Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0025689-41.2011.4.03.0000

RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO

APELANTE: BEN HUR GOMES

Advogado do(a) APELANTE: RENAN JOSE DE ALMEIDA - MG180076-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0025689-41.2011.4.03.0000

RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO

APELANTE: BEN HUR GOMES

Advogado do(a) APELANTE: RENAN JOSE DE ALMEIDA - MG180076-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator):

Trata-se de apelação interposta por BEN HUR GOMES em face da sentença proferida pela 1ª Vara Federal de Americana (SP) que o condenou à pena de 5 (cinco) anos de prisão, em regime inicial semiaberto, sendo 2 (dois) anos de reclusão e 3 (três) de detenção, e 20 (vinte) dias-multa, no valor unitário mínimo legal, pela prática dos crimes previstos no art. 312 do Código Penal e no art. 89 da Lei nº 8.666/93, em concurso material; e, com fundamento no art. 386, II e V, do Código de Processo Penal, absolveu os corréus Valdirene Aparecida do Nascimento, Alessandra Diniz da Silva, Paulo Fernando de Alvarenga Campos, Robervanio Borges da Silva, Silvana Ferraz Albano e Felipe Augusto Ferraz Albano dessas imputações.

Como efeito da condenação, foi determinada a perda do cargo público ocupado pelo apelante, com fundamento no art. 92, I, “a” e “b”, do Código Penal.

A denúncia (ID 263327721, pp. 3/35), recebida em 01.12.2017 (ID 263327725, pp. 57/60), narra:

I – SÍNTESE DAS IMPUTAÇÕES PENAIS

Consta dos autos que, no ano de 2010, para execução do Programa Projovem Trabalhador, no município de Nova Odessa/SP, BEN HUR GOMES, gestor de convênios da Prefeitura Municipal de Nova Odessa, JULIO CESAR CAMARGO, Procurador Jurídico do citado município, e PAULO FERNANDO DE ALVARENGA CAMPOS, assessor executivo da Prefeitura, dispensaram licitação fora das hipóteses previstas em lei, e SIRLEI LOPES DE CARVALHO, VALDIRENE APARECIDA DO NASCIMENTO e ALESSANDRA DINIZ DA SILVA concorreram para a consumação da ilegalidade citada, beneficiando-se com a dispensa.

Consta, ainda, que no período de 2010 a 2011, durante a execução do Programa Projovem Trabalhador, no município de Nova Odessa/SP, em razão do cargo que exerciam, BEN HUR GOMES, gestor de convênios da Prefeitura Municipal de Nova Odessa, JULIO CESAR CAMARGO, Procurador Jurídico do município, e PAULO FERNANDO DE ALVARENGA CAMPOS, assessor executivo da Prefeitura, em concurso de agentes com SIRLEI LOPES DE CARVALHO, VALDIRENE APARECIDA DO NASCIMENTO, ALESSANDRA DINIZ DA SILVA, CLEITON LOPES CARVALHO, ROBERVANIO BORGES DA SILVA, SILVANA FERRAZ ALBANO e FELIPE AUGUSTO FERRAZ ALBANO, desviaram, em proveito próprio ou alheio, verbas públicas federais destinadas ao pagamento do Programa Projovem Trabalhador.

[...]

III – DA INDEVIDA DISPENSA DE LICITAÇÃO (art. 89 e parágrafo único da Lei 8.666/1993):

O Município de Nova Odessa/SP celebrou, com o Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, Termo de Adesão ao programa federal Projovem Trabalhador – Juventude Cidadã, em 22/09/2009 (publicado no Diário Oficial da União em 10/12/2009 – fls. 75/91 do Apenso I, Vol. I), cujo Plano de Implementação firmado para o exercício 2009/2010 previu recursos no valor total de R$ 1.589.874,98, sendo o valor de R$ 1.542.178,74 de responsabilidade do MTE/Tesouro e o valor de R$ 47.696,25 correspondente à contrapartida municipal, objetivando a execução do referido Programa para qualificação socioprofissional e inserção de 1.000 (um mil) jovens no mercado de trabalho.

[...]

O MTE enviou a todos os entes federados aptos à execução do Projovem a cópia do Parecer/Conjur/MTE/nº 126/2010, dando conhecimento sobre a eventual possibilidade de contratações diretas por dispensa de licitação com vistas à execução do Plano de Implementação do Projovem Trabalhador, desde que o administrador entendesse pela ocorrência de situações ensejadoras de dispensa ou inexigibilidade de licitação, justificando adequadamente nos termos do artigo 26 da Lei 8.666/1993.

A par disso, a Procuradoria Jurídica da Prefeitura Municipal de Nova Odessa, por meio do Procurador Jurídico JULIO CESAR CAMARGO, emitiu o Parecer de fls. 276/282 do Apenso I, Volume II, opinando pela contratação do INSTITUTO EDUCACIONAL CARVALHO – IEC com dispensa de licitação, sendo este parecer aprovado por PAULO FERNANDO, assessor executivo da Prefeitura.  

O Procurador Jurídico citado informou que foi procurado por BEN HUR questionando-o sobre a possibilidade de contratação direta do IEC tendo em vista que os prazos do processo licitatório regular impediriam o cumprimento dos prazos exigidos para implantação integral do Programa. Nesse sentido, JULIO CESAR CAMARGO informou que emitiu parecer favorável à dispensa de licitação tendo em vista que do IEC era o menor entre as três propostas apresentadas, preenchia os requisitos exigidos pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo e também porque havia a indicação de BEN HUR a respeito do Instituto referido (ver documento de fls. 536 do Apenso I, Volume III (fls. 407/408 do IPL).

[...]

Todavia, a contratação do IEC com dispensa de licitação mostrou-se totalmente injustificada diante da patente ausência de experiência daquele Instituto, revelando que os objetivos contratuais não foram atingidos, o que resultou em inegáveis prejuízos às metas governamentais inicialmente almejadas.

[...]

A ausência de capacidade técnica do IEC restou demonstrada, às escâncaras, no próprio depoimento prestado perante a autoridade policial pela responsável pelo Instituto, SIRLEI LOPES DE CARVALHO, que afirmou que não dispunha de corpo docente para ministrar as aulas, valendo-se da Cooperativa UNICOOPE que passou a arregimentar, como associados, pessoas indicadas pela própria Prefeitura de Nova Odessa.

[...]

Vale registrar que nas contratações diretas com fulcro no art. 24, XIII da Lei nº 8.666/93 jamais poderia haver subcontratação, já que para se dispensar uma licitação é exigível minimamente que a instituição eleita possua capacitação técnica para realizar, com seus quadros próprios, os serviços pretendidos.

[...]

IV – DO DELITO DE PECULATO “DESVIO” (artigo 312 do Código Penal):

BEN HUR, JULIO e PAULO FERNANDO, todos na qualidade de funcionários públicos municipais, em concurso de agentes com SIRLEI, VALDIRENE, ALESSANDRA, CLEITON, ROBERVANIO BORGES, SILVANA e FELIPE, desviaram, em proveito próprio ou alheio, verbas públicas federais destinadas ao pagamento do Programa Projovem Trabalhador.

Conforme as irregularidades abaixo apontadas, para a execução do programa em pauta, os denunciados, de alguma forma, concorreram para a liberação de verbas públicas ao IEC em total afronta as normas pertinentes.

[...]

Apurou-se que BEN HUR era o gestor do Programa, tendo ele participado de reuniões com os instrutores para esclarecimentos sobre a necessidade de se filiarem à UNICOOPE, bem como comparecia às salas de aula, ouvindo reclamações dos alunos acerca das irregularidades, mas nada fazendo para corrigi-las. Assinou as planilhas de execução de fls. 266/270 do Apenso I, Volume IV da prestação de contas parcial. Deve-se lembrar que constou no contrato nº 84/2010, assinado pela Prefeitura de Nova Odessa com o INSTITUTO EDUCACIONAL CARVALHO, que sua execução seria acompanhada e fiscalizada pelo réu BEN HUR (fls. 157/180 do Anexo I). Aliás, o citado réu chegou até mesmo a ligar para algumas pessoas visando contratá-las como instrutores, mesmo devendo ter o conhecimento de que referida subcontratação, por meio da cooperativa, era ilegal (ver declarações do instrutor Tiago Lobo, fls. 289/293 do IPL).

No julgamento do Habeas Corpus nº 5004097-06.2018.403.0000 (ID 263328282), a Décima Primeira Turma, por unanimidade, concedeu a ordem para trancar a ação penal, por ausência de justa causa, em relação a Julio Cesar Camargo.

Houve realização de acordo de não persecução penal (ANPP) em favor dos réus Sirlei Lopes Carvalho e Cleiton Lopes Carvalho, homologado em audiência (ID 263328373).

A sentença (ID 263328454) foi publicada em 23.06.2022.

Em suas razões de apelação (ID 263328882), a defesa pede, preliminarmente, o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva quanto ao crime do art. 312 do Código Penal, na modalidade retroativa. No mérito, pugna pela absolvição por falta de provas de autoria quanto ao crime do art. 89 da Lei nº 8.666/93, pois o apelante não autorizou em momento algum a dispensa de licitação, pois não tinha atribuição nem competência para a prática desse ato. Argumenta que não obteve qualquer vantagem pessoal com a dispensa, não havendo prova do elemento subjetivo do tipo, consistente em causar prejuízo ao erário ou favorecer a contratada. Requer, ainda, o afastamento da perda do cargo público.

Foram apresentadas contrarrazões (ID 263328888).

A Procuradoria Regional da República opinou pelo desprovimento do recurso (ID 263434508).

É o relatório.

À revisão.

 

 


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APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0025689-41.2011.4.03.0000

RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO

APELANTE: BEN HUR GOMES

Advogado do(a) APELANTE: RENAN JOSE DE ALMEIDA - MG180076-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

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V O T O

 

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator):

Trata-se de apelação interposta por BEN HUR GOMES em face da sentença que o condenou pela prática, em concurso material, dos crimes de peculato (CP, art. 312) e contra a Lei de Licitações (Lei nº 8.666/93, art. 89).

Prescrição da pretensão punitiva estatal

Preliminarmente, reconheço a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal, relativamente ao crime previsto no art. 312 do Código Penal.

Com efeito, o art. 110, caput e § 1º, do Código Penal dispõe que a prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no art. 109 do Código Penal, os quais são aumentados de um terço se o condenado é reincidente.

No caso, o apelante foi condenado à pena privativa de liberdade de 2 (dois) anos de reclusão, que, segundo o inciso V do art. 109 do Código Penal, prescreve em 4 (quatro) anos.

Do exame dos autos verifico que: i) a condenação transitou em julgado para a acusação; ii) o recebimento da denúncia ocorreu em 01.12.2017 (ID 263327725, pp. 57/60); iii) a sentença condenatória (ID 263328454) foi publicada em 23.06.2022.

Assim, entre a data do recebimento da denúncia e a data da publicação da sentença condenatória transcorreram mais de 4 (quatro) anos, de modo que está prescrita a pretensão punitiva com base na pena aplicada. Por isso, acolho a alegação preliminar e, com fundamento nos arts. 107, IV, 109, V, e 110, § 1º, do Código Penal, declaro extinta a punibilidade de BEN HUR GOMES quanto ao crime previsto no art. 312 do Código Penal.

Passo ao exame do mérito do recurso.

A materialidade delitiva está comprovada pelo contrato firmado entre a Prefeitura Municipal de Nova Odessa (SP) e o Instituto Educacional Carvalho – IEC, em 09.04.2010, com dispensa de licitação, fundamentada no art. 24, XIII e XXIV, da Lei nº 8.666/93, cujo objeto era o desenvolvimento de ações de formação e qualificação profissional relacionadas ao programa do governo federal “Projovem Trabalhador” (ID 263327196, pp. 37/44).

No entanto, a contratação do IEC com dispensa de licitação revelou-se contrária à previsão legal, em razão de não estar preenchido o requisito da inquestionável reputação ético-profissional da entidade contratada. Nesse sentido, é elucidativa a transcrição do parecer da Procuradoria Regional da República (ID 263434508):

[...] a contratação do IEC com dispensa de licitação mostrou-se totalmente injustificada diante da patente ausência de experiência daquele Instituto, estando ausente o requisito da inquestionável reputação ético-profissional.

Isso porque, ao mesmo tempo em que preparava a proposta, o IEC contratou a Cooperativa Educacional dos Profissionais do Ensino – UNICOOPE Docente (data da contratação 01.03.2010 – fls. 391/397 do Apenso I, Vol. II), para o fornecimento do corpo docente necessário à implementação do Programa, deixando claro que o INSTITUTO EDUCACIONAL CARVALHO não possuía professores em seus quadros, tendo que se valer de recrutamento de pessoas por intermédio de cooperativa, inclusive com burla à legislação trabalhista, o que evidencia ausência de capacitação técnica para a prestação dos serviços.

Ademais, a contratação da cooperativa ocorreu em 01.03.2010, ao passo que a contratação do IEC pela prefeitura de Nova Odessa veio a ocorrer apenas em 09.04.2010, o que demonstra que a contratação já estava previamente acertada.

O descumprimento do contrato ficou evidenciado pelo teor dos ofícios encaminhados pela Prefeitura Municipal de Nova Odessa à Procuradoria Regional da República e ao Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (ID 263327699, pp. 109/110 e 112), que informam a rescisão unilateral do contrato com a empresa Instituto Educacional Carvalho – IEC, a inexecução parcial do contrato e a suspensão temporária para novas contratações.

A autoria também é inconteste, na medida em que o acusado BEN HUR, então diretor de convênios da Prefeitura Municipal de Nova Odessa, era o gestor do contrato e responsável pela fiscalização da execução do programa Projovem, tendo indicado o IEC para ser contratado devido à sua capacidade técnica e proposta pedagógica (ID 263327199, p. 74).

No procedimento administrativo instaurado pela prefeitura para apuração de irregularidades na execução do programa Projovem, ficou constatado que o responsável pela indicação e contratação do IEC foi o apelante BEN HUR GOMES (ID 263327198)

Quanto ao elemento subjetivo do tipo, não basta a comprovação nos autos da vontade livre e consciente do agente de deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade de licitação, sendo necessária a presença do chamado dolo específico, consistente na demonstração da vontade do sujeito ativo de causar dano ao erário e de promover efetivo prejuízo à administração pública, sob pena de ser a conduta considerada atípica. Nesse sentido, trago ementas de julgados do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça:

Ação Penal. Ex-prefeito municipal. Atual deputado federal. Dispensa irregular de licitação (art. 89, caput, da Lei nº 8.666/93). Dolo. Ausência. Atipicidade. Ação penal improcedente. [...] 4. A incidência da norma que se extrai do art. 89, caput, da Lei nº 8.666/93 depende da presença de um claro elemento subjetivo do agente político: a vontade livre e consciente (dolo) de lesar o Erário, pois é assim que se garante a necessária distinção entre atos próprios do cotidiano político-administrativo e atos que revelam o cometimento de ilícitos penais. A ausência de indícios da presença do dolo específico do delito, com o reconhecimento de atipicidade da conduta dos agentes denunciados, já foi reconhecida pela Suprema Corte (Inq. nº 2.646/RN, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Ayres Britto, DJe de 7/5/10). 5. Denúncia rejeitada. Ação penal julgada improcedente (INQ 2.616, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 29/05/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-167 DIVULG 28-08-2014 PUBLIC 29-08-2014)

PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. 1. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. FRAUDE EM LICITAÇÃO. 2. ART. 89 DA LEI N. 8.666/1993. DOLO ESPECÍFICO. DANO AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DE DESCRIÇÃO. INÉPCIA FORMAL DA DENÚNCIA. 3. RECURSO EM HABEAS CORPUS PROVIDO PARA TRANCAR A AÇÃO PENAL. [...] 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que o tipo penal inscrito no art. 89 da Lei 8.666/1993 exige 'o prejuízo ao erário e a finalidade específica de favorecimento indevido como necessários à adequação típica - Inq 2.616, relator min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 29.5.2014' (AP 683/MA, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 06/3/2017). Portanto, não constando da denúncia o dolo específico de causar dano ao erário e a demonstração do efetivo prejuízo, verifica-se que não ficou devidamente demonstrada a tipicidade do delito imputado, revelando-se, dessa forma, inepta a inicial acusatória. 3. Recurso em habeas corpus provido, para trancar a Ação Penal n. 0803811-65.2013.8.20.0124, haja vista a inépcia formal da inicial acusatória, sem prejuízo de oferecimento de nova denúncia, com extensão da ordem aos codenunciados Antônio Batista Barros, Agnelo Alves Filho, José Luiz Nunes Alves e Aluísio Cavalcante Cordeiro, nos termos do art. 580 do Código de Processo Penal (RHC 49.627/RN, Rel. Min. REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 20/06/2017, DJe 30/06/2017)

No âmbito deste Tribunal Regional Federal, a jurisprudência também tem se posicionado no sentido de que o tipo penal descrito no art. 89 da Lei nº 8.666/93 somente se perfaz caso comprovada a vontade do agente de causar dano ao erário e de impor prejuízo à administração. A título exemplificativo:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. DELITO DO ART. 89 DA LEI Nº 8.666/1993. DISPENSA DE LICITAÇÃO. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO DOLO ESPECÍFICO. RECURSO DESPROVIDO. 1. Em se tratando do delito do art. 89 da Lei nº 8.666/93, a jurisprudência das Cortes Superiores solidificou-se no sentido da necessidade da demonstração do dolo específico, ou seja, da intenção de causar dano ao erário, o que não ocorreu no caso concreto. 2. As circunstâncias do caso concreto não permitem concluir pela configuração do dolo específico dos administradores. 3. Apelação a que se nega provimento.

(TRF3, ApCrim nº 0021886-16.2012.4.03.0000/SP, Rel. p/ acórdão Des. Federal Nino Toldo, Décima Primeira Turma, j. 24.10.2019, DJe 25.11.2019)

No caso, ficou devidamente demonstrado, pelo conjunto probatório produzido, o dolo específico do réu na conduta perpetrada, diante da constatação de que a execução do objeto do contrato não foi cumprida (cf. Nota Técnica nº 966/2016/CEPC/SPPE/MTb – ID 263327720, pp. 35/44), resultando em dano ao erário em valor correspondente a R$ 778.458,46 (setecentos e setenta e oito mil quatrocentos e cinquenta e oito reais e quarenta e seis centavos).

Portanto, havendo provas suficientes da materialidade, da autoria e do dolo, mantenho a condenação de BEN HUR GOMES pela prática do crime previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/93, nos termos da denúncia.

Quanto à dosimetria da pena privativa de liberdade, nenhum reparo há de ser feito na sentença, que a fixou no mínimo legal, não tendo havido qualquer insurgência do apelante quanto a este aspecto, pelo que deixo de reapreciá-la, tornando definitiva a pena de 3 (três) anos de detenção.

A pena de multa foi fixada em 10 (dez) dias-multa, o que confirmo, não obstante o art. 99, § 1º, da Lei nº 8.666/93 preveja a sua fixação em percentual sobre o valor atualizado do contrato celebrado com dispensa de licitação, por se tratar de recurso exclusivo da defesa.

O juízo havia fixado o regime inicial semiaberto em razão do concurso material. Contudo, como foi reconhecida a prescrição de um dos crimes, altero para o regime aberto o início do cumprimento da pena privativa de liberdade (CP, art. 33, § 2º, “c”), a qual substituo por duas penas restritivas de direitos (CP, art. 44), consistentes em (i) prestação de serviços à comunidade ou a entidades pública, pelo prazo da pena substituída, em local e modo a serem definidos pelo juízo da execução penal; e (ii) prestação pecuniária, no montante de 10 (dez) salários mínimos, em favor de entidade pública ou privada com destinação social a ser indicada pelo juízo da execução penal.

A perda do cargo público ocupado pelo apelante fica mantida, pois encontra fundamento legal não apenas no art. 92, I, "a", do Código Penal, mas também no art. 83 da Lei nº 8.666/93.

Posto isso, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação apenas para, com fundamento nos arts. 107, IV, 109, V, e 110, § 1º, do Código Penal, declarar extinta a punibilidade de BEN HUR GOMES quanto ao crime previsto no art. 312 do Código Penal, ficando mantida em 3 (três) anos de detenção e 10 (dez) dias-multa a pena definitiva pela prática do crime do art. 89 da Lei nº 8.666/93, sendo alterado para o regime aberto o início do cumprimento da pena privativa de liberdade (CP, art. 33, ª 2º, "c"), que é substituída por duas restritivas de direitos, nos termos da fundamentação supra.

É o voto.



E M E N T A

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. ART. 312 DO CÓDIGO PENAL. MATERIALIDADE. AUTORIA. DOLO. ART. 89 DA LEI Nº 8.666/93.

1. Declarada extinta a punibilidade do réu quanto ao crime previsto no art. 312 do Código Penal, com fundamento nos arts. 107, IV, 109, V, e 110, § 1º, do Código Penal.

2. Materialidade, autoria e dolo comprovados quanto ao crime previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/93, cuja dosimetria da pena fica mantida.

3. Apelação parcialmente provida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação apenas para, com fundamento nos arts. 107, IV, 109, V, e 110, § 1º, do Código Penal, declarar extinta a punibilidade de BEN HUR GOMES quanto ao crime previsto no art. 312 do Código Penal, ficando mantida em 3 (três) anos de detenção e 10 (dez) dias-multa a pena definitiva pela prática do crime do art. 89 da Lei nº 8.666/93, sendo alterado para o regime aberto o início do cumprimento da pena privativa de liberdade (CP, art. 33, ª 2º, "c"), que é substituída por duas restritivas de direitos, nos termos do voto do Relator DES. FED. NINO TOLDO, acompanhado pelo DES. FED. HÉLIO NOGUEIRA, tendo o DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS participado como terceiro votante em razão da ausência justificada do DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI a partir das 15 horas, da sessão ordinária de julgamento realizada em 22.06.2023, de forma presencial., nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.