APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0007294-24.2007.4.03.6181
RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
APELADO: WILSON ROBERTO ROSILHO, JOSE DAGOBERTO RIBEIRO ARANHA, LUIZ AUGUSTO DO VALLE DE LIMA, JOSE EDNO COSTA, MARCIO CONSTANTINI MIRANDA, ROMILDA OLIVEIRA GRINBERG, ANDRE SALGUEIRO DE MORAES, HAMILTON SANTO ANASTACIO
Advogados do(a) APELADO: ALEXANDRE LUIZ AMORIM FALASCHI - DF33253, CARLOS ALBERTO PIRES MENDES - SP146315-A, MARCO ANTONIO SOBRAL STEIN - SP153552-A
Advogados do(a) APELADO: ANTONIO CELSO GALDINO FRAGA - SP131677-A, JOAO MARCOS VILELA LEITE - SP374125-A
Advogado do(a) APELADO: ROBERTO JOSE MINERVINO - SP34086
Advogado do(a) APELADO: EDUARDO CINTRA MATTAR - SP141723
Advogado do(a) APELADO: PEDRO LUIZ CUNHA ALVES DE OLIVEIRA - SP82769-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0007294-24.2007.4.03.6181 RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP APELADO: WILSON ROBERTO ROSILHO, JOSE DAGOBERTO RIBEIRO ARANHA, LUIZ AUGUSTO DO VALLE DE LIMA, JOSE EDNO COSTA, MARCIO CONSTANTINI MIRANDA, ROMILDA OLIVEIRA GRINBERG, ANDRE SALGUEIRO DE MORAES, HAMILTON SANTO ANASTACIO Advogados do(a) APELADO: ANTONIO CELSO GALDINO FRAGA - SP131677-A, JOAO MARCOS VILELA LEITE - SP374125-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de apelação interposta pelo Ministério Público Federal (MPF) em face da sentença proferida pela 10ª Vara Federal Criminal de São Paulo (SP) que julgou improcedente a denúncia para: i) declarar extinta a punibilidade de todos os acusados quanto ao crime tipificado no art. 288 do Código Penal, em razão da ocorrência da prescrição da pretensão punitiva; ii) absolver LUIZ AUGUSTO DO VALLE DE LIMA da imputação de prática dos crimes previstos no art. 171, § 3º, do Código Penal; no art. 1°, V e VII, c.c § 1°, I e II, e art. 2°, I, da Lei n° 9.613/98 (na redação anterior à Lei n° 12.683/2012), em concurso material (CP, art. 69), com fundamento no art. 386, II, do Código de Processo Penal; iii) absolver WILSON ROBERTO ROSILIO, JOSÉ DAGOBERTO RIBEIRO ARANHA, ROMILDA DE OLIVEIRA GRIMBERG, JOSÉ EDNO COSTA, ANDRÉ SALGUEIRO DE MORAES, HAMILTON SANTOS ANASTÁCIO e MÁRCIO CONSTANTINI MIRANDA da imputação de prática dos crimes tipificados no art. 1°, V e VII, c.c § 1°, I e II, e art. 2°, I, da Lei n° 9.613/98 (na redação anterior à Lei n° 12.683/2012), em concurso material (CP, art. 69), com fundamento no art. 386, II, do Código de Processo Penal. A denúncia (ID 251649740, pp. 65/103), recebida em 06.11.2007 (idem, pp. 105/107), narra o seguinte (grifos no original): I - Histórico das investigações A presente investigação foi iniciada pelo Núcleo de Análise da Delegacia de Repressão a Crimes Fazendários da Superintendência da Policia Federal no Rio Grande do Sul, que no ano de 2005, investigou a ocorrência dos delitos de contrabando/descaminho de cigarros e a comercialização e distribuição irregular de insumos e de cigarros produzidos em território nacional no âmbito da denominada Operação Bola de Fogo (autos de PCD n° 2006.71.00.020596/RS). No final do ano de 2005, iniciou-se investigação sob os irmãos WILSON e VVILLIAN ROSILIO e o indivíduo LUIZ AUGUSTO DO VALLE DE LIMA, proprietários de fato da fábrica de cigarros FENTON IND. COM. DE CIGARROS IMP. EXP. LTDA. (CNPJ 02.421.127/0001-00), que possui um histórico de ilicitudes (falsificação de selos de IPI, contrabando de mercadorias, crimes contra a ordem tributária), adiante descritas. A investigação revelou que o investigado WILLIAN ROSILIO, apesar de omisso em suas declarações de renda desde o ano calendário de 2001 (cf. Relatório SRF/COPEI/ESPEI, à fl. 52 dos autos de interceptação telefônica) possui um vasto patrimônio adquirido com o proveito dos crimes perpetrados enquanto administrador da FENTON, apesar de nunca ter sido réu ou investigado em quaisquer dos seus feitos criminais, justamente, por ocultar a sua disposição e propriedade através de testas-de-ferro ou "laranjas". Tal patrimônio é composto por imóveis e automóveis de luxo e todos os bens estão registrados em nome de terceiros, indicando a prática do crime de lavagem de dinheiro. LUIZ AUGUSTO era um dos articuladores da lavagem desses ativos, e para tanto utilizava a sua empresa regularmente constituída, a PIONEIRA' ('Ver fachada da empresa à O. 335 dos autos n°2007.61.81.002869-0 que, só no ano de 2006, movimentou R$1981.223,39). Desta forma, passou-se a investigar as atividades de WILLIAN e LUIZ AUGUSTO, que além da administração de parte da produção da fábrica FENTON estavam investindo os lucros obtidos ilicitamente com o negócio na montagem da distribuidora de cigarros das fábricas SUDAMAX, ITABA e FENTON, denominada HUSS WILLIANS, com sede em Barueri, Alphaville, e filiais em Jandira, Caxias do Sul/RS, Juiz de Fora/MG, Recife/PE, Pinhais/PR, Itajai/SC, Belém/PA e Porto Velho/RO e numa nova fábrica de cigarros, denominada FIRST INDÚSTRIA E COMÉRCIO IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO, CNPJ 07.363.96510001-98, com sede em São João de Meriti/RJ. WILLIAN e LUIZ AUGUSTO foram os verdadeiros administradores da FENTON, no período de 2001 a 2006, encobrindo-se nas pessoas de seus sócios, a tia de WILLIAN, ROMILDA OLIVEIRA GRINBERG', e Isaac Lemos da Fonseca', até o início do ano de 2006. Ao saírem da FENTON, WILLIAN e LUIZ AUGUSTO, em meados de maio de 2006, intensificaram as atividades da nova empresa, a HUSS WILLIANS. A HUSS WILIANS é uma empresa de fachada, inicialmente constituída em nome de Nei Pinto de Moraes e ANDRÉ SALGUEIRO DE MORAES (em 24/11/2005). Após a morte de Nei, ingressou na sociedade JOSE EDNO COSTA, uma espécie de gerente operacional de WILLIAN, que com ele trabalha desde a época da FENTON. Constituída em nome de laranjas, o denunciado ANDRÉ SALGUEIRO DE MORAES e Nei Pinto de Moraes, seu pai, já falecido, a HUSS WILLIANS serviu para instrumentalizar a lavagem dos ativos obtidos com as atividades da FENTON. Todavia, além da FENTON, também durante a investigação descobriu-se que WILLIAN tinha ingerência sob a empresa distribuidora de cigarros ARAFÉRTIL COM. DISTR. DE CIGARROS, CNPJ 88.274.824/0001-09, empresa que distribuía os cigarros FENTON no Rio Grande do Sul (diálogos no rodapé), e que está registrada em nome do denunciado CARLOS ALBERTO FIEVGELEWSKI. II— Dos registros criminais, antecedentes à lavagem de dinheiro Foram levantadas as seguintes investigações/ações penais onde são apurados delitos em tese praticados pelos administradores da FENTON e da ARAFÉRTIL, indicativos do envolvimento de WILLIAN, WILSON, LUIZ AUGUSTO, ROMILDA, e CARLOS, no contrabando e falsificação de selos de IPI: No Apenso 07 (com oito volumes), consta cópia do IPL 325/2005, que corre na 2 VFC de São João do Meriti/RJ, em face da fábrica FENTON — por falsificação de selos de IPI a partir de busca e apreensão autorizada pelo Juizo da 6VFC de São Paulo, nos autos n°2001.61.81.006272-5, instaurado contra o "Lobão". No Apenso 08, consta cópia do IPL n° 168/2003 (2003.51. 0004857-1) que corre na DPF de Nova Iguaçu e na 4° VF de São João de Meriti/RJ. Segundo aqueles autos, em duas oportunidades, dois caminhões da FENTON foram abordados contendo cigarros destinados à exportação, conquanto acobertados com notas fiscais internas. Em 09 de maio de 2003, o caminhão Mercedes Benz, de placa A1Y3097, foi abordado na Rodovia Presidente Dutra, enquanto trafegava sentido Rio-São Paulo. Da carga e do veiculo foi decretado o perdimento. Os cigarros (150.000 maços - trezentas caixas contendo cada uma 50 pacotes de 10 maços de cigarros com as inscrições COLT AZUL e 777 blue), que apresentavam etiquetas de fechamento, com indicação de produto para exportação e de venda proibida no Brasil, se encontravam em desacordo com as determinações da SRF (In SRF 95/2001 e 162/2002), constando como produzidos pela FENTON IND E COM DE CIGARROS IMP E EXP LTDA, acompanhados da nota fiscal de saída — n° 057, de 09/05/2003, no valor de R$ 146.608,00 de empresa que se constatou inexistente, de nome DRAKAR DE CORDOVIL Comércio Distribuição e Representação Ltda. constando como estabelecida na Avenida Antônio Ferraz, 26, Cordovil Rio de Janeiro), os quais, também, não continham os selos de controle de IPI. Um mês antes (fl. 24 do apenso 08) o caminhão baú Mercedez Bens, placas CGS 9340, realizando o mesmo trajeto, também foi abordado transportando 400 caixas de maços de cigarros tipo exportação (300 da marca Azul Colt e 100 com a inscrição 777 blue), fabricados pela FENTON. Os maços, da mesma forma, estavam acobertados por notas fiscais internas, que não tinham destino a exportação. Apresentavam, contudo, etiquetas de fechamento, com indicação de produto para exportação e de venda proibida no Brasil e se encontravam em desacordo com as determinações da S.R.F, pois não continham os respectivos selos de controle (IN SRF 95/2001 e 162/2002). Por esses fatos, foram denunciados, em julho de 2006, ISAC LEMOS DA FONSECA e ROMILDA DE OLIVEIRA GRINBERG como incursos no artigo 1° , inciso V da Lei n° 8137/90 e art. 334, §1° do Código penal (IPL n° 143/2003 e ação penal n° 2003.5101490062-1, que tramita na r Vara Federal de São João de Meriti/RJ (apenso 11). Segundo consta dessa denúncia, o valor do IPI, à época do fato era de R$ 77.000,00. No Apenso 09, consta, por sua vez, cópia do IPL 382/2006, que corre na DPF de Niterói/RJ e na 1a VF de Macaé sob o n° 20045116000946-0. Conforme a documentação que se fez juntar aos autos, no dia 19 de maio de 2004, na BR 101, altura do KM 203, no Município de Casimiro de Abreu/RJ, policiais do DPF de Niterói promoveram a apreensão de 298 caixas, com 50 pacotes de cigarros de marca COLT BLUE e COLT RED com selos falsos de IPI e fabricados pela FENTON. A carga estava no caminhão Mercedez Bens, placa BYA 3780, ano 1993, acompanhada de duas notas fiscais da empresa DRAKAR DE CORDOVIL COMÉRCIO E DISTRIBUIÇÃO E REPRESENTAÇÃO LTDA, nos valores de R$ 19.375,00 e 116.564,00. No Apenso 12, consta cópia da ação penal nº 20017106001259-3, que tramita em Santana do Livramento contra CARLOS ALBERTO FIEVGELEWSKI sócio formal da ARAFÉRTIL Indústria, Comércio e Representações Ltda., o qual teria omitido, em 19/07/2001, nota fiscal para acobertar carga de cigarros destinados à exportação, no valor global de R$ 243.900,00. (art. 334 e artigo 304, do Código Penal). Afora esses registros, as investigações apontam que a União Federal (a Fazenda Nacional), entre os anos de 2005 a 2007, sofreu um prejuízo em seu patrimônio de R$ 70 milhões de reais. Além de servir de instrumento para a lavagem de ativos provenientes das atividades ilícitas da FENTON, a HUSS WILLIANS, sob o comando de WILLIAN e LUIS AUGUSTO e com a ajuda dos demais, foi constituída, também, com o propósito de induzir a erro a Fazenda Nacional e, com isso, obter a vantagem econômico-financeira de afastar a exigibilidade do IPI incidente sobre a saída de cigarros do estabelecimento industrial. (1) O erro foi provocado em decorrência da demanda n° 2005.61000046199/SP e do pedido deferido, em caráter liminar, nos autos do AI n° 2003.03.00.069373-6, ao se fazer crer, dolosamente, que se tratava de uma empresa operante (não se tratando, exatamente, de uma empresa inexistente, mas que por diversas ocasiões apenas serviu para espelhar as notas das fábricas ITABA e SUDAMAX, que não possuía o número de empregados que disse ter, e, tampouco, trabalhava no ramo de importações e exportações, conforme faz prova o Relatório da Receita Federal às fls. 319/333, dos autos n°2007.61.002869-0). Portanto, além dos indícios de envolvimento dos denunciados WILLIAN, WILSON, LUIZ AUGUSTO, ROMILDA e CARLOS nos registros criminais espalhados por outros Estados brasileiros, contra WILLIAN e LUIZ AUGUSTO, ainda pesa a presente acusação de estelionato contra a Fazenda Nacional, ocorrido entre os anos de 2005 a maio de 2007, pelo menos. III- Da participação de cada qual na "lavagem" de ativos de VVILLIAN ROSILIO e na formação da quadrilha com este propósito Todos os denunciados sabiam que WILLIAN e LUIZ AUGUSTO dedicavam-se ao setor fumageiro, e, além de eximirem-se do pagamento de IPI, na forma anteriormente descrita, dedicavam-se, também, à comercialização interna de cigarros destinados à exportação e falsificação de selos. Assim, associaram-se os acusados para ocultar e dissimular a utilização dos bens e valores provenientes destes crimes, ora emprestando seus nomes a WILLIAN e LUIZ AUGUSTO (como ROMILDA e ANDRÉ SALGUEIRO, com a fábrica FENTON e a distribuidora HUSS WILLIANS, CARLOS, com a ARAFÉRTIL, e HAMILTON, com suas contas bancárias), ora gerindo os negócios de WILLIAN e LUIZ AUGUSTO, para que estes, o máximo possível, distanciassem-se, formalmente (e assim das autoridades de persecução e fiscalização), das atividades da FENTON, ARAFÉRTIL e HUSS WILLIANS (como WILSON, JOSÉ EDNO, DAGOBERTO e MÁRCIO CONSTANTINI), convertendo ativos ilícitos em lícitos, movimentando, recebendo e transferindo e ainda utilizando, na atividade econômica - com a constituição e funcionamento, em vários Estados brasileiros, da HUSS VVILIANS -, bens e valores que sabia serem provenientes da prática de crimes contra a Administração Pública. WILSON ROBERTO ROSILHO, irmão de WILLIAN e seu braço direito, sempre esteve ao lado de WILLIAN em suas atividades ilícitas. Possuía procuração da FENTON e da HUSS, apreendidas nas buscas realizadas no dia 22 de junho, e sua atividade era, sobretudo, a operacionalização dos negócios (fl. 46 do anexo 11). Foi responsável pela constituição de algumas filiais da HUSS e até a deflagração da operação se envolvia com questões residuais da administração da FENTON, como as intimações de ROMILDA e pagamentos de dívidas com o fornecedor de fumo Nei Luchese (investigado na Operação Bola de Fogo). No flat de WILLIAN (anexo 21), local que atualmente é a residência de WILSON, foram apreendidos documentos da FENTON, da HUSS WILLIANS, contratos entre ROMILDA e a PIONEIRA, nota fiscal e documento da moto Honda XR 250, placas DJK 5760, registrada em nome de João Vitor, filho de ZECA, recibos de depósitos bancários efetuados pela ARAFÉRTIL, notas promissórias relativas à aquisição de uma casa, em Joá, no Rio de Janeiro, registrada por WILLIAN no nome de sua mãe, que já lhe teria custado aproximadamente R$3.000.000,00. ROMILDA OLIVEIRA GRINBERG, ou MÍRIAM, como também é chamada, é tia de WILLIAN e serve como testa-de-ferro do sobrinho na fábrica FENTON. Como ela mesma declara em diálogos interceptados, jamais entrou na fábrica. Atualmente registra em seu nome um automóvel de WILLIAN e também empresta seu nome para as despesas do sobrinho no cartão de crédito. CARLOS ALBERTO FIEVGELEWSKI, indivíduo que atua no ramo da distribuição de cigarros no Rio Grande do Sul — em Caixas do Sul a filial da HW é gerenciada por CARLOS, sob as orientações diretas de WILSON ROSILIO (cf. monitoramento telefônico de junho de 2006 — fls. 12135, dos autos de PCD n° 2007.61.81.001582-8, v.g., os diálogos entre WILSON e WILLIAN de 07/06/2006, às 18:09:27 e entre WILLIAN e LUIZ AUGUSTO, em 29/05/2006, às 14:35:28), foi testa-de-ferro de WILLIAN na distribuidora ARAFÉRTIL e atualmente responde a ação penal em tramitação na Vara Federal de Santana do Livramento/RS, já citada. JOSE EDNO DA COSTA, pessoa de confiança de WILLIAM, tendo sido aprendidos documentos que dão conta da sua atuação no grupo pelo menos desde o ano de 2000 (Contrato de Mutuo apreendido da residência de ROMILDA (Anexo 22, fl. 27). Em sua residência também foram aprendidas notas fiscais da FENTON do ano de 2005 (fls. 95/103 do anexo 11), comprovantes de aquisição de selos de IPI, também do ano de 2005 (fl. 114) e notas fiscais de abril de 2006, referentes à devolução de mercadorias para a FENTON (fls. 135). Migrou para a empresa HUSS WILLIANS acompanhando seu chefe, sendo seu testa-de-ferro. JOSÉ EDNO possui procuração da HUSS, outorgada por ANDRÉ SALGUEIRO DE MORAES e Ney Pinto de Moraes (fl. 43 do anexo 11). JOSÉ EDNO utilizava-se de seus filhos, Juliana e João Vítor, para servir aos propósitos da quadrilha de ocultar a movimentação de dinheiro da HUSS. Em sua residência (anexo 11) foram encontrados comprovantes de depósitos da HUSS para JULIANA RAMOS COSTA. Em nome de JOÃO VITOR foram registrados um Audi R56, uma motocicleta TIGER, uma motocicleta HONDA (documento que foi encontrado no flat de WILLIAN, atual residência de WILSON — anexo 21), um Chrysler Caravan, uma Saveiro placas A0Q3003, todos a pedido de JOSÉ EDNO (segundo declarações de JOÃO VITOR, fls. 174/176). A Saveiro foi adquirida por WILLIAN e apreendida com DAGOBERTO, a quem foi disponibilizada para serviços da HUSS (anexo 12). Na casa de JOSÉ EDNO (anexo 11 item 10) foi encontrada uma procuração lavrada em abril de 2000, com outorga de poderes da FENTON para WILSON ROSILIO. Comprovantes de depósitos bancários da HUSS WILLIANS para Maria Cristina S. De Moraes, mãe de ANDRÉ SALGUEIRO DE MORAES (dois comprovantes, de julho de 2006, no valor de R$10.000,00 cada e um de setembro, no valor de R$3.000,00) e para Sérgio B. Fiergelewski, no 41 valor de R$5.000,00 (CPF 930.265.600-49). Vários comprovantes de depósitos da HUSS WILLIANS para LUIZ AUGUSTO DO VALLE DE LIMA e para a PIONEIRA, que chegam a ordem de R$1.000.000,00 (hum milhão de reais). No demonstrativo contábil da HUSS WILLIANS (Jandira/SP — anexo 24) consta transferência eletrônica para a conta de LUIZ AUGUSTO no valor de R$110.000,00, realizada em 26/10/2006. JOSE DAGOBERTO RIBEIRO ARANHA, vulgo DAGO, ingressou na quadrilha através de JOSE EDNO, com quem tem relação de consangüinidade. É o encarregado do serviço de rua, como a coleta do dinheiro nas fábricas, operações de câmbio e depósitos bancários, inclusive, nas contas de LUIZ e WILLIAN. O telefone de sua residência (n° 30831852) está registrado em nome de ROMILDA OLIVEIRA (fl. 6 do anexo 12). Por ter auxiliado nas investigações com suas declarações, merece os benefícios legais, proporcionalmente e oportunamente, por sua admissão e delação (fls. 69/71). MARCIO CONSTANTIN MIRANDA, foi funcionário da ITABA e quando da montagem da HW foi estrategicamente contratado para gerenciar o sistema operacional de emissão das notas fiscais. Ele, além de emitir as notas no Estado de São Paulo, centralizava o recebimento de todas as notas emitidas pelas demais filiais da HUSS e era quem acompanhava o espelhamento das notas das fábricas pela HUSS WILLIANS. Em sua residência foram encontrados diversos recibos e documentos da HUSS WILLIANS (anexo 13). HAMILTON SANTO ANASTÁCIO, empregado de VVILLIAN, atuava como um secretário. Emprestava conta corrente de sua titularidade para que WILLIAN movimentasse o dinheiro obtido na fábrica. Apesar de declarar baixos rendimentos de aposentadoria e outros, no valor de R$25.000,00, as contas de HAMILTON registraram, nos anos de 2004 e 2005, uma movimentação de R$3.300.000,00. No início do ano eles tiveram alguns desentendimentos e HAMILTON, aparentemente, se afastou do grupo. No início do ano de 2006, HAMILTON também coordenou a construção e reformas do imóvel de luxo situado no JOÁ, no Rio de Janeiro. Atualmente ele ainda registra um automóvel em seu nome (cf. Relatório SRF/COPEWESPEI, à fl. 61 do PCD n°2007.61.81.001582-8). ANDRÉ SALGUEIRO DE MORAES, sócio-laranja na HW, era remunerado para emprestar seu nome a WILLIAN e LUIZ, verdadeiros donos da distribuidora. Ele e seu pai, NEY PINTO DE MORAES, já falecido, receberam R$7.000,00 só para a constituição da empresa. ANDRÉ outorgou procuração a ZECA (José Edno Costa), braço-direito de WILLIAN, conforme faz prova a procuração AD NEGOTIA e com cláusula ad judicia, lavrada em Ourinhos, em 8/06/2006, e encontrada na residência de WILLIAN (anexo 20, volume II). Na residência de ANDRÉ (anexo 10) encontrou-se um manuscrito com telefones de WILLIAN ROSILIO, DAGOBERTO (com a inscrição ao lado de "faz tudo", JOSÉ EDNO, LINCON (motorista de WILLIAN), e José Henrique Rosilio (primo). ANDRÉ sabia das atividades ilícitas, apesar de seu grau de colaboração à quadrilha ser menor que o de ZECA, tendo, inclusive, auxiliado nas investigações com suas declarações (fls. 8/16), merecendo, pois, os benefícios legais, proporcionalmente, • por sua admissão e delação. Com ANDRÉ foi encontrada substância entorpecente • (maconha) a tudo lavrando-se auto próprio (fl. 188 do IPL). WILLIAN, aparentemente, provia toda sua família e funcionários com os ganhos obtidos de forma ilícita, assim mantendo sua ascendência sobre eles. Como prova de seu envolvimento na administração da FENTON, da HW e da ARAFÉRTIL, podem ainda ser citados os seguintes documentos encontrados em sua residência: (...) Com LUIZ AUGUSTO foram apreendidos faxes de faturamento da HUSS, que semanalmente WILLIAN lhe passava, além de comprovantes de depósitos para sua conta pessoal e da PIONEIRA (anexo 18). Consta dos autos que, para integralizar o dinheiro em seu patrimônio, LUIZ AUGUSTO se valia de contratos falsos de compra e venda de títulos ao portador celebrados entre a HUSS e a PIONEIRA. Todavia, além da utilização — com a ajuda dos demais, na atividade econômica, através da HUSS WILLIANS, de bens e valores provenientes de crimes contra a Administração Pública — da FENTON, ARAFÉRTIL e da própria HUSS WILLIANS, os denunciados WILLIAN e LUIZ AUGUSTO ainda ajudaram-se mutuamente na "lavagem" de ativos adquirindo, movimentando e transferindo os seguintes bens: (...) IV — Da Lavagem dos Ativos mediante a conversão em bens, aquisição, transferência e movimentação para ocultar e dissimular a sua utilização No final de 2005, quando as investigações da denominada Operação Bola de Fogo recaíram sobre os irmãos WILLIAN e WILSON ROSILIO e LUIZ AUGUSTO DO VALLE DE LIMA, que na época estavam em litígio com o outro sócio na fábrica de cigarros FENTON, surgiram os primeiros indícios de que os investigados lavavam os ativos provenientes dos crimes na compra de bens imóveis e automóveis de luxo. WILLIAN possuía na época uma Ferrari 575 MARANELO FI, preta, placa ERF 000615, uma Ferrari 360 SPIDER FI , cor vermelha, placa DPA 0006, ambas registrada em nome da revenda de automóveis de luxo, VIA EUROPA COMERCIO E IMPORTACAO DE VEICULOS LTDA (cf. Relatório SRF/COPEI/ESPEI de fl. 64 dos autos n° 2007.61.81.001582-8) e uma Mercedes Benz, SL 55 AMG, placa FQN 0006, preta, que esteve em nome de sua mãe ADAIR OLIVEIRA ROSILIO (cf. Relatório SRF/COPEI/ESPEI, de fl. 65 4111 dos autos de PCD n°2007.61.81.001582-8). WILLIAN adquiriu em setembro de 2006 o veículo AUDI RS6 4.2, ano 2004, cor preta, placas BGX 0006, registrando-o em nome da PIONEIRA CONSULTORIA FINANCEIRA LIMITADA, empresa de LUIZ AUGUSTO DO VALLE DE LIMA16. Idêntico caminho se pode constatar quanto ao automóvel MERCEDES BENZ SLR MCLAREN, ano 2006, cor prata, placas DYE 0006, que foi cadastrado na data de 08/03/2007 também em nome da PIONEIRA (anexo 20, fls. 387/388). A aquisição deste veículo se deu por R$ 2.600.000,00 (dois milhões e seiscentos mil reais). No negócio WILLIAN incluiu a troca de veículos. Nos últimos meses de interceptação era intenção do investigado trocar a Mercedes e uma casa no Rio de Janeiro por outro imóvel de luxo, no valor de 7 milhões. No inicio de 2007 WILLIAN adquiriu o automóvel AUDI Q7 4.2 FSI, ano 2006/2007, cor prata, placas DYB 0006, que em 08/02/2007 foi incorporado em nome de LUIZ AUGUSTO (Apenso 3, fl. 153). O Audi 07 foi apreendido no Rio de Janeiro. O veículo foi adquirido por WILLIAN, mas está em nome de LUIZ AUGUSTO, Mais uma vez sendo utilizada a "parceria" existente entre os sócios para a integralização do bem ao patrimônio. A apreensão da nota fiscal fatura na residência de WILLIAN (nota fiscal de compra do bem no valor de R$ 345.000,00 em nome de ADAIR DE OLIVEIRA ROSILIO, com endereço na Alameda Rio Claro - Anexo 20, item 02, fl. 44), comprova que o veículo é de fato de WILLIAN, adquirido em 01/11/2006. Em data de 29/01/2007 o veículo foi faturado para LUIZ AUGUSTO (fis. 349 do anexo 20). Desta feita, observa-se que o curso de alguns veículos de WILLIAN tomam o rumo da 'PIONEIRA", de LUIZ AUGUSTO. É tamanho o grau de confiabilidade entre ambos que os veículos de maior valor pertencentes a WILLIAN foram incorporados de forma legal ao patrimônio de seu parceiro. De outra forma, também é fácil de concluir que esses bens não chamariam a atenção se pertencessem a uma empresa de caráter inexpressivo baseada em Juiz de Fora/MG. WILLIAN utilizou João Vitor Ramos Costa, filho de JOSÉ EDNO COSTA (ZECA), braço direito de WILLIAN e LUIZ AUGUSTO o qual atua como testa-de-ferro para os negócios da HUSS WILLIANS, canalizando o registro dos seguintes veículos: AUDI RS6 4.2, cor prata, ano 2003/2004 placa DJT-0008-SP, incorporado em 01/03/2007 - oriundo da Audi Brasil Distribuidora de Veículos Ltda, CNPJ 03.472.246/0001-54' 8; as motocicletas importadas TRIUMPH SPRINT ST 1050, ano 2005, cor azul, placas D01-7155-São Paulo/SP; e TRIUMPH TIGER, ano 2003, cor preta, placas DJK-5055-São Paulo/SP, em 15/02/2006; a motocicleta nacional HONDA XR 250 TORNADO (v. Relatório SER/COPEI/ESPEI, à fl. 60 dos autos de interceptação telefônica. Segundo as declarações de João Vitor, os registros foram efetuados a pedido de seu pai. Em multa apreendida na casa de ZECA (fl. 68 do anexo 11) vê-se que o veículo em 09 de janeiro de 2007 ainda estava com WILLIAN, que figurava como condutor do automóvel. Nesse processo de conversão de ativos ilícitos em lícitos, WILLIAN ainda adquiriu os seguintes veículos: (...) LUIZ AUGUSTO, por sua vez, entre outros veículos, possuía uma Lamborghini Gallardo, ano 2006, branca, placas DUJ 0222, que estava em nome da empresa SO BLINDADOS VEÍCULOS. LUIZ AUGUSTO utilizou seu pai Enock Aloysio Muni de Lima para ocultação de seu patrimônio. Em 16/0112007 LUIZ registrou em nome dele o veículo importado MASERATI QUATTROPORTE, ano 2006, cor preta, placas HEB-4624/MG. Decorridos um pouco mais de noventa dias o automóvel já foi repassado, sendo transferido em março de 2007. Em 02 de abril de 2007 registrou em nome de seu pai a MERCEDES BENZ S 500, placas BYI 0001-SP, ano 2005/2006. Em nome da empresa de seu pai, a MERIDIONAL INCORPORADORA E CONSTRUTORA LTDA, CNPJ 19.003.359/0001-40, estão sob guarida as motocicletas DUCATI 998, ano 2002, cor vermelha, placa HAZ6006-Juiz de Fora/MG, cadastrada em 23112/2004 e a HONDA CBR 1000 RR, ano 2005, cor laranja, placa HCX-5176-Juiz de Fora/MG cadastrada em 08/08/2005. Esta última motocicleta pertence de fato a WILLIAN, tendo sido apreendida em sua residência. A análise da estratégia utilizada pelos investigados quanto à circulação vertiginosa dos veículos adquiridos fica demonstrada quando uma simples consulta em bancos de dados oficiais indica ainda que em janeiro último LUIZ AUGUSTO detinha cadastrado em seu nome o veículo MERCEDES BENZ R 500, ano 2006, cor prata, placas HEB-2510-MG, o qual em 05/04/2007 foi transferido à VIA ITÁLIA COMÉRCIO E IMPORTAÇÃO DE VEÍCULOS LTDA, CNPJ 07.638.845/0001-56. A rapidez da troca de veículos captada na interceptação telefônica fica evidente na documentação apreendida com LUIZ AUGUSTO (fls. 176/181 do Anexo 18, volume II). Ali vê-se que, em setembro de 2006, LUIZ trocou a Maserati (no valor de R$ 500.000,00) pela LAMBORGUINI 21 . No negócio, ele ainda se obrigou a pagar R$ 480.000,00, o que foi feito através dos cheques de n° 161 a 165 (cujos canhotos com a correspondente anotação se encontram à fl. 301 do anexo 18). Também trocou em agosto de 2006 a PORCHE CARRERA pela PORCHE TURBO (apreendida no Rio de Janeiro) — (Anexo 18 fl. 179). À fl. 181 do Anexo 18 vemos quando a LAMBORGHINI entra no negócio pela Mercedes S 500 (cujo valor apontado è de R$ 650.000). Os depoimentos de RICARDO BRIZ CASADO e FORTUNATO MAURO TEDESCHI confirmam a constante troca dos veículos por parte dos investigados. (fls. 486/487 e 482/483). Nesse processo de conversão de ativos ilícitos (da FENTON e da HW — utilizada como instrumento de lavagem de produtos de crimes em que a FENTON esteve envolvida e do próprio estelionato) em lícitos, LUIZ ainda adquiriu os seguintes veículos e imóveis: (...) Desta feita, acompanhou-se durante a investigação as transações de bens móveis e imóveis efetuadas por WILLIAN e LUIZ AUGUSTO onde o lucro auferido com as ilicitudes cometidas na gestão da fábrica de cigarros FENTON e na distribuidora HUSS WILLIANS foi paulatinamente integralizado ao patrimônio dos investigados, mediante o registro em nomes de parentes, de elementos de confiança "laranjas" e de empresas legalmente estruturadas para atingir tal fim, como no caso a PIONEIRA. Ao longo da instrução, o juízo a quo proferiu sentenças de extinção da punibilidade de CARLOS ALBERTO FIEVGELEWISKI e WILLIAN ROBERTO ROSILIO, com fundamento no art. 107, I, do Código Penal (ID 251649682, pp. 103/104), e de ADAIR DE OLIVEIRA ROSILIO, com fundamento no art. 107, IV, 109, II e IV, e 115 do Código Penal (ID 251649478, pp. 35/38). A sentença (ID 251649377, pp. 223/259) foi publicada em 25.4.2017 (idem, p. 260). A defesa de WILSON ROBERTO ROSILIO opôs embargos de declaração (ID 251649376, pp. 3/6), os quais foram rejeitados pelo juízo de origem (idem, pp. 14/16). Em suas razões de apelação (ID 251649376, pp. 67/98), o MPF alega, em síntese, que estão comprovadas a materialidade, a autoria e o dolo dos acusados e, por isso, pede a reforma da sentença para que LUIZ AUGUSTO DO VALLE DE LIMA, WILSON ROBERTO ROSILLO, JOSÉ DAGOBERTO RIBEIRO ARANHA, ROMILDA DE OLIVEIRA GRIMBERG, JOSÉ EDNO COSTA, ANDRÉ SALGUEIRO DE MORAES, HAMILTON SANTOS ANASTÁCIO e MÁRCIO CONSTANTINI MIRANDA sejam condenados pela prática dos crimes a eles imputados, nos termos da denúncia. Foram apresentadas contrarrazões (ID 251649376, pp. 112/125, 126/138, 139/147, 154/161, 170/208, 209/246 e 247/270, e ID 251649525, pp. 1/11). A Procuradoria Regional da República opinou pelo provimento da apelação (ID 251649375, pp. 69/102). É o relatório. À revisão.
Advogado do(a) APELADO: ROBERTO JOSE MINERVINO - SP34086
Advogados do(a) APELADO: ALEXANDRE LUIZ AMORIM FALASCHI - DF33253, CARLOS ALBERTO PIRES MENDES - SP146315-A
Advogado do(a) APELADO: EDUARDO CINTRA MATTAR - SP141723
Advogado do(a) APELADO: PEDRO LUIZ CUNHA ALVES DE OLIVEIRA - SP82769-A
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0007294-24.2007.4.03.6181 RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP APELADO: WILSON ROBERTO ROSILHO, JOSE DAGOBERTO RIBEIRO ARANHA, LUIZ AUGUSTO DO VALLE DE LIMA, JOSE EDNO COSTA, MARCIO CONSTANTINI MIRANDA, ROMILDA OLIVEIRA GRINBERG, ANDRE SALGUEIRO DE MORAES, HAMILTON SANTO ANASTACIO Advogados do(a) APELADO: ANTONIO CELSO GALDINO FRAGA - SP131677-A, JOAO MARCOS VILELA LEITE - SP374125-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de apelação interposta pelo Ministério Público Federal (MPF) em face da sentença (ID 251649377, pp. 223/259) proferida pela 10ª Vara Federal Criminal de São Paulo (SP) que julgou improcedente a denúncia. Crime de estelionato Em suas razões (ID 251649376, pp. 67/98), o MPF alega que a pessoa jurídica "HUSS WILLIANS" foi constituída com o único objetivo de funcionar como empresa de "fachada" para conseguir liminares no Judiciário e garantir a venda de cigarros sem o recolhimento do Imposto sobre Produto Industrializado (IPI). Afirma que a vantagem indevida obtida pelo esquema seria clara, pois a alíquota desse imposto é bastante onerosa para bebidas e cigarros. Nessa perspectiva, o artifício utilizado para perpetrar a fraude não consistiu exclusivamente no ajuizamento de ação judicial, uma vez que extrapolava o conteúdo do processo. Segundo alega, LUIZ AUGUSTO DO VALLE DE LIMA e WILLIAN ROBERTO ROSILIO teriam obtido, em detrimento da Fazenda Pública, vantagem indevida por meio da criação de empresa fictícia e do ajuizamento de ação judicial com fundamento em informações falsas em nome desta, tendo sido montado “sofisticado aparato para fraudar o recolhimento e se apropriar de tributos federais”. Em outras palavras, o ajuizamento da ação teria sido apenas a etapa final do mecanismo criminoso concebido pelos corréus, daí pedir a condenação de LUIZ AUGUSTO pela prática do crime previsto no art. 171, § 3º, do Código Penal. Ressalto que o juízo a quo, com fundamento no art. 107, I, do Código Penal, declarou extinta a punibilidade do corréu WILLIAN em razão do seu falecimento (ID 251649682, pp. 103/104). Com relação à imputação da prática do crime de estelionato (CP, art. 171, 3º) ao apelado LUIZ AUGUSTO, assim se manifestou o juízo a quo (ID 251649377, pp. 249/254; com destaques): As investigações tiveram origem em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, e configurariam uma derivação da Operação "Bola de Fogo" que investigava os crimes de contrabando e descaminho de cigarros, bem como a lavagem de dinheiro, ambos praticados por certos grupos empresariais localizados naquele Estado, em especial Nei Sotherio Luchese. A investigação derivada incidiu sobre grupo sediado na região Sudeste, representada pela empresa Fenton, localizada no Rio de Janeiro, de propriedade fática de William Rosílio e Luís Augusto, que se valia de interpostas pessoas, Romilda Oliveira Grinberg e Isac Lemos da Fonseca, cujas transações com a empresa de Nei Sotherio Luchese visavam ludibriar o Fisco Estadual com o provável subfaturamento do valor das notas fiscais do fumo que era remetido para a fábrica. De acordo com a investigação, a Fenton possuía um histórico de ilicitudes, entre elas, a falsificação de selos de IPI, contrabando de mercadorias e crimes contra a ordem tributária, mencionada no relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito da Pirataria. O Douto Juízo da 1ª Vara Criminal Federal em Porto Alegre, após previa oitiva do Ministério Público Federal (fls. 38-40) autorizou o início das interceptações telefônicas e telemáticas dos envolvidos (fis.70-73), que prosseguiu, mesmo com o declínio de competência do procedimento à Justiça Federal de São Paulo (fi.1402-1406), até a deflagração da operação, denominada Reluz, conforme decisão judicial de fl.3632. As diligências investigativas realizadas apontaram, também, para a Huss Wilians. Essa empresa fora constituída por Luiz Augusto do Valle de Lima e William Rosilio para a distribuição de cigarros e bebidas, sem o pagamento dos impostos federais devidos. Em função da ruptura na sociedade da Fenton os dois foram obrigados a se retirar da empresa e a intensificar as atividades na empresa Huss Willians, que teve a composição social alterada no ano de 2005 para o ingresso de Nei Pinto de Moraes e André Salgueiro de Moraes, considerados "testas de ferro" de William Rosilio e Luiz Augusto do Valle de Lima. Em síntese, a Huss Willians foi utilizada para viabilizar a sonegação fiscal de tributos praticada pelas fábricas de cigarro Itaba e Sudamax por mais de um ano com base numa medida liminar na ação ordinária 2005.61.00.004619-9/SP que determinava a suspensão da exigibilidade do IPI nos termos das pautas fiscais incidentes sobre as aquisições dos produtos comercializados junto às empresas fornecedoras, concedida no ano de 2005 e reconsiderada, sem nenhum fato novo arguido pelas partes, em 28.05.07, pouco tempo depois de deflagrada a Operação Têmis que, na época, apontava como possível intermediário da mercancia de decisões judiciais uma pessoa muito próxima da citada Desembargadora (fl.728 dos autos). Registro, nesse ponto, que os fatos, até então apurados, indicavam possível conexão com os fatos investigados na Operação Têmis e, como consequência, pela regra de atração a necessidade de remessa dos autos ao Superior Tribunal de Justiça para prosseguir na investigação e apresentação de eventual denúncia. Entretanto, optou o órgão de acusação pela tese da ocorrência de estelionato judicial perpetrado contra a Fazenda Pública porque a HUSS WILL1ANS, sob o comando de William e Luiz Augusto, com a ajuda dos demais, fora constituída com o fim de induzir a Fazenda Nacional em erro e, consequentemente, obter a vantagem econômico-financeira de afastar a exigibilidade do IPI incidente sobre a saída de cigarros do estabelecimento industrial. A empresa teria feito crer, dolosamente, que se tratava de uma empresa operante, mas que, apesar de não ser inexistente, em diversas ocasiões, apenas serviu para espelhar as notas das fábricas ITABA e SUDAMAX, que não possuía o número de empregados que alegava ter e, tampouco, trabalhava no ramo de importações e exportações, conforme consta no Relatório da Receita Federal às fls. 319/333 dos autos n° 2007.61.002869-0. De acordo com o citado relatório a inserção da Huss Willians como empresa distribuidora das fábricas Itaba e Sudamax para os antigos e habituais clientes destas teve como finalidade elidir o pagamento do Imposto sobre Produtos Industrializados — IPI com base na pauta fiscal a que estão sujeitos os cigarros. Cabe relembrar que o contribuinte do IPI para esses produtos seria o fabricante do produto e o fato gerador a saída do produto do estabelecimento industrial. No entanto, embora a empresa Huss Willians não fosse a contribuinte do imposto previsto em lei, ela obteve no TRF de São Paulo, conforme já mencionado, decisão de caráter liminar que a autorizava adquirir cigarros e bebidas dos fabricantes sem a incidência do imposto, de modo que as fábricas de cigarros Itaba e Sudamax passaram a deslocar grande parte de sua produção para ser comercializada pela distribuidora atacadista Hans Willians, com vistas a obter uma "economia tributária" próxima dos 50% (cinquenta por cento) do faturamento, o que explica, pela lucratividade, o fato de em menos de um ano de atuação a Huss Willians operar com a matriz e onze filiais espalhadas pelo País. A análise econômico fiscal da empresa Huss Willians pareceu comprovar a assertiva acima, pois a empresa passou de uma movimentação financeira quase nula para uma movimentação no ano de 2006 próxima aos 75 (setenta e cinco) milhões de reais, provenientes muito provavelmente do resultado da venda de cigarros e bebidas (ft 320). A opção pelo estelionato, certamente, foi feita com fundamento em autores que a defendem porque entendem que o tipo penal capitulado no artigo 171 do Código Penal não excluiria da incidência da norma as hipóteses em que a fraude é aplicada por meio de processo judicial. Assim, cometeria o crime à parte que com uma conduta fraudulenta ou enganosa, realizada com o fim lucrativo, induz ou mantém o juiz em erro e ele acaba por proferir uma decisão injusta que causa prejuízo patrimonial à parte contrária ou a terceiro (Luiz Regis Prado, Curso de Direito Penal Brasileiro, T edição, revista e ampliada, p.442-443). Nesse aspecto assiste razão a defesa quando se insurge contra a possibilidade de ocorrência de estelionato judicial, tipo não abrangido pela dicção do artigo 171 do Código Penal. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça nesse tópico é tranquila em inadmitir a figura do estelionato judicial, considerando, portanto, atípica a conduta daquele que ajuíza ação com vistas a ludibriar o Poder Judiciário e, com isso, obter decisão que causa prejuízo a terceiro e isso porque em decorrência do direito fundamental de acesso à justiça não se pode punir aquele que obtém a tutela judicial pleiteada, ainda que amparada em fundamentação descabida, em especial, não apenas pelo caráter dialético do processo, que possibilita o exercício do contraditório, mas, também, pelo fato de o magistrado decidir de acordo com o seu livre convencimento, de modo que ele não estaria vinculado aos argumentos apresentados pelas partes. De acordo com a lúcida lição de Heleno Fragoso é inconcebível o estelionato na afirmação mendaz feita ao julgador ou com prova falsa a ele apresentada por litigante improbo, pois compete ao juiz, na aplicação do direito, interpretar a lei, o contrato ou a sentença invocado pelo litigante em prol de sua causa, fixando-lhes o alcance e o significado, de modo que a questão, quando muito, deve ser resolvida pela caracterização da falsidade documental ou da fraude processual (Lições de Direito Penal, Parte Especial, 1P ed. rev. e atual. por Fernando Fragoso, Rio de Janeiro: Forense, 1995, p.276). Pois bem. A acusação imputa ao apelado LUIZ AUGUSTO a prática de estelionato judiciário, conduta em que o agente faz uso do processo judicial para auferir lucros ou vantagens indevidas, mediante fraude, ardil ou engodo, ludibriando o sistema de justiça, ciente da inidoneidade da demanda. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considera essa conduta, em regra, como atípica, excepcionando a situação em que não é possível ao magistrado, no curso do processo, ter acesso às informações que caracterizariam a fraude, como, por exemplo, no caso do uso de documento previamente falsificado, hipótese em que o ardil decorreria de circunstância distinta da mera atividade processual. Nesse sentido: PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. 1. IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DO RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. 2. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE EXCEPCIONALIDADE. 3. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. NÃO VERIFICAÇÃO. 4. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. CONDUTA TÍPICA. 711/STF. 5. ESTELIONATO. CURSO DE PSICANÁLISE. ENCERRAMENTO REPENTINO. VALORES NÃO DEVOLVIDOS AOS ALUNOS. TIPO PENAL DESCRITO. 6. ESTELIONATO JUDICIÁRIO. CONDUTA ATÍPICA, EM REGRA. INFORMAÇÕES FRAUDULENTAS. POSSIBILIDADE DE ACESSO AO MAGISTRADO. CONDUTA QUE PODE SE SUBSUMIR A OUTRO TIPO PENAL. 7. NUANCES DOS AUTOS. NECESSIDADE DE INSTRUÇÃO PROCESSUAL. TRANCAMENTO PREMATURO. 8. PRISÃO CAUTELAR. TEMA JÁ ANALISADO. RHC 87.092/RJ. 9. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. 1. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. (...) 5. A denúncia pelos crimes de estelionato, praticados contra os alunos do colégio CEUB (Centro de Ensino Unificado Batista), não se limita a afirmar que foi oferecido curso não autorizado, mas antes que foi oferecido curso que foi encerrado repentinamente sem o devido ressarcimento dos valores aos alunos, o que, por si, autoriza a manutenção da ação penal, porquanto efetivamente descritos os elementos do tipo penal do art. 171 do Código Penal. 6. O estelionato judiciário é considerado, em regra, como atípico. Nada obstante, a "Quinta Turma firmou o entendimento de que quando não é possível ao magistrado, durante o curso do processo, ter acesso às informações que caracterizam a fraude, é viável a configuração do crime de estelionato". (RHC 59.823/RJ, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 13/10/2015, DJe 21/10/2015). Ademais, não se pode descurar que a eventual não configuração do estelionato judiciário não impede a persecução penal para apurar o falso utilizado na ação penal. 7. Dessarte, as nuances das condutas imputadas serão melhor elucidadas durante a instrução processual, momento apropriado à valoração dos fatos e à produção de provas, sendo prematuro o trancamento da ação penal neste momento processual, uma vez que não se revela possível, em habeas corpus, afirmar que os fatos ocorreram como narrados nem desqualificar a narrativa trazida na denúncia. 8. Não sendo o caso de se trancar a ação penal, não há se falar, igualmente, em relaxamento da prisão domiciliar. Destaco, por oportuno, que a necessidade da prisão cautelar do recorrente já foi analisada pela 5ª Turma, no julgamento do Recurso em Habeas Corpus n. 87.092/RJ, em 20/2/2018, no qual se assentou que "as circunstâncias que envolvem o fato demonstram que outras medidas previstas no art. 319 do Código de Processo Penal não surtiriam o efeito almejado para a proteção da ordem pública". 9. Habeas corpus não conhecido. ..EMEN: (HC 2018.01.26261-0, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 18.09.2018, DJE 28.09.2018; grifei) AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. 1. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. 2. "ESTELIONATO JUDICIÁRIO". NÃO OCORRÊNCIA. 3. FRAUDE ANTERIOR À INSTAURAÇÃO DO PROCESSO. AÇÕES PARA RECEBIMENTO DO SEGURO DPVAT, FUNDADAS EM BOLETINS DE OCORRÊNCIA QUE NARRAVAM FATOS FALSOS. 4. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. Como é cediço, o trancamento de ação penal é medida excepcional, só admitida quando ficar provada, inequivocamente, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático ou probatório, a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade, ou, ainda, a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito, circunstâncias não evidenciadas na hipótese em exame. 2. Em casos anteriores, em que o Superior Tribunal de Justiça afastou a figura do estelionato pela prática da advocacia, o próprio feito foi utilizado como meio de fraude. Portanto, era possível ao Magistrado, durante o curso do processo, ter acesso às informações que caracterizavam a fraude, como no caso de ajuizamento de mais de uma ação pelo advogado, à busca de uma Vara que lhe fosse favorável; ou a inclusão de nomes e de valores em processos de execução, que não estavam contemplados na sentença proferida na fase de conhecimento. 3. Na espécie, não há que se falar em "estelionato judiciário", porquanto os registros de boletins de ocorrência falsos aconteceram anteriormente à formação da relação processual. Diferentemente dos demais precedentes desta Corte, aqui, os artifícios preparados previamente ao ajuizamento das ações eram medidas que escapavam ao alcance das averiguações no âmbito do processo judicial, de modo que nem o magistrado, nem a parte adversa teriam condições de detectá-los com diligências comuns. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ, AgRg no HC n. 248.211, Rel. Marco Aurelio Bellizze, j. 18.04.13; grifei) Quando a suposta conduta delitiva consistir em atividade de caráter processual, como a mera distribuição da ação, dedução de pedido inicial ou levantamento de valores, entende-se ficar assegurado o direito de ação, pois a natureza dialética do processo permitiria o exercício do contraditório, bem como a produção de provas e a interposição de recursos, o que afastaria a “indução em erro” do magistrado. Nesse sentido: PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. ESTELIONATO JUDICIAL. ATIPICIDADE RECONHECIDA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado. 2. O trancamento da ação penal por meio do habeas corpus é medida excepcional, que somente deve ser adotada quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito. 3.O estelionato judicial consiste no uso do processo judicial para auferir lucros ou vantagens indevidas, mediante fraude, ardil ou engodo, ludibriando a Justiça, com ciência da inidoneidade da demanda. Percebe-se que a leitura das elementares do art. 171, caput, do Código Penal deve estar em consonância com a garantia constitucional da inafastabilidade jurisdicional (CF, art. 5º, XXXV), do que decorre o entendimento segundo o qual o direito de ação é subjetivo e público e abstrato, em relação ao direito material. Desse modo, verifica-se atipicidade penal da conduta de invocar causa de pedir remota inexistente para alcançar consequências jurídicas pretendidas, mesmo que a parte ou seu procurador tenham ciência da ilegitimidade da demanda. 4. Em verdade, a conduta constitui infração civil aos deveres processuais das partes, nos termos do art. 77, II, do Código de Processo Civil, e pode sujeitar a parte ao pagamento de multa e indenizar a parte contrária pelos danos processuais, consoante arts. 79, 80 e 81 do Código de Processo Civil ilícito processual. Outrossim, conforme art. 34, XIV, da Lei n. 8.906/1994, verifica-se infração profissional do advogado deturpar a situação fática com o objetivo de iludir o juízo. Conclui-se, pois, que a conduta descrita não configura infração penal, mas meramente civil e administrativa, sujeita à punição correlata. 5. Em princípio, os meios de induzir a erro o julgador podem ensejar a subordinação típica a crimes autônomos. Cite-se, exemplificativamente, a hipótese do advogado valer-se de testemunha ou de qualquer auxiliar da justiça para falsear a verdade processual, na forma dos arts. 343 ou 344; produzir ou oferecer documento falso, material ou ideologicamente (CP, arts. 297 e 304 do CP). No processo, há produção de provas e condução pelo juiz, de forma que, se prejuízo houver, advirá da sentença e não da atitude de qualquer das partes. Pode-se até falar em erro judiciário, porém não em estelionato judiciário, o que enseja, inclusive a possibilidade de ajuizamento de ação rescisória, com fundamento no art. 966, VI e VII, do Código de Processo Civil. 6. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para que seja trancado o processo penal em questão, diante da atipicidade da conduta imputada ao paciente. PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 171 DO CP. OCORRÊNCIA. ESTELIONATO JUDICIÁRIO. CONDUTA ATÍPICA. DESLEALDADE PROCESSUAL. PUNIÇÃO PELO CPC, ARTS. 14 A 18. RECURSO ESPECIAL A QUE SE DÁ PROVIMENTO. 1. Não configura "estelionato judicial" a conduta de quem obtém o levantamento indevido de valores em ação judicial, porque a Constituição da República assegura à parte o acesso ao Poder Judiciário. O processo tem natureza dialética, possibilitando o exercício do contraditório e a interposição dos recursos cabíveis, não se podendo falar, no caso, em "indução em erro" do magistrado. Eventual ilicitude de documentos que embasaram o pedido judicial poderia, em tese, constituir crime autônomo, que não se confunde com a imputação de "estelionato judicial" e não foi descrito na denúncia. 2. A deslealdade processual é combatida por meio do Código de Processo Civil, que prevê a condenação do litigante de má-fé ao pagamento de multa, e ainda passível de punição disciplinar no âmbito do Estatuto da Advocacia. 3. Recurso especial a que se dá provimento, para absolver as recorrentes, restabelecendo-se a sentença. (STJ, RESp n. 1.101.914, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 06.03.12; grifei) CRIMINAL. RHC. "ESTELIONATO JUDICIÁRIO". TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL DA CONDUTA REPUTADA DELITIVA. RECURSO PROVIDO. (...) II. Hipótese em que os réus ajuizaram diversas ações com pedidos idênticos, pretendendo a concessão de benefícios judiciários, tendo sido, por esta razão, denunciados pela prática do delito de estelionato. III. Não obstante a presença aparente dos elementos do tipo penal, o estelionato judiciário não tem previsão no ordenamento jurídico pátrio, razão pela qual a conduta pela qual foram denunciados os recorrentes é atípica. IV. Reconhecida a atipicidade da conduta, deve o recurso ser provido para determinar o trancamento da ação penal n.º 5001215-62.2010.404. 7004, em curso na 2.ª Vara Federal de Umuarama/PR. V. Recurso provido, nos termos do voto do relator. (STJ, RHC n. 31.344, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 20.03.12) Desse modo, constatada a atuação da parte para deturpar a situação fática com o intuito de ludibriar o juízo ou na invocação de causa de pedir remota inexistente, ciente da ilegitimidade da demanda, tem-se que a conduta implicaria infração civil aos deveres processuais, nos termos do art. 77, II, do Código de Processo Civil, ou infração disciplinar do advogado, nos termos do art. 34, XIV, da Lei nº 8.906/1994, mas não estaria incluída no âmbito da tutela penal. No caso, a acusação afirma que a “HUSS WILLIAMS” era formada por sócios laranjas e era administrada, de fato, por LUIZ AUGUSTO e por WILLIAM, sustentando que essa pessoa jurídica teria sido constituída com o único objetivo de funcionar como empresa de "fachada" para conseguir liminares no Judiciário e garantir a venda de cigarros sem o recolhimento do IPI. Para tanto, a “HUSS WILLIAMS” teria ajuizado a Ação Declaratória de Inexigibilidade de Relação Jurídica Tributária n° 0004619-11.2005.4.03.6100, cuja tramitação se deu perante a 20ª Vara Federal Cível de São Paulo (SP). Nessa ação, a empresa alegou que teria por objeto social o comércio, a importação e a exportação de bebidas e cigarros, sendo, portanto, sujeito passivo da contribuição denominada IPI. Assim sendo, argumentou que o Poder Executivo, em afronta a disposições constitucionais e legais, teria alterado a base de cálculo do IPI, bem como o seu fato gerador e as suas alíquotas, através de Decretos Presidenciais, instituindo as chamadas "pautas fiscais" ou "pauta de valores". Por isso, pediu a suspensão da exigibilidade do IPI incidente sobre as aquisições dos produtos comercializados juntos às empresas fornecedoras, nos termos das "pautas fiscais" editadas através de Decretos Presidenciais. Em decisão proferida em 15.8.2005, o juízo federal de primeira instância indeferiu o pedido de antecipação de tutela por não vislumbrar o preenchimento dos requisitos legais autorizadores (ID 251649686, pp. 80/83). Em face dessa decisão, a “HUSS WILLIAMS” interpôs o recurso de Agravo de Instrumento n° 0069373-26.2005.4.03.0000, com pedido de concessão de efeito suspensivo ativo para afastar a incidência do IPI, o que foi acolhido pela Relatora, Desembargadora Federal Alda Basto, em decisão proferida em 06.9.2005, cujo teor transcrevo (ID 251649686, pp. 157/159): Trata-se de agravo de instrumento interposto em face da r. decisão que, em autos de ação ordinária indeferiu o pedido de antecipação de tutela na qual se pleiteia suspensão da exigibilidade do IPI, nos termos das Pautas Fiscais, editadas por Decretos Presidenciais, incidente sobre as aquisições dos produtos comercializados junto às empresas fornecedoras. Tecendo os argumentos de convicção pleiteia a concessão de efeito suspensivo ativo a fim de afastar a incidência do IPI com base em valores previamente fixados na Pauta Fiscal, sustando-se quaisquer atos obstativos do Procedimento. Decido. O art. 153 §1° da Constituição Federal faculta ao Poder Executivo alterar as alíquotas do IPI, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei. Com fulcro nesta autorização adveio o Decreto Presidencial a prefixar valores do IPI através de Pautas Fiscais, aumentando a carga tributária e onerando consideravelmente a atividade econômica do contribuinte, que ao contrário do inserido na decisão agravada atua no ramo de produtos alimentícios. A fixação de alíquotas é matéria reservada à lei ordinária, consoante prevê o art. 97 do Código Tributário Nacional. A Carta Constitucional de 1988 ampliou o leque da exceções, ressalvas que dispensam a lei para fins de alterar a alíquota. Nesta ampliação autorizou delegação ao Poder Executivo alterar as alíquotas também do IPI. Entretanto, a delegação, consoante art. 153 §1 0da C.F. deve atender às condições e aos limites fixados em lei. Disto surge a indagação quanto à natureza jurídica da lei definidora das condições e dos limites da delegação. O art. 146 inc. II da Constituição Federal atribui somente à Lei Complementar o poder de "regular as limitações constitucionais ao poder de tributar". Sopesando os dispositivos constitucionais e tributários, neste juízo preambular advém o mesmo entendimento endossado pelo agravante, no sentido de que somente a Lei Complementar pode fixar as condições e os limites da delegação ao Poder Executivo. O agravante afirma que não existe Lei Complementar disciplinando a matéria, porém, o Executivo alterou alíquotas do IPI através de Pautas Fiscais ou de Valores, fixando-as sem qualquer parâmetro com as normas ditadas pelo Código Tributário, notadamente no referente à base de cálculo. Evidentemente, se não existir Lei Complementar no ordenamento jurídico a impor as condições e limites da delegação, a delegação não poderia se ultimar, sob risco de se equiparar ao arbítrio. Note-se que até o arbitramento contido no art. 148 do CTN submete-se à processo regular. Apesar disto, o Poder Executivo alterou alíquotas, alcançado também a base de cálculo do IPI sem a devido sustentáculo constitucional. Foi além porque sequer obedeceu aos princípios tributários, conforme prescreve a legislação tributária, nos casos omissos, art. 108 do Código Tributário Nacional inciso II. Não olvido, outrossim, que se caracteriza em majoração de tributo a modificação de sua base de cálculo, que o torne mais oneroso, art. 97 §1 °do CTN. Se mais não fosse a autorização do §1 0do Art. 153 da Constituição Federal restringe-se exclusivamente às alíquotas do IPI e, a majoração da base de cálculo extrapola os termos da delegação constitucional, fundamento suficiente à suspensão da aplicação das denominada Pautas Fiscais. Sobre a matéria mencione-se a seguinte ementa: (...) Sob a ótica do analisado entendo por presente a verossimilhança das alegações, donde CONCEDO efeito suspensivo /7 ativo ao presente agravo, para sustar a exigência do IPI sob as Pautas Fiscais, ficando o agravante submisso ao IPI com base no ordenamento tributário. Assim, foi determinada a suspensão da incidência do IPI nas operações da empresa, inclusive nas compras efetuadas junto a fornecedores, entendendo-se que a agravante estaria desobrigada do recolhimento do IPI com base nas “pautas fiscais” enquanto nova sistemática não fosse editada pelo Congresso Nacional. Todavia, em 25.5.2007, mediante pedido da União (Fazenda Nacional), a decisão foi reconsiderada pela Desembargadora Federal Alda Basto, que tornou sem efeito a antecipação de tutela que beneficiava a "HUSS WILLIAMS" (ID 251649782, pp. 84/86). Transcrevo trecho dessa decisão: No concernente ao mérito verifico presente a relevância das alegações da agravada, posto que, a premissa posta pela agravante não se sustenta ao restringir a questão à delegação das alterações das Pautas Fiscais ao Poder Executivo. Com efeitos, a fundamentação trazida pela União merece respaldo, à medida em que minha decisão de fls. 74/76 focou ter ocorrido inobservância na fixação do IPI, quando das Pautas Fiscais, tanto por desacerto da delegação como pela inobservância de outros requisitos afora a quantidade do produto. É que o IPI observa a característica da seletividade, cuja observância diz respeito à essencialidade do produto. A natureza do IPI, tanto como instrumento regulador de mercado, tanto como instrumento de inibir ou incentivar o consumo de determinados produtos, deve atentar a requisitos previstos na legislação. Nesse aspecto, a CF/88 (art. 153, §1°), objetivando dar celeridade facultou ao Poder executivo alterar as alíquotas deste tributo, desde que atendidas as condições e limites estabelecidos em lei. No caso, demonstra a União que as alterações e fixações de alíquotas do IPI para os referidos produtos, por meio de pautas fiscais instituídas pelo Poder Executivo, não tomou como parâmetro a quantidade, ao contrário, observou a classe do produto para adotar o valor do imposto, adotando aquele correspondente ao resultado da aplicação da alíquota na IPI, sobre o valor tributável numa operação normal de venda. As pautas fiscais, portanto, ao contrário do que se alegava levaram em consideração o imposto por unidade ou por quantidade de produto (observada a classe de valores), conforme art. 2° da Lei 7.798/89 e, o enquadramento pelo Ministro da Fazenda submeteu-se às antecedentes informações do contribuinte tais como características de fabricação, preços de venda, espécie, marca do produto e capacidade do recipiente. Neste molde o enquadramento do produto na classe, de modo que o IPI seja pago na mesma proporção resultante da aplicação da alíquota, a que o produto está sujeito na TIPI, derivou das informações do contribuinte como afirma a União, procedimento respaldado na legislação vigente. Desta forma, sob os fundamentos expendidos e, atentando com a lesão de difícil reparação face à ausência de recolhimento do IPI pelo agravante, RECONSIDERO as decisões de fls. 74/76 e 111/112 dos presentes autos, e restauro a eficácia da decisão proferida pelo MM. Juízo a quo, ficando o agravante à cobrança imediata pela União dos valores devidos. Diante disso, a ação proposta pela “HUSS WILLIANS” estava amparada em tese jurídica a respeito da inconstitucionalidade da forma de tributar o IPI por parte do Poder Executivo, não tendo a acusação especificado qual teria sido a documentação falseada utilizada pela empresa para ludibriar a Desembargadora Federal Alda Basto, a fim de que fosse concedida a ordem judicial supracitada. A afirmação de que os sócios da “HUSS WILLIAMS” eram pessoas interpostas é insuficiente para caracterizar a manobra fraudulenta alegada pelo apelante, até porque a questão posta na referida ação declaratória era eminentemente de direito. Observo que o contribuinte se insurgiu contra a tributação que julgava indevida e que a conduta imputada ao apelado consistiu em atividade de caráter processual, devendo ser assegurado o direito de recorrer ao Poder Judiciário, nos termos do art. 5º, XXXIV, da Constituição Federal. Por isso, mantenho a absolvição de LUIZ AUGUSTO DO VALLE DE LIMA da imputação da prática dos crimes previstos no art. 171, § 3º, do Código Penal, com fundamento no art. 386, III, do Código de Processo Penal. Crime de lavagem de capitais O crime de lavagem ou ocultação de bens, dinheiros e valores, atribuído aos apelados, consiste na ocultação e dissimulação da origem, natureza e propriedade dos valores provenientes da prática de crimes de contrabando de cigarros e falsificação de papéis públicos, mediante a conversão desses valores em ativos lícitos. Em suas razões recursais (ID 251649376, pp. 67/98), a acusação alega, em síntese, que os crimes de contrabando de cigarros elencados na denúncia foram perpetrados pelo grupo criminoso, evidenciando que os réus se associaram para a prática dessa espécie delitiva, cujos delitos deram origem a persecuções criminais. Afirma que as cópias desses procedimentos investigatórios, juntadas nos presentes autos, demostram indícios suficientes de que os acusados, em comunhão de esforços e vontades, de forma reiterada e em larga escala, dedicavam-se à comercialização de cigarros contrabandeados, movimentando quantia vultosa em dinheiro em decorrência dessa atividade ilícita. Para tanto, além de se organizarem mediante divisão de tarefas sob a chefia de WILLIAN e LUIZ AUGUSTO, teriam constituído empresas através da inserção de sócios-laranjas. Dentre essas empresas, encontrar-se-iam a "FENTON", a "HUSS WILLIAN" e a "ARAFERTIL". A esse respeito, o juízo de origem concluiu pela ausência de prova razoável da existência dos crimes antecedentes, razão pela qual absolveu os apelados, como se observa do seguinte trecho da sentença (ID 251649377, pp. 254/258): Com relação aos demais crimes antecedentes, em especial os crimes de contrabando de cigarros, cuja infração penal, para fins de lavagem, é considerada como , crime praticado contra a Administração Pública, nos termos do artigo 1°, V, da Lei Federal nº 9.613, de 1998, com redação anterior à Lei Federal n° 12.682/12, cabe relatar que, para o Ministério Público Federal, basta que o conjunto probatório seja robusto o suficiente para formar no magistrado sua convicção acerca da existência do crime antecedente, de modo que a prova do crime antecedente não precisa ser direta. No caso o Ministério Público Federal narrou: a) o crime de contrabando de ciganos e de falsidade de selos em IPI, em 03.09.2003; b) o crime de contrabando de cigarros, em 09.05.2003, relativo à apreensão de 150.000 maços de ciganos no interior de caminhões da empresa "Fenton"; c) crime de contrabando de cigarros, em 15.04.03, relativo à apreensão de 400 caixas de cigarros da empresa Fenton; d) crimes de contrabando de cigarros, em 19.05.04, relativo à apreensão de 298 caixas de ciganos da empresa "Fenton"; e) crimes de contrabando de ciganos em 19.07.01, relativo à apreensão de cigarros da empresa "Arafertil". Para o Ministério Público Federal "os crimes de contrabando de cigarros acima referidos foram perpetrados pelo grupo criminoso, demonstrando que, efetivamente, os réus se associaram para a prática dessa espécie delitiva, cujos delitos deram inclusive origem a persecuções criminais, o que demonstrariam indícios suficientes de que os acusados, em comunhão de esforços e vontades, de forma reiterada e em larga escala, dedicavam-se à comercialização de cigarros contrabandeados, movimentado vultosa quantia em dinheiro decorrente dessa mercancia ilícita". Com relação a esses ilícitos a defesa de alguns dos réus realizou algumas provas e demonstrou que, por exemplo, o inquérito policial 325/2005 investigou a prática do crime de falsificação de papeis públicos, cujo delito estaria inscrito no Título X "Dos Crimes Contra a Fé Pública" e não estaria previsto no rol de antecedentes descrito no artigo 1° da antiga Lei dos Crimes de lavagem de Dinheiro. O segundo procedimento criminal o inquérito policial n° 168/2003 instaurado perante a Delegacia de Polícia Federal de Nova Iguaçu foi arquivado em 14.1.2013 com amparo em cota ministerial que não apurou responsabilidade criminal por parte das pessoas que figuravam como sócios quotistas da Fenton. O terceiro procedimento criminal resultou na instauração de uma ação penal que, no entanto, por sentença datada de 10.12.2014, absolveu os sócios da Fenton, dentre eles, a corré Romilda Oliveira Grinberg. O quarto procedimento criminal resultou no arquivamento, em 16.06.2015, porque o procurador da república que oficiou no feito não apurou responsabilidade por parte dos sócios da Fenton na época, os senhores Isac Lemos da Fonseca e Márcio José Matos de Souza, bem como reconheceu a ocorrência da prescrição punitiva. Apenas o quinto e último procedimento criminal resultou na condenação do corréu Carlos Alberto Fievgelewski pela prática, em tese, do crime descrito no artigo 334 do Código Penal, mas cujos pacotes de cigarros foram apreendidos, o que, em tese, impediria às pessoas citadas de obter a pretendida vantagem econômica indevida, o que, por sua vez, também impediria a conversão desta vantagem econômica em ativos de aparência licita. Como sabemos, duas questões controvertidas se apresentam em decorrência do crime de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores pressupor infração penal (crime ou contravenção penal) que o antecede: a unidade de processo e julgamento com reflexos na competência e prova da infração antecedente para a condenação do crime de lavagem ou ocultação de bens. A primeira se coloca com maior intensidade quando há especialização de vara criminal para os delitos de lavagem ou ocultação de bens, de modo que pode haver razões para reunir-se o processo por uma das hipóteses de conexão. Esse tema foi solucionado pela alteração introduzida no artigo 2°, inciso II, que outorgou ao juiz competente para o delito de lavagem ou ocultação de bens a decisão sobre a unidade de processo e julgamento, de modo que pode haver a atração da competência para julgar infrações antecedentes pelo juiz naturalmente competente para os delitos de lavagem ou ocultação de bens a critério dele. A segunda é questão mais complexa e situa-se no papel da prova da infração antecedente para a condenação do delito de lavagem. O delito de lavagem pressupõe a existência de delitos que a antecedem. Autores, como Gustavo Henrique Badaró, sustentam que essa pressuposição configura relação de prejudicial de modo que a independência processual e de julgamento das infrações penais antecedentes (art. 2°, II, da Lei 9.613/98) não significa que a ação penal pode ser instaurada sem indícios suficientes da existência da infração penal antecedente (art. 3 0 , § 1°) e a condenação possa ocorrer sem a prova da existência da infração penal antecedente. Levada ao extremo essa posição, a condenação pelo crime de lavagem pressuporia a condenação pelo crime antecedente e a comprovação de que os recursos ou bens dissimulados e integrados decorreriam direta ou indiretamente de crime. Outros, no entanto, como Sergio Fernando Moro, sustentam que a prova do delito antecedente pode ser indireta, circunstancial ou indiciária, desde que afaste qualquer dúvida razoável e, assim: a) o processo por crime de lavagem é independente do crime antecedente; b) não é necessário provar todos os elementos e circunstâncias do crime antecedente no processo por crime de lavagem, mas apenas que o objeto deste tem origem em crime antecedente; c) todos os elementos do crime de lavagem, inclusive a origem criminosa dos bens, direitos e valores, podem ser provados por meio de prova indireta desde que convincente o suficiente para afastar qualquer dúvida razoável e d) a conexão instrumental entre crime antecedente e de lavagem não implica necessariamente unidade de processo e julgamento. Ainda que aceitemos a posição mais favorável à acusação, aquela defendida acima, de que a prova do delito antecedente pode ser indireta, circunstancial ou indiciária, desde que afaste qualquer dúvida razoável, com a qual particularmente não concordamos, podemos verificar que no caso em tela a defesa produziu prova documental que demonstraram de modo satisfatório que dos cinco (5) crimes antecedentes imputados quatro (4) revelaram-se imprestáveis para a finalidade predisposta, isto é, servir de prova do delito antecedente e com relação ao único em que houve condenação a circunstâncias fáticas que revelam a apreensão das mercadorias contrabandeadas impediriam sua conversão em ativos lícitos. Desta forma, sem a prova razoável da existência dos delitos antecedentes não há como condenar os réus pela prática dos crimes de lavagem e ocultação de ativos, porquanto se procura, em última análise, com a criminalização evitar a legalização de recursos ilicitamente auferidos com a prática de infrações criminais graves, alcançada graças a sofisticadas estruturas de dissimulação e legalização instrumentalizadas pela participação de Instituições Financeiras e não Financeiras. Em outras palavras, para a configuração dos crimes de lavagem de dinheiro exige-se um nexo de origem entre o produto do crime anterior e o agir que o oculta, o dissimula e o integra licitamente na economia. Pois bem. Para a caracterização da lavagem de dinheiro, basta a comprovação de que os bens, direitos ou valores nela envolvidos sejam provenientes de uma infração penal prévia, pouco importando se foram ou não praticados pelos mesmos agentes. Aliás, a responsabilidade penal pelo crime de lavagem subsiste, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor do crime antecedente (Lei nº 9.613/98, art. 2º, § 1º, em sua redação original). O STJ já decidiu que, "[p]or definição legal, a lavagem de dinheiro constitui crime acessório e derivado, mas autônomo em relação ao crime antecedente, não constituindo post factum impunível, nem dependendo da comprovação da participação do agente no crime antecedente para restar caracterizado" (REsp 1.342.710/PR, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 22.04.2014, DJe 02.05.2014). Além disso, a prova do crime antecedente não precisa ser direta, pois, pelo princípio do livre convencimento, o juiz forma sua convicção em razão de todo o conjunto probatório, que é constituído por provas diretas e indiretas ou exclusivamente por um desses tipos e deve ser robusto o suficiente para permitir ao juiz formar sua convicção acerca da existência do crime antecedente. Deve o juiz, enfim, mostrar claramente as razões pelas quais fundamenta sua convicção sobre a existência da infração antecedente. No caso em exame, verifico, pela leitura do longo trecho da sentença transcrito acima, que o juízo a quo fundamentou sua convicção quanto à ausência de provas suficientes dos delitos antecedentes de modo adequado e satisfatório, baseando-se no conjunto fático-probatório coligido aos autos. Com efeito, as provas produzidas não foram suficientes para comprovar a existência da relação de acessoriedade fundamental às hipóteses de lavagem de capitais. Quanto ao primeiro procedimento criminal apontado pela acusação, observo que se trata do Inquérito Policial nº 325/2005, instaurado perante a Delegacia de Polícia Federal em Nova Iguaçu, e que foi autuado sob o n° 2005.51.10.004628-5, perante o Juízo da 2ª Vara Federal de São João do Meriti (ID 251649332). Ocorre que esse procedimento investigatório apurou a prática do crime de falsificação de papéis públicos (CP, art. 293), constante do Título X do Código Penal, intitulado “Dos Crimes contra a Fé Pública”. Sendo assim, o crime investigado não estava previsto no rol de delitos antecedentes elencado pelo art. 1º da antiga Lei dos Crimes de Lavagem de Dinheiro, que veio a ser alterada apenas em 2012, com a edição da Lei nº 12.683. Por isso, a conduta não configurava crime, eis que se tratava de rol taxativo, conforme entendimento pacificado no âmbito do STJ (AgRg no HC 473.442/RJ, Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 06.11.2018, DJe 14.11.2018). O segundo procedimento criminal indicado pelo apelante foi o Inquérito Policial nº 168/2003, instaurado perante a Delegacia de Polícia Federal em Nova Iguaçu, e que foi autuado sob o n° 000485788.2003.4.02.5110 (2003.51.10.0048571) perante o Juízo da 4ª Vara Federal de São João do Meriti, com o objetivo de apurar a prática do crime de contrabando de cigarros (ID 251649028). Nesse caso, houve a apreensão, em 09.05.2003, de um caminhão contendo cigarros destinados à exportação, fabricados pela empresa FENTON, conquanto acobertados com notas fiscais internas, o que indicava que seriam, na verdade, comercializados no mercado interno, em desacordo com a legislação aduaneira. Foram apreendidas 440 (quatrocentos e quarenta) caixas de cigarro, cujo valor, segundo nota fiscal emitida pela empresa “Drakar de Cordovil Comércio, Distribuição e Representação Ltda.”, totalizava a quantia de R$ 116.600,00 (cento e dezesseis mil e seiscentos reais) (ID 251649028, pp. 10/16). Todavia, o procedimento investigatório foi arquivado em 14.01.2013 (ID 251649526, p. 29), com amparo em cota ministerial (idem, pp. 24/26), em razão da prescrição da pretensão punitiva estatal. Destaco que a referida cota ministerial e o relatório da Polícia Federal (ibidem, pp. 20/22) não fazem menção aos sócios cotistas da FENTON à época da apreensão. O terceiro procedimento criminal indicado pela acusação foi o Inquérito Policial nº 143/2003, instaurado perante a Delegacia de Polícia Federal em Nova Iguaçu, e que foi autuado sob o n° 0490062-47.2003.4.02.5101 (2003.51.01.490062-1) perante o Juízo da 5ª Vara Federal de São João do Meriti, com o objetivo de apurar a prática do crime de contrabando de cigarros (ID’s 251649028 e 251649312). Nesse caso, houve a apreensão, em 15.04.2003, de um caminhão contendo 400 (quatrocentas) caixas de cigarros destinados à exportação, fabricados pela empresa FENTON, conquanto acobertados com notas fiscais internas, o que indicava que seriam, na verdade, comercializados no mercado interno, em desacordo com a legislação aduaneira. Contudo, em consulta ao sítio eletrônico do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, verifico que os sócios da FENTON denunciados na ação penal supracitada, Isac Lemos da Fonseca e a apelada ROMILDA OLIVEIRA GRINBERG, foram absolvidos por sentença proferida em 10.12.2014, cujo trânsito em julgado se deu em 12.02.2015, pois o juízo concluiu pela ausência de provas da autoria delitiva. O quarto procedimento criminal apontado pela acusação foi o Inquérito Policial nº 382/2006, instaurado perante a Delegacia de Polícia Federal em Niterói, e que foi autuado sob o n° 0000946-16.2004.4.02.5116 (2004.51.16.000946-0) perante o 1ª Vara Federal de Macaé, com o objetivo de apurar a prática do crime de contrabando de cigarros por Isac Lemos da Fonseca e Márcio José Matos de Souza (ID 251649027). Nesse caso, houve a apreensão, em 19.05.2004, de um caminhão contendo 298 (duzentos e noventa e oito) caixas de cigarros de marcas desconhecidas no mercado nacional. No entanto, o inquérito foi arquivado, com amparo em cota ministerial, em razão da prescrição da pretensão punitiva estatal (ID 251649526, p. 51). O quinto procedimento criminal resultou na condenação do corréu CARLOS ALBERTO FIEVGELEWSKI pela prática do crime previsto no art. 334 do Código Penal nos autos da Ação Penal nº 0001259-69.2001.404.7106 (2001.71.06.001259-3), que tramitou perante a 2ª Vara Federal de Santana do Livramento/RS (ID 251649311 e ID 251649378, pp. 38/46). Nesse caso, houve a apreensão, em 27.07.2001, de 24.500 (vinte e quatro mil e quinhentos) pacotes de cigarro da marca Colt, de fabricação brasileira, destinados à exportação, com reingresso vedado no território nacional. Em sede recursal, a condenação de CARLOS ALBERTO pela prática do crime de contrabando foi mantida pela 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (ID 251649378, pp. 38/46). Portanto, apenas o quinto e último procedimento criminal resultaram em condenação criminal. A despeito disso, assim como nos demais procedimentos criminais envolvendo a prática, em tese, de contrabando de cigarros, as mercadorias foram apreendidas. Assim, além da dúvida quanto à existência de parte dos delitos antecedentes, os ilícitos apontados pela acusação não resultaram em valores ou bens que pudessem ser objeto de operações a fim de integrá-los ao sistema econômico e financeiro com aparência lícita. Ademais, não existem provas concretas de outras práticas ilícitas que possam ser consideradas antecedentes envolvendo as empresas “FENTON”, “HUSS WILLIAN” e “ARAFERTIL”. Não se trata de afastar a hipótese de que esses crimes realmente tenham ocorrido, mas apenas de admitir que o conjunto probatório não é suficiente para, de maneira segura, estabelecer a condenação dos apelados, de modo que deve prevalecer o princípio in dubio pro reo. Por isso, a absolvição dos réus deve ser mantida. Por tudo isso, mantenho a absolvição de LUIZ AUGUSTO DO VALLE DE LIMA, WILSON ROBERTO ROSILIO, JOSÉ DAGOBERTO RIBEIRO ARANHA, ROMILDA DE OLIVEIRA GRIMBERG, JOSÉ EDNO COSTA, ANDRÉ SALGUEIRO DE MORAES, HAMILTON SANTOS ANASTÁCIO e MÁRCIO CONSTANTINI MIRANDA da imputação da prática dos crimes tipificados no art. 1°, V e VII, c.c. o § 1°, I e II, e art. 2°, I, ambos da Lei n° 9.613/98 (com redação anterior à Lei n.° 12.683/12), c.c. o art. 69 do Código Penal, com fundamento no art. 386, II, do Código de Processo Penal, permanecendo as restrições aos bens apreendidos, até o trânsito em julgado da presente ação penal. Posto isso, NEGO PROVIMENTO à apelação. É o voto.
Advogado do(a) APELADO: ROBERTO JOSE MINERVINO - SP34086
Advogados do(a) APELADO: ALEXANDRE LUIZ AMORIM FALASCHI - DF33253, CARLOS ALBERTO PIRES MENDES - SP146315-A
Advogado do(a) APELADO: EDUARDO CINTRA MATTAR - SP141723
Advogado do(a) APELADO: PEDRO LUIZ CUNHA ALVES DE OLIVEIRA - SP82769-A
(HC 2017.02.57578-6, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 12.12.2017, DJE 19.12.2017; grifei)
E M E N T A
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ESTELIONATO JUDICIÁRIO. ART. 171, § 3º, DO CÓDIGO PENAL. LAVAGEM DE CAPITAIS. CRIMES ANTECEDENTES. ARTS. 1º, V E VII, C.C. § 1º, I E II, E ART. 2°, I, DA LEI Nº 9.613/98. ABSOLVIÇÃO MANTIDA.
1. A acusação imputou a um dos apelados a prática de estelionato judiciário, conduta em que o agente faz uso do processo judicial para auferir lucros ou vantagens indevidas, mediante fraude, ardil ou engodo, ludibriando o sistema de justiça, ciente da inidoneidade da demanda.
2. No caso, a ação proposta pelo contribuinte estava amparada em tese jurídica a respeito da inconstitucionalidade da forma de tributar o IPI por parte do Poder Executivo, não tendo a acusação especificado qual teria sido a documentação falseada utilizada pela empresa para ludibriar o judiciário a fim de que fosse concedida a ordem judicial. A afirmação de que os sócios dessa empresa eram pessoas interpostas é insuficiente para caracterizar a manobra fraudulenta alegada pelo apelante, até porque a questão posta na referida ação declaratória era eminentemente de direito.
3. Constatado que o contribuinte se insurgiu contra a tributação que julgava indevida e que a conduta imputada ao apelado consistiu em atividade de caráter processual, devendo ser assegurado o direito de recorrer ao Poder Judiciário, nos termos do art. 5º, XXXIV, da Constituição Federal.
4. O crime de lavagem ou ocultação de bens, dinheiros e valores, atribuído aos apelados, consiste na ocultação e dissimulação da origem, natureza e propriedade dos valores provenientes da prática de crimes de contrabando de cigarros e falsificação de papéis públicos, mediante a conversão desses valores em ativos lícitos.
5. O conjunto probatório coligido aos autos não é suficiente para condenar os apelados, uma vez que os crimes antecedentes não foram comprovados. Apenas um dos procedimentos investigatórios apontados pela acusação resultou em condenação criminal. A despeito disso, assim como nos demais procedimentos criminais envolvendo a prática, em tese, de contrabando de cigarros, as mercadorias foram apreendidas. Assim, além da dúvida quanto à existência de parte dos delitos antecedentes, os ilícitos apontados pela acusação não resultaram em valores ou bens que pudessem ser objeto de operações a fim de integrá-los ao sistema econômico e financeiro com aparência lícita. Ademais, não existem provas concretas de outros crimes que possam ser considerados antecedentes.
6. Apelação não provida.