Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0008170-46.2017.4.03.6110

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: ALISSON TEODORO DA SILVA

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0008170-46.2017.4.03.6110

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: ALISSON TEODORO DA SILVA

 

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:

 

Trata-se de Apelação Criminal interposta por ALISSON TEODORO DA SILVA, nascido em 29.02.1996, em face da r. sentença (Id 145899991 – fls. 09/30), proferida pela Exma. Juíza Federal Sylvia Marlene de Castro Figueiredo (3ª Vara Federal de Sorocaba/SP), a qual julgou PROCEDENTE a pretensão punitiva para condenar o réu pela prática do crime previsto no artigo 334-A, caput, do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 02 (dois) anos de reclusão, a ser cumprida em regime inicial ABERTO, substituída a reprimenda corporal por duas penas restritivas de direitos consubstanciadas em prestação de serviços à comunidade ou à entidade pública (art. 46 do CP), na forma a ser especificada pelo r. Juízo das Execuções Penais, e por prestação pecuniária equivalente a ¼ (um quarto) do salário mínimo ao mês, a ser entregue a instituição designada pelo r. Juízo das Execuções Penais, ou, se o réu preferir, poderá optar por entregar duas cestas básicas por mês a instituição previamente cadastrada a ser indicada pelo Juízo das Execuções Penais.

 

O Ministério Público Federal ofereceu denúncia em face de ALISSON TEODORO DA SILVA nos termos seguintes (Id 145899990 – fls. 06/08):

 

“(...)

Acusação I

Artigo 334-A, caput, do Código Penal

(conforme artigo 190 da Lei nº 9.279/96)

1. Em 29 de Maio de 2017, na altura do quilômetro 95 da Rodovia Castello Branco, no município de Porto Feliz, SP, ALISSON TEODORO DA SILVA importou mercadoria proibida pela lei brasileira.

2. Na ocasião, servidores da Delegacia da Receita Federal de Sorocaba, em conjunto com a Polícia Militar Rodoviária do Estado de São Paulo, realizavam operação de repressão ao contrabando e descaminho no local dos fatos. Durante a fiscalização foi abordado o ônibus da Viação Princesa do Norte, placas AYL-1742, onde foram apreendidos 722 agasalhos de moletom, que continham a etiqueta da marca ‘Polo Ralph Lauren’ indicando fabricação no Sri Lanka.

3. A partir da numeração da Nota Fiscal e DACTE, apostos nas etiquetas dos volumes, bem como cópias dos documentos retidos no momento da apreensão das referidas mercadorias e outros posteriormente entregues, foi possível identificar ALISSON TEODORO DA SILVA, sócio-administrador da empresa ALISSON TEODORO DA SILVA CONFECÇOES - ME como proprietário das mercadorias, responsável pelos produtos (fls. 3 e verso).

4. A fim de se verificar-se a autenticidade dos produtos apreendidos, foi retirada e enviada amostra ao representante da marca ‘Polo Ralph Lauren’ (fl. 11 - Mídia/CD). Realizada perícia pela detentora da marca, foi constatada e declarada a falsidade dos produtos (fls. 12/23 - Mídia/CD).

5. A importação de mercadorias contrafeitas, é vedada pela legislação brasileira (Artigo 190, 1, da Lei nº 9.279/96).

6. Todas as mercadorias apreendidas tinham por finalidade sua comercialização, dada sua grande quantidade, bem como por serem de propriedade da empresa ALISSON TEODORO DA SILVA CONFECÇOES ME, cujo sócio-administrador é ALISSON TEODORO DA SILVA.

7. Ao ser identificado como responsável por importar mercadoria proibida pela lei brasileira, ALISSON TEODORO DA SILVA praticou conduta prevista no artigo 334-A, caput, do Código Penal (conforme artigo 190 da Lei nº. 9.279/96) (...)”.

 

A denúncia foi recebida em 11 de junho de 2018 (Id 145899990 – fl. 17).

 

A sentença foi publicada em 26 de novembro de 2019 (Id 145899991 – fl. 31).

 

Inconformada, a Defesa interpôs recurso de Apelação pleiteando a desclassificação da conduta para o crime descrito no artigo 190, inciso I, da Lei n. 9.279/1996, de competência da justiça estadual, com a consequente extinção da punibilidade. Subsidiariamente, requereu a redução do valor imposto a título de prestação pecuniária para 01 (um) salário-mínimo, bem como a concessão dos benefícios da justiça gratuita (Id 145899991 – fls. 40/44).

 

Recebido o recurso e apresentadas as contrarrazões (Id 145899991 – fls. 51/54), subiram os autos a esta E. Corte.

 

Nesta instância, o Parquet Federal ofertou parecer no qual se manifestou pelo desprovimento do apelo defensivo (Id 147005248).

 

É o relatório.

 

À revisão, nos termos regimentais.

 

 


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APELANTE: ALISSON TEODORO DA SILVA

 

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:

 

O réu ALISSON TEODORO DA SILVA foi condenado em primeiro grau pela prática do crime previsto no artigo 334-A, caput, do Código Penal (redação dada pela Lei n. 13.008/2014), in verbis:

 

Contrabando

Art. 334-A. Importar ou exportar mercadoria proibida:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.

(...)

 

Narra a denúncia que, no dia 29 de maio de 2017, na altura do quilômetro 95 da Rodovia Castello Branco, no município de Porto Feliz, SP, servidores da Delegacia da Receita Federal de Sorocaba, em conjunto com a Polícia Militar Rodoviária do Estado de São Paulo, realizavam operação de repressão ao contrabando e descaminho. Durante a fiscalização foi abordado o ônibus da Viação Princesa do Norte, placas AYL-1742, onde foram apreendidos 722 (setecentos e vinte e dois) agasalhos de moletom, que continham a etiqueta da marca “Polo Ralph Lauren”, indicando fabricação no Sri Lanka. A partir da numeração da Nota Fiscal e DACTE, apostos nas etiquetas dos volumes, bem como cópias dos documentos retidos no momento da apreensão das referidas mercadorias e outros posteriormente entregues, foi possível identificar o réu ALISSON TEODORO DA SILVA, sócio e administrador da empresa ALISSON TEODORO DA SILVA CONFECÇOES - ME como proprietário das mercadorias e responsável pelos produtos. A fim de se verificar a autenticidade dos produtos apreendidos, foi retirada e enviada amostra ao representante da marca “Polo Ralph Lauren”, o qual constatou e declarou a falsidade dos produtos apreendidos em poder do acusado.

 

Com o encerramento do procedimento fiscal, foi instaurada a presente ação penal e, após regular instrução probatória, sobreveio sentença condenatória, contra a qual se insurge a defesa.

 

Passa-se à análise das razões recursais.

 

DA TIPIFICAÇÃO E DA COMPETÊNCIA

 

Impende, neste ponto, trazer à baila questão atinente à incompetência absoluta, que, em se tratando de matéria de ordem pública, é de enfrentamento necessário em qualquer fase processual.

 

Anote-se que há que se proceder à adequação da capitulação jurídica do fato narrado na denúncia ao tipo penal previsto em lei, ante a aplicação da emendatio libelli, nos termos do artigo 383 do Código de Processo Penal, que dispõe o juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave.

 

Cumpre registrar que não há qualquer óbice ao poder do Tribunal em aplicar aludido instituto, nos termos do artigo 617 do Código de Processo Penal, notadamente em situações excepcionais, como a presente, permitindo ao julgador imiscuir-se na capitulação do delito, especialmente por implicar o reconhecimento de tema de ordem pública, a fim de evitar que a inadequada subsunção típica macule o instituto da competência. Permite-se, para tal consecução, inclusive, adentrar a fundamentação necessária ao correto enquadramento jurídico.

 

Nesse sentido colaciono o seguinte julgado:

 

PROCESSUAL PENAL E PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL, ORDINÁRIO OU DE REVISÃO CRIMINAL. EMENDATIO LIBELLI. DIREITOS PROCESSUAIS OU MATERIAIS. TEMAS DE ORDEM PÚBLICA. DECISÃO POSSÍVEL EM QUALQUER FASE DO PROCESSO. FUNDAMENTAÇÃO COM EXAME DA CORRETA ADEQUAÇÃO TÍPICA. LEGALIDADE. ANULAÇÃO DA DECISÃO FAVORÁVEL À DEFESA SEM RECURSO ACUSATÓRIO. REFORMATIO IN PEJUS. OCORRÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.

(...)

2. Se a aplicação do direito aos fatos denunciados dá-se em regra pela sentença, mantendo ou não a tipificação indicada pela inicial acusatória - arts. 383 e 384 do Código de Processo Penal -, o reconhecimento de incontroversos direitos processuais ou materiais, caracterizados como temas de ordem pública, pode dar-se em qualquer fase do processo, inclusive com fundamentação então necessária de correto enquadramento típico.

3. Nada impede possa o magistrado, mesmo antes da sentença condenatória, evitando a mora e os efeitos de indevida persecução criminal, reconhecer desde logo clara incompetência, prescrição, falta de justa causa, direitos de transação, sursis processual, ou temas outros de ordem pública, relevantes, certos e urgentes.

(...)

(STJ, HC n.º 241.206/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 11/11/2014, DJe 11/12/2014).

 

 

Conforme descrito na Representação Fiscal para Fins Penais (Id 145899989 – fls. 07/09) e narrado na denúncia, em fiscalização realizada pela Polícia Militar Rodoviária do Estado de São Paulo em conjunto com servidores da Delegacia da Receita Federal de Sorocaba, por ocasião da abordagem do ônibus da Viação Princesa do Norte, placas AYL-1742, foram identificados setecentos e vinte e dois agasalhos de moletom com etiqueta da marca “Polo Ralph Lauren”, indicando fabricação no Sri Lanka, com documentação em nome da empresa ALISSON TEODORO DA SILVA CONFECÇÕES – ME. A partir da numeração da Nota Fiscal e DACTE, apostos nas etiquetas dos volumes, bem como do exame das cópias dos documentos retidos no momento da apreensão das referidas mercadorias e outros posteriormente entregues, foi possível identificar ALISSON TEODORO DA SILVA, sócio-administrador da aludida pessoa jurídica, como proprietário das mercadorias e responsável pelos produtos.

 

A contrafação da mercadoria restou confirmada pelo setor técnico da marca “Polo Ralph Lauren”, conforme noticiado pelos representantes no Brasil (Id 145899989 – fls. 11/12), dando ensejo à lavratura do Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal de Mercadorias (Id 145899989 – fls. 13/15).

 

Instado a manifestar-se, o Ministério Público Federal requereu o arquivamento dos autos no que tange ao crime de contrabando, aplicando-se o princípio da insignificância em razão do baixo valor dos tributos devidos, e aduziu que eventual crime contra propriedade industrial e de marca compete à iniciativa privada, nos termos do artigo 199 da Lei n. 9.279/1996 (Notícia de Fato n. 1.34.016.001354/2017-15 - (Id 145899989 – fls. 20/22).

 

Por discordar do entendimento ministerial, o r. Juízo a quo, com fulcro no artigo 28 do CPP, determinou a remessa dos autos à 2ª Câmara de Coordenação e Revisão Criminal do Ministério Público Federal para deliberação sobre o pedido de arquivamento (Id 145899989 – fls. 36/37).

 

Com o retorno dos autos (Id 145899989 – fls. 46/50 e 54), o Parquet Federal ofereceu denúncia em face do réu ALISSON TEODORO DA SILVA pela prática do crime de contrabando (art. 334-A do Código Penal), aduzindo que, quanto ao delito previsto no artigo 190, inciso I, da Lei n. 9.279/1996, somente se procede mediante queixa, tendo transcorrido o prazo decadencial de seis meses (Id 145899989 – fl. 58).

 

Recebida a peça acusatória e dado prosseguimento ao feito, o réu foi devidamente intimado e ofereceu resposta à acusação, todavia, não compareceu à audiência de instrução e julgamento, assim como seu advogado constituído, sendo-lhe nomeado defensor dativo e decretada sua revelia por ter mudado de domicílio sem comunicar o juízo (Id 145899990 – fls. 115/116).

 

Prosseguiu-se à instrução probatória (mídia Id 145899996), sobrevindo a condenação do apelante pelo cometimento do crime previsto no artigo 334-A, caput, do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 02 (dois) anos de reclusão.

 

Contudo, a conduta descrita na inicial melhor se adequa ao tipo penal previsto no artigo 190 da Lei n. 9.279, de 14 de maio de 1996, que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial:

 

Art. 190. Comete crime contra registro de marca quem importa, exporta, vende, oferece ou expõe à venda, oculta ou tem em estoque:

I - produto assinalado com marca ilicitamente reproduzida ou imitada, de outrem, no todo ou em parte; ou

II - produto de sua indústria ou comércio, contido em vasilhame, recipiente ou embalagem que contenha marca legítima de outrem.

Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) meses, ou multa.

 

A mercadoria contrafeita é espécie do gênero mercadoria proibida, amoldando-se sua internação à norma específica do artigo 190 da Lei n. 9.279/1996, e não ao artigo 334-A do Código Penal (contrabando), prevalecendo, em aparente conflito de normas, a lei especial, cujo processamento e julgamento compete à Justiça Estadual. Neste sentido, destaque-se o julgado proferido pelo C. Superior Tribunal de Justiça:

 

PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME CONTRA A MARCA. CONTRABANDO. EXPOSIÇÃO À VENDA DE PRODUTOS FALSIFICADOS. IMPORTAÇÃO. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. 1. A conduta versada nestes autos refere-se à prática de expor à venda produtos com marcas ilicitamente reproduzidas, tipificada na Lei de Propriedade Industrial, ensejando a competência da Justiça Estadual, pois constitui, em tese, mera ofensa a interesses particulares. 2. A origem dos produtos falsificados, conforme se infere dos autos, é incerta, havendo mera suposição de que são provenientes do exterior, restando prejudicado o entendimento que aponta conexão entre o crime contra a marca e eventual crime de contrabando, de forma a deslocar a competência para a Justiça Federal. 3. Tratando-se de infração de menor potencial ofensivo, impõe-se a aplicação do rito sumaríssimo, previsto na Lei 9.099/95, cujo processamento compete aos juizados especiais. 4. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito do Quarto Juizado Especial Criminal de Goiânia/GO, suscitado. (STJ, CC 36398/GO, Terceira Seção, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, v.u., julgado em 09.03.2005, DJ 04.04.2005)

A questão trazida à lume nessa seara recursal não se limita à aplicação ou não da teoria da bagatela, mas exige reflexão a respeito da subsunção do fato narrado na peça acusatória à norma penal incriminadora do crime de contrabando ou descaminho, definidos no artigo 334 do Código Penal. Com efeito, nas razões recursais o órgão ministerial, ao discorrer acerca da não incidência do princípio da insignificância ao caso, assevera que in casu cuida-se do crime de contrabando, em razão da introdução, o território nacional, de mercadorias falsificadas, cuja comercialização é proibida no Brasil, por violarem a Lei de Propriedade Industrial (Lei nº. 9.279/96). Confira-se: ' (...) Com efeito, a Lei nº. 9.279/96, que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial, estabelece em seu art.198: 'Art.198. Poderão ser apreendidos, de ofício ou a requerimento do interessado, pelas autoridades alfandegárias, no ato de conferência, os produtos assinalados com marcas falsificadas, alteradas ou imitadas ou que apresentem falsa indicação de procedência'. (...) não há como se falar em tributos iludidos numa conduta em que não seria possível o pagamento de qualquer tributo para torna-la regular. A importação de mercadorias falsificadas é proibida, de modo que não há que se falar em tributo não recolhido. (...) Trata-se, portanto, de contrabando, não de descaminho, de modo que não há que se falar em aplicação do princípio da insignificância pelo valor dos tributos não recolhidos'. Como outrora exposto, a denúncia narra que no dia 10 de agosto de 2009, por volta das 08:30 horas, no KM 420 da BR 262, os recorridos foram surpreendidos na posse de 546 ( quinhentos e quarenta e seis) pares de tênis e 11 (onze) calças jeans falsificados, adquiridos na Bolívia e capitula a prática delitiva no artigo 334, §1º, alínea 'd', do Código Penal, (...) A denúncia narra e capitula o cometimento do crime de descaminho e tão somente por ocasião de sua rejeição o órgão ministerial postula a tipificação do fato como crime de contrabando, sustentando tratar-se de importação de grande quantidade de produtos falsificados, cuja comercialização é proibida em todo o território nacional, não tendo sido sonegado qualquer tributo, de forma a não se aplicar o princípio da insignificância. Deveras, trata-se de importação irregular de produtos estrangeiros contrafeitos. (...) A vexata questio diz respeito ao enquadramento legal da conduta imputada ao acusado: se a conduta subsume-se ao artigo 334, §1º, alínea 'd', do Código Penal ou ao artigo 190 da Lei nº. 9.279/96, que dispõe (...). A conduta de importar mercadoria falsificada não configura o delito de contrabando, de maneira a entender que o produto seria de internação vedada, mas se subsume ao artigo 190, inciso I, da Lei nº. 9.279/96, cujo processamento e julgamento compete à Justiça Estadual. Isto porque a mercadoria contrafeita é espécie do gênero mercadoria proibida e, portanto, sua internação se amolda à norma mais específica do artigo 190 da Lei nº. 9.279/96, e não no artigo 334 do Código Penal. O 190 da Lei nº. 9.279/96 é especial em relação ao crime de contrabando, sobre este prevalecendo, na solução do conflito aparente de normas, pelo princípio da especialidade. Pois bem, a importação de produto falsificado não constitui contrabando (art. 334, caput, 1ª parte do Código Penal) ou descaminho (art. 334 2ª parte do Código Penal), mas sim crime específico (importação de produto assinalado com marca ilicitamente reproduzida ou imitada no todo ou em parte) capitulado no artigo 190, inciso I, da Lei 9.279/96, cuja persecução penal se procede mediante queixa da parte lesada, conforme determina do artigo 199 da Lei 9.279/96. Se não houver provocação da instância penal pelo legitimado, cabe apenas a atuação fiscal-aduaneira da autoridade administrativa com aplicação de pena de perdimento, apreensão e destruição (artigo 105, inc. VIII, do Decreto-Lei 37/1996 c/c artigos 544 e seguintes do Decreto n. 4.543/2002).

Esta e. Primeira Turma decidiu: 'PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. COMERCIALIZAÇÃO DE MERCADORIAS CONTRAFEITAS DE ORIGEM ESTRANGEIRA. BOLSAS E CARTEIRAS DA MARCA 'LOUIS VUITTON'. CRIME DE CONTRABANDO OU DESCAMINHO OU CRIME CONTRA O REGISTRO DE MARCA. CONFLITO APARENTE DE NORMAS. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. 1. Apelação interposta pela Acusação contra sentença que absolveu o réu da imputada prática do crime do artigo 334, §1°, alínea "c", do Código Penal. 2. O réu é acusado de comercializar mercadoria de procedência estrangeira sem prova de importação regular. Contudo, a mercadoria em questão é contrafeita. O conflito aparente entre as normas entre o artigo 334, §1º, "c" do Código Penal e o artigo 190 da Lei nº 9.279/96 resolve-se pela aplicação do princípio da especialidade. 3. Se mercadoria contrafeita é espécie do gênero mercadoria proibida, então a conduta de importar mercadoria contrafeita deve ser enquadrada na norma mais específica, qual seja, o artigo 199 da Lei nº 9.279/96, e não no artigo 334 do Código Penal. 4. Não é possível concluir-se que essa mesma conduta tipifica ambos os crimes, ao fundamento de que os bens jurídicos tutelados são distintos. O tipo penal do artigo 334 do Código Penal visa tutelar a política estatal de comércio exterior, pois através da proibição de importação de determinada mercadoria, ou da tributação sobre a sua importação, o Estado pode estimular ou proteger determinado setor da indústria nacional. Já o crime do artigo 190 da Lei nº 9.279/96 visa proteger o interesse do detentor da marca comercial, tanto que é crime que somente se procede mediante queixa. 5. Assim, o crime do artigo 334 visa proteger o interesse público do Estado na regularidade do estabelecimento de suas políticas de comércio exterior, enquanto que o tipo do artigo 190 da Lei nº 9.279/96 visa proteger o interesse privado do titular da marca comercial. 6. Não há interesse do Estado na proteção da regularidade do comércio exterior, no caso de mercadorias contrafeitas. Essas têm sua importação proibida, não em razão da política estatal de comércio exterior, mas pelo fato de serem contrafeitas. Tanto que é proibida a comercialização de qualquer mercadoria contrafeita, seja ela importada ou nacional. 7. Apelação improvida'. (ACR 5443 SP 2004.61.81.005443-2, Relator(a): JUIZ CONVOCADO MÁRCIO MESQUITA, Julgamento: 28/04/2009).

(...)

O acórdão recorrido alinha-se à jurisprudência desta Corte Superior que, no tocante à introdução clandestina de mercadorias proibidas em território brasileiro, admite a aplicação do princípio da especialidade para afastar a incidência ao art. 334 do CP quando a norma especial também abrange a conduta de importação, porém de forma específica. (...) No caso concreto, a subsunção do fato à norma do art. 190, I, da Lei 9.279/1996, que configura o crime contra registro de marca, deveu-se à constatação de que os objetos importados pelos recorrentes são falsificados, isto é, estampam etiquetas inautênticas de grifes conhecidas no mercado, ilicitamente reproduzidas. O tipo penal em comento, a propósito, incrimina a seguinte conduta: (...) Como visto, o encaixe fático-normativo, ao menos em tese, mostra-se adequado. Rever a conclusão da instância ordinária, neste ponto, demandaria, com efeito, o reexame de matéria probatória, o que, em sede de recurso especial, constitui medida vedada pelo óbice da Súmula 7/STJ. Ante o exposto, com fundamento no art. 932, III, do CPC c/c o art. 253, parágrafo único, II, "a", do RISTJ, conheço do agravo para não conhecer do recurso especial. (g.n.) (AREsp 315453, Relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, decisão monocrática publicada em 25.09.2017)

No que concerne ao delito do art. 334 do Código Penal, entendo acertada a solução adotada pelo magistrado a quo, uma vez que o caráter proibido das mercadorias expostas à venda pelo acusado, que configuraria o crime de contrabando, decorre diretamente da natureza contrafeita de tais produtos. A conduta de importar ou vender mercadorias falsificadas encontra-se tipificada no art. 190, I da Lei n° 9.279/96, a qual demonstra ser, portanto, norma especial em relação ao tipo do art. 334 do Código Penal. (e-STJ fls. 218/219) (...). Também, já decidiu esta Corte que a conduta de expor a venda produtos com marcas ilicitamente reproduzida está tipificada na Lei de Propriedade Industrial, por constituir, em tese, mera ofensa a interesse de particulares. A propósito: CC 33.939/RJ, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, DJ 26/03/2007. (AREsp 1421131, Relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, decisão monocrática publicada em 29.05.2019)

 

Portanto, tratando-se de apreensão de produto contrafeito possivelmente oriundo do Sri Lanka para fins de eventual comercialização, a conduta narrada na inicial subsome-se ao tipo penal descrito no artigo 190 da Lei n. 9.279/1996, que é de competência da Justiça Estadual e crime de ação penal privada, e não ao artigo 334-A do Código Penal, conforme capitulação contida na denúncia, sendo de rigor efetuar a correta tipificação do delito imputado ao réu.

 

A conduta versada nestes autos constitui, em tese, mera ofensa a interesses particulares, não atraindo a competência da Justiça Federal, pois se objetiva proteger o interesse privado do titular da marca comercial. Neste sentido:

 

PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME CONTRA A MARCA. CONTRABANDO. EXPOSIÇÃO À VENDA DE PRODUTOS FALSIFICADOS. IMPORTAÇÃO. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.

1. A conduta versada nestes autos refere-se à prática de expor à venda produtos com marcas ilicitamente reproduzidas, tipificada na Lei de Propriedade Industrial, ensejando a competência da Justiça estadual, pois constitui, em tese, mera ofensa a interesses particulares.

2. A origem dos produtos falsificados, conforme se infere dos autos, é incerta, havendo mera suposição de que são provenientes do exterior, restando prejudicado o entendimento que aponta conexão entre o crime contra a marca e eventual crime de contrabando, de forma a deslocar a competência para a Justiça Federal.

3. Tratando-se de infração de menor potencial ofensivo, impõe-se a aplicação do rito sumaríssimo, previsto na Lei 9.099/95, cujo processamento compete aos juizados especiais.

4. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito do Quarto Juizado Especial Criminal de Goiânia/GO, suscitado.

(CC n. 36.398/GO, relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, Terceira Seção, julgado em 9/3/2005, DJ de 4/4/2005, p. 166.).

 

Demais disso, o artigo 199 da Lei n. 9.279/1996 preconiza que nos crimes contra a propriedade industrial somente se procede mediante queixa, salvo quanto ao crime previsto no artigo 191, em que a ação penal será pública. Assim, cumpre reconhecer que falece legitimidade ativa ao Ministério Público para a propositura da presente Ação Penal.

 

Tais circunstâncias conduzem, inevitavelmente, ao reconhecimento da nulidade da Ação Penal ab initio.

 

Observe-se que, neste feito, não se tem notícia se o ofendido veio a saber quem é o autor do crime e, por conseguinte, não se tem condições de aferir eventual decadência do direito de queixa, conforme preconiza o artigo 103 do Código Penal, c.c. o artigo 38 do CPP. De outro giro, por ser matéria de ordem pública, mostra-se imperioso de qualquer sorte o reconhecimento do transcurso do prazo prescricional in abstrato, que, in casu, certamente é inferior à reprimenda penal estabelecida na sentença (02 anos de reclusão).

 

Os fatos ocorreram em 29 de maio de 2017. No caso, tendo em vista a pena cominada ao delito do artigo 190 da Lei n. 9.279/1996 (detenção de 01 a 03 meses, ou multa), o prazo prescricional a ser observado é de 03 (três) anos, nos termos do artigo 109, inciso VI, do Código Penal, com a redação conferida pela Lei n. 12.234/2010.

 

Assim, entre a data dos fatos até o presente momento, já houve o decurso de lapso temporal muito superior ao necessário para o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva, impondo-se a extinção da punibilidade dos fatos irrogados ao apelante (CP, art. 107, inciso IV, primeira figura, c.c. o art. 109, inciso VI).

 

DO PLEITO DE CONCESSÃO DA JUSTIÇA GRATUITA

 

Em sede recursal a Defesa pleiteia a concessão da gratuidade da justiça alegando hipossuficiência do réu.

 

Consigno que a condenação ao pagamento das custas processuais decorre do comando normativo inserto no artigo 804 do CPP, sendo devida mesmo ao acusado que seja beneficiário da Assistência Judiciária Gratuita.

 

No caso concreto, não há informações acerca das condições financeiras do réu, sendo assistido pela Defensoria Pública da União em razão de sua revelia e do não comparecimento de seu advogado à audiência de instrução e julgamento. Neste cenário, ao que tudo indica, faz jus ao benefício da gratuidade de justiça.

 

De qualquer sorte, deve ser adotado o entendimento jurisprudencial no sentido de que a eventual impossibilidade de adimplemento das custas processuais deve ser requerida no Juízo da Execução Criminal (Ap. 0000051-59.2013.8.18.0040, 2ª C. Esp. Crim, Rel. Joaquim Dias de Santana Filho, Julg. 27.04.2015, v.u.), de modo que nada impede que, oportunamente, o Juízo das Execuções Criminais, observando a insuficiência de recursos do apenado, proceda à suspensão da exigibilidade das custas processuais, pelo período máximo de cinco anos ou enquanto sua situação financeira não lhe permitir arcar com este pagamento. Nesse sentido, há precedente do Superior Tribunal de Justiça: (AgInt no REsp 1637275/RJ, Min. Maria Thereza de Assis Moura, Julgado em 06 de dezembro de 2016).

 

DISPOSITIVO

 

Ante o exposto, VOTO POR DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA DEFESA para desclassificar a conduta descrita na denúncia para o crime previsto no artigo 190, inciso I, da Lei n. 9.279/1996, de competência da Justiça Estadual, anulando-se o processo ab initio, e, por conseguinte, DECLARAR EXTINTA A PUNIBILIDADE dos fatos irrogados a ALISSON TEODORO DA SILVA, com fulcro nos artigos 107, inciso IV, primeira figura, e 109, inciso VI (com a redação conferida pela Lei n. 12.234/2010), ambos do Código Penal, e CONCEDER a gratuidade da justiça.

 



E M E N T A

PENAL. PROCESSO PENAL. ARTIGO 334-A DO CÓDIGO PENAL. CONTRABANDO. APREENSÃO DE PRODUTO CONTRAFEITO SUPOSTAMENTE ORIUNDO DO EXTERIOR. TIPIFICAÇÃO INADEQUADA. EMENDATIO LIBELLI. FATO DESCRITO SUBSOME-SE AO DELITO DO ARTIGO 190 DA LEI 9.279/1996. NORMA ESPECIAL. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. NULIDADE AB INITIO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. GRATUIDADE DA JUSTIÇA CONCEDIDA. APELAÇÃO DO RÉU PROVIDA.

- Emendatio Libelli. Há que se proceder à adequação da capitulação jurídica do fato narrado na denúncia ao tipo penal previsto em lei, nos termos do artigo 383 do Código de Processo Penal. Inexistência de óbice ao poder do Tribunal em aplicar aludido instituto, nos termos do artigo 617 do Código de Processo Penal, notadamente em situações excepcionais, como a presente, permitindo ao julgador imiscuir-se na capitulação do delito, especialmente por implicar no reconhecimento de tema de ordem pública, a fim de evitar que a inadequada subsunção típica macule o instituto da competência.

- Tipificação. O órgão ministerial ofereceu a denúncia aduzindo tratar-se de delito de contrabando (apreensão de produto contrafeito supostamente oriundo do exterior para fins de eventual comercialização – moletons falsificados, ostentando a marca “Polo Ralph Lauren”), cuja contrafação restou confirmada pelo setor técnico da aludida marca, conforme noticiado pelos seus representantes no Brasil.

- A conduta descrita na inicial melhor se adequa ao tipo penal previsto no artigo 190 da Lei n. 9.279, de 14 de maior de 1996, que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial.

- Tal conduta constitui, em tese, mera ofensa a interesses particulares, não atraindo a competência da Justiça Federal, pois se objetiva proteger o interesse privado do titular da marca comercial. Demais disso, o artigo 199 da Lei n. 9.279/1996 preconiza que nos crimes contra a propriedade industrial somente se procede mediante queixa, salvo quanto ao crime previsto no artigo 191, em que a ação penal será pública. Assim, cumpre reconhecer que falece legitimidade ativa ao Ministério Público para a propositura da presente Ação Penal. Tais circunstâncias conduzem, inevitavelmente, ao reconhecimento da nulidade da Ação Penal ab initio.

- Não se tem notícia se o ofendido veio a saber quem é o autor do crime e, por conseguinte, não se tem condições de aferir eventual decadência do direito de queixa, conforme preconiza o artigo 103 do Código Penal, c.c. o artigo 38 do CPP. De outro giro, por ser matéria de ordem pública, mostra-se imperioso de qualquer sorte o reconhecimento do transcurso do prazo prescricional in abstrato, que, in casu, certamente é inferior à reprimenda penal estabelecida na sentença (02 anos de reclusão). Prescrição da pretensão punitiva reconhecida (CP, art. 107, inciso IV, primeira figura, c.c o art. 109, inciso VI).

- Não há informações acerca das condições financeiras do réu, sendo assistido pela Defensoria Pública da União em razão de sua revelia e do não comparecimento de seu advogado à audiência de instrução e julgamento. Neste cenário, ao que tudo indica, faz jus ao benefício da gratuidade de justiça. De qualquer sorte, deve ser adotado o entendimento jurisprudencial no sentido de que a eventual impossibilidade de adimplemento das custas processuais deve ser requerida no Juízo da Execução Criminal (Ap. 0000051-59.2013.8.18.0040, 2ª C. Esp. Crim, Rel. Joaquim Dias de Santana Filho, Julg. 27.04.2015, v.u.), de modo que nada impede que, oportunamente, o Juízo das Execuções Criminais, observando a insuficiência de recursos do apenado, proceda à suspensão da exigibilidade das custas processuais, pelo período máximo de cinco anos ou enquanto sua situação financeira não lhe permitir arcar com este pagamento. Nesse sentido, há precedente do Superior Tribunal de Justiça: (AgInt no REsp 1637275/RJ, Min. Maria Thereza de Assis Moura, Julgado em 06 de dezembro de 2016).

- Apelação do réu provida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, REVISÃO RATIFICADA PELO DES. FED. NINO TOLDO. A Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA DEFESA para desclassificar a conduta descrita na denúncia para o crime previsto no artigo 190, inciso I, da Lei n. 9.279/1996, de competência da Justiça Estadual, anulando-se o processo ab initio, e, por conseguinte, DECLARAR EXTINTA A PUNIBILIDADE dos fatos irrogados a ALISSON TEODORO DA SILVA, com fulcro nos artigos 107, inciso IV, primeira figura, e 109, inciso VI (com a redação conferida pela Lei n. 12.234/2010), ambos do Código Penal, e CONCEDER a gratuidade da justiça, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.