Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0006732-33.1999.4.03.6104

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

APELADO: MARIA APARECIDA DOS SANTOS, URBANO NUNEZ CUADRADO, SELMA FRAGA VIEIRA, FRANCISCO DE ASSIS SANTOS, DULCE MORALES VALVERDE DE ANDRADE, ANTONIO DIRCEU DE ANDRADE, VALTER JOSE VIEIRA, AGOSTINHO ANDRE AVELINO, RAIMUNDA ENEIDE DA SILVA

Advogado do(a) APELADO: EVA TERESINHA SANCHES - SP107813-N
Advogado do(a) APELADO: ARNALDO VIEIRA E SILVA - SP50393-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0006732-33.1999.4.03.6104

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

APELADO: MARIA APARECIDA DOS SANTOS, URBANO NUNEZ CUADRADO, SELMA FRAGA VIEIRA, FRANCISCO DE ASSIS SANTOS, DULCE MORALES VALVERDE DE ANDRADE, ANTONIO DIRCEU DE ANDRADE, VALTER JOSE VIEIRA, AGOSTINHO ANDRE AVELINO, RAIMUNDA ENEIDE DA SILVA

Advogado do(a) APELADO: EVA TERESINHA SANCHES - SP107813-N
Advogado do(a) APELADO: ARNALDO VIEIRA E SILVA - SP50393-A

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

Trata-se de remessa necessária e recurso de apelação interposto pela UNIÃO FEDERAL em face da sentença julgou procedente a usucapião e determinou a transcrição da área descrita na inicial em nome de FRANCISCO DE ASSIS SANTOS e MARIA APARECIDA DOS SANTOS, condenando os réus ao pagamento de honorários advocatícios aos autores no importe de 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa (ID 89985164, f. 22-37).

Alega, em suma, que o imóvel usucapiendo está situado dentro da área que correspondia à da Fazenda Cubatão Geral, de domínio da União Federal, sendo insuscetível de aquisição pela via da usucapião. Ainda, afirma que a área abrange mangues aterrados e terrenos acrescidos de marinha, que também integram seu patrimônio (f. 46-55).

Contrarrazões dos autores (f. 62).

Parecer do MPF, opinando pelo não provimento do recurso (f. 74-77).

É o relatório.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0006732-33.1999.4.03.6104

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

APELADO: MARIA APARECIDA DOS SANTOS, URBANO NUNEZ CUADRADO, SELMA FRAGA VIEIRA, FRANCISCO DE ASSIS SANTOS, DULCE MORALES VALVERDE DE ANDRADE, ANTONIO DIRCEU DE ANDRADE, VALTER JOSE VIEIRA, AGOSTINHO ANDRE AVELINO, RAIMUNDA ENEIDE DA SILVA

Advogado do(a) APELADO: EVA TERESINHA SANCHES - SP107813-N
Advogado do(a) APELADO: ARNALDO VIEIRA E SILVA - SP50393-A

 

 

 

V O T O

 

 

 

Cinge-se a controvérsia acerca da natureza (pública ou privada) do bem imóvel de matrícula n. 5.322 do CRI de Cubatão, da possibilidade de aquisição do domínio pela prescrição aquisitiva e do preenchimento dos requisitos para tanto pelos autores.

Como se depreende dos autos, Francisco de Assis Santos e Maria Aparecida dos Santos afirmam ter adquirido o imóvel em questão, situado na Rua Sete de Setembro, 797 (Lote 31, Quadra 12, do Loteamento Vila Cubatão), em Cubatão-SP, por meio de instrumento particular de cessão e transferência de direitos celebrado em 18/04/1989 com Antonio dos Santos e Josefa Maria dos Santos. Alegam que há mais de cinco anos residem no local com posse mansa e pacífica, que não são proprietários de outro imóvel e que este tem área total de 240 m², preenchendo todos os requisitos para a usucapião especial urbana prevista no art. 183 da Constituição Federal de 1988. Por isso, postulam a declaração do domínio em face de Antonio Dirceu de Andrade e Dulce Morales Valverde de Andrade, proprietários registrais do bem (inicial de f. 13-16, ID 89985214).

Intimada para manifestar interesse na causa, a União arguiu que o imóvel está situado “dentro dos limites da Antiga Fazenda Cubatão Geral, fazendo parte da Sesmaria que foi doada a Rui Pinto em 1533, por Martim Afonso de Souza, a qual confiscada aos Jesuítas, pela Corôa Portuguesa em 1762, não foi levada a hasta pública”, de modo que se trata de bem público, não sujeito à usucapião (f. 5-9, ID 89985215).

Os corréus Antonio e Dulce, por sua vez, sustentam a inexistência de posse com animus domini pelos autores, considerando que Antonio dos Santos, que lhes cedeu o imóvel, o ocupava com sua autorização, tendo-o alienado de forma ilegal (f. 140-144, ID retro). Aduzem, ainda, o imóvel foi adquirido regularmente quando do loteamento da área, com o registro da propriedade no competente CRI após a quitação do preço, pelo que descabe falar em domínio público, como alega a União (f. 100-101, ID 89985124).

Pois bem. Antes de analisar a presença dos requisitos necessários à usucapião especial urbana no caso, faz-se necessário verificar se, de fato, o imóvel integra o patrimônio da União, o que o tornaria, em tese, insuscetível à prescrição aquisitiva, à luz do art. 183, § 3º, da CRFB/1988: “Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.”

Na hipótese dos autos, porém, tenho que o domínio federal sobre o bem não foi cabalmente demonstrado, seja por integrar a antiga Fazenda Cubatão Geral, seja por se tratar de área de manguezais ou terrenos acrescidos de marinha (art. 20, VII, da CRFB/88; art. 1º, “a”, do Decreto-Lei n. 9.760/1946; e art. 2º, I, do Decreto-Lei n. 6.871/1944).

Embora os documentos de f. 12-35, ID 89985215 (histórico dominial da Fazenda Cubatão Geral elaborado pela Procuradoria da Fazenda Nacional de São Paulo), f. 75-81, ID 89985124, e f. 17-81, ID 89985125 (informações da Secretaria do Patrimônio da União), indiquem que parte da área que abrange o atual perímetro urbano de Cubatão integrava referida Fazenda, incorporada ao patrimônio da União após ter sido confiscada pela Coroa Portuguesa (art. 1º, “j”, do DL n. 9.760/46 e art. 2º, V, do DL n. 6.871/44), o laudo pericial constante dos autos concluiu que o imóvel objeto da lide encontra-se integralmente fora da área reivindicada pela União Federal, que corresponde às transcrições n. 1.542 e n. 35.404 do 1º CRI de Santos, conforme se vê (ID 89985163, f. 4-27 e 76-78):

1. Descreva a cadeia sucessória do imóvel usucapiendo. Especificamente quanto às transcrições abaixo, queira informar:

a) se o referido imóvel tem origem na primeira transcrição, de n° 1.542, 1 8Circunscrição Imobiliária de Santos, realizada em 1890 por Manoel Alfaya;

b) ou se na segunda transcrição de n° 35.404, realizada em 1.928 por Manoel Centofante.

Resposta: Do exame da cadeia dominial feito no item 4.2 deste laudo, ao qual o signatário reporta-se, ficou constatado que o bem usucapiendo não teve origem em nenhuma das duas transcrições mencionadas neste quesito, aliás, ambas tratam de região bem distinta da do imóvel usucapiendo, como ficou esclarecido nos itens seguintes 4.3 e 4.4 desta laudo.

4. A área usucapienda abrange ou confronta com bem imóvel de propriedade da União?

Resposta: Pelo que se pode apurar, conforme exposto no corpo deste laudo, a área usucapienda não abrange nem confronta com bens da União Federal.

Corrobora as conclusões do expert o mapa de f. 21 do ID retro, pelo qual se verifica que não só o lote usucapiendo, como a totalidade do Loteamento Vila Nova Cubatão, não compõe a área identificada como a antiga Fazenda Cubatão Geral.

Quanto à alegada existência de terrenos acrescidos de marinha e manguezais na área, restou esclarecido pelo perito que, embora a região do loteamento fosse originalmente constituída por “terrenos firmes e manguezais que sofriam influência da maré”, a área foi aterrada antes da delimitação dos terrenos de marinha, em 1831, alterando a influência da maré e extinguindo os mangues ali existentes. Veja-se (f. 12-13):

Consta que a região onde foi implantado o Loteamento "Vila Nova Cubatão" era originalmente constituída por terrenos firmes e por manguezais que sofriam influência da maré. Tal fato, em princípio, implicaria na existência de terrenos de marinha no local, nos termos da conceituação dada pelo Decreto-Lei n° 9.760/46, que dispõe sobre os bens imóveis da União: (...)

Ocorre que antes de 1831, ano de referência para delimitação dos terrenos de marinha, lá pelos idos de 1825 à 1827, a região foi cortada pelo aterrado que deu origem à Estrada do Vergueiro, atual Avenida Nove de Abril, alterando significativamente a influência da maré na região, posto que, funcionando como dique, certamente extinguiu os eventuais manguezais que existiam na localidade.

A história da construção do referido aterrado está relatada no livro "O Caminho do Mar - Subsídios para a história de Cubatão", de autoria de Inez Garbuio Peralta, editado pela Prefeitura Municipal de Cubatão em 1973 (1ª edição).

Assim, tendo em vista que todo o loteamento Vila Nova Cubatão foi implantado junto ao antigo aterrado, atual Avenida Nove de Julho, pelo lado oposto à ação da maré, é lícito presumir que em 1831, a localidade do bem usucapiendo não mais sofria influência de maré.

Registro que as insurgências da União não infirmam o conteúdo do laudo pericial, elaborado por profissional imparcial e de confiança do juízo. Não obstante o detalhado parecer técnico divergente apresentado pela ré às f. 39-57, ID retro, indicando que a região do loteamento integraria a Sesmaria de Cornélio Arzão, adquirida pela Companhia de Jesus e posteriormente confiscada pela Coroa, este documento confronta com pareceres anteriores da própria SPU, apresentados nos autos, nos quais se defendia que a área pertencia à Sesmaria de Ruy Pinto. Tratam-se de regiões completamente distintas, conforme mapa à f. 57, evidenciando que o próprio ente federal não sabe precisar, em razão das diversas alterações geográficas na área e divergências descritivas nos registros públicos ao longo dos séculos, a localização e os limites reais da Fazenda Cubatão Geral.

Diante de tudo isso, e considerando que, ao menos desde 1898, há mais de um século, o bem encontra-se registrado por particulares, tendo passado por diversos proprietários, conforme cadeia das transmissões relatada pelo perito às f. 8-10, tenho por inafastável a conclusão de que o imóvel objeto da lide não se caracteriza como bem público, sendo plenamente passível de aquisição por usucapião.

Entendimento diverso, como bem asseverou o juiz sentenciante, implicaria no risco de “tornar inviável todo e qualquer registro de imóvel no país em que figure ausente menção à propriedade originária do "Império Brasileiro" ou "Coroa"” e na “irregularidade de todo ou quase a totalidade do núcleo urbano de Cubatão, a gerar medidas mais drásticas e menos casuísticas que a improcedência deste feito” (f. 31 e 32, ID 89985164).

Nesse sentido, aliás, já decidiu esta Corte:

ADMINISTRATIVO. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ANULATÓRIA DE REGISTRO PÚBLICO IMOBILIÁRIO PROPOSTA PELA UNIÃO. LEI 6015/1973 ALTERADA PELA LEI 10931/2004. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. INÉPCIA DA INICIAL. INOCORRÊNCIA. IMÓVEL RURAL SITUADO NO MUNICÍPIO DE CUBATÃO. ALEGAÇÃO DE QUE A ÁREA É TERRENO DE MARINHA QUE CONFRONTA MANGUES, ILHAS E RIOS. DOMÍNIO PÚBLICO DA UNIÃO DE ACORDO COM O DECRETO-LEI 9760/1946 NÃO DEMONSTRADO. PERÍCIA. IMPARCIALIDADE. AGRAVO RETIDO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. RECURSO DA UNIÃO IMPROVIDO. 1- A Justiça Federal é competente para o processo e julgamento do feito,  nos termos do artigo 109, I, da CRFB, na medida em que a União Federal objetiva o domínio de imóvel rural (52.425m2), ao argumento de que se cuida de área pública cadastrada como tal na Gerência Regional do Patrimônio da União, localizado dentro de área maior consistente em terreno de marinha. 2- Aplica-se a Lei n. 13105/2015 aos processos pendentes, respeitados, naturalmente, os atos consumados e seus efeitos no regime do CPC de 1973. Nesse sentido, restou editado o Enunciado Administrativo n. 2/STJ. 3- Havendo pedido expresso dos recorridos para o seu julgamento, conhece-se do agravo retido interposto, na forma do artigo 523 do CPC de 1973. 4- Nos expressos termos do art. 212 da Lei n. 6015/1973, com a redação que lhe deu a Lei n. 10931/2004, a retificação do registro ou da averbação pode ser requerida diretamente ao Oficial do Registro de Imóveis. Ao interessado, contudo, é facultada a retificação por meio de procedimento judicial. 5- As condições da ação, dentre as quais se insere o interesse de agir, devem ser verificadas pelo juiz à luz das alegações feitas pelo autor na petição inicial. Isto significa que o acolhimento das condições da ação se justifica apenas como medida de economia processual, possibilitando, através de cognição superficial, extinguir demanda que não possua nenhuma viabilidade jurídica. Todavia, se o magistrado realizar cognição profunda sobre as alegações apresentadas na petição após esgotados os meios probatórios, é certo que terá, em verdade, proferido juízo sobre o mérito - teoria da asserção - hipótese em que caberá ao juiz acolher ou indeferir o pedido formulado pelo autor na petição inicial. Precedentes do STJ. 6- Da leitura da petição inicial é possível aferir-se o pedido e a causa de pedir do postulante, tanto que ao requerido foi possível apresentar contestação quanto à matéria de fundo. Logo, não se constata inépcia da petição inicial. 7- Não há como prosperar o argumento de que a atual Constituição atribuiu a propriedade das ilhas costeiras somente à União, vez que coexiste o domínio entre os entes públicos e os particulares (CF, art. 26, II). 8- A parte recorrida comprovou que o imóvel objeto da ação está registrado em nome de terceiros no Cartório de Registro de Imóveis e Anexos de Cubatão/SP desde outubro de 1952. Portanto, de há muito houve quebra da cadeia dominial da União relativa ao imóvel em questão. 9- A apelante juntou aos autos Informação Técnica, emitida pela Secretaria de Patrimônio da União, bem como o "Histórico Dominial" da Fazenda Cubatão Geral, desde as sesmarias concedidas por volta de 1500, documentos esses insuficientes para serem oponíveis a terceiros, tal como a matrícula do imóvel. 10- Cabe à União e não à parte recorrida provar que os imóveis foram transferidos à esfera particular de forma ilegítima. 11- Ademais, conforme o laudo pericial apresentado às fls. 1458/1459 o imóvel objeto desta demanda foi aterrado e secou, o que impossibilita a compreensão acerca da existência ou não de mangues em tempos passados, pois nem mesmo  com os documentos recebidos pelo perito oficial, como fotografias aéreas e as plantas da região, foi possível aferir se efetivamente havia mangue naquela área. 12 - Conquanto não esteja o magistrado adstrito ao laudo do perito judicial (CPC/1973, art. 436), no caso em tela, impõe-se o acolhimento das suas bem fundamentadas conclusões, pois, além de revelar o respeito aos ditames do Decreto-lei n. 9760/1946, que dispõe sobre os bens públicos, é profissional técnico equidistante das partes e que goza da presunção de imparcialidade. 13- Comprovado por meio de escritura pública o domínio particular de imóvel urbano situado em antigo núcleo colonial, sem que se tenha verificado qualquer quebra na continuidade de referido registro, impõe-se sua legitimidade. 14- Os honorários advocatícios devem ser fixados em quantia que valorize a atividade profissional advocatícia, homenageando-se o grau de zelo, o lugar de prestação do serviço, a natureza e a importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço, tudo visto de modo equitativo, de forma que se afigura razoável fixar os honorários em R$ 3.000,00, em obediência ao § 4º do artigo 20 do CPC/1973. 15- Agravo retido interposto pela parte recorrida a que se nega provimento. 16- Apelação da AGU desprovida. (TRF3, 1ª Turma, ApCiv n. 0000525-13.2002.4.03.6104, Rel. Des. Federal HÉLIO NOGUEIRA, j. 25/07/2017, e-DJF3 08/08/2017)

APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. UNIÃO. FAZENDA CUBATÃO GERAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA NATUREZA PÚBLICA DO IMÓVEL USUCAPIENDO. REQUISITOS PREENCHIDOS PELOS AUTORES. RECURSO PROVIDO. 1.  A demanda foi ajuizada por Emeire de Alencar Dantas e Wedson de Oliveira Dantas perante o D. Juízo de Direito da Comarca de Cubatão/SP, visando à aquisição, por usucapião, do domínio do imóvel de 270m², situado à Rua Armando Sales de Oliveira, 530, do Loteamento Jardim América, no município de Cubatão/SP, sobre o qual alega exercer a posse mansa, pacífica, sem oposição e com animus domini, desde 2007, e que, somada à posse de seus antecessores, totaliza mais de 50 anos. 2. A União manifestou interesse na lide, razão pela qual os autos foram remetidos à Justiça Federal. 3. A sentença julgou improcedente o pedido, nos termos do artigo 487 do CPC, e condenou os autores ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da causa. 4. Irresignados, os autores interpuseram recurso de apelação, alegando que este Tribunal já sedimentou o entendimento de que a Fazenda Cubatão Geral não configura patrimônio público. Requerem, assim, a reforma da r. sentença. 5. A usucapião extraordinária é uma forma de aquisição de bem imóvel, prevista no artigo 1238 do Código Civil/2002. Tal norma apresenta como requisitos a essa modalidade de usucapião o exercício da posse sobre o imóvel por 15 (quinze) anos, de forma ininterrupta e sem oposição, sem a necessidade de comprovação de justo título e de boa-fé. Ademais, referido prazo pode ser reduzido para 10 (dez) anos, no caso do possuidor ter constituído sua residência habitual, ou erigido obras/serviços de caráter produtivo no imóvel. 6. Outrossim, nos termos do artigo 1243 do mesmo Código, para alcançar o prazo de posse exigido, o possuidor pode acrescentar o tempo da posse de seus antecessores ao da sua posse, desde que estas sejam contínuas e pacíficas. 7. Além disso, nos termos dos artigos 183, §3º, da CF, os bens públicos não são passíveis de usucapião. 8. No caso, os autores alegam que utilizam o imóvel como residência, exercendo a sua posse de forma mansa, pacífica, ininterrupta e sem oposição, desde 25/05/2007, quando o adquiriram, por meio de instrumento particular de cessão de direitos, de Pedro Elias e Ismênia de Oliveira Elias, que, por sua vez, o haviam adquirido em 28/03/1962 de Euclides Surita e Liette Ribal Surita, que o haviam comprado de Paulo Rossi, em 08/06/1961. 9. Para a comprovação de seu direito, juntaram cópias dos contratos de cessão de direitos e de promessa de compra e venda, firmado entre os proprietários acima mencionados, devidamente autenticados; cópia da matrícula do imóvel, na qual está certificado que a aquisição por Paulo Rossi se deu em 23/12/1932; e cópia de cobrança do IPTU em seu nome. 10. Ocorre que a União, com base na Informação Técnica n. 522/2014 da Superintendência do Patrimônio da União de São Paulo, sustenta que a área usucapienda abrange a Fazenda Cubatão Geral, de sua propriedade. Para comprovar o alegado, juntou o Ofício n° 013/2015/ERBS/SPU/SP, no qual constam as seguintes informações: "1. A área na qual se localiza o terreno em questão não possui Demarcação Homologada da LPM 1831. Para a presente análise foi efetuada uma Demarcação Presumida parcial com os elementos cartográficos históricos existentes na mapoteca da SPU. 2. Após a Demarcação da LPM 1831 Presumida, verificou-se que o terreno em análise não se encontra em área de Terrenos de Marinha ou de Terrenos Acrescidos de Marinha, ver anexos 01 e 02. O lote com área total de 270,00m² está inteiramente localizado em Terreno Alodial. (...) 4. Após pesquisa realizada junto aos arquivos existentes nesta Superintendência, constatamos que, na presente data, e em face dos elementos de que dispomos, que a área do lote objeto da presente análise está integralmente dentro dos limites da Fazenda Cubatão, de propriedade da União Federal". 11. Além dos referidos documentos, a União acostou aos autos o Histórico Dominial da Fazenda Cubatão Geral, elaborado pela Procuradoria da Fazenda Nacional de São Paulo, sobre o qual discorreu em sua Contestação. 12. Diante disso, o D. Juízo a quo determinou a juntada de prova pericial produzida em outra ação de usucapião (proc. n. . 0006732-33.1999.403.6104), que tinha por objeto um imóvel situado em local próximo ao imóvel objeto destes autos, e cuja questão controvertida também dizia respeito aos limites da denominada Fazenda Cubatão Geral. Naquele laudo, o perito consignou que, após analisar detidamente o Histórico Dominial da Fazenda Cubatão Geral, não foi possível "determinar com a necessária clareza os limites da Fazenda Cubatão Geral, pois as descrições das antigas sesmarias, elaboradas nos séculos XVI e XVII, delimitam as glebas citando acidentes geográficos por nomes que caíram em desuso há muito, ou então, mencionando o nome dos confrontantes da época". 13. Ressaltou, ainda, o perito, em sua manifestação ao laudo divergente da União naqueles autos, que a dificuldade em se precisar a delimitação da área pode levar a conclusões equivocadas, conforme trecho abaixo transcrito: "Em que pese o profundo conhecimento da região que detém o nobre colega, há um aspecto cronológico que prejudica a inferência feita, a saber: a carta de sesmaria da qual teria sido extraída a descrição reproduzida acima, que menciona o "caminho de Piassaguera", data de 20/12/1627, conforme consta do 3º item do Histórico Dominial da Fazenda Cubatão Geral (fls. 93), ou seja, remonta à primeira metade do século XVII. Já a "estrada do Jardim Piratininga", referida pelo I. parecerista como sendo o mesmo "caminho de Piassaguera" citado da descrição da sesmaria, foi construída somente entre os anos de 1825 e 1827, na primeira metade do século XIX, quando se realizou o denominado "aterrado", cujo traçado está indicado em linha tracejada marrom na planta de fls. 502, ou seja, duzentos anos após a concessão da Sesmaria de Cornélio Arzão". 14. Dessa forma, por todos os ângulos analisados, não restou comprovada a natureza pública do imóvel usucapiendo. Neste sentido, já decidiu este E. Tribunal em casos análogos. Precedentes. 15. Noutro vértice, observa-se que os autores, ora apelantes, lograram êxito em demonstrar o preenchimento dos requisitos necessários para a aquisição por usucapião do imóvel descrito na inicial, nos termos do artigo 1238 do Código Civil/2002, razão pela qual a r. sentença deve ser reformada. 16. Condenação da União ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% do valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85 do CPC. 17. Apelação a que se dá provimento. (TRF3, 1ª Turma, ApCiv n. 0007163-42.2014.4.03.6104, Rel. Des. Federal GISELLE DE AMARO E FRANCA, j. 01/06/2020, Int. 02/06/2020)

APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO, FAZENDA CUBATÃO GERAL. TERRENO DE MARINHA. MANGUEZAL. PRECEDENTES. ÔNUS DA PROVA. 1. Ao presente recurso aplica-se o CPC/73. 2. Não há elementos de prova nos autos capazes de tornar induvidosa a alegação de que o imóvel se encontra dentro da Fazenda Cubatão Geral. Nesse sentido, a conclusão a que chegou o perito judicial. 3. Sequer há certeza quanto à existência de manguezais na localidade, eis que diante da ausência de elementos de convicção, o laudo fala em "eventuais manguezais". De toda forma, se é que existiam, foram eles extintos há muitas décadas, antes mesmo da delimitação da linha do preamar médio, em 1831. Precedentes desta Corte. 4. O ônus da prova quanto aos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor pertence ao réu (CPC/73, art. 333, II). 5. Apelação e reexame necessário desprovidos. (TRF3, 11ª Turma, ApelRemNec 0206318-90.1995.403.6104, Rel. Des. Federal NINO TOLDO, j. 24/06/2021, DJEN 15/07/2021)

Isso ultrapassado, resta verificar a presença dos requisitos da usucapião especial urbana no caso dos autos.

Acerca da matéria, dispõe o art. 183 da CRFB/88:

Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

(...)

§ 2º Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.

Como visto, a fim de adquirir a propriedade de imóvel urbano com base no citado dispositivo constitucional, o requerente deve comprovar: a) o exercício da posse por mais de cinco anos, interrupta e sem oposição, com ânimo de dono, para sua moradia ou de sua família; b) a área inferior a 250 m²; c) que não proprietário de outro imóvel urbano ou rural; e d) que não teve reconhecida a usucapião especial sobre outro imóvel.

Na espécie, tenho que todos os requisitos estão presentes.

De fato, a posse mansa, pacífica e ininterrupta pelo prazo legal por Francisco e Maria Aparecida se evidencia, a princípio, pelo instrumento particular de cessão e transferência de direitos sobre o imóvel usucapiendo celebrado por eles com Antonio dos Santos e Josefa Maria dos Santos em 18/04/1989 (f. 22-24 do ID 89985214). Deste documento se depreende que os cessionários entraram na posse do imóvel na mesma data (cláusula 4), o que é corroborado pelo fato de que o domicílio por eles declarado no contrato (Rua Sete de Setembro, 797, Vila Nova) é o mesmo endereço do imóvel objeto da transação.

As contas de consumo de f. 121-127, ID 89985124, em nome do autor, datadas de dezembro de 1994, setembro de 1993 e maio de 2003, também corroboram as alegações dos demandantes, assim como os depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência (f. 173-175), residentes nas proximidades do imóvel usucapiendo, que confirmaram que eles construíram a casa ali existente e ali moram com a sua família desde a primeira metade da década de 1980, ou seja, pelo menos 14 anos antes da propositura da ação.

O animus domini, por sua vez, se evidencia do relato da testemunha José Quirino dos Anjos, que afirmou que o autor é conhecido como proprietário do imóvel onde reside (f. 173) e do próprio instrumento de cessão de direitos – que previa a outorga da escritura definitiva de compra e venda após a regularização dos documentos originários do imóvel (cláusulas 8 e 9, f. 23 do ID 89985214).

Vale dizer que, embora os corréus Antonio Dirceu e Dulce Morales tenham arguido que o imóvel seria ocupado por Antonio dos Santos (cedente) a título de detenção, apenas para manutenção do terreno, tal alegação não foi minimamente comprovada. De fato, o autor afirma, em seu depoimento pessoal, que o adquiriu juntamente com o cedente e ali edificaram sua residência objetivando a transferência da propriedade após a regularização documental (ID 89985124, f. 172), sendo que os réus sequer compareceram à audiência de instrução a fim de inquiri-lo e ouvir testemunhas que relatassem o contrário.

As testemunhas indicadas pelo autor, de outro lado, evidenciam que os proprietários anteriores do imóvel sequer eram conhecidos na região, visto que nenhuma delas soube informar de quem o bem foi adquirido. Assim, evidente que, apesar da propriedade registral do imóvel, os corréus nunca efetivamente exerceram a posse direta ou indireta sobre ele.

Os demais requisitos, por sua vez, estão demonstrados pela matrícula do imóvel e pelo memorial descritivo, que comprovam que o lote tem área total de 240 m² (f. 25, ID 89985214, e f. 113, ID 89985124); pelas certidões que evidenciam a inexistência de outras ações de usucapião ou de ações possessórias movidas por ou contra os autores (f. 114-119); e pela declaração dos autores de que não são proprietários de nenhum outro imóvel (f. 120), documento não impugnado pelos réus.

Estando demonstrados, portanto, todos os requisitos previstos no art. 183 da CRFB/1988, deve ser mantida a sentença que declarou o domínio em favor dos autores, em todos os seus termos.

Ante o exposto, CONHEÇO E NEGO PROVIMENTO à remessa oficial e ao recurso de apelação, nos termos da fundamentação supra.

Deixo de aplicar o art. 85, § 11, do CPC, uma vez que a sentença foi proferida sob a égide do Código de Processo Civil de 1973.

É como voto.



E M E N T A

 

APELAÇÃO CÍVEL E REMESSA OFICIAL. USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA. INTERESSE DA UNIÃO. FAZENDA CUBATÃO GERAL. IMÓVEL SITUADO FORA DA ÁREA REIVINDICADA PELA UNIÃO. DOMÍNIO PARTICULAR COMPROVADO HÁ UM SÉCULO. EXTINÇÃO DOS TERRENOS ACRESCIDOS DE MARINHA E MANGUES EXISTENTES NA ÁREA ANTES DE 1831. IMÓVEL SUJEITO À USUCAPIÃO. PRESENÇA DOS REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 183 DA CRFB/1988. DOMÍNIO DOS AUTORES RECONHECIDO. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL NÃO PROVIDAS.

1. Controvérsia acerca da natureza (pública ou privada) do imóvel de matrícula n. 5.322 do CRI de Cubatão, da possibilidade de aquisição do domínio pela usucapião e do preenchimento dos requisitos para tanto pelos autores.

2. A prova pericial produzida por profissional imparcial e de confiança do juízo concluiu que não apenas o lote usucapiendo, como a totalidade do Loteamento Vila Nova Cubatão, encontra-se fora da área reivindicada pela União como parte da Fazenda Cubatão Geral.

3. Apesar do detalhado parecer apresentado pela União, indicando que a região do loteamento integraria a Sesmaria de Cornélio Arzão, adquirida pela Companhia de Jesus e posteriormente confiscada pela Coroa Portuguesa, o documento confronta com pareceres anteriores da própria Secretaria do Patrimônio da União, apresentados nos autos, nos quais se defendia que a área pertencia à Sesmaria de Ruy Pinto. Tratam-se de regiões completamente distintas, evidenciando que o próprio ente federal não sabe precisar, em razão das diversas alterações geográficas na e divergências descritivas dos registros públicos ao longo dos séculos, a localização e os limites reais da Fazenda Cubatão Geral.

4. Outrossim, ao menos desde 1898, há mais de um século, a área encontra-se registrada em nome de particulares, tendo passado por diversos proprietários, sendo, portanto, inafastável a conclusão de que o imóvel objeto da lide não se caracteriza como bem público. Entendimento diverso, como bem asseverou o juiz sentenciante, implicaria no risco de “tornar inviável todo e qualquer registro de imóvel no país em que figure ausente menção à propriedade originária do "Império Brasileiro" ou "Coroa"”. Precedentes desta Corte.

5. Quanto à alegada existência de terrenos acrescidos de marinha e manguezais na área, restou esclarecido que, embora a região do loteamento fosse originalmente constituída por terrenos firmes e manguezais que sofriam influência da maré, a área foi aterrada antes da delimitação dos terrenos de marinha, em 1831, alterando a influência da maré e extinguindo os mangues ali existentes.

6. Nos termos do art. 183 da CRFB/1988, a fim de adquirir a propriedade de imóvel urbano pela usucapião especial, o requerente deve comprovar a) o exercício da posse por mais de cinco anos, interrupta e sem oposição, com ânimo de dono, para sua moradia ou de sua família; b) ser a área inferior a duzentos e cinquenta metros quadrados; c) não ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural; e d) que não teve reconhecida a usucapião especial sobre outro imóvel.

7. No caso, a posse qualificada restou demonstrada pelos documentos juntados e testemunhas ouvidas, evidenciando que os autores construíram a casa existente no terreno e ali moram com a sua família desde a primeira metade da década de 1980, ou seja, pelo menos 14 anos antes da propositura da ação.

8. Embora os corréus tenham contestado o animus domini da posse, não produziram qualquer prova nesse sentido. As testemunhas indicadas pelo autor, de outro lado, indicam que os proprietários anteriores do imóvel sequer eram conhecidos na região, visto que nenhuma delas soube informar de quem o bem foi adquirido.

9. Os demais requisitos, por sua vez, estão demonstrados pela matrícula do imóvel e pelo memorial descritivo, que comprovam que o lote tem área total de 240 m²; pelas certidões que evidenciam a inexistência de outras ações de usucapião ou de ações possessórias movidas por ou contra os autores; e pela declaração dos autores de que não são proprietários de nenhum outro imóvel, documento não impugnado pelos réus.

10. Portanto, a sentença que declarou o domínio em favor dos autores deve ser mantida em todos os seus termos.

11. Apelação e remessa oficial não providas.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Turma, por unanimidade, conheceu e negou provimento à remessa oficial e ao recurso de apelação. Deixou de aplicar o art. 85, § 11, do CPC, uma vez que a sentença foi proferida sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.