AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5001038-68.2022.4.03.0000
RELATOR: Gab. 12 - DES. FED. MARLI FERREIRA
AGRAVANTE: INST. NAC. COLON. REFORMA AGRARIA - INCRA
AGRAVADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
OUTROS PARTICIPANTES:
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5001038-68.2022.4.03.0000 RELATOR: Gab. 12 - DES. FED. MARLI FERREIRA AGRAVANTE: INST. NAC. COLON. REFORMA AGRARIA - INCRA AGRAVADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O A Exma. Senhora Desembargadora Federal MARLI FERREIRA (Relatora): Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO DA REFORMA AGRÁRIA - INCRA contra decisão que, em ação civil pública, concedeu parcialmente a tutela de urgência para determinar a realização de obras emergenciais no Reservatório Lagoa Rica, confrontante com o Projeto de Assentamento Zumbi dos Palmares, em Iaras/SP, especificamente para contenção da respectiva barragem, recuperação dos canais de escoamento e quaisquer outras medidas apontadas por seus engenheiros como necessárias para se evitar desmoronamento e manter os níveis de segurança suficientes bem como durante o transcurso do procedimento licitatório das obras definitivas, ampla divulgação, junto à população do Projeto de Assentamento Zumbi dos Palmares, notadamente por meio de placas sinalizadoras (e com eventual reunião com as lideranças locais), acerca da proibição de alteração das características estruturais da barragem da Lagoa Rica, em razão do risco de colapso estrutural e desmoronamento. Ao final, fixou o prazo de 10 dias para comprovação do início das obras e da divulgação, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00, a contar da intimação e manteve a tutela provisória anteriormente deferida para reconhecer à realização de inspeções técnicas mensais no reservatório, com apresentação de relatórios até o final do mês subsequente a cada vistoria. Sustenta que a decisão deve ser reformada e que a probabilidade do seu direito está demonstrada ante as dificuldades concretas para se atender ao pedido do MPF. Explica que as informações administrativas dão conta de obstáculo técnico, que é a necessidade de prévia elaboração de projeto básico para execução das obras. Obras essas que devem ser elaboradas nos termos sugeridos pelo Engenheiro Noboru Minei, Diretor do Centro Tecnológico de Hidráulica e Recursos Hídricos - CTH/DAEE, que consiste na implantação de pequenos barramentos por meio de cascata de soleiras a montante do barramento para uso como lazer com execução de projeto paisagístico no local, ao invés de se Afirma que procedeu ao cadastro do empreendimento no sítio do DAEE, mas que necessita de dados técnicos para conclusão do cadastramento em cumprimento ao requisitado pelo sistema, uma das condicionantes impostas para a possibilidade de parceria quanto à elaboração do novo projeto proposto. Acrescenta que o processo licitatório depende do projeto básico e que não dispõe de especialistas nessa área. Dessa forma, explica que a elaboração do projeto pelo DAEE dependia de pagamento prévio de multa, o que não foi possível por questões orçamentárias. Ressalta que esta envidando esforços para resolução da controvérsia (barragem), mas que a execução do projeto esbarrou em questões técnicas e orçamentárias. Pede que a multa seja afastada ou diminuída, em razão da comprovação dos seus esforços para cumprir a ordem judicial. Na contraminuta, o parquet alerta que, segundo a análise técnica, o encharcamento do maciço pode levar ao desmoronamento abrupto da barragem, o que pode ser resultado de surgências que vêm do talude a jusante. Explica, com relação ao canal provisório para o rebaixamento do nível da água, que o vistoriador salientou que o canal escavado pela Prefeitura já não dava mais vazão ao reservatório por ter sido interceptado pela barricada feita por moradores, de modo que o nível do reservatório estava excessivamente elevado para a época do ano e, ainda, sinalizou que não havia tido um aumento significativo do volume de chuvas por conta da secas que se prolongaram. Acrescenta que o rompimento não se consumou em razão da região, ainda, não ter sofrido com fortes chuvas e aumento pluvial. Observa que o início do período chuvoso pode ocasionar aumento do nível pluviométrico da barragem. Salienta que, nos termos da Lei n. 12.334/2010, que estabelece a política nacional de segurança de barragens destinadas à acumulação de água para quaisquer uso, dispõe que as barragens que não dispuserem dos requisitos de segurança, nos termos da lei, deverão ser recuperadas ou desativadas pelo seu empreendedor e que, portanto, é responsabilidade do INCRA tomar as providências necessárias no caso de inércia do empreendedor. Esclarece que o agravante teve tempo suficiente para tomar todas as providências cabíveis, uma vez que restou demonstrado que o problema foi identificado há mais de dois anos, sendo que a audiência de conciliação, a qual o INCRA se comprometeu a solucionar o problema, foi realizada em 16.08.2019, momento em que o agravante assegurou promover a execução das obras no prazo de 90 a 120 dias. No entanto, afirma que as obras sequer foram iniciadas, de modo que deve ser afastada a alegação do INCRA que vem empreendendo esforços para cumprir as determinações impostas na decisão judicial. Adverte que se trata de situação de urgência que deve ser atendida com presteza pelos órgão públicos, pois do contrário poderá afetar a ordem pública e gerar calamidade social. Destaca que não devem ser repetidas as tragédias que ocorreram Brumadinho e Mariana. Argumenta que a alegação de dificuldade orçamentária para pagar a multa e executar as obras não são aptas a servir de escudo para que o INCRA não cumpra a decisão judicial que lhe foi imposta, ainda mais quando envolve vidas humanas que residem ou circulam no entorno das barragens, sendo descabida a invocação da cláusula da reserva do possível no presente caso. Sustenta que a referida cláusula, ressalvado justo motivo objetivamente aferível, não pode ser invocada pelo Estado para se desonerar do cumprimento de obrigações constitucionais, sobretudo quando tratados direitos fundamentais (meio ambiente e direito à vida). Pondera que existe a possibilidade do Poder Executivo solicitar a abertura de crédito extraordinário ou especial, de modo a afastar o argumento de problemas orçamentários. Outrossim, afirma que o problema foi identificado em 2019 e que, portanto, houve tempo suficiente para o INCRA requerer a abertura de crédito suplementar, de modo que se as verbas previstas não fossem suficientes, bastaria ao INCRA requerer aporte monetária para reforçar os recursos já com dotação orçamentária. Pede que seja mantida a multa no valor fixado razoável e proporcional, visto que demonstrada a morosidade do INCRA no cumprimento dos seus deveres. É o relatório.
realizar a reforma da barragem.
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5001038-68.2022.4.03.0000 RELATOR: Gab. 12 - DES. FED. MARLI FERREIRA AGRAVANTE: INST. NAC. COLON. REFORMA AGRARIA - INCRA AGRAVADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A Exma. Senhora Desembargadora Federal MARLI FERREIRA (Relatora): O recurso não comporta provimento. A decisão agravada restou assim proferida: “… Conforme se extrai da transcrição supra, o provimento recorrido encontra-se devidamente fundamentado, tendo dado à lide a solução mais consentânea possível, à vista dos elementos contidos nos autos. Desta feita, não tendo o recurso apresentado pela agravante trazido nada de novo que pudesse infirmar o quanto decidido, de rigor a manutenção da decisão agravada, por seus próprios fundamentos. Registre-se, por oportuno, que a adoção, pelo presente julgado, dos fundamentos externados na sentença recorrida - técnica de julgamento "per relationem" -, encontra amparo em remansosa jurisprudência das Cortes Superiores, mesmo porque não configura ofensa ao artigo 93, IX, da CF/88, segundo o qual "todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade (...)". Confiram-se, nesse sentido, os seguintes julgados: "EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - INOCORRÊNCIA DE CONTRADIÇÃO, OBSCURIDADE OU OMISSÃO - PRETENDIDO REEXAME DA CAUSA - CARÁTER INFRINGENTE - INADMISSIBILIDADE - INOCORRÊNCIA DE CONSUMAÇÃO, NA ESPÉCIE, DA PRESCRIÇÃO PENAL - INCORPORAÇÃO, AO ACÓRDÃO, DAS RAZÕES EXPOSTAS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - MOTIVAÇÃO "PER RELATIONEM" - LEGITIMIDADE JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DESSA TÉCNICA DE FUNDAMENTAÇÃO - DEVOLUÇÃO IMEDIATA DOS AUTOS, INDEPENDENTEMENTE DA PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO, PARA EFEITO DE PRONTA EXECUÇÃO DA DECISÃO EMANADA DA JUSTIÇA LOCAL - POSSIBILIDADE - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS. Correta a decisão agravada. De fato, as alegações quanto às dificuldades técnicas e orçamentárias da agravante não são suficientes para afastar as determinações contidas na decisão agravada, sobretudo em razão da gravidade da situação apresentada e do bem tutelado (vida dos moradores ao redor da barragem). Ora, conforme bem apontado pelo parquet o perigo de rompimento da barragem já vem sendo discutido desde 2019, sem que o INCRA tenha tomado medidas efetivas para evitar o rompimento da barragem. Atente-se que, desde 2019, o INCRA vem se comprometendo a agilizar os procedimentos administrativos necessários para o início de obras de recuperação física e emergencial da barragem “Lagoa Rica”. Observa-se que, no Termo de Audiência, realizado em 16.08.2019, foi consignado: Como se vê, os próprios representantes da agravante admitiram em 2019 a necessidade de recuperação “emergencial" da barragem e apresentaram um projeto cujo prazo seria de 90 a 120 dias. No entanto, conforme noticiado pelo parquet, passados anos, a obra “emergencial" sequer tinha sido iniciada. Impende ressaltar que no presente caso sequer pode ser aventada violação ao princípio da Separação dos Poderes, visto que a atuação do Poder Judiciário encontra fundamento por ser esse direito indispensável à dignidade da pessoa humana, integrante do mínimo existencial. Saliente-se que a concretização dos direitos fundamentais não pode ficar condicionada à boa vontade do Administrador, sendo de suma importância que o Judiciário atue como órgão "controlador" da atividade administrativa. Quanto à reserva do possível, o denominado "mínimo existencial", no qual se incluem os direitos individuais e coletivos à vida e à saúde e que se apresenta com as características da integridade e da intangibilidade, e alegações genéricas, sem demonstração objetiva, no sentido da inexistência de recursos ou de previsão orçamentária não são capazes de frustrar a preservação do meio ambiente e, ainda, a adoção de medidas emergenciais para garantir a vida dos moradores da região ao redor da barragem. Frise-se que, o argumento da falta de condições orçamentárias não pode ser utilizado como obstáculo para efetivação do direito à vida e ao meio ambiente, o qual é um direito fundamental. Nesse sentido, colho julgado desta Corte: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REFORMA AGRÁRIA. PROJETO DE ASSENTAMENTO. REDE DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA. IRREGULARIDADES NO FORNECIMENTO. DIREITO FUNDAMENTAL E SOCIAL. PRESTAÇÕES POSITIVAS. MÍNIMO EXISTENCIAL. VEDAÇÃO AO RETROCESSO SOCIAL. PROIBIÇÃO DA PROTEÇÃO INSUFICIENTE. REMESSA OFICIAL E APELO IMPROVIDOS. Por fim, considerando a gravidade dos fatos reportados, de rigor a manutenção da multa fixada, visto que razoável e proporcional ao bem tutelado e ao tempo decorrido. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao agravo de instrumento É como voto.
Diante da urgência narrada, reputo possível a concessão da tutela provisória pleiteada, independentemente da prévia oitiva das partes rés.
A tutela provisória de urgência pressupõe perigo de dano e probabilidade
do direito.
O perigo de dano à coletividade substituída se revela presente.
Conforme se infere dos relatórios circunstanciados elaborado pelo próprio INCRA em vistorias de setembro/2021 e outubro/2021 (id 140898034 e id 140898034, respectivamente), realizadas para coletar informações atualizadas sobre a barragem, o reservatório encontrava-se completamente cheio, com a água sendo extravasada pelo vertedouro principal e pelo vertedouro auxiliar, estando em sua capacidade máxima de reservação, e o nível da água estava aproximadamente 0,7m da borda de coroamento em alguns pontos. A elevação repentina do nível, mesmo em período de estiagem, decorreu de construção de barricada interceptando a saída de água pelo canal construído pela prefeitura na ombreira direita que dava vazão ao reservatório.
Quanto ao talude a montante, o vistoriador assinalou a possibilidade de processo erosivo com a manutenção do nível da água acima do nível normal e de transbordamento do reservatório sobre a crista em caso de chuvas furtas. No talude a jusante, assinalou que os os pontos de surgência de água haviam aumentado em quantidade e volume de água em relação à vistoria anterior.
Relativamente ao extravasor de fundo, o perito pontuou que o encharcamento do maciço pode levar ao desmoronamento abrupto da barragem - trecho esse negritado pelo próprio servidor do INCRA! -, o que pode ser resultado de surgências que vêm do talude a jusante.
No tocante ao canal provisório para rebaixamento do nível da água, o subscritor apontou que o canal escavado pela Prefeitura já não dava mais vazão ao reservatório por ter sido interceptado pela barricada feita por moradores, de modo que o nível do reservatório estava excessivamente elevado para a época do ano e sinalizou que ainda não havia tido um aumento significativo do volume de chuvas por conta das secas que se prolongaram (fls. 02/03 do id 140898034).
Como bem pontuado pelo MPF (fl. 3 do id 150351751), os relatórios juntados pelo INCRA - documentos públicos, com presunção relativa de veracidade -
apontam que o reservatório se encontra em processo de constante agravamento das suas condições estruturais de contenção.
Conforme destacado nas referidas vistorias, o nível do corpo da água do
reservatório se encontrava excessivamente elevado nas duas vistorias, mesmo após a seca histórica constatada na região, o que, além de anormal, se releva preocupante, tendo em conta o período de cheias se avizinha, a por em risco de colapso a estrutura.
Isso sem contar que os os próprios assentados instalaram barreiras de contenção, fato esse que somente piorou a situação, tudo à revelia do INCRA.
Desse modo, é forçoso convir que os elementos probatórios coletados demonstram o perigo de dano à coletividade substituída na presente ação civil pública.
Além disso, a probabilidade do direito também restou demonstrada.
Em audiência de conciliação (id 20871360), os representantes do INCRA apresentaram projeto de recuperação física emergencial da barragem "Lagoa Rica”, localizada n assentamento Zumbi dos Palmares em Iaras/SP, prevendo prazo de 90 a 120 dias para execução das obras e se comprometeram a buscar a agilização dos procedimentos administrativos necessários ao início das obras para que fossem iniciadas até 60 dias, desde que dispensada a licitação.
Contudo, decorridos dois anos desde o referido ato (16/08/2019), não consta dos autos prova da adoção das medidas necessárias à recuperação física emergencial.
Além disso, convém salientar que, no inquérito civil (fls. 30/31 e fls. 37/40 do id 19248144), o INCRA reconheceu a responsabilidade pela manutenção da barragem, adotando providências junto a diversos órgãos (como DAAE e Prefeitura de Iaras/SP) para evitar a erosão do vertedouro, o que se fundamenta no fato de que o rompimento da barragem formadora da represa Lagoa Rica, no Ribeirão Capão Rico, pode acarretar riscos à integridade física e patrimonial dos assentados, já que se encontra na divisa do Projeto de Assentamento Zumbi dos Palmares.
Contudo, em que pese a argumentação constante da petição inicial, reputo
nebulosa a responsabilidade da União Federal pelos fatos narrados, o que obsta a concessão da tutela contra ela.
Com efeito, a descentralização administrativa é fenômeno jurídico amplamente admitido no Direito Administrativo e representa a transferência da titularidade de determinada atividade pública/serviço público pelo ente federativo em favor de pessoa jurídica criada especialmente para isso, com personalidade jurídica própria e com independência administrativa, financeira e orçamentária.
Desse modo, a circunstância de a União Federal ter descentralizado o serviço de reforma agrária por intermédio da criação do INCRA, autarquia federal integrante da Administração Indireta, não lhe torna automaticamente responsável pelas ações e omissões da pessoa jurídica descentralizada, dada a não ingerência do ente federativo na pessoa jurídica criada.
Embora não se ignore a possibilidade de responsabilidade civil do ente federativo, isso se aplica a casos extremos, de maneira pontual e sempre subsidiária, não se podendo ao ente criado responsabilidade solidária pelos atos de terceiros, o que desvirtuaria a finalidade.
O controle realizado pela União Federal é externo e finalístico, sem poder
de ingerência para definir concretamente as ações que o INCRA deve ou não praticar no cumprimento de seu mister.
Além disso, em juízo de cognição sumária, não reputo que a suposta dominialidade de um dos imóveis em que se situa o corpo d'água relativo à
barragem sirva de justificativa para reconhecer omissão da União Federal, haja vista que a posse foi transferida ao INCRA justamente para operacionalizar o programa de reforma agrária, dentro daquilo que a Constituição Federal preconiza, o que lhe transfere integral e exclusivamente a responsabilidade por garantir a infraestrutura do local em que o Assentamento se instalou, bem como a saúde, a integridade física e o patrimônio dos assentados.
As medidas pleiteadas pelo Ministério Público Federal são proporcionais e razoáveis, não restringindo, além do estritamente necessário, qualquer direito fundamental ou mesmo a autonomia das instituições afetadas, e se revelam, a princípio, suficientes para acautelar o bem jurídico.
Do exposto, CONCEDO EM PARTE A TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA postulada, com fundamento no artigo 300 do Código de Processo Civil, para determinar ao INCRA a realização de obras emergenciais Reservatório Lagoa Rica, confrontante com o Projeto de Assentamento Zumbi dos Palmares, em Iaras/SP, especificamente para contenção da respectiva barragem, recuperação dos canais de escoamento e quaisquer outras medidas apontadas por seus engenheiros como necessárias para se evitar desmoronamento e manter os níveis de segurança suficientes durante o transcurso do procedimento licitatório das obras definitivas, bem como a ampla divulgação, junto à população do Projeto de Assentamento Zumbi dos
Palmares, notadamente por meio de placas sinalizadoras (e com eventual reunião com as lideranças locais), acerca da proibição de alteração das características estruturais da barragem da Lagoa Rica, em razão do risco de colapso estrutural e desmoronamento.
Fixo o prazo máximo de 10 (dez) dias para comprovação do início das obras e da divulgação, sob pena de multa diária no valor de R$10.000,00 (dez mil
reais), a contar da intimação.
Sem prejuízo, MANTENHO a tutela provisória anteriormente deferida para
reconhecer a relativa à realização de inspeções técnicas mensais no reservatório, com apresentação de relatórios até o final do mês subsequente a cada vistoria, nos exatos termos de id 121319850
No mais, considerando a insubsistência de justa causa para a suspensão da marcha processual diante da tutela de urgência ora deferida e da inércia caracterizada, como bem pontuado pelo Ministério Público Federal, reputo imprescindível o seu prosseguimento.
…"
(...)
- Reveste-se de plena legitimidade jurídico-constitucional a utilização, pelo Poder Judiciário, da técnica da motivação "per relationem", que se mostra compatível com o que dispõe o art. 93, IX, da Constituição da República. A remissão feita pelo magistrado - referindo-se, expressamente, aos fundamentos (de fato e/ou de direito) que deram suporte a anterior decisão (ou, então, a pareceres do Ministério Público ou, ainda, a informações prestadas por órgão apontado como coator) - constitui meio apto a promover a formal incorporação, ao ato decisório, da motivação a que o juiz se reportou como razão de decidir. Precedentes."
(STF, AI 825520 AgR-ED, Relator Ministro CELSO DE MELLO, Segunda Turma, j. 31/05/2011, DJe 09/09/2011)
"AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. FUNDAMENTAÇÃO PER RELATIONEM. POSSIBILIDADE.
1. Consoante o entendimento pacificado do Superior Tribunal de Justiça, não há que se falar em nulidade por ausência de fundamentação ou por negativa de prestação jurisdicional a decisão que se utiliza da fundamentação per relationem. Precedentes. Incidência da Súmula n° 83/STJ.
2. Não se admite o recurso especial quando a questão federal nele suscitada não foi enfrentada no acórdão recorrido. Incidem as Súmulas 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal (STF).
3. Agravo interno a que se nega provimento."
(STJ, AgInt no AREsp 1322638/DF, Relatora Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, j. 11/12/2018, DJe 18/12/2018)
"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. TEMPESTIVIDADE DO RECURSO ESPECIAL COMPROVADA NO AGRAVO. POSSIBILIDADE. ACÓRDÃO COM FUNDAMENTAÇÃO PER RELATIONEM. AUSÊNCIA DE NULIDADE. PROCESSO ADMINISTRATIVO INSTAURADO. TIPICIDADE. DOLO. NECESSIDADE DE INCURSÃO VERTICAL NA ANÁLISE DAS PROVAS. SÚMULA 7. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Não há cogitar nulidade do acórdão por ausência de fundamentação ou ofensa ao artigo 93, IX, da Constituição Federal 1988, se o órgão julgador na origem, ao apreciar a apelação, se utiliza de trechos de decisão anterior ou de parecer ministerial como razão de decidir, não configura ofensa ao princípio constitucional da motivação das decisões judiciais (APn n. 536/BA, Corte Especial, Dje 4/4/2013).
(...)
5. Agravo regimento não provido.”
(STJ, AgRg no REsp 1482998/MT, Relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, j. 13/11/2018, DJe 03/12/2018)
"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. OMISSÃO E CONTRADIÇÃO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. MOTIVAÇÃO PER RELATIONEM. LEGITIMIDADE JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DESSA TÉCNICA DE FUNDAMENTAÇÃO. VALIDADE. DIREITO AMBIENTAL. ART. 10 DA LEI N. 6.938/81. COMPETÊNCIA PARA LICENCIAMENTO. PODER FISCALIZATÓRIO. IBAMA. POSSIBILIDADE. ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DIREITO ADQUIRIDO. FATO CONSUMADO EM MATÉRIA AMBIENTAL. AUSÊNCIA. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. INCIDÊNCIA. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. AUSÊNCIA DE PROVAS. INCOMUNICABILIDADE DAS ESFERAS ADMINISTRATIVA E PENAL. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. HONORÁRIOS RECURSAIS. NÃO CABIMENTO. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO.
(...)
IV - O Supremo Tribunal Federal chancelou a técnica da motivação per relationem, por entender que se reveste de plena legitimidade jurídico-constitucional e se mostra compatível com o que dispõe o artigo 93, IX, da Constituição Federal. A remissão feita pelo magistrado - referindo-se, expressamente, aos fundamentos (de fato e/ou de direito) que deram suporte à anterior decisão (ou, então, a pareceres do Ministério Público ou, ainda, a informações prestadas por órgão apontado como coator) - constitui meio apto a promover a formal incorporação, ao ato decisório, da motivação a que o juiz se reportou como razão de decidir. Precedentes.
(...)
XII - Agravo Interno improvido."
(AgInt no REsp 1283547/SC, Relatora Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, j. 23/10/2018, DJe 31/10/2018)
“Iniciados os trabalhos, pelos representantes do INCRA foi apresentado um projeto de recuperação física emergencial da barragem “Lagoa Rica’, localizada no assentamento Zumbi dos Palmares, em Iaras/SP, prevendo um prazo de 90 a 120 dias execução das obras.
…”
01. A controvérsia trazida à baila cinge-se em se aferir se houve, ou não, malversação dos recursos públicos federais, pela autarquia federal ré, oriundos do Convênio CRT/MS/nº 9000/05, firmado entre o INCRA, a Prefeitura Municipal de Corumbá/MS e a Associação da União dos Produtores Rurais do Assentamento Taquaral (AUPRAT), relativamente à execução das obras de manutenção e ampliação do sistema de abastecimento de água do Projeto de Assentamento (P.A.) Taquaral; e se houve, ou não, negligência da recorrente no cumprimento de suas determinações e metas, em prejuízo das necessidades dos assentados.
02. No caso concreto, o Convênio CRT/MS/ nº 9000/05 foi pactuado entre o INCRA, a Associação da União dos Produtores Rurais do Assentamento Taquaral (AUPRAT) e a Prefeitura Municipal de Corumbá/MS, com o objetivo de “sistematizar e acelerar o processo de desenvolvimento e consolidação de projeto de assentamento visando a sua conclusão e integração à agricultura familiar, através de concessão de investimentos em infra-estrutura, capacitação e assistência técnica, (...)”.
03. Conforme informações colhidas do Relatório Final PAC/ATES-Assistência Técnica Social e Ambiental do PA Taquaral, as questões de infraestrutura de abastecimento de água, estradas e habitação perduravam há mais de 22 anos, sem que as tratativas levassem a cabo alguma solução.
04. Nos termos do Ofício nº 1008/2016-Incra/SR(16)MS/G/D, o levantamento ocupacional identificou 12 lotes que estariam sem receber água da rede de distribuição, em julho de 2013. No intuito de dar prosseguimento ao fornecimento de água por caminhão-pipa no PA Taquaral, o INCRA firmou contrato de prestação de serviços de fornecimento de água, assinado em 23/01/2015; porém, “devido a problemas na execução, o fornecimento não foi realizado”.
05. Com fundamento na alegada falta de recursos, constata-se que a única ação realizada pelo órgão público federal, para melhorar o sistema de abastecimento de água, foi a perfuração de dois poços artesianos profundos, no ano de 2013, através de um Termo de Cooperação Técnica com a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA).
06. Durante toda a instrução processual até a vinda das razões recursais, o que se verifica da parte do recorrente é a completa inação estatal, injustificada e desarrazoada, despida de argumentação que demonstre, objetivamente, a ocorrência de justo motivo que exonere o Estado de cumprir com as obrigações constitucionais, para tornar efetivas as prestações positivas contempladas no convênio.
07. Cumpre ressaltar que o INCRA, enquanto órgão executor do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA), é incumbido de assegurar aos beneficiários, previamente à concessão dos lotes, a execução de uma infraestrutura mínima, à luz do art. 89 do Estatuto da Terra, sob pena de inviabilizar-se a própria finalidade social do programa.
08. Consoante entendimento do STF, consignado no julgamento da ADPF 45, da lavra do então Min. Celso de Mello, a cláusula da reserva do possível não pode ser invocada, pelo Poder Público, com o propósito de fraudar, frustrar e inviabilizar a implementação de políticas públicas amparadas pela própria Constituição, sob pena de violação à garantia constitucional do mínimo existencial, que representa, no contexto de nosso ordenamento positivo, emanação direta do postulado da essencial dignidade da pessoa humana.
09. Tampouco prospera a alegação de violação à independência dos Poderes, na medida que o próprio art. 5º, inciso XXXV, da Lei Maior preconiza o princípio constitucional da inafastabilidade da Jurisdição, cabendo ao Poder Judiciário apreciar os casos de lesão ou ameaça a direito, bem como a revisão de atos administrativos, quando ilegais ou inconstitucionais, no exercício do controle judicial.
10. Impõe ressaltar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento no sentido de que, em situações excepcionais, pode o Judiciário determinar à Administração Pública a adoção de medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais, sem que isso configure violação ao princípio da separação dos poderes. Precedentes: AgRg no AREsp nº 649229/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe 06/04/2017; REsp 1.366.331/RS, Relator Ministro HUMBERTO MARTINS, julgado em 16/12/2014, DJe 19/12/2014.
11. Diante a omissão estatal, desarrazoada e injustificável, restam configuradas as irregularidades no fornecimento de água aos assentados, não atendidos pela rede do Projeto de Assentamento Taquaral, afigurando-se razoável a intervenção judicial, diante a necessidade premente da conclusão das obras relativas aos serviços de abastecimento de água.
12. Sentença mantida. Remessa oficial e apelação improvidas.
(TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 0001548-51.2012.4.03.6004, Rel. Desembargador Federal NERY DA COSTA JUNIOR, julgado em 17/12/2021, Intimação via sistema DATA: 18/01/2022) destaquei
E M E N T A
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESERVATÓRIO LAGOA RICA.PERIGO DE DANO À COLETIVIDADE. RISCO DE ROMPIMENTO DE BARRAGEM. MANTIDA A DECISÃO AGRAVADA.
1. O provimento recorrido encontra-se devidamente fundamentado, tendo dado à lide a solução mais consentânea possível, à vista dos elementos contidos nos autos, sendo certo, ainda, que o recurso apresentado pela agravante não trouxe nada de novo que pudesse infirmar o quanto decidido. Decisão agravada mantida por seus próprios fundamentos.
2. Registre-se, por oportuno, que a adoção, pelo presente julgado, dos fundamentos externados na sentença recorrida - técnica de julgamento "per relationem" -, encontra amparo em remansosa jurisprudência das Cortes Superiores, mesmo porque não configura ofensa ao artigo 93, IX, da CF/88, que preceitua que "todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade (...)". Precedentes do E. STF e do C. STJ.
3. Os próprios representantes da agravante admitiram em 2019 a necessidade de recuperação “emergencial" da barragem e apresentaram um projeto cujo prazo seria de 90 a 120 dias.
4. No entanto, conforme noticiado pelo parquet, passados anos, a obra “emergencial" sequer tinha sido iniciada.
5. Afastada qualquer alegação quanto à violação ao princípio da Separação dos Poderes, visto que a atuação do Poder Judiciário encontra fundamento por ser esse direito indispensável à dignidade da pessoa humana, integrante do mínimo existencial.
6. A concretização dos direitos fundamentais não pode ficar condicionada à boa vontade do Administrador, sendo de suma importância que o Judiciário atue como órgão "controlador" da atividade administrativa.
7. Quanto à reserva do possível, o denominado "mínimo existencial", no qual se incluem os direitos individuais e coletivos à vida e à saúde e que se apresenta com as características da integridade e da intangibilidade, e alegações genéricas, sem demonstração objetiva, no sentido da inexistência de recursos ou de previsão orçamentária não são capazes de frustrar a preservação do meio ambiente e, ainda, a adoção de medidas emergenciais para garantir a vida dos moradores da região ao redor da barragem.
8. O argumento da falta de condições orçamentárias não pode ser utilizado como obstáculo para efetivação do direito à vida e ao meio ambiente, o qual é um direito fundamental.
9. Agravo de instrumento a que se nega provimento.