APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0029138-79.2007.4.03.6100
RELATOR: Gab. 12 - DES. FED. MARLI FERREIRA
APELANTE: UNIÃO FEDERAL
APELADO: MABE BRASIL ELETRODOMESTICOS S/A EM RECUPERACAO JUDICIAL
Advogados do(a) APELADO: ANDRE LUIZ PAES DE ALMEIDA - SP169564-A, EDUARDO GIACOMINI GUEDES - SP111504-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0029138-79.2007.4.03.6100 RELATOR: Gab. 12 - DES. FED. MARLI FERREIRA APELANTE: UNIÃO FEDERAL APELADO: MABE BRASIL ELETRODOMESTICOS S/A EM RECUPERACAO JUDICIAL Advogado do(a) APELADO: ANDRE LUIZ PAES DE ALMEIDA - SP169564-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O A Excelentíssima Senhora Desembargadora Federal MARLI FERREIRA (Relatora): Trata-se de recurso de apelação interposto por MABE BRASIL ELETRODOMÉSTICOS S/A – EM REGIME DE FALÊNCIA (sucessora da BSH CONTINENTAL ELETRODOMÉSTICOS LTDA), da r. sentença que, em sede de ação ordinária ajuizada em face da UNIÃO FEDERAL, objetivando desobrigar-se a se adequar às exigências do artigo 2º da Lei nº 11.337/2006, que determinou a padronização de “plugues” e tomadas, com a implementação de condutor-terra de proteção e do respectivo adaptador macho tripolar a todos os aparelhos elétricos com carcaça metálica e sensíveis a variações bruscas de tensão, julgou procedente o pedido. Em consequência, condenou a União Federal ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) do valor da causa. Sustenta a recorrente, preliminarmente, ilegitimidade passiva ad causam, sob a alegação de que não pode ser responsabilizada por atos legislativos, sob pena de malferimento à regra constitucional de competência da União para legislar. Pugna, por outro lado, pela nulidade da sentença, ao extrapolar sua circunscrição geográfica, pois a esfera jurisdicional do juízo a quo é constitucionalmente limitada à Subseção Judiciária de São Paulo – Capital, ex vi do artigo 92, parágrafo único, da CF, c/c o artigo 11 da Lei nº 5.010/96 e o artigo 16 da Lei nº 7.347/85. No mérito, aduz que a Lei nº 11.337/2006 visou reforçar a segurança dos utensílios elétricos e, em decorrência, garantir o bem estar da população, lembrando que é papel da Administração criar uma padronização em nome do interesse público. Pede, portanto, o provimento do apelo para que se julgue improcedente o pedido. Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte, para julgamento. É o relatório.
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0029138-79.2007.4.03.6100 RELATOR: Gab. 12 - DES. FED. MARLI FERREIRA APELANTE: UNIÃO FEDERAL APELADO: MABE BRASIL ELETRODOMESTICOS S/A EM RECUPERACAO JUDICIAL Advogado do(a) APELADO: ANDRE LUIZ PAES DE ALMEIDA - SP169564-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A Excelentíssima Senhora Desembargadora Federal MARLI FERREIRA (Relatora): Desde logo ressalte-se que os recursos foram interpostos antes da entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, razão pela qual serão apreciados de acordo com a forma prevista no CPC de 1973, "com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça" (enunciado nº 2º do E. STJ). Como relatado, trata-se de ação que visa desobrigar a empresa autora a se adequar às exigências do artigo 2° da Lei Federal n° 11.337/2006, que tornou “obrigatória a existência de condutor-terra de proteção nos aparelhos elétricos que especifica", declarando-se incidentalmente a inconstitucionalidade do comando legal em questão, cuja sentença julgou procedente o pedido. Deve-se salientar que a referida Lei Federal teve sua redação alterada pela Lei n. 12.119/2009, passando a vigorar com a seguinte redação: “Art. 2º Os aparelhos elétricos e eletrônicos, com carcaça metálica comercializados no País, enquadrados na classe I, em conformidade com as normas técnicas brasileiras pertinentes, deverão dispor de condutor terra de proteção e do respectivo plugue, também definido em conformidade com as normas técnicas brasileiras. (Redação dada pela Lei nº 12.119, de 2009) Parágrafo único. O disposto neste artigo entra em vigor a partir de 1º de janeiro de 2010.” As preliminares confundem-se com o mérito da aporia e com este será analisada. Cediço que a declaração de inconstitucionalidade, forte no art. 97 da Constituição Federal, somente pode ser julgada pelo órgão especial do tribunal. Entretanto, tanto o Juízo singular quanto o Tribunal podem declarar, originariamente e incidentalmente, a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. Isso porque, no controle difuso de constitucionalidade (que pode ser realizado por qualquer juiz ou tribunal com esteio no inciso III do art. 102 da Constituição Federal), o exame da constitucionalidade das leis ou atos normativos é realizado incidentalmente, como questão prejudicial. Como assentou o Ministro Joaquim Barbosa no julgamento da Rcl 14.889-MC/SP, “[...] O art. 97 da Constituição e a SV 10 são aplicáveis ao controle de constitucionalidade difuso realizado por órgãos colegiados. Por óbvio, o requisito é inaplicável aos juízos singulares, que não dispõem de ‘órgãos especiais’. Ademais, o controle de constitucionalidade incidental, realizado pelos juízes singulares, independe de prévia declaração de inconstitucionalidade por tribunal. A tese exposta na inicial equivaleria à extinção do controle de constitucionalidade difuso e incidental, pois caberia aos juízes singulares tão somente aplicar decisões previamente tomadas por tribunais no controle concentrado e abstrato de constitucionalidade”. No entanto, de acordo com entendimento também firmado pelo Pretório Excelso “A declaração incidental de inconstitucionalidade somente é permitida de maneira excepcional aos juízes e tribunais para o pleno exercício de suas funções jurisdicionais, devendo o magistrado garantir a supremacia das normas constitucionais ao solucionar de forma definitiva o caso concreto posto em juízo. Trata-se, portanto, de excepcionalidade concedida somente aos órgãos exercentes de função jurisdicional, aceita pelos mecanismos de freios e contrapesos existentes na separação de poderes e não extensível a qualquer outro órgão administrativo.” (MS 35812, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, DJe 10/05/2021). Mister ressaltar, por oportuno, que o controle difuso tem como característica essencial, a restrição dos efeitos da eventual declaração de inconstitucionalidade restrita às partes litigantes (eficácia inter partes), tal como verificado na hipótese dos autos. Assim, não há falar-se em usurpação de competência do C. Supremo Tribunal Federal. No entanto, respeitado o entendimento do d. magistrando sentenciante, tenho que a inovação legislativa advinda da promulgação da Lei nº 11.337/2006, no ponto aqui em deslinde, coaduna-se com a Constituição Federal. A controvérsia dos autos se caracteriza como questão de política pública, a qual deve ser discutida e solucionada na seara legislativa, de modo que não há como reconhecer a inconstitucionalidade da mencionada Lei, sobretudo por se tratar de tema relacionado à segurança do consumidor. O PL nº 1.096-B/95, seu apenso, o PL nº 1.950/96, e o substitutivo adotado pela CDCMAM - Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias, convolado na Lei nº 11.233/2006, não contêm vício de iniciativa, já que compete privativamente à União legislar sobre o Direito Civil, onde se insere em grande parte o Direito do Consumidor (art. 22, I, da CF). A propósito: “Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Art. 3º, parágrafo único, da Lei Estadual n. 18.309, de 03 de agosto de 2009, do Estado de Minas Gerais. 3. Proibição de inscrição do nome do usuário dos serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário em cadastro de proteção ao crédito quando inadimplente. 4. Competência privativa da União para legislar sobre normas gerais de proteção ao consumidor. Violação ao art. 24, V e § 1º, da Constituição. 5. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do dispositivo impugnado.” (ADI 6668, Rel. Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, DJe 07/03/2022) A corroborar esta decisão, quanto à ausência de ilegalidade relativa à questão examinada, cito a decisão monocrática proferida pela e. Relatora ALDA BASTO, no AI nº 0104186-11.2007.4.03.0000, que compunha esta e. Turma, juntada aos autos no id 93321578 – p.242/245, as quais agrego como razões de decidir: “(...) Inicialmente, entendo oportuno transcrever integralmente a Lei n° 11.337/06. ‘LEI Nº 11.337, DE 26 DE JULHO DE 2006. Art. 1º As edificações cuja construção se inicie a partir da vigência desta Lei deverão obrigatoriamente possuir sistema de aterramento e instalações elétricas compatíveis com a utilização do condutor-terra de proteção, bem como tomadas com o terceiro contato correspondente. Art. 2º Os aparelhos elétricos com carcaça metálica e aqueles sensíveis a variações bruscas de tensão, produzidos ou comercializados no País, deverão, obrigatoriamente, dispor de condutor-terra de proteção e do respectivo adaptador macho tripolar. Parágrafo único. O disposto neste artigo entra em vigor quinze meses após a publicação desta Lei. Art. 3º Esta Lei entra em vigor noventa dias após sua publicação’. Como se verifica o art. 2º da Lei 11.337/2006, questionado nestes autos, previu ‘vacatio legis’ de 15 meses da data da publicação, tendo a Lei sido publicada em julho de 2006. Isto significa dizer que os fabricantes de aparelhos eletros-domésticos tiveram prazo razoável para questionar a matéria técnica administrativamente perante o órgão competente, trazendo subsídios à apreciação. A questão crucial, como apontada pela agravante, deságua na presunção de constitucionalidade das leis, somente suspendendo sua aplicação com substancial argumentação, na (sic) se demonstre violação direta, ou até indireta, à Carta Magna. No caso a ação principal é declaratória objetivando a autora seja desobrigada do cumprimento da obrigação decorrente do art. 2º da Lei 11.337/2006. Não vislumbrei discussão jurídica mas questionamentos técnicos da agravada contra a imediata aplicação de um novo sistema de padronização de plugues e tomadas, pois estavam a ser implementados gradativamente pela CONMETRO-Conselho Nacional de Metrologia, com prazo até dezembro de 2009 pela Resolução nº 11/2006. Por mais prestigioso que seja o Laudo Técnico expedido pelo IPT, é indubitável que se refere a fatos e, fatos dependem de provas. Daí a insuficiência do Laudo, nesta fase inicial, de por si só suspender aplicação de lei vigente. Daí porque não se pode detectar a verossimilhança sob matéria dependente de provas. A matéria controversa se contrapõe à verossimilhança. Noto ainda a irreversibilidade da tutela, pois a suspensão da lei redundará na abstenção do cumprimento de conduta legal, trazendo insegurança jurídica. Devo concordar, neste momento pelo menos, que o fundamento de que a padronização é desnecessária, inadequada, perigosa, inútil, impossível e desastrosa para a economia do setor e para os consumidores, é subjetiva e infra-legal. Se o INMETRO, como afirmou o agravado, possui competência para regular a matéria pertinente aos plugues e tomadas, ao lado da ABNT- Associação Brasileira de Normas Técnicas, parece ser indispensável sua manifestação no feito, pois eventual sentença lhe atingirá. E mais. Se o problema é a dificuldade no cumprimento da lei, importante seria a manifestação prévia da INMETRO quanto à viabilidade imediata das alterações no mercado, já que disciplinou diferentemente. Além disto, como aventa a agravante é improvável que os setores elétricos e eletrônicos não tenham tido participação nos debates anteriores à elaboração da lei. Antecedentemente à edição da lei, notadamente ao envolver matéria técnica, extensos estudos a respeito da matéria técnica se concretizando, aliados a pareceres de órgãos técnicos e jurídicos. Não há como se presumir o contrário. Ao que tudo indica a constitucionalidade está a ser questionada sobre aspectos técnicos, propondo-se ofensa ao princípio da proporcionalidade, porque os novos regramentos para aparelhos eletros-domésticos são ‘inadequados, impraticáveis e inúteis’, gerando grande impacto econômico para os fabricantes e consumidores. Também entendo, como a União Federal, que apenas um laudo técnico, embora produzido pelo IPT, seja insuficiente para em juízo provisório sustar lei ordinária federal. Não olvido que evidentemente os novos plugues dos aparelhos domésticos deverão ser adaptados às construções existentes, ainda sem a devida tomada tripolar. Contudo, é aleatória a alegação de dificuldade para definir ‘variações bruscas de tensão’ ou de entender a necessidade do condutor-terra de proteção e seu adaptador macho tripolar como diz a lei. De há muito tempo que os aparelhos domésticos, como geladeira, máquinas de lavar, micro-ondas etc vêm com um fio pendurado cuja inscrição diz ‘fio terra’, sem que os plugues das paredes contemplem o tripolar. Não me convence, tampouco, as alegações de falta de segurança pera os usuários, dado o caráter genérico da argumentação. Mesmo porque, pelo que pude entender há previsão pelo CONMETRO das trocas de plugues e tomadas, gradativamente, até o ano 2009. O CONMETRO, Conselho Nacional de Metrologia Normalização e Qualidade Industrial e a Associação Brasileira de Normas Técnicas-ABNT são órgãos de fiscalização, contudo, não há nos autos qualquer Parecer ou manifestação quanto à matéria técnica. A discussão na verdade pende para o lado técnico e viabilidade econômica, do que jurídica. Não logro antever, neste momento, qualquer eiva de inconstitucionalidade formal ou material na Lei n° 11.337/06, tendo em vista a inexistência de vício de iniciativa e a utilização correta de instrumento normativo para veicular a matéria. No tocante à alegação de ausência de regulamentação do artigo 2° da referida lei, como o próprio legislador não a previu, somente a instrução probatória poderá esclarecer devidamente. Assim, ao menos em sede de cognição sumária, entendo de preservar a constitucionalidade da lei impugnada, de modo que DEFIRO O EFEITO SUSPENSIVO, sustando os efeitos da decisão agravada. (...)” Ante o exposto, dou provimento à apelação e à remessa necessária para julgar improcedente o pedido, invertendo o ônus da sucumbência. É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. AÇÃO ORDINÁRIA DECLARATÓRIA. LEI Nº 11.337/2006. “PLUGUE DE TRÊS PINOS”. VÍCIO DE INICIATIVA. INEXISTÊNCIA. CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOCORRÊNCIA.
De acordo com entendimento firmado pelo Pretório Excelso “A declaração incidental de inconstitucionalidade somente é permitida de maneira excepcional aos juízes e tribunais para o pleno exercício de suas funções jurisdicionais, devendo o magistrado garantir a supremacia das normas constitucionais ao solucionar de forma definitiva o caso concreto posto em juízo. Trata-se, portanto, de excepcionalidade concedida somente aos órgãos exercentes de função jurisdicional, aceita pelos mecanismos de freios e contrapesos existentes na separação de poderes e não extensível a qualquer outro órgão administrativo.” (MS 35812, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, DJe 10/05/2021).
O controle difuso tem como característica essencial, a restrição dos efeitos da eventual declaração de inconstitucionalidade restrita às partes litigantes (eficácia inter partes), tal como verificado na hipótese dos autos. Assim, não há falar-se em usurpação de competência do C. Supremo Tribunal Federal.
A inovação legislativa advinda da promulgação da Lei nº 11.337/2006, que determinou a aplicação de novo padrão de tomadas com três pinos, coaduna-se com a Constituição Federal. Essa controvérsia, na verdade, se caracteriza como questão de política pública, a qual deve ser discutida e solucionada na seara legislativa, de modo que não há como reconhecer a inconstitucionalidade da mencionada Lei, sobretudo por se tratar de tema relacionado à segurança do consumidor.
O PL nº 1.096-B/95, seu apenso, o PL nº 1.950/96, e o substitutivo adotado pela CDCMAM - Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias, convolado na Lei nº 11.233/2006, não contêm vício de iniciativa, já que compete privativamente à União legislar sobre o Direito Civil, onde se insere em grande parte o Direito do Consumidor (art. 22, I, da CF).
A par dos questionamentos técnicos, obviamente infralegais, contra a aplicação de um novo sistema de padronização de plugues e tomadas não permitirem análise jurídica, esse foi implementado gradativamente pelo CONMETRO-Conselho Nacional de Metrologia, na forma da Resolução nº 11/2006, cujo prazo expirou em 2009. Ao que tudo indica a constitucionalidade está indevidamente a ser questionada sobre aspectos técnicos, propondo-se ofensa ao princípio da proporcionalidade, sob o argumento de que os novos regramentos para aparelhos eletrodomésticos são ‘inadequados, impraticáveis e inúteis’, gerando grande impacto econômico para os fabricantes e consumidores.
Apelação e remessa oficial providas para julgar improcedente o pedido, com inversão dos ônus da sucumbência.