para a conclusão do procedimento administrativo já iniciado e paralisado (previsto § 1º do artigo 1º), que tem natureza de prescrição intercorrente.
Por outro lado, o artigo 2º da Lei nº 9.873/99 dispõe sobre as causas interruptivas da prescrição, as quais se inserem no âmbito do processo administrativo. Nesse contexto, infere-se que qualquer ato praticado pela administração pública, quando tenha por finalidade a apuração ou esclarecimento do fato, objeto da ação punitiva, insere-se na hipótese prevista no inciso II, do art. 2°, da Lei n° 9.873/99, desde que seja inequívoco. Precedentes.
No caso concreto, não há falar-se em prescrição intercorrente, pois, à vista da cronologia dos atos praticados no processo administrativo sancionador CVM nº 03/95, este não restou paralisado sem qualquer providência por mais de três anos. As decisões, os atos destinados à instrução do processo, os ofícios encaminhados e os atos de comunicação aos indiciados evidenciam o esforço da administração pública em apurar a ocorrência da infração e aplicar a sanção.
Não olvide que as Cortes Superiores já firmaram o entendimento no sentido de que para o reconhecimento da prescrição intercorrente, a par do decurso do prazo previsto legalmente, há de restar configurada a inércia da Administração na condução do processo. E que no processo administrativo punitivo, diferentemente do que ocorre com os despachos e decisões dos processos judiciais, não é apenas a autoridade julgadora que impulsiona o feito: os atos do processo são praticados por diversos setores da Administração.
Afastada a prescrição, possível ingressar no mérito da ação, face à aplicação do princípio da causa madura.
Quanto à suposta atipicidade da conduta pela revogação da Instrução nº 33 pela Instrução CVM nº 220/94, as alegações da parte autora não prosperam. Isso porque a Instrução CVM nº 220 ressalvou em seu artigo 17, que a Instrução CVM nº 33 permaneceria em vigor até que os integrantes do sistema de distribuição se adaptassem e baixassem novas regras de controle de repasse de ordens de clientes.
A fixação da multa observou o artigo 11, e seu §1º, II, da Lei nº 6.385/76 em sua redação original, razão pela qual afasta-se a alegação de violação aos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e da vedação do confisco.
Em que pese a possibilidade de aplicação excepcional do princípio da insignificância a infrações administrativas, não é essa exceção adequada ao caso concreto, dada a relevância do bem jurídico protegido, no caso, o regular funcionamento do mercado de valores mobiliários. Nesse contexto, basta que um determinado fato tenha força suficiente para alterar a decisão de investimento acarretando, em última análise, a manipulação do mercado.
Apelação da Comissão de Valores Mobiliários – CVM provida para reconhecer sua ilegitimidade passiva ad causam, excluindo-a da lide, devendo a parte autora responder pelas custas processuais e pelos honorários advocatícios fixados em R$5.000,00 (cinco mil reais), em atenção aos parâmetros do art. 20, § 4º do CPC/73 e os precedentes desta E. Turma.
Apelação da União Federal provida para julgar improcedente o pedido, condenando a parte autora em honorários advocatícios arbitrados em R$5.000,00 (cinco mil reais).
1. Inicialmente, observo que a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva já foi afastada por decisão com trânsito em julgado por este juízo em sede de Agravo de Instrumento nº 5003494-93.20198.403.0000 nos autos da Execução Fiscal nº 5008079-09.2018.403.6182 (fls. 04 – ID 134359311).
2. A decadência ou a prescrição intercorrente é verificada entre a lavratura do auto de infração e o término do processo administrativo e seu prazo está previsto no §1º do art. 1º da Lei n.º 9.873/99.
3. Logo, para que ocorra a prescrição intercorrente na seara administrativa é necessária à paralisação de processo administrativo por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, no qual não ocorra a prática de qualquer ato ou movimentação.
4. No caso concreto, não ocorreu a prescrição intercorrente.
5. Apelação conhecida em parte e improvida.
(ApCiv 5021249-14.2019.4.03.6182 / TRF3 – Sexta Turma / Des. Fed. TORU YAMAMOTO / 28.05.2021)
E M E N T A
APELAÇÃO EM AÇÃO ANULATÓRIA. ADMINISTRATIVO. MULTA E VENDA DE VALORES MOBILIÁRIOS, ESTANDO O VENDEDOR MUNIDO DE INFORMAÇÃO PRIVILEGIADA (INSIDER TRADING). PRESCRIÇÃO TRIENAL AFASTADA. INFRAÇÃO TIPIFICADA. PROPORCIONALIDADE DAS MULTAS. RECURSO PROVIDO PARA JULGAR IMPROCEDENTE O PEDIDO, COM INVERSÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS.
1.No caso, o curso do processo sancionador tem pedido de reconsideração de proposta de termo de compromisso em 25.09.12 pelos acusados Luis Álvaro, Nilton Batista Muniz, Silvana Dino e Tarcísio Duque, após rejeição de proposta anterior (269969538 – fls. 02/05). Conforme relatório do PAS, o autor também apresentou proposta em 27.07.2012, assim como os acusados Rodrigo Ferraz Pimenta da Cunha e Arthur Gilberto Voorsluys em 02.08.2012, e os acusados inicialmente indicados renovaram o pedido em 13.03.2013, todos contra a rejeição datada de 19.06.2012 (269969538 – fls. 11).
2.Em contestação, a União informou que o processo foi redistribuído em duas oportunidades: (i) em 7.1.2014, para o Diretor Roberto Tadeu, em razão do término do mandato do Diretor Otavio Yazbek, e (ii) em 27.1.2015, para o efetivo relator da causa, nos termos do art. 10 da Deliberação CVM nº 558/2008. A decisão colegiada pela rejeição dos pedidos se deu em 20.10.2015, como relatado quando da apreciação da matéria de fundo pela CVM (269969532 – fls. 20).
3.Tratando-se de fato averiguado no âmbito da CVM a ensejar múltipla acusação no campo subjetivo e sucessivos, pedidos de reconsideração a respeito da proposta de termo de compromisso rejeitada em uma mesma decisão administrativa, há de se considerar a sucessão dos pedidos para fins prescricionais, já que participa da economia processual e da racionalidade, a apreciação do tema em conjunto pelo órgão colegiado daquela autarquia. Sob esta perspectiva, com o último pedido datado em 2013, renovando os argumentos despendidos e provocando novamente a Administração Pública, não há que se falar em transcurso do prazo trienal se os pedidos, em conjunto, foram apreciados em momento anterior. Não se tem, em suma, cindibilidade a ponto de necessariamente considerar os atos processuais como isolados para o curso de processo de averiguação de atos tidos por irregulares e, principalmente, para a configuração da mora administrativa a ponto de atrair a impossibilidade do sancionamento. A realidade dos autos não permite tomar tal conclusão – isso independentemente do ato de redistribuição e de o considerar como ato inequívoco, pois não afeta a contagem.
4.A questão de fundo tem base no art. 155, § 4º, da Lei 6.404/76 e no art. 13 da IN CVM 358/02 (insider trading), dada a alienação em bolsa de BDR's patrocinadas por Laep Investments Ltd. de posse de informação privilegiada ainda não divulgada por meio de fato relevante (ocorrida a divulgação somente em 15.01.2010) -, qual seja, a capitalização da empresa Laep, controladora indireta da Parmalat Brasil S/A em Recuperação Judicial, por fundo estrangeiro (fundo GEM) e posterior conversão em ações -, o que impactaria negativamente aqueles valores mobiliários no mercado, pois a nova subscrição dar-se-ia em preço inferior ao praticado.
5.Em procedimento de fiscalização, a empresa Laep informou que o autor, na qualidade de diretor presidente da Parmalat e membro do Conselho de Administração, sabia das tratativas mantidas com o fundo antes de 14.01.10, data da reunião feita com demais acusados. Ou seja, ocupava cargo estatutário na empresa onde se realizaria a operação e, de acordo com a própria empresa, sabia das tratativas quando operou substancial venda de BDR's daquela empresa no período entre 13.01 e 15.01, ciente de sua depreciação em face da iminente diluição de seu capital social com a entrada do fundo GEM e o acordo de investimento. Apurou-se ainda que o autor participou das tratativas com o fundo.
6.Não amparada na necessidade de prover recursos à companhia ou outra motivação econômica relevante que não pessoal, como bem explicado em voto prolatado no colegiado da CVM, e considerado seu conhecimento de fato relevante ainda não divulgado, a operação realizada em 13.01 com 400.000 BDR's foi considerada irregular, ficando configurada a infração por insider trading. Acertadamente, ressaltou-se que a existência de plano individual de negociação e permissão para o negócio não pode ultrapassar os termos legais, vedando-se ao administrador da companhia aberta atuar no mercado dotado de informação privilegiada em razão de seu ofício junto àquela companhia, pendente de divulgação ao mercado em geral. A existência do plano em nada desnatura a configuração do ilícito, determinado pelo conjunto indiciário identificado em sede administrativa – como é próprio neste tipo de ilícito.
7.O autor sofreu sancionamento também referente a fato relevante posterior, divulgado em 28.01.2010, por operações realizadas a partir da ciência de informação privilegiada, ocorridas em 18.01 (400.000) e 20.01 (350.000). A Laep informou a conversão de parte de sua dívida em ações classe A, importando também em diluição de seu capital. Ciente da decisão por compor o Conselho da Administração e participar da reunião que a deliberou, em 14.01, inexistindo outro intuito para a alienação que não a obtenção de vantagem pessoal, e ressaltado que a autorização prevista em plano individual não afasta a tipificação, decidiu o colegiado da CVM, após voto do relator, pela aplicação da penalidade também para essas operações.
8.Dada a gravidade das infrações, com base no art. 11, I, § 1º, e II, da Lei 6.386/76, aplicou-se multa de R$ 200.000,00 por operação, totalizando R$ 600.000,00. O resultado do Colegiado da CVM (269969532) foi confirmado pelo CRSFN após recurso (269969536).
9.A medida sancionatória se mostra adequada para o panorama analisado. A alta posição estatutária assumida pelo autor o fez ter acesso com antecedência de informações relevantes que impactaram, positiva ou negativamente, o preço das ações e valores mobiliários emitidos pelas companhias sob sua administração. Sob esta circunstância e em atenção à lei regente das companhias abertas e do mercado de valores mobiliários, assume a responsabilidade fiduciária de não atuar naquele mercado, na qualidade de investidor, desproporcionalmente aos demais justamente por ter acesso àquelas informações.
10.As vendas de suas BDR's em grande volume foram realizadas logo após fatos que importariam em diluição do capital quando implementados e ainda não divulgados ao público em geral, demonstrando atipicidade negocial. Instado a se manifestar sobre aquela atipicidade e sendo inequívoca a ciência de fato relevante não divulgado ao tempo das negociações, o autor não apontou qualquer justificativa a afastar a presunção, trazida pelos fatos narrados, de que a negociação se deu por força da informação privilegiada detida (insider trading).
11.A tipicidade da infração permite que sua configuração se dê a partir de um conjunto de indícios em um mesmo sentido – como o tempo da negociação e sua atipicidade, e o grau de acesso da pessoa à informação privilegiada -, presumindo-se sua ocorrência. No caso, dada a sua posição administrativa e a plena ciência da informação, a presunção ganha força, autorizando a autoridade fiscalizadora a reclamar justificativa apta para a atipicidade das operações, dado o alto grau de probabilidade de terem se dado sob informação privilegiada.
12.O autor apenas ressaltou que estava respaldado por plano individual de investimento e que as operações foram autorizadas pela companhia. Porém, efetivamente a previsão contratual e a autorização não ilidem a ocorrência do insider trading, muito menos eximem o administrador de uma companhia aberta, sobretudo o de maior escalão, de zelar pelo atendimento da regra legal e pela preservação da confiança no mercado de valores mobiliários – o que não foi feito pelo autor em suas operações.
13.Destaque-se não haver aplicação retroativa de normativa da CVM. Não se discute os termos do plano individual e sua legalidade em nenhum momento. A condenação administrativa se deu pelo disposto no art. 155, § 4º, da Lei 6.404/76 e da proibição do insider trading, norma que se coaduna com as melhores práticas adotadas internacionalmente e que não se abala com qualquer norma administrativa.
14.Dado o volume negociado e vulnerados o mercado de valores mobiliários e os investidores em geral com a prática do insider trading, infração de alta gravidade justamente por provocar a quebra de confiança de um mercado essencialmente fiduciário, correta e proporcional a penalidade fixada para cada operação (R$ 200.000,00), lembrando que a gravidade deriva do comportamento em si, e não do resultado patrimonial alcançado. Ou seja, mesmo que o preço do valor mobiliário com a publicação do fato relevante não seja o esperado, até porque o mercado é especulativo, não se reduz o grau da ilegalidade da venda daquele valor em momento anterior, estando dotado o vendedor do conhecimento sobre fato relevante.