Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5006047-87.2021.4.03.6000

RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL, LILIANO DOS SANTOS CAMARA

Advogado do(a) APELANTE: FRANCIS THIANDER SANTOS RATIER - MS18693-A

APELADO: LILIANO DOS SANTOS CAMARA, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL

Advogado do(a) APELADO: FRANCIS THIANDER SANTOS RATIER - MS18693-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5006047-87.2021.4.03.6000

RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL, LILIANO DOS SANTOS CAMARA

Advogado do(a) APELANTE: FRANCIS THIANDER SANTOS RATIER - MS18693-A

APELADO: LILIANO DOS SANTOS CAMARA, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL

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R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de Apelações Criminais interpostas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e pela defesa de LILIANO DOS SANTOS CAMARA em face da sentença (ID 267383367), proferida pelo Juízo da 5ª Vara Federal de Campo Grande/MS, que julgou parcialmente procedente a denúncia para absolver o acusado dos crimes previstos nos artigos 330 do Código Penal e 15 da Lei 7.802/1989 e condená-lo, em concurso material:

a) à pena de 2 (dois) anos de reclusão pela prática do delito previsto no artigo 334-A, §1º, I, do Código Penal, c. c. os artigos 2º e 3º do Decreto-Lei 399/1968, e;

b) à pena de 1 (um) ano de detenção, pela prática do delito previsto no artigo 70 da Lei 4.117/62.

Foi fixado o regime inicial aberto. As penas privativas de liberdade foram substituídas por duas penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços comunitários e prestação pecuniária no valor de 3 (três) salários mínimos.

Foi imposto ao réu, ainda, a pena acessória de cassação da habilitação de dirigir pelo mesmo prazo da pena privativa da liberdade imposta, limitando-se ao máximo de cinco anos, nos termos do artigo 278-A do Código de Trânsito Brasileiro.

Inconformado, o Ministério Público Federal apelou e, em suas razões recursais (ID 267383371), requereu a condenação do acusado pelo cometimento do crime previsto no artigo 15 da Lei 7.802/1989.

Já o réu, em sede de razões recursais (ID 267383374), requer o afastamento da pena acessória de cassação da habilitação para conduzir veículos

 Contrarrazões da defesa e da acusação foram apresentadas (ID 267383375 e 267383379).

O Exmo. Procurador Regional da República Pedro Barbosa Pereira Neto manifestou-se pelo desprovimento do recurso da acusação e pelo provimento do recurso defensivo (ID 269090183).

É o relatório.

À revisão, nos termos regimentais.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5006047-87.2021.4.03.6000

RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL, LILIANO DOS SANTOS CAMARA

Advogado do(a) APELANTE: FRANCIS THIANDER SANTOS RATIER - MS18693-A

APELADO: LILIANO DOS SANTOS CAMARA, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL

Advogado do(a) APELADO: FRANCIS THIANDER SANTOS RATIER - MS18693-A

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V O T O

 

Do caso dos autos.

LILIANO DOS SANTOS CAMARA foi denunciado pela prática dos crimes previstos nos artigos 334-A, caput, do Código Penal, artigo 15 da Lei nº 7.802/89 c. c. artigo 70 (1ª parte), artigo 330 do Código Penal e artigo 183, caput, da Lei nº 9.472/97.

Narra a denúncia (ID 267382789) o que se segue:

"... No dia 15/07/2021, por volta da 9h30, na estrada vicinal do Km 47, no município de Nioaque/MS, após informação anônima, policiais rodoviários federais e policiais militares das delegacias de Corumbá e de Guia Lopes da Laguna, desenvolveram ação conjunta e lograram êxito em flagrar dois veículos, um Renault Oroch e um GM Spin, que se deslocavam no sentido à BR 419 e que estavam sendo utilizados para transportar cargas de cigarros e agrotóxicos de origem estrangeira. Tais veículos estavam sendo acompanhados pelo veículo Prisma, de cor branca, placas JLK 9489 que estava sendo conduzido pelo denunciado LILIANO DOS SANTOS CAMARA, o qual estava na função de "batedor da estrada" e que também desenvolvia a atividade de telecomunicação de forma clandestina, por meio de rádio transmissor instalado no veículo (BO, Id. 58599748, f. 11).

Na ocasião, tendo em vista o alerta recebido, a equipe de policiais deslocou-se para a região e ao avistarem os veículos Chevrolet/Prisma (cor branca), Renault/Oroch (cor prata) e Chevrolet/Spin (cor branca), deslocando-se no sentido à BR 419, deram ordem de parada, que não foi obedecida por nenhum deles.

Após acompanhamento tático, o veículo Chevrolet/Spin, cor branca e placa aparente OLY2038, foi abandonado por seu condutor, o qual embrenhou-se na mata adjacente à via, tomando rumo ignorado. No interior do veículo foi encontrada grande quantidade de cigarros, agrotóxicos e vestígios de fiação indicando a instalação de rádio transceptor cujo ‘PTT’ foi arrecadado de maneira avulsa, sem que o equipamento inteiro fosse encontrado.

Alguns quilômetros à frente, foi encontrado o utilitário Renault/Oroch, cor prata e placas QUT9428, abandonado, com a porta do motorista aberta, motor em funcionamento e lotado de caixas de cigarro, e também com rádio comunicador aparente.

Por fim, mais à frente, com o auxílio da equipe policial de Guia Lopes/MS, que veio em auxílio pelo sentido contrário, foi localizado o Chevrolet/Prisma, cor branca e placas JIK9489, que estava sendo conduzido pelo denunciado LILIANO DOS SANTOS CAMARA, o qual, apesar de receber ordem de parada dos policiais, abandonou o carro e tentou se evadir a pé no descampado de uma fazenda, sendo perseguido e detido pela equipe. No interior do veículo não havia produto de contrabando, contudo havia um rádio comunicador oculto no painel, por meio do qual se comunicava com os demais veículos apreendidos pela frequência 153.462.

Aos policiais o denunciado confessou que fazia a função de batedor dos outros dois veículos, que levaria o produto contrabandeado para o interior de Mato Grosso - Rondonópolis, que receberia cerca de R$ 1500,00 (mil e quinhentos reais) pela empreitada delituosa, que já havia feito isso antes e que já foi preso por contrabando.

No interrogatório policial também reiterou que estava 'guiando' os motoristas que levavam os cigarros, de Bela Vista/MS até Rondonópolis/MT, e que seu carro possuía um rádio transceptor instalado no painel e bastaria alguns toques na alavanca do limpador do pára-brisas para que nos demais rádios fossem feitos ruídos que indicariam em códigos sobre a situação da estrada.

Salienta-se que, conforme consta do BO nº 1540397210715093012 (57884909, f. 12), posteriormente, os policiais constataram que o Chevrolet/Spin tem como placa original os caracteres EVS3G48, com ocorrência de roubo na cidade de São Paulo/SP, no dia 12/02/2021 conforme BO 0275454. Também, em relação ao utilitário Renault/Oroch, cor prata, placas QUT9428, verificou-se que há registro de estelionato feito pela empresa proprietária do veículo na cidade de São Paulo/SP, na 41º DP Civil de Vila Rica, conforme BO 2252/2021.

Assim, agindo, nas circunstâncias de tempo e lugar acima referidas, LILIANO DOS SANTOS CAMARA, dolosamente e consciente da ilicitude e reprovabilidade, mediante unidade de desígnios e divisão de tarefas com outras pessoas ainda não identificadas, importou, recebeu e transportou grande quantidade de mercadorias estrangeiras, consistentes em 35.000 maços de cigarros de importação proibida (marca Fox), mediante paga ou promessa de recompensa, incorrendo na conduta do art. 334-A, caput, c.c. art. 29 e 62, IV, do CP.

Nas mesmas circunstâncias objetivas e subjetivas, o denunciado importou ilegalmente, guardou e transportou 100 (cem) kg de agrotóxicos da marca Killer 250 WDG nociva a saúde humana e ao meio ambiente em desacordo com as exigências estabelecidas na lei e regulamentos, mediante paga ou promessa, incorrendo na conduta do art. 15 da Lei nº 7802/89, c.c. art. 29 e 62, IV, do Código Penal.

Também, nas mesmas circunstâncias, o denunciado desobedeceu a ordem legal dada pelos policiais para que parasse, empreendendo fuga ao revés, incorrendo na conduta do art. 330 do Código Penal.

Por fim, nas circunstâncias de tempo e lugar referidas, dolosamente e consciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, ao instalar e utilizar, sem a observância dos regulamentos aplicáveis às telecomunicações, um rádio comunicador no interior do veículo que conduzia, o denunciado e as pessoas ainda não identificadas, desenvolveram clandestinamente atividades de telecomunicação com a finalidade específica de facilitar ou assegurar a execução dos outros delitos denunciados (para alertar sobre eventuais fiscalizações, obstáculos e acertar detalhes da viagem), mediante paga ou promessa, praticando conduta prevista no art. 183, caput, da Lei n. 9.472/97, c.c. arts. 29, 61, II, “b”, e 62, IV, do Código Penal... "

A denúncia foi recebida em 04 de agosto de 2021 (ID 267382790).

Após regular instrução processual, o MM. Juiz a quo proferiu sentença (ID 267383367), que julgou parcialmente procedente a denúncia para absolver o acusado dos crimes previstos nos artigos 330 do Código Penal e 15 da Lei 7.802/1989 e condená-lo, em concurso material:

a) à pena de 2 (dois) anos de reclusão pela prática do delito previsto no artigo 334-A, §1º, I, do Código Penal, c. c. os artigos 2º e 3º do Decreto-Lei 399/1968, e;

b) à pena de 1 (um) ano de detenção, pela prática do delito previsto no artigo 70 da Lei 4.117/62.

Foi fixado o regime inicial aberto. As penas privativas de liberdade foram substituídas por duas penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços comunitários e prestação pecuniária no valor de 3 (três) salários mínimos.

Foi imposto ao réu, ainda, a pena acessória de cassação da habilitação de dirigir pelo mesmo prazo da pena privativa da liberdade imposta, limitando-se ao máximo de cinco anos, nos termos do artigo 278-A do Código de Trânsito Brasileiro.

A sentença foi publicada em 05 de outubro de 2022 (ID 267383367).

O Ministério Público Federal não se insurgiu quanto à absolvição do acusado pela prática do delito previsto no artigo 330 do Código Penal, de modo que deixo de deliberar acerca de questões relacionadas a esse delito.

Não havendo arguições preliminares, passa-se à análise do mérito recursal.

 

Do crime previsto no artigo 334-A, § 1º, I, do Código Penal, c. c. artigos 2º e 3º do Decreto-Lei nº 399/68.

Da materialidade e da autoria.

A materialidade e a autoria do delito não foram objeto de recurso, ademais, restaram devidamente comprovadas nos autos pelos Auto de Prisão em Flagrante (pp. 4/11 ID 267382526), Termo de Apreensão (pp. 30/31, ID 267382526), Boletim de Ocorrência nº 1540397210715093012 (pp. 12/18, ID 267382526) e; Relação de Mercadorias (pp. 35/39, ID 267383222).

A quantidade de cigarros apreendida totalizou 43.000 maços, sendo 41.000 maços da marca Eight e 2.000 maços da marca Fox (Relação de Mercadorias - pp. 35/39, ID 267383222)

Além disso, as circunstâncias em que realizada a prisão em flagrante, aliadas à prova oral colhida, tanto na fase policial (pp. 5/11, ID 267382526) como judicial (mídias ID  267383196, 267383197 e 267383198), confirmam de forma precisa e harmônica, a ocorrência dos fatos e a responsabilidade do apelante.

Assim, em relação ao crime de contrabando, é de rigor a manutenção da r. sentença condenatória.

 

Do crime previsto no artigo 70 da Lei 4.117/62.

A denúncia imputou ao réu Liliano dos Santos Camara o desenvolvimento clandestino de atividade de telecomunicação mediante a utilização de rádios transceptores, o qual foi tipificado no artigo 183 da Lei n° 9.472/97.

Porém, o Juízo a quo alterou, acertadamente, o enquadramento típico adotado pela acusação para aquele previsto no artigo 70 da Lei 4.117/62.

Tal entendimento acompanha a jurisprudência dos Tribunais Superiores, no sentido de que subsiste a vigência tanto do artigo 70 da Lei n. 4.117/62 quanto do artigo 183 da Lei n. 9.742/97.

Assim, a tipificação dependerá, quanto ao crime do artigo 183 da Lei nº 9.472/97, da existência do caráter habitual da conduta, enquanto ao crime do artigo 70 da Lei nº 4.117/62, inversamente, quando não se caracteriza a habitualidade.

Note-se que a diferença entre as normas mencionadas se mostra tênue, porém isenta de maiores dúvidas.

Com efeito, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus nº 93870/SP, em 24/04/2010, de relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, assentou que o crime do artigo 183 da lei nº 9.472/97 somente ocorre quando houver habitualidade. Se esta estiver ausente, ou seja, quando o acusado vier a instalar ou se utilizar de telecomunicações clandestinamente, mas apenas uma vez ou de modo não rotineiro, a conduta fica subsumida no artigo 70 da Lei nº 4.117/62, pois não haverá aí um meio de vida, um comportamento reiterado ao longo do tempo, que seria punido de modo mais severo pelo artigo 183 da lei nº 9.472/97.

A materialidade e a autoria do delito não foram objeto de recurso, ademais, restaram devidamente comprovadas nos autos pelos Auto de Prisão em Flagrante (pp. 4/11 ID 267382526), Termo de Apreensão (pp. 30/31, ID 267382526), Boletim de Ocorrência nº 1540397210715093012 (pp. 12/18, ID 267382526) e; Laudo de Perícia Criminal Federal - Eletroeletrônicos (pp. 8/20, ID 267383222 e 12/19, ID 267383333).

Além disso, as circunstâncias em que realizada a prisão em flagrante, aliadas à prova oral colhida, tanto na fase policial (pp. 5/11, ID 267382526) como judicial (mídias ID  267383196, 267383197 e 267383198), confirmam de forma precisa e harmônica, a ocorrência dos fatos e a responsabilidade do apelante.

Assim, em relação ao crime de uso irregular de telecomunicações, é de rigor a manutenção da r. sentença condenatória.

 

Do crime previsto no artigo 15 da Lei nº 7.802/89.

O Ministério Público Federal requer a condenação do acusado pelo cometimento do referido delito.

Com razão o órgão ministerial.

Da materialidade.

A materialidade restou devidamente comprovada nos autos pelos Auto de Prisão em Flagrante (pp. 4/11 ID 267382526), Termo de Apreensão (pp. 30/31, ID 267382526), Boletim de Ocorrência nº 1540397210715093012 (pp. 12/18, ID 267382526); Laudo de Perícia Criminal Federal – Química Forense (pp. 3/8, ID 267383333 e ID 267383352) e; Relação de Mercadorias (pp. 35/39, ID 267383222).

Detalhando a diversidade e quantidade de agrotóxicos, segundo a Relação de Mercadorias (pp. 35/39, ID 267383222) da Receita Federal, temos:

a) 128 kg de agrotóxico Tres Ovejas;

b) 490 kg de agrotóxico Tiametoxama;

c) 6 galões, de 4 l cada, de agrotóxico nocivo.

Da autoria.

O MM. Magistrado a quo absolveu o acusado da imputação sob o seguinte fundamento:

“...A autoria, no entanto, resta afastada pela ocorrência de erro de tipo essencial inevitável.

Deveras, Liliano declarou, em seu interrogatório judicial (ID 91725468), que teria sido contratado para dar apoio a um transporte de cigarros, nada sendo mencionado a respeito dos agrotóxicos.

Considerando que Liliano fez confissão firme acerca dos produtos cujo transporte estaria dando apoio, que abrangeu inclusive o uso do radiocomunicador, sem ressalvas, penso que se lhe deve emprestar credibilidade integral, inclusive quanto ao desconhecimento em relação à carga de agrotóxicos, já que não há qualquer elemento nos autos que infirme o relato.

Assim, tem-se que para o caso dos agrotóxicos, Liliano obrou com erro de tipo, o que afasta o dolo, nos termos do art. 20 do Código Penal, já que desconhecia estar dando apoio ao transporte irregular de agrotóxicos, pois pensava se tratar unicamente de cigarros contrabandeados.

Trata-se de erro essencial, porque incide sobre elementar do tipo penal do art. 15 da Lei 7.802/1989, qual seja, o transporte de “agrotóxico”.

O erro de tipo decorre de uma falsa percepção da realidade, dado que o agente supõe realidade distinta daquela que efetivamente existe.

O erro, no caso, era invencível, pois, segundo o relato de Liliano, não contrastado por qualquer outro elemento de prova contido nos autos, lhe foi oferecida a função de dar apoio, atuar como “batedor”, “limpar a estrada” para o transporte de cigarros, e não há qualquer indicação de que tenha tido a oportunidade, ou mesmo a possibilidade, de examinar a carga transportada...”

 O réu Liliano, em seu interrogatório (mídia ID 2673831980), argumentou que, após encontrar com pessoas conhecidas, foi convidado a atuar como “batedor” de outros três veículos e que, por essa tarefa, receberia o valor de R$1.500,00 para orientá-los pelo trajeto de Bela Vista/MS até a cidade de Campo Grande/MS, embora o destino final da carga fosse a cidade de Rondonopólis/MT. Disse que tinha ciência que a carga era de cigarros contrabandeados, mas desconhecia a existência de agrotóxicos em meio ao carregamento.

O Código Penal preceitua o erro de tipo como:

Art. 20. O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei.

Guilherme de Souza Nucci conceitua o erro de tipo como: “o erro que incide sobre elementos objetivos do tipo penal, abrangendo qualificadoras, causas de aumento e agravantes. O engano a respeito de um dos elementos que compõem o modelo legal de conduta proibida sempre exclui o dolo, podendo levar à punição por crime culposo” (Código Penal Comentado, 13. ed., 2013, São Paulo, Ed. RT, p. 232).

Logo, o erro de tipo se configura quando existe erro acerca de elemento essencial do tipo penal, que, se escusável, pode afastar o dolo, o que exige a comprovação não apenas de que o agente agiu impelido por uma falsa percepção da realidade, a recair sobre os próprios dados constitutivos do tipo legal, como também que esse erro era inescapável, porque imprevisível, inexistindo sequer uma consciência potencial do ilícito.

Porém, apesar da negativa do réu de conhecimento acerca do agrotóxico que transportava, a simples alegação de ignorância não o isenta de responsabilidade.

Infere-se do conteúdo probatório carreado aos autos que o réu, ao colaborar com o transporte de mercadoria sabidamente contrabandeada, atuando na função de “batedor”, escoltou os demais veículos, procurando alertá-los acerca de eventuais fiscalizações policiais, por meio de radiocomunicadores instalados nos veículos.

É possível concluir, no presente caso, que o acusado, ao ter colaborado com o crime de contrabando – ato do qual, inclusive, confessou em Juízo – assumiu o risco de executar o delito de transporte irregular de agrotóxicos.

A teoria da cegueira deliberada, de matriz anglo-saxônica, tem por entendimento que a ignorância deliberada equivale ao dolo eventual, não se confundindo com a mera negligência (culpa consciente).

A justificação para a regra, conforme se infere do leading case sobre o tema (United States, v. Jewell, 532 F 2.d 697, 70 [9th Cir. 1976]), é que agir com conhecimento não é necessariamente agir apenas com conhecimento positivo, mas também agir com indiferença quanto à elevada probabilidade da existência do fato em questão, eis que, conforme as regras de experiência, alguém conhece fatos mesmo quando não está absolutamente certo sobre eles.

No presente caso, a circunstância de aceitar transportar carga de produtos fruto de contrabando é indicativo de que, muito provavelmente, estaria aceitando também praticar crimes de outra natureza.

Dessa forma, admitir a ocorrência de erro de tipo baseado apenas na declaração do réu, sem qualquer outra prova ou circunstância fática sólida a ampará-la, permitiria a interpretação de que bastaria ao acusado alegar seu desconhecimento para alcançar a absolvição.

Por estes argumentos, de rigor a condenação, eis que há provas cabais de que o acusado Liliano, com consciência e vontade, cometeu o crime de transporte irregular de agrotóxicos.

 

DA DOSIMETRIA DAS PENAS.

Do crime previsto no artigo 334-A, §1º, I, do Código Penal.

A pena do acusado, em relação ao crime previsto no artigo 334-A, § 1º, I, do Código Penal, restou concretizada em 2 (dois) anos de reclusão.

Na primeira fase da dosimetria, o Magistrado de primeiro grau fixou a pena-base no mínimo legal, ou seja, 2 (dois) anos de reclusão.

Na segunda fase da dosimetria, foi aplicada a circunstância atenuante da confissão espontânea, prevista no artigo 65, III, “d”, do Código Penal e a circunstância agravante de cometimento de crime mediante paga ou promessa de recompensa, prevista no artigo 61, II, “b”, do Código Penal. Promovida a compensação entre ambas, restou a pena intermediária fixada em 2 (dois) anos de reclusão.

Na terceira fase, ausentes causas de aumento ou de diminuição, a pena definitiva restou fixada em 2 (dois) anos de reclusão.

Não havendo irresignação da defesa ou da acusação quanto à fixação da pena-base e com relação às demais fases de fixação da pena privativa de liberdade, a mesma deve ser mantida, nos termos em que lançada, posto que observada a jurisprudência atual e os preceitos legais atinentes à matéria, não havendo necessidade de reformá-la.

 

 Do crime previsto no artigo 70 da Lei 4.117/62.

A pena-base foi fixada em 1 (um) ano de detenção.

Na segunda fase, foi aplicada a agravante do artigo 61, II, “b", do Código Penal, já que o crime foi cometido como meio para garantir a execução do delito de contrabando. Entretanto essa agravante foi compensada com a atenuante da confissão espontânea, restando a pena intermediária fixada em 1 (um) ano de detenção.

Na terceira fase, não havendo causas de aumento ou de diminuição da pena, a pena definitiva restou fixada em 1 (um) ano de detenção.

Não havendo irresignação da defesa ou da acusação quanto à fixação da pena-base e com relação às demais fases de fixação da pena privativa de liberdade, a mesma deve ser mantida, nos termos em que lançada, posto que observada a jurisprudência atual e os preceitos legais atinentes à matéria, não havendo necessidade de reformá-la.

 

 Do crime previsto no artigo 15 da Lei 7.802/89.

A pena prevista para o cometimento do delito do artigo 15 da Lei 7.802/89 é de dois a quatro anos de reclusão, além de aplicação de multa.

Na primeira fase, verifico que a culpabilidade do réu, os motivos, as circunstâncias e as consequências do crime não extrapolam o comum em crimes dessa natureza. Não há nos autos elementos disponíveis para que se avalie a conduta social do acusado, bem como a sua personalidade. Não há que se falar em comportamento da vítima. Ademais, o réu não registra antecedentes criminais.

Na segunda fase da dosimetria incide a circunstância agravante de cometimento de crime mediante paga ou promessa de recompensa, prevista no artigo 61, II, “b”, do Código Penal, exasperando a pena na fração de 1/6, restando a pena intermediária fixada em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa.

Na terceira fase, ausentes causas de aumento ou de diminuição, resta a pena definitiva fixada em fixada em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa.

 

Do concurso de crimes.

Diante do cometimento de três crimes, é possível definir a existência de dois grupos distintos de crimes: o primeiro englobando o crime do artigo 334-A, §1º, I, do CP e aquele tipificado no artigo 15, caput, da Lei 7.802/89. Um segundo grupo é formado pelo crime previsto no artigo 70 da Lei nº 4.117/62.

Inicialmente, cabível a aplicação do concurso formal próprio (artigo 70 do CP) entre os crimes previstos no artigo 334-A, §1º, I, do Código Penal e aquele tipificado no artigo 15, caput, da Lei 7.802/89, pois o acusado, mediante uma só ação, praticou dois crimes de naturezas distintas, com desígnio único, qual seja, vender as mercadorias no Brasil, ainda que apenas tenha auxiliado o seu transporte, atuando na função de “batedor”, e fossem destinadas a terceiros. Nesse sentido:

EMEN: PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. VIA INADEQUADA. NÃO CONHECIMENTO. RECEPTAÇÃO, FORMAÇÃO DE QUADRILHA ARMADA E PORTE DE ARMAS DE FOGO DE USO RESTRITO E PERMITIDO. DOSIMETRIA. PLEITO DE APLICAÇÃO DA REGRA DO CONCURSO FORMAL ENTRE OS DELITOS DOS ARTS. 14 E 16, DA LEI N. 10.826/2003. BENS JURÍDICOS DISTINTOS. MESMO CONTEXTO FÁTICO E TEMPORAL. POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA FRAÇÃO DE 1/6 PELO CONCURSO FORMAL DE CRIMES. NÚMERO DE DELITOS. CORREÇÃO DA REPRIMENDA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO. - O Superior Tribunal de Justiça, seguindo o entendimento firmado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, não tem admitido a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso próprio, prestigiando o sistema recursal ao tempo que preserva a importância e a utilidade do habeas corpus, visto permitir a concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. - A dosimetria da pena insere-se dentro de um juízo de discricionariedade do julgador, atrelado às particularidades fáticas do caso concreto e subjetivas do agente, somente passível de revisão por esta Corte no caso de inobservância dos parâmetros legais ou de flagrante desproporcionalidade. - As condutas de possuir arma de fogo e munições de uso permitido e de uso restrito, apreendidas em um mesmo contexto fático, configuram concurso formal de delitos. - O art. 16, do Estatuto do Desarmamento, além da paz e segurança públicas, também protege a seriedade dos cadastros do Sistema Nacional de Armas, sendo inviável o reconhecimento de crime único, pois há lesão a bens jurídicos diversos. Também não é adequada a aplicação da regra do concurso material ou do concurso formal impróprio, não havendo a demonstração da existência de desígnios autônomos. - Nos termos da jurisprudência desta Corte, o aumento decorrente do concurso formal deve se dar de acordo com o número de infrações. Na espécie, cometidas duas infrações, é adequada a escolha da fração de aumento de 1/6. - Habeas corpus não conhecido. Contudo, ordem concedida, de ofício, para reduzir as penas do paciente ao novo patamar de 7 anos de reclusão e 30 dias-multa, mantidos os demais termos da condenação. ..EMEN:
(HC - HABEAS CORPUS - 467756 2018.02.28883-4, REYNALDO SOARES DA FONSECA, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:06/05/2019 ..DTPB:.) (grifo nosso).

EMEN: PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. OFENSA AO ART. 70 DO CP. CONCURSO FORMAL IMPRÓPRIO. DESÍGNIOS AUTÔNOMOS. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. É assente neste Superior Tribunal de Justiça que a "A distinção entre o concurso formal próprio e o impróprio relaciona-se com o elemento subjetivo do agente, ou seja, a existência ou não de desígnios autônomos. Precedente" (AgRg no REsp 1.299.942/DF, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, DJe 21/06/2013). Desse modo, para dissentir do entendimento do Tribunal de origem, que soberano na análise das circunstâncias da causa e com base em dados concretos dos autos, aplicou as regras do concurso formal próprio, por entender que o acusado não dirigiu "a sua conduta com desígnios autônomos em relação a cada uma das vítimas individualmente consideradas" (fl. 952), seria inevitável o revolvimento do arcabouço carreado aos autos, procedimento sabidamente inviável na instância especial. Súmula 7/STJ. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. ..EMEN:
(AGARESP - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - 1131742 2017.01.70763-9, MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA:04/10/2017 ..DTPB:.) (grifo nosso). 

Considerando as penas ora estabelecidas, aplica-se a pena mais grave, 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão (crime de transporte de agrotóxicos), acrescida da fração de aumento de 1/6 (um sexto), haja vista tratar-se de dois crimes.

A pena para esse grupo de crimes fica, pois, estipulada em 2 (dois) anos,  8 (oito) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, nos moldes previstos no artigo 70 do Código Penal e  12 (doze) dias-multa, estabelecido o valor unitário de cada dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do valor do salário mínimo vigente ao tempo do crime, conforme previsto no artigo 72 do mesmo Diploma Legal.

Entre a pena desse grupo incide o concurso material com o crime previsto no artigo 70 da Lei nº 4.117/62, resultando a pena definitiva do réu fixada em 2 (dois) anos, 8 (oito) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 1 (um) ano de detenção, mais o pagamento de 12 (doze) dias-multa, estabelecido o valor unitário de cada dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do valor do salário mínimo vigente ao tempo do crime.

 

Do regime inicial de cumprimento de pena

O regime inicial de cumprimento de pena foi fixado no aberto, o qual deve ser mantido.

 

Da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.

Preenchidos os requisitos previstos no artigo 44, do Código Penal (pena não superior a quatro anos, crime cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa, réu não reincidente e circunstâncias judiciais favoráveis), a substituição da pena corporal por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade, pelo prazo da pena substituída, e pena pecuniária de 3 (três) salários mínimos deve ser mantida, pois suficientes à prevenção de novas práticas delitivas.

 

Da inabilitação para dirigir veículos.

A defesa requer o afastamento da restrição imposta para conduzir veículos automotores, sob o argumento de que o acusado não utiliza a habilitação para cometimento reiterado de crimes utilizando veículos.

Com razão a defesa.

O Juízo a quo aplicou a penalidade nos seguintes termos:

“... O artigo 278-A do CTB, estabelece:

Art. 278-A. O condutor que se utilize de veículo para a prática do crime de receptação, descaminho, contrabando, previstos nos arts. 180, 334 e 334-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), condenado por um desses crimes em decisão judicial transitada em julgado, terá cassado seu documento de habilitação ou será proibido de obter a habilitação para dirigir veículo automotor pelo prazo de 5 (cinco) anos. (redação incluída pela Lei n. 13.804/2019)

Referido artigo está em comunhão com o disposto no artigo 92, inciso III, do Código Penal, pois ambos tratam dos efeitos extrapenais específicos. Muito embora a referida sanção venha prescrita no capítulo das sanções administrativas do CTB, é evidente que consubstancia um efeito extrapenal da condenação. Dessa forma, o dispositivo em questão é pena acessória aplicada quando o veículo automotor for utilizado como instrumento relevante para desestimular a prática de crime de contrabando, previsto no art. 334-A do Código Penal.

No presente caso, verifica-se que o réu utilizou veículo automotor para praticar o delito de contrabando, realizando, inclusive, atividade importante de suporte (“batedor”). Resta evidente, portanto, que a aplicação da cassação de seu documento de habilitação é medida idônea e razoável com o fito de coibir a reiteração da prática delitiva.

Todavia, em observância ao princípio da individualização e à simetria da pena, entendo que a duração da pena acessória deve acompanhar a pena privativa de liberdade cominada aos acusados, devendo o dispositivo legal ser interpretado no sentido de que a cassação perdurará pelo prazo máximo de até cinco anos, podendo ser inferior nos casos em que a pena fixada esteja abaixo deste patamar.

Ante ao exposto, declaro a cassação da habilitação de dirigir do réu pelo mesmo prazo da pena privativa da liberdade imposta, limitando-se ao máximo de cinco anos...”  

O MM. Juiz a quo fundamentou sua decisão com fulcro no artigo 278-A do Código de Trânsito Brasileiro, embora fosse adequado a aplicação do artigo 92, inciso III, do Código Penal, conforme explanação que segue.

O artigo 92, do Código Penal dispõe acerca dos efeitos secundários da condenação, a saber:

" Art. 92 - São também efeitos da condenação:

I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:

a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública;

b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos.

II - a incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela, nos crimes dolosos, sujeitos à pena de reclusão, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado;

III - a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso.

Parágrafo único - Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença.

Trata-se, conforme determinação de seu parágrafo único, de efeito não automático da condenação, que precisa ser declarado pelo Magistrado na sentença, de forma fundamentada, conforme pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça - STJ. É aplicável a qualquer espécie de delito, atendendo-se, cumulativamente seus dois requisitos: seja doloso e tenha sido praticado com a utilização de veículo automotor.

Por outro lado, o artigo 278-A do Código de Trânsito Brasileiro, introduzido pela Lei nº 13.804, de 2019, de 10 de janeiro de 2019, insere-se no capítulo do Código de Trânsito Brasileiro que trata das medidas administrativas, constituindo efeito automático da existência de sentença transitada em julgado que condena o condutor pela prática dos crimes de contrabando, descaminho ou receptação.

Como se vê, no primeiro caso, a norma é direcionada ao Magistrado, o qual, diante de crime doloso de qualquer espécie, cometido mediante uso de veículo automotor, concede a possibilidade de, fundamentadamente, aplicar a sanção de inabilitação. Já no segundo caso, a norma tem por destinatária a autoridade de trânsito, a qual, tendo tomado conhecimento de condenação transitada em julgado por crime de contrabando, descaminho ou receptação, deve cassar a habilitação do condenado ou proibi-lo de obtê-la pelo prazo de cinco anos.

Assim, ao Juízo, que não se encontra vinculado à norma insculpida no artigo 278-A do Código de Trânsito Brasileiro, de caráter administrativo, cabe decretar a inabilitação do condenado para dirigir veículo automotor, nos termos do artigo 92, III, do Código Penal, não obstante possa determinar que seja a autoridade de trânsito comunicada a respeito do trânsito em julgado da condenação, para que esta adote as providências que julgar cabíveis.

No caso dos autos, restou demonstrado que o réu se serviu do veículo GM/Prisma, placa JIK-9489 auxiliando terceiros no transporte irregular de cigarros e agrotóxicos.

Assim, em razão da prática de crime doloso mediante a utilização de veículo automotor pelo acusado, é cabível a aplicação do efeito da condenação previsto no artigo 92, III, do Código Penal, consistente na inabilitação para dirigir veículo.

Tal imposição possui a finalidade de dificultar a reincidência na prática delituosa, enquanto durarem os efeitos da condenação, possuindo natureza preventiva e punitiva. Ainda que não impeça a reiteração criminosa, não há dúvida que a torna mais difícil, além de possuir efeito dissuasório, desestimulando a prática criminosa sem encarceramento.

O afastamento da inabilitação de conduzir veículo é aplicado em casos específicos, nos quais o exercício profissional dependa diretamente da posse da habilitação (v.g. motoristas profissionais), além de não estarem presentes indícios de reiteração de práticas delitivas praticadas utilizando veículos. 

In casu, embora o acusado não exerça atividade remunerada que necessite diretamente da habilitação, o afastamento da inabilitação pode ser aplicado ao acusado, pois o réu não registra antecedentes de que usa sua carteira de habilitação para fins ilícitos de forma reiterada. Além disso, a profissão declarada pelo acusado como sendo pintor e mecânico de automóveis requer a posse da Carteira de Habilitação, pois necessário no dia a dia de sua atividade laborativa.

Desta feita, afasto a interdição do direito do acusado de conduzir veículo automotor.

 Ante o exposto, dou provimento ao recurso da defesa para afastar a inabilitação para conduzir veículo automotor e; dou provimento ao recurso ministerial para condenar Liliano dos Santos Camara como incurso no crime tipificado no artigo 15 da Lei nº 7.802/89, restando a pena do acusado fixada em 2 (dois) anos, 8 (oito) meses e 20 (vinte) dias de reclusão mais o pagamento de 12 (doze) dias-multa, estabelecido o valor unitário de cada dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do valor do salário mínimo vigente ao tempo do crime, resultado da prática, em concurso formal próprio, dos crimes previstos nos artigos 334-A, §1º, I, do Código e 15 da Lei nº 7.802/89 e 1 (um) ano de detenção, decorrente da prática do crime previsto no artigo 70 da Lei nº 4.117/62, substituída a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e pagamento de prestação pecuniária no valor de 3 (três) salários mínimos, mantida no mais a r. sentença.

É como voto.


APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5006047-87.2021.4.03.6000

RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL, LILIANO DOS SANTOS CAMARA

Advogado do(a) APELANTE: FRANCIS THIANDER SANTOS RATIER - MS18693-A

APELADO: LILIANO DOS SANTOS CAMARA, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL

Advogado do(a) APELADO: FRANCIS THIANDER SANTOS RATIER - MS18693-A

OUTROS PARTICIPANTES: 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Trata-se de Apelações Criminais interpostas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e pela defesa de LILIANO DOS SANTOS CAMARA em face da sentença (ID 267383367), proferida pelo Juízo da 5ª Vara Federal de Campo Grande/MS, que julgou parcialmente procedente a denúncia para absolver o acusado dos crimes previstos nos artigos 330 do Código Penal e 15 da Lei 7.802/1989 e condená-lo, em concurso material: (a) à pena de 2 (dois) anos de reclusão pela prática do delito previsto no artigo 334-A, §1º, I, do Código Penal, c. c. os artigos 2º e 3º do Decreto-Lei 399/1968, e; (b) à pena de 1 (um) ano de detenção, pela prática do delito previsto no artigo 70 da Lei 4.117/62.

Foi fixado o regime inicial aberto. As penas privativas de liberdade foram substituídas por duas penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços comunitários e prestação pecuniária no valor de 3 (três) salários mínimos; imposto ao réu, ainda, a pena acessória de cassação da habilitação de dirigir pelo mesmo prazo da pena privativa da liberdade imposta, limitando-se ao máximo de cinco anos, nos termos do artigo 278-A do Código de Trânsito Brasileiro.

Inconformado, o Ministério Público Federal apelou e, em suas razões recursais (ID 267383371), requereu a condenação do acusado pelo cometimento do crime previsto no artigo 15 da Lei 7.802/1989.

Já o réu, em sede de razões recursais (ID 267383374), requer o afastamento da pena acessória de cassação da habilitação para conduzir veículos

 Contrarrazões da defesa e da acusação foram apresentadas (ID 267383375 e 267383379).

O Exmo. Procurador Regional da República Pedro Barbosa Pereira Neto manifestou-se pelo desprovimento do recurso da acusação e pelo provimento do recurso defensivo (ID 269090183).

O Eminente Des. Fed. Maurício Kato deu provimento ao recurso da defesa para afastar a inabilitação para conduzir veículo automotor e; deu provimento ao recurso ministerial para condenar Liliano dos Santos Camara como incurso no crime tipificado no artigo 15 da Lei nº 7.802/89, restando a pena do acusado fixada em 2 (dois) anos, 8 (oito) meses e 20 (vinte) dias de reclusão mais o pagamento de 12 (doze) dias-multa, estabelecido o valor unitário de cada dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do valor do salário mínimo vigente ao tempo do crime, resultado da prática, em concurso formal próprio, dos crimes previstos nos artigos 334-A, §1º, I, do Código Penal, e 15 da Lei nº 7.802/89, e 1 (um) ano de detenção decorrente da prática do crime previsto no artigo 70 da Lei nº 4.117/62, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e pagamento de prestação pecuniária no valor de 3 (três) salários mínimos, mantida no mais a r. sentença.

Data vênia, divirjo parcialmente do entendimento do eminente Relator apenas para negar provimento ao recurso de apelação interposta pelo Ministério Público Federal, pois entendo que a versão do apelante, ouvido em juízo, é crível e afasta o necessário dolo para a configuração do delito do artigo 15 da Lei nº 7.802/89.

O réu Liliano, em seu interrogatório judicial, argumentou que, após encontrar com pessoas conhecidas, foi convidado a atuar como “batedor” de outros três veículos e que, por essa tarefa, receberia o valor de R$1.500,00 para orientá-los pelo trajeto de Bela Vista/MS até a cidade de Campo Grande/MS, embora o destino final da carga fosse a cidade de Rondonopólis/MT. Disse que tinha ciência de que a carga era de cigarros contrabandeados, mas desconhecia a existência de agrotóxicos em meio ao carregamento.

Logo, o réu é confesso no tocante ao contrabando de cigarros e, pelos elementos contidos nos autos, pode ter sido enganado quanto à carga de agrotóxicos em meio ao carregamento de cigarros.

A prova do dolo, no tocante ao referido delito, é duvidosa.

E ainda que se avente que o réu/apelante tenha assumido o risco de executar o delito de transporte irregular de agrotóxicos, quando aceitou, como bem confessou em juízo, transportar cigarros contrabandeados, entendo que o dolo eventual não pode ser aplicado neste caso específico.

É que, não obstante o dolo eventual possa ser admitido em qualquer crime que com ele seja compatível, deve ser detalhadamente descrito na denúncia acusatória, mas o Ministério Público Federal assim não o fez.

Nesse sentido, é a jurisprudência:

"PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO HABEAS CORPUS. ART. 121, CAPUT, C/C ART. 13, § 2º, "b", AMBOS DO CP. HOMICÍDIO. CRIME COMISSIVO POR OMISSÃO. CAUSALIDADE. DOLO EVENTUAL. DENÚNCIA. INÉPCIA. ILEGALIDADE RECONHECIDA. PROVIMENTO.

1. A denúncia, peça acusatória revestida de tecnicalidades e formalidades, deve seguir os ditames do art. 41 do Código de Processo Penal, de sorte que a atribuição, ao denunciado, da conduta criminosa seja clara e precisa, com a descrição de todas as suas circunstâncias, a fim de possibilitar a desembaraçada reação defensiva à acusação apresentada.

2. Na hipótese em apreço, a denúncia imputou à recorrente o crime de homicídio doloso, por haver - ao deixar de comparecer ao hospital a que fora chamada quando se encontrava de sobreaviso - previsto e assumido o risco de causar a morte da paciente que aguardava atendimento neurológico. No entanto, a exordial acusatória não descreve, de maneira devida, qual foi o atendimento médico imediato e especializado que a recorrente poderia ter prestado (e que não tenha sido suprido por outro profissional) e que pudesse ter evitado a morte da paciente, bem como não descreve que circunstância(s) permite(m) inferir que tenha ela previsto o resultado morte e a ele anuído.

3. Nas imputações pela prática de crime comissivo por omissão, para que se configure a materialidade do delito, é imprescindível a descrição da conduta (omitida) devida, idônea e suficiente para obstar o dano ocorrido. Em crime de homicídio, é mister que se indique o nexo normativo entre a conduta omissiva e a morte da vítima, porque só se tem por constituída a relação de causalidade se, com lastro em elementos empíricos, for possível concluir-se, com alto grau de probabilidade, que o resultado não ocorreria se a ação devida (no caso vertente, o atendimento imediato pela recorrente) fosse realizada. Se tal liame, objetivo e subjetivo, entre a omissão da médica e a morte da paciente não foi descrito, a denúncia é formalmente inepta, porquanto não é lícito presumir que do simples não comparecimento da médica ao hospital na noite em que fora chamada para o atendimento emergencial tenha resultado, 3 (três) dias depois, o óbito da paciente.

4. A seu turno, por ser tênue a linha entre o dolo eventual e a culpa consciente, o elemento subjetivo que caracteriza o injusto penal deve estar bem indicado em dados empíricos constantes dos autos e referidos expressamente na denúncia, o que não ocorreu na hipótese aqui analisada, visto que se inferiu o dolo eventual a partir da simples afirmação de que "a denunciada deixou de atender a vítima, pouco se importando com a ocorrência do resultado morte."

5. Uma vez que se atribuiu à recorrente crime doloso contra a vida, a ser julgado perante o Tribunal do Júri, com maior razão deve-se garantir a ela o contraditório e a plenitude de defesa, nos termos do art. 5º, XXXVIII, "a", da Constituição Federal, algo que somente se perfaz mediante imputação clara e precisa, ineludivelmente ausente na espécie.

6. Recurso ordinário em habeas corpus provido, para reconhecer a inépcia formal da denúncia, sem prejuízo de que outra peça acusatória seja oferecida, com observância dos ditames legais.

(RHC n. 39.627/RJ, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 8/4/2014, DJe de 30/4/2014.) (g.n.)"

Por entender bastante pertinente, reproduzo os fundamentos que levaram o nobre Magistrado Federal prolator da sentença, a absolver o réu pelo crime de transporte de agrotóxicos:

“(...)

A autoria, no entanto, resta afastada pela ocorrência de erro de tipo essencial inevitável.

Deveras, Liliano declarou, em seu interrogatório judicial (ID 91725468), que teria sido contratado para dar apoio a um transporte de cigarros, nada sendo mencionado a respeito dos agrotóxicos.

Considerando que Liliano fez confissão firme acerca dos produtos cujo transporte estaria dando apoio, que abrangeu inclusive o uso do radiocomunicador, sem ressalvas, penso que se lhe deve emprestar credibilidade integral, inclusive quanto ao desconhecimento em relação à carga de agrotóxicos, já que não há qualquer elemento nos autos que infirme o relato.

Assim, tem-se que para o caso dos agrotóxicos, Liliano obrou com erro de tipo, o que afasta o dolo, nos termos do art. 20 do Código Penal, já que desconhecia estar dando apoio ao transporte irregular de agrotóxicos, pois pensava se tratar unicamente de cigarros contrabandeados.

Trata-se de erro essencial, porque incide sobre elementar do tipo penal do art. 15 da Lei 7.802/1989, qual seja, o transporte de “agrotóxico”.

O erro de tipo decorre de uma falsa percepção da realidade, dado que o agente supõe realidade distinta daquela que efetivamente existe.

O erro, no caso, era invencível, pois, segundo o relato de Liliano, não contrastado por qualquer outro elemento de prova contido nos autos, lhe foi oferecida a função de dar apoio, atuar como “batedor”, “limpar a estrada” para o transporte de cigarros, e não há qualquer indicação de que tenha tido a oportunidade, ou mesmo a possibilidade, de examinar a carga transportada.

Ademais, ainda que se pudesse reconhecer o conhecimento de Liliano quanto à carga de agrotóxicos, o fato é que essa conduta específica seria fatalmente absorvida pelo contrabando de cigarros, já que não há o mínimo indício de que seu dolo se voltava à prática de dois crimes distintos; ao contrário, ao que se dessume dos autos, Liliano quis unicamente dar apoio ao transporte de mercadoria contrabandeada, no caso, cigarros paraguaios.

Ante tais constatações, prejudicada eventual análise quanto à desclassificação da imputação para o art. 56 da Lei 9.605/1998, pois o erro de tipo, ou eventual consunção, ocorreriam da mesma forma. De se ressaltar que o MPF pediu a condenação em tal tipo penal em suas alegações finais sem fazer qualquer ressalva quanto à uma eventual desclassificação, já que a denúncia menciona o art. 15 da Lei 7.802/1989.

(...)”

De fato, o acusado obrou em erro de tipo essencial, artigo 20 do Código Penal, porquanto, de acordo com sua lídima confissão, desconhecia estar dando apoio ao transporte irregular de agrotóxicos. Penava tratar-se apenas de cigarros contrabandeados. E, sabe-se, O erro de tipo decorre da falsa percepção da realidade, tendo em vista que o agente supõe realidade distinta daquela que efetivamente existe.

Diante desse contexto, entendo que a absolvição, quanto ao crime do artigo 15 da Lei 7.802/1989, deva ser mantida, negando-se provimento ao apelo ministerial.

No mais, sigo a douta Relatoria.

E, afastada a condenação pelo crime do artigo 15 da Lei 7.802/1989, passo a refazer o cálculo das penas.

Do crime previsto no artigo 334-A, §1º, I, do Código Penal.

Mantenho integralmente a pena aplicada pelo e. Relator.

Pena definitiva de 2 (dois) anos de reclusão.

Do crime previsto no artigo 70 da Lei 4.117/62.

Do mesmo modo, adiro ao entendimento da douta Relatoria.

Pena definitiva de 1 (um) ano de detenção.

Do concurso de crimes.

Diante do cometimento de dois crimes em concurso material (art. 69, CP), as penas devem ser somadas para se definir o regime inicial de cumprimento de penas (dois anos de reclusão pelo crime de contrabando, e um ano de detenção pelo crime do artigo 70 da Lei 4.117/62), restando definido o regime inicial de cumprimento de pena o aberto, nos termos do artigo 44 do CP, devendo a pena de reclusão ser cumprida primeiramente.

Da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.

Preenchidos os requisitos previstos no artigo 44, do Código Penal (pena não superior a quatro anos, crime cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa, réu não reincidente e circunstâncias judiciais favoráveis), a substituição da pena corporal por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade, pelo prazo da pena substituída, e pena pecuniária de 3 (três) salários mínimos deve ser mantida, pois suficientes à prevenção de novas práticas delitivas, como restou consignado no voto do e. Relator.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso da defesa para afastar a inabilitação para conduzir veículo automotor, nos exatos termos do voto do e. Relator e; nego provimento ao recurso ministerial (divirjo), restando a pena do acusado fixada em 2 (dois) anos de reclusão pelo crime do artigo 334-A, §1º, I, do Código, e 1 (um) ano de detenção, decorrente da prática do crime previsto no artigo 70 da Lei nº 4.117/62, em concurso material, em regime inicial aberto, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e pagamento de prestação pecuniária no valor de 3 (três) salários mínimos, mantida no mais a r. sentença.

É como voto.


E M E N T A

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGO 334-A, § 1º, INCISO I, DO CÓDIGO PENAL. CONTRABANDO DE CIGARROS. MATERIALIDADE E AUTORIA INCONTROVERSAS. PENA FIXADA NO MÍNIMO LEGAL. CRIME PREVISTO NO ARTIGO 70 DA LEI Nº 4.117/62. MATERIALIDADE E AUTORIA INCONTESTES. PENA FIXADA NO MÍNIMO LEGAL. ARTIGO 15 DA LEI Nº 7.802/89. TRANSPORTE IRREGULAR DE AGROTÓXICOS. PENA FIXADA NO MÍNIMO LEGAL. APLICAÇÃO DA REGRA DO CONCURSO FORMAL PRÓPRIO ENTRE O CRIME DE CONTRABANDO E O DO TRANSPORTE DE AGROTÓXICOS. REGIME ABERTO. SUBSTITUIÇÃO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. INABILITAÇÃO PARA CONDUZIR VEÍCULO AUTOMOTOR. AFASTAMENTO. RECURSO MINISTERIAL PROVIDO. RECURSO DEFENSIVO PROVIDO.

1. Contrabando. Prisão em flagrante. Apreensão de cigarros de origem estrangeira. Materialidade e autoria incontroversas. Pena fixada no mínimo legal.

2. Crime de instalação ou utilização de telecomunicações de forma irregular. Materialidade e autoria incontroversas. Pena fixada no mínimo legal.

3. Crime de transporte irregular de agrotóxicos. Materialidade incontroversa. Dolo eventual. Pena intermediária exasperada.

4. É possível concluir, no presente caso, que o acusado, ao ter colaborado com o crime de contrabando – ato do qual, inclusive, confessou em Juízo – assumiu o risco de executar o delito de transporte irregular de agrotóxicos. A teoria da cegueira deliberada, de matriz anglo-saxônica, tem por entendimento que a ignorância deliberada equivale ao dolo eventual, não se confundindo com a mera negligência (culpa consciente).

5. Diante do cometimento de três crimes, é possível definir a existência de dois grupos distintos de crimes: o primeiro englobando o crime do artigo 334-A, §1º, I, do CP e aquele tipificado no artigo 15, caput, da Lei 7.802/89. Um segundo grupo é formado pelo crime previsto no artigo 70 da Lei nº 4.117/62.

6. Cabível a aplicação do concurso formal próprio (artigo 70 do CP) entre os crimes previstos no artigo 334-A, §1º, I, do Código Penal e aquele tipificado no artigo 15, caput, da Lei 7.802/89, pois o acusado, mediante uma só ação, praticou dois crimes de naturezas distintas, com desígnio único, qual seja, vender as mercadorias no Brasil, ainda que apenas tenha auxiliado o seu transporte, atuando na função de “batedor”, e fossem destinadas a terceiros.

7. Regime aberto para início de cumprimento de pena.

8. Preenchidos os requisitos previstos no artigo 44, do Código Penal (pena não superior a quatro anos, crime cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa, réu não reincidente e circunstâncias judiciais favoráveis), a substituição da pena corporal por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade, pelo prazo da pena substituída, e pena pecuniária de 3 (três) salários mínimos deve ser mantida, pois suficientes à prevenção de novas práticas delitivas.

9. Embora o acusado não exerça atividade remunerada que necessite diretamente da habilitação, o afastamento da inabilitação pode ser aplicado ao acusado, pois o réu não registra antecedentes de que usa sua carteira de habilitação para fins ilícitos de forma reiterada. Além disso, a profissão declarada pelo acusado como sendo pintor e mecânico de automóveis requer a posse da Carteira de Habilitação, pois necessário no dia a dia de sua atividade laborativa.

10. Recurso ministerial provido.

11. Recurso defensivo provido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quinta Turma, por unanimidade, decidiu dar provimento ao recurso da defesa para afastar a inabilitação para conduzir veículo automotor e, por maioria, dar provimento ao recurso ministerial para condenar Liliano dos Santos Camara como incurso no crime tipificado no artigo 15 da Lei nº 7.802/89, restando a pena do acusado fixada em 2 (dois) anos, 8 (oito) meses e 20 (vinte) dias de reclusão mais o pagamento de 12 (doze) dias-multa, estabelecido o valor unitário de cada dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do valor do salário mínimo vigente ao tempo do crime, resultado da prática, em concurso formal próprio, dos crimes previstos nos artigos 334-A, §1º, I, do Código e 15 da Lei nº 7.802/89 e 1 (um) ano de detenção, decorrente da prática do crime previsto no artigo 70 da Lei nº 4.117/62, substituída a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e pagamento de prestação pecuniária no valor de 3 (três) salários mínimos, mantida no mais a r. sentença, nos termos do voto do Relator, acompanhado pelo Des. Fed. Mauricio Kato, vencido o Des. Fed. Ali Mazloum que negava provimento ao recurso ministerial, restando a pena do acusado fixada em 2 (dois) anos de reclusão pelo crime do artigo 334-A, §1º, I, do Código, e 1 (um) ano de detenção, decorrente da prática do crime previsto no artigo 70 da Lei nº 4.117/62, em concurso material, em regime inicial aberto, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e pagamento de prestação pecuniária no valor de 3 (três) salários mínimos, mantida no mais a r. sentença., nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.